sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

The Banshees of Inisherin

 

"The Banshees of Inisherin" (2022) dirigido por Martin McDonagh (Três Anúncios Para um Crime - 2017) é um filme que exala solidão e um existencialismo potente que nos faz rir de desespero, particularmente a narrativa me conduziu como se estivesse lendo um livro, devagar e com intervalos contemplativos belíssimos, quadros melancólicos e que evoluem à medida dos acontecimentos cotidianos e mal-entendidos risíveis. Apesar da erma ilha aparentar uma certa paz e o tédio controlar a vida de seus habitantes, do outro lado o estrondo da guerra civil está a todo vapor. Situado numa ilha remota na costa oeste da Irlanda nos idos dos anos 20, acompanhamos um impasse entre os amigos de longa data Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson). Inesperadamente Colm põe fim à amizade deles e Pádraic fica desesperado amparado pela sua irmã Siobhán (Kerry Condon) e pelo problemático jovem Dominic (Barry Keoghan), esforçando-se para recuperar o relacionamento e recusando-se a aceitar um não como resposta, os esforços repetidos de Pádraic apenas fortalecem a determinação de seu ex-amigo e, quando Colm entrega um ultimato, os eventos sucedem-se rapidamente com consequências inesperadas. O rompimento dessa amizade também atinge outros habitantes da ilha fazendo com que encarem o próprio abismo, como Dominic, um rapaz que sofre violências por parte do pai e que é esnobado pela irmã de Pádraic. Colm está cansado de tudo e diante da finitude da vida dedica seus dias a deixar um legado através da arte, já o ingênuo Pádraic se apega ao raso da vida, simples e gentil atravessa seus dias de puro nada, seu relacionamento com a irmã às vezes o traz para realidade, já que Siobhán quer sair da ilha por não aguentar mais o barulho que o silêncio faz. A situação simplesmente vai se transformando em algo desesperador para Pádraic, teimoso insiste em ir atrás de Colm e o segue pelos lugares e não aceita que o amigo tenha parado de gostar dele. A simplicidade desse personagem aos poucos vai sendo substituída por atitudes chatas e vergonhosas, até surgem sentimentos de pena ou graça, mas à medida que a narrativa transcorre também percebemos o endurecimento desse personagem, ele vai perdendo a ilusão e começa a articular maldades.

É um filme primoroso, os diálogos que proporcionam reflexões, a fotografia e o cenário imenso dessa ilha repleta de pedras confluindo com a solidão que cada personagem sente, a angústia nos olhos de Pádraic pelo fim da amizade, sua insistência chata, seu amor por Jenny, sua mini mula que também é afetada por essa guerra travada entre os dois. Pádraic é limitado e amarrado ao lugar que mora, sua ilusão de felicidade é quase ingênua pela falta de conhecimentos acerca de tudo, ele leva a vida de modo rudimentar, o que irrita Colm, que nessa fase de vida já não quer perder tempo com bobagens e até engraçado quando diz que Pádraic é mais interessante bêbado.
 
Há muitos aspectos e nuances que podemos trazer para nosso cotidiano, amizades desfeitas do nada, a falta de profundidade nas relações, a solidão mascarada por inúmeros artifícios/vícios, o tédio, angústias e ansiedades geradas a partir de expectativas que os outros depositam em nós, etc. A melhor personagem que encara com inteligência o meio em que vive e tem uma tomada de decisão perspicaz é Siobhán, ela é sincera ao dialogar, encara seus medos e suas peculiaridades e se move antes de ter seu ser corrompido ou destruído.
"The Banshees of Inisherin" é uma crônica excêntrica e por vezes absurda e apesar de ter um tom cômico, na verdade, é triste e desesperançosa, sua melancolia atinge em cheio ao nos colocar diante da solidão e das complexidades que abrangem a finitude da vida.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Manhãs de Setembro (Série)

  

