segunda-feira, 28 de julho de 2014

Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo (Hannah Arendt)

"Hannah Arendt" (2012) de Margarethe von Trotta é um filme admirável e instigante, é uma ótima oportunidade de conhecer um pouco da filósofa que chocou o mundo com suas ideias que fugiam do lugar comum. O filme é muito inspirador a nós espectadores, já que inevitavelmente pesquisamos a respeito após seu término por nos fazer refletir sobre as vertentes do pensamento humano.
A história começa quando Hannah depois de acompanhar o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, ousa escrever sobre o Holocausto como nunca havia sido feito antes. Seu trabalho provoca um escândalo imediato, e Arendt permanece firme enquanto é atacada por amigos e inimigos na mesma medida. Mas enquanto a imigrante judia/alemã luta para romper suas ligações dolorosas com o passado, a sedutora mistura entre arrogância e vulnerabilidade de sua personalidade é exposta, revelando uma mulher lapidada pelo exílio.
O filme foca no episódio marcante no pós-segunda guerra mundial, quando Hannah pede para a revista The New Yorker enviá-la como correspondente a Jerusalém para escrever um artigo sobre o julgamento do nazi Adolf Eichmann, que era encarregado de levar os judeus aos campos de concentração para serem executados. Com o fim da Segunda Guerra, ele escapou para a Argentina com o apoio de religiosos da igreja católica, o governo de Israel por intermédio de Mossad, descobriu o nazista em Buenos Aires, sequestrou-o e levou-o para julgá-lo em Jerusalém, julgado foi enforcado na prisão de Ramlet em 1962. Durante o julgamento Hannah vai compreendendo algo que os outros não viam, o que ela descreveu como a banalidade do mal, não caracterizando o mal em si, mas o ser humano, Eichmann não era um monstro, ele era um homem qualquer, desprovido de pensamento e que simplesmente executava ordens diante a um líder que lhe dava uma direção. Hannah foi muito criticada e suas ideias geraram uma grande controvérsia na comunidade judaica internacional, até os seus amigos viraram as costas, principalmente quando disse que muitos judeus, como o M.C Rumkowski contribuíram para o holocausto.

Barbara Sukowa está magnífica em seu papel, a postura e a precisão das palavras ajudaram muito para a densidade do filme, que consegue abranger tanto a vida pública e pessoal de Hannah, como o processo de escrita do artigo sobre Eichmann, todo o seu pensamento filósofo-político, e a mulher amável com seus amigos e marido, também mostra a relação marcante que teve quando mais nova com o filósofo Heidegger, que acabou se filiando ao regime nazista.
O pensamento mór que o filme expõe é que a banalidade do mal não está nos indivíduos de índole má, mas no homem que abre mão de pensar e refletir sobre seus atos, assim perdendo a noção de humanidade, a moral também se perde. Hannah viu na figura de Eichmann um ser humano normal que se absteve de questionar as ordens, no que tornou o crime do holocausto em algo banal e a morte de milhões de pessoas supérfluas, segundo Hannah ele era uma pessoa medíocre incapaz de ver a enormidade de tal horror. Quando um dos juízes pergunta a Eichmann se nunca vivera uma contradição entre o dever e a consciência, ele responde que o dever sempre estava acima.

"Hannah Arendt" é um ótimo filme que disserta sobre a natureza humana e o como não pensar é nocivo. A obra retrata um episódio interessante e conturbado desta mulher que foi odiada por colocar seus conceitos em voga, é um recorte da História que merece atenção, principalmente para incentivar a reflexão sobre um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.
Os estudos de Hannah são questionáveis por trazer perspectivas diferentes, e isso é bom, a discussão agrega. O filme não te faz tomar partido, apenas mostra ideias virtuosas desta que foi uma grande pensadora do século XX.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Miss Violence

