quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Zombi Child

"Zombi Child" (2019) dirigido por Bertrand Bonello (Nocturama - 2016) é baseado na história de Clairvius Narcisse, um haitiano que alega ter sido transformado em um morto-vivo por um feiticeiro vodu, a história assustadora e curiosa de Narcisse atraiu a atenção de cientistas do mundo todo que apresentaram diversas versões para a possível ressurreição. O filme é imensamente interessante e se desenvolve em duas linhas temporais, a primeira nos anos 60 mostrando um homem sendo ressuscitado, escravizado na colheita de cana-de-açúcar e zumbificado por alguma substância, e na segunda uma jovem tentando se adaptar a um colégio tradicional na França após perder os pais num terremoto que devastou o Haiti.
Haiti, 1962. Um homem é trazido de volta do mundo dos mortos apenas para ser enviado ao inferno do trabalho nos campos de cana. Em Paris, 55 anos depois, na conceituada escola da Legião de Honra, uma jovem aluna haitiana confessa um antigo segredo de família para o grupo de novas amigas - sem imaginar que sua estranha narrativa vai convencer uma colega de coração partido a fazer o inimaginável.
Longe da figura que conhecemos hoje como zumbi, entramos nas profundezas obscuras de sua mitologia, de origem africana e pagã, um terreno em que por vezes soa estereotipado demais, porém mesmo assim um ótimo filme sobre a herança cultural. Acompanhamos Mélissa, que apesar de ter crescido na França possui raízes haitianas, ela descende diretamente de um zumbi e mesmo sendo a única negra num colégio feminino de elite destinado somente a jovens filhas de pais condecorados com medalhas de honra não encontra tantos entraves, mas olhando com mais atenção a curiosidade que ela surte nas meninas lê-se como racismo, principalmente quando uma delas com o coração partido pelo namorado decide se enveredar pelo sobrenatural com a ajuda da tia de Mélissa.
O filme toca em pontos fortes da História da colonização do Haiti, da escravização, da miséria, da revolta dos escravos e a independência do país, a dor, os traumas, e assim pincela várias outras questões, como a má interpretação e caricatura do vodu, a apropriação cultural e a sua exotização, o maior exemplo disso é a utilização dos clichês utilizados por Hollywood, especialmente quando transformou o livro "A Serpente e o Arco-Íris", de Wade Davis no filme "A Maldição dos Mortos-Vivos". 

O ir e vir do tempo o torna um pouco arrastado e prejudica algumas ações, cortes bruscos também são um tanto utilizados, mas ao todo é uma obra que combina poeticamente o Haiti do passado com a França atual, um cinema que explora as raízes e reflete o quanto a apropriação e o uso de culturas afro-caribenhas são exploradas de modo banal.

"Zombi Child" é uma experiência intrigante e intensa, sem muito detalhar observamos as tradições culturais haitianas juntamente com questões sobre o colonialismo francês através das aulas na escola, narrativas que se complementam e dão substância e originalidade à trama, de certo modo chocante ao evidenciar o quanto as tradições são deturpadas e soterradas.

Um comentário:

  1. A ligação do Haiti com esta lenda ou mito dos zumbis foi tema de dois filmes bem distintos.

    De 1943 tem "A Morta-Viva" (I Walked with a Zombie) de Jacques Tourneur e de 1988 "A Maldição dos Mortos-Vivos" (The Serpent and the Rainbow) de Wes Craven.

    Abraço

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