"Manhãs de Setembro" série com duas temporadas dirigida por Dainara Toffoli e Luís Pinheiro e exibida pelo streaming Prime Video é um retrato real, fascinante, angustiante, transformador e repleto de afeto. Um misto de sentimentos invade nosso ser ao contemplar a jornada da protagonista vivida com força e altivez pela dona da voz mais linda da atual música brasileira, Liniker. A série conta a trajetória de Cassandra que, desde que deixou sua cidade para trás, decidiu não fazer concessões para se tornar o que sempre quis ser: uma mulher trans livre e independente. Depois de anos comendo o pão que o diabo amassou, finalmente as coisas começaram a entrar nos eixos. Após uma temporada de desafios com a descoberta da existência de um filho, Cassandra tem um novo reencontro com o passado graças à chegada do seu pai e às lembranças de sua mãe, o que deixa o sonho de cantar ainda mais abalado. Cassandra é fã de Vanusa, assim como sua mãe que não vê desde os quatro anos de idade, ela batalha na grande São Paulo pela sua independência e liberdade de ser, ela divide seu tempo entre trabalhar como entregadora e a noite se apresentando cantando canções que conversam diretamente com seus sentimentos, além de se relacionar com Ivaldo (Thomás Aquino) que é casado. Sua vida dá uma reviravolta quando Leide (Karine Teles) aparece lhe mostrando Gersinho (Gustavo Coelho) como sendo seu filho. No decorrer dos episódios acompanhamos essa transformação que acontece em sua vida, a descoberta muda muito de sua rotina e quebra um pouco de seu sonho de seguir sozinha, a responsabilidade de um filho inicialmente não é aceita, a relação de afeto é construída aos poucos e conforme as emoções vão se assentando, ela começa a reviver momentos do passado olhando para Gersinho, o que não a agrada, mas o menino tenta chamar sua atenção de todas as formas e demonstra um carinho e respeito acolhedor. Cassandra é uma mulher trans preta que luta contra o preconceito todos os dias, é forte, segura de si e enfrenta as dificuldades com resiliência. Absolutamente todos os personagens tem características interessantes e todos os diálogos tem naturalidade, as complexidades, as nuances, as dificuldades são colocadas com sensibilidade e nos emocionamos com a história que vai desenrolando aos poucos.

"Manhãs de Setembro" homenageia Vanusa, além de carregar no título uma de suas músicas mais conhecidas, ela se faz onipresente, discute e dá conselhos para Cassandra, um misto de musa e mãe, suas músicas permeiam a história e complementam perfeitamente. Cassandra dá voz a essas canções que tanto falam de si. Outro ponto de destaque é a movimentação pelas ruas cinzentas do centro turbulento de São Paulo.
 
Uma delícia acompanhar essa série que não tem pressa, respeita o tempo que as coisas acontecem, traz temas importantes e plurais com seriedade. E que fortaleza é a protagonista nos trazendo sentimentos variados, a complexidade de suas emoções, a aceitação do filho contrapondo com sua construção de liberdade e seguimento dos sonhos, sua solidão enxergando o afeto se construindo através do dia a dia, sua batalha diária tendo que lidar com a falta de dinheiro, preconceito, transfobia, o passado, os traumas...
A segunda temporada traz ainda mais contexto e seu pai, interpretado por Seu Jorge, aparece na história, descobrimos mais sobre Cassandra e vamos junto dela com coragem e intensidade. 

O único defeito dessa série é ser tão curtinha, juntando a primeira e a segunda temporada são apenas 11 episódios de aproximadamente 30min.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Marte Um

"Marte Um" (2022) dirigido por Gabriel Martins (No Coração do Mundo - 2019) é um filme feito com muito esmero ao retratar o espírito do povo brasileiro, as lutas travadas diariamente para conseguir seu sustento, a preocupação com os familiares e ainda conciliar os sonhos e esperança. Acompanhamos uma família de classe média baixa que mora na periferia de Contagem e sem grandes eventos vamos conhecendo cada um deles sobrevivendo aos desafios do cotidiano.
O filme traz a história de uma família periférica, nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais. O garoto Deivinho (Cícero Lucas), o caçula da família Martins, sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 irá colonizar o planeta vermelho. Morando na periferia de um grande centro urbano, não há muitas chances para isso, mas mesmo assim ele não desiste. Passa horas assistindo vídeos e palestras sobre astronomia na internet. Wellington (Carlos Francisco), o pai, é porteiro em um prédio de elite e há um bom tempo está sem beber, uma informação que compartilha com orgulho em sessões do Alcoólicos Anônimos. Tércia (Rejane Faria) é a matriarca que depois um incidente envolvendo uma pegadinha de televisão acredita que está sofrendo de uma maldição. Por fim, a filha mais velha é Eunice (Camilla Damião) que pretende se mudar para um apartamento com sua namorada mas não tem coragem de contar aos pais.
A sensibilidade com que os personagens são retratados cativa o espectador, cada um deles tentando prosseguir da melhor maneira mesmo tendo a restrição econômica, dá-se o jeitinho e, acima de tudo, mesmo com todos os percalços externos e internos ao fim de tudo estão juntos. Tem um belo visual, os olhares brilham feito estrelas, há sempre um ar melancólico, porém nunca se rendendo de fato, a vida e os sonhos sempre resplandecem. Ver na tela características tão comuns, problemas tão corriqueiros que a imensa maioria passa aperta o coração, essas simples nuances de representatividade faz toda a diferença para conexão com a história, a crise econômica, as injustiças, os receios, os obstáculos praticamente intransponíveis, aliado a isso um período de obscurantismo na política começa a nascer e atacar os mais pobres, sobreviver a essas coisas só com muita força. Tércia por exemplo, depois de passar por uma pegadinha de um programa de TV fica tão traumatizada que acredita estar amaldiçoada, pois tudo ao seu redor começa a ruir, Wellington é um sujeito honesto e acaba sendo passado para trás em seu trabalho e sem piedade é jogado fora, também pressiona seu filho para que jogue futebol e até consegue uma vaga para participar de uma peneira, mas Deivinho se acidenta e fica impossibilitado, daí Wellington se rende a bebida pelo desgosto.

Deivinho sonha e o custo desse sonho é muito alto, ele passa o dia estudando sobre o universo, pretende apesar de tudo se tornar astrofísico e participar da missão que colonizará Marte. Ele é inteligente e até cria seu próprio telescópio, o que nos faz refletir sobre o tanto de pessoas capazes e cheias de vontade que estão presos em rotinas estafantes, mas que poderiam ser cientistas, astrônomos, profissões que não chegam para quem é pobre, e não adianta discursar sobre esforço porque essa é uma parcela extremamente pequena que contém doses altas de sorte. A verdade é que não existe incentivo e o desejo de que os pobres concretizem seus sonhos e saiam ocupando esses lugares. O filme neste aspecto é bastante sutil e prima mais pela beleza e poesia do cotidiano aprofundando aos poucos e deixando que o espectador perceba essas questões.
 
"Marte Um" é um conto lindo e triste sobre a realidade do povo pobre do Brasil, que sente a esperança pulsar toda vez que algo se despedaça a sua frente, esse poder de ser reerguer e de acolhimento entre seus familiares é o encanto do filme. Quem assistiu e não se identificou e se emocionou quando o pai fala: "A gente dá um jeito"? Não é daquelas propostas rasas de que é importante sonhar, não é isso não, é sobre a legitimidade de sonhar e a privação do meio para a concretização, é sobre a força que nasce de múltiplos sentimentos contidos, esses detalhes ganham uma grandeza singela na tela. A gente chora e sorri assistindo. Vale ressaltar a produtora mineira "Filmes de Plástico", o catálogo de filmes são riquíssimos e retratam a realidade brasileira com muito esmero.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O Menu (The Menu)

"O Menu" (2022) dirigido por Mark Mylod é um filme ácido e crítico que caminha por um suspense nada convencional, repleto de reviravoltas acaba sendo gostoso de degustar, diferente dos pratos que são expostos ao longo da história. É sempre satisfatório assistir um longa cuja história expõe as breguices estrambólicas da burguesia que faz questão de pagar para ter exclusividade em experiências, o cerne da narrativa é basicamente a gourmetização que acaba destruindo o amor envolvido no ato de preparar um prato para um cliente.
Tyler (Nicholas Hoult) é um entusiasta da alta gastronomia que convida Margot (Anya Taylor-Joy) para uma experiência única em um restaurante disputadíssimo que se localiza em uma ilha onde cultivam seus próprios alimentos, absolutamente todos. A cozinha desse famoso restaurante é liderado pelo renomado chef Slowik (Ralph Fiennes). Junto deles estão também outros singulares clientes. Por exemplo, um astro de cinema e sua assistente, três funcionários do mercado financeiro, uma importante crítica gastronômica e seu editor, além de um casal milionário.
O fato é que esses clientes não estão lá à toa, a única que não deveria estar é Margot, ela foi chamada de última hora por Tyler, isso causa impaciência no chef e bagunça todo seu cronograma, os pratos começam a serem servidos e enquanto Tyler se delicia com porções ínfimas, Margot desdenha, ela não faz parte da elite e não consegue achar nada satisfatório nesse lugar. A cada prato do menu situações pessoais dos convidados são expostas, o jeito autoritário e estranho do chef só eleva o terror, são jogados no ventilador hipocrisias e vaidades, o ego e o poder adquirido pelo dinheiro, pouco a pouco as máscaras se desfazem e alcança a violência, que para alguns também não é considerada real. Todos nesse espaço são pessoas deploráveis, Tyler é puxa-saco, prepotente e quando seu ídolo o coloca à prova se mostra um verdadeiro farsante. Os três amigos do mercado financeiro são os clássicos ricos que dão carteirada, mas se olhar mais de perto se vê a fraude. O ator decadente que pensa que todos ao redor o conhece, os críticos gastronômicos cuja soberba exala a quilômetros de distância quando analisam um prato, e também o homem que trai a mulher e que possui um segredo horroroso. O desenrolar vai passeando por um humor sádico e quanto mais se adentra no menu pior fica.
 
Em dado momento o chef diz para Margot escolher um lado e nisso está embutido a luta de classes, de um lado a exausta classe trabalhadora e do outro a caricatura do rico esnobe que não valoriza o serviço que consome e insatisfeito não compreende aquilo que sua fortuna compra, o que transforma qualquer prazer em objeto de luxo. Tudo vira questão de status e exclusividade quanto mais exorbitante são os preços. É bem interessante traçar paralelos com a realidade e perceber lugares que se vendem para pessoas especiais.
 
"O Menu" traz uma atuação impecável de Ralph Fiennes, que interpreta com rigor e elegância um ser humano frustrado, ele não gosta das pessoas que consomem seus pratos e busca uma vingança incluindo a si mesmo. Só apenas quando Margot pede um X-burguer, Slowik quebra essa armadura e o faz relembrar de quando cozinhava com amor e o quanto os clientes saboreavam com prazer o lanche. É uma cena maravilhosa!
Mesmo não se aprofundando tanto em seus personagens faz um excelente retrato de uma burguesia cafona e, sobretudo, o filme concebe um suspense inventivo e que nos faz não desgrudar os olhos da tela.  
*Disponível no catálogo da Star+

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Ruído Branco (White Noise)

"Ruído Branco" (2022) dirigido por Noah Baumbach (Mistress America - 2015), adaptação da obra-prima de Don DeLillo é um filme ousado que acaba soando estranho e caótico, mas é um estilo de história que agrada um público voraz que não se importa com narrativas difusas e divagações filosóficas acerca do entorno, uma mistura ácida, absurda por vezes, mas que traz um conjunto de ideias maravilhosas para debater após a sessão.
Difícil traçar uma sinopse, pois é uma obra em movimento, pode parecer que não vai para lugar algum, só que ela norteia o assunto e o restante o espectador decide o que fazer com a informação. Jack Gladney (Adam Driver) é um professor universitário de meia-idade especialista em Hitler que se sente frustrado por não saber alemão, ele vive com sua quarta esposa Babette (Greta Gerwig) e seus vários filhos, alguns de casamentos anteriores, é uma família comum que de repente é abalada por um "evento tóxico", uma nuvem de fumaça no horizonte transforma a vida da família que inicialmente se recusa a acreditar na veracidade dos fatos, mas a história não se prende nessa catástrofe, se passa algumas situações engraçadas ou absurdas e logo os vemos novamente vivendo como antes, certamente o paralelo com a pandemia é óbvio e daí pode-se viajar nas ideias, como o negacionismo e o autoengano, e é a partir dessa quebra de normalidade que começamos a perceber o drama existencial de cada um na tela, mas de maneira conturbada e até incômoda, gera ansiedade, pois nem tudo está conectado, são assuntos diferentes que não são aprimorados, tem que isolá-los ou focar naquele que mais te contamine. 
A trama se passa na década de 80 e é extremamente atual todos os pontos exibidos, como o academicismo com sua verborragia e altivez, além da frustração e autodepreciação, o tédio do privilégio, a depressão e a consciência dramática da própria finitude, o encucamento com coisas abstratas que levam à obsessão, o espetáculo do consumismo com o supermercado sendo uma distração com suas paletas de cores, o vício em ansiolíticos, o fetiche em desastres, teorias da conspiração, entre tantas outras.

 "A família é o berço da desinformação do mundo."
 
"Ruído Branco" é provocador, irônico, exagerado, esquisito, mas em alguma questão certamente o filme vai alfinetar o espectador, a espiral que o roteiro faz é uma experiência que atordoa, são situações cotidianas evidenciadas com a lupa do absurdo. 
 
O humor do longa de Baumbach é controverso e vem acompanhado de desespero, a realidade é assustadora e o autoengano faz parte do mecanismo para a sobrevivência das avalanches ocasionadas dia a dia, daí também parte para os vícios, sejam eles dos mais variados para estar num lugar mais confortável.
Filosofia afiada com altas doses de humor por vezes irritante e ridículo e outras sombrio e sarcástico, encarar a realidade e o entorno é um exercício cruel e indigesto, o filme faz isso muito bem e talvez não agrade exatamente por esse motivo, o som que vem dele é desarmônico e bastante desagradável.
*Disponível no catálogo da Netflix!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Close

"Close" (2022) dirigido por Lukas Dhont (Girl - 2018) é um filme muito sensível, um golpe que nos pega desprevenidos, um retrato das complexidades do amadurecimento, das descobertas da adolescência, o machismo entranhado nas relações, o preconceito e, sobretudo, o luto.
Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) são amigos inseparáveis, vivem livres correndo pelas plantações da região, um amor protegido das garras infecciosas da sociedade, a inocência e o despertar soa sutil, bonito e o ambiente familiar ajuda nessa despreocupação com pensamentos conservadores. É algo natural acontecendo. Mas tudo muda quando começam a frequentar uma nova escola e à medida que questionamentos maliciosos e preconceituosos surgem, como a rotulação desse amor, os dois vão se distanciando, principalmente Léo que tem a necessidade de se inserir num grupo, Remi é mais introspectivo e se fecha quando essa distância de seu parceiro de vida se dá. Os quadros do filme que antes aproximavam e focavam neles juntos, agora se tornam escassos e melancólicos, os olhares contam muito sobre as emoções que os transcorrem, aliás essa proximidade nos afeta, somos parte dessa potente história de amizade/amor que se transforma em peso, desilusão, e então o golpe trágico; haja coragem e delicadeza para suportar.
O diretor compôs com muita acuidade e transborda pela tela as emoções, os traumas vividos na adolescência carrega-se para o resto da vida, amadurecer já é complicado e somando tragédias que levam a sentimentos como culpa não tem como mensurar a dor, além das particularidades que cada um tem para encarar tudo isso. Léo vai digerindo aos poucos os acontecimentos, o que vemos são fragmentos, ele se fecha, sente culpa, raiva, tristeza, vazio, seus olhares vão nos conduzindo.

"Close" tem cenas belíssimas e tristes, enchem os olhos e sentimos nosso coração se despedaçar, a narrativa contorna com amor a intimidade desses meninos; toda a estupidez de rotular e querer simplificar a relação de duas crianças que não freiam impulsos afetivos por normas e preconceitos vêm sempre com o olhar de fora e Léo sente o peso dessa imposição, afinal os "colegas" querem saber qual é a deles. Isso acarreta num mal-estar e a ruptura brusca machuca Rémi que já traz traços de uma melancolia. Um ponto a se destacar do filme é a seriedade com que se trata as emoções, o que na realidade parece que os adultos não fazem muita questão de enxergar, como a tristeza na infância/adolescência, traços de personalidade que se acentuam, desejos, etc.
 
Lindo, intenso, dolorido, sutil, sua linha narrativa engrandece e aponta para reflexões necessárias acerca do amadurecimento, o machismo encravado nas relações, o peso de carregar emoções que a sociedade incute através do medo. Léo vai se embrutecendo, enquanto Rémi se alia aos excluídos, o afastamento nevrálgico leva subitamente Léo a encontrar sentimentos pesados como culpa, vergonha, raiva e saudade. Um drama potente que é elevado pela complexidade das atuações, fascina pela inocência, mas logo tudo se quebra pela perda desta. Observamos com dor o desespero contido nos olhos de Léo. Grandioso!