"Miss Violence" (2013) filme de estreia do diretor grego Alexandros Avranas é um drama familiar que choca o espectador, impossível ficar imune à história que vai se desvendando aos poucos.
No dia de seu aniversário de 11 anos, Angeliki pula da sacada e morre com um sorriso no rosto. Enquanto a polícia e o serviço social tentam descobrir a razão para o aparente suicídio, a família da menina insiste que foi tudo um acidente. Qual é o segredo que Angeliki guardou com ela? Por que a família insiste em tentar esquecê-la e seguir em frente?
O filme claramente deseja colocar o dedo na ferida e perturbar os espíritos mais fracos, mas nada se faz impossível, pois é algo que poderia acontecer em qualquer família em qualquer lugar do mundo. A morte de Angeliki (Chloe Bolota) acontece logo no início do filme, na festa enquanto todos estão conversando, dançando e tirando fotos, ela se afasta e com um sorriso no rosto simplesmente pula da janela. A causa é um mistério, nós juntamente com a assistência social ficamos atordoados sem saber o porquê a família reage de forma muito apática ao suicídio.
A maneira que a narrativa se desenrola é interessante, claro que desconfiamos que há alguma coisa errada ali, nossa atenção perante todos os membros dessa família ficam alertas, o patriarca (Themis Panou) é um homem rude que decide tudo na casa, a sua mulher (Reni Pittaki) carrega um semblante desolador, só come e assiste TV, a filha Myrto (Sissy Toumasi) se rebela algumas vezes e sofre duras consequências, e a mais velha Eleni (Eleni Roussinou), parece não suportar mais o ambiente, mas acaba sempre obedecendo o pai, ela tem dois filhos pequenos, cuja paternidade também é um outro mistério.
"Miss Violence" é um filme de pouquíssimos diálogos, as imagens dão o tom à história e com muita calma os segredos são revelados e, talvez, por serem mostrados com total parcimônia é que acabam por nos chocar mais ainda. O cinema grego contemporâneo é algo que está beirando o genial, a estranheza que permeia os longas sempre colocando dramas que impressionam tornam esse cinema único e indispensável.

Inicialmente ficamos bastante confusos em relação a parentescos dentro daquela casa, aos poucos vemos quem é o que de quem, mas ao fim as certezas se vão novamente. Não há rodeios em mostrar cenas fortes de modo natural, a agressão é inserida em todas as tomadas mesmo que sugerida. Quando descobrimos de fato o que o patriarca é e faz com as filhas o sentimento é de nojo, só que ao mesmo tempo tudo aquilo ali apresentado por mais bizarro que seja, acontece.
O cinema grego contemporâneo é uma denúncia à crise econômica da Grécia que começou anos atrás e ainda permanece destruindo diversas famílias, sem pretexto comercial os cineastas vêm mostrando nada mais que a realidade e por serem tão autênticos se destacam mundo afora. "Miss Violence", assim como "Dente Canino" e "Alpes" de Yorgos Lanthimos, e o recente "O Garoto que Come Alpiste" do também diretor estreante Ektoras Lygizos, são uma alegoria dessa sociedade atual.

Alexandros Avranas concebeu uma obra-prima pungente já em sua estreia. "Miss Violence" é aquele tipo de verdade que descobrimos aos poucos e que mesmo depois de revelada decidimos escondê-la de tão grotesca e cruel. 
Com ritmo lento e cenas estáticas, o diretor faz questão de mostrar devagarinho que a violência, seja ela física ou psicológica, pode ser uma constante nos lares em que qualquer tipo de medo domina.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pelos Olhos de Maisie (What Maisie Knew)

"Pelos Olhos de Maisie" (2012) adaptado da obra homônima de Henry James é um filme cujo tema é o retrato de uma triste realidade, crianças que são alvos do egoísmo de pais que parecem nunca estarem satisfeitos com a vida. O livro de Henry James foi publicado em 1897, o que demonstra que histórias assim sempre existiram, é algo atemporal, e é necessário expô-las de modo que gerem reflexões. Colocar filhos no mundo é muito fácil, mas ser pai e mãe exige estrutura emocional, tempo, paciência, entre outras coisas. O filme nos faz lembrar daquele velho ditado: "Pai e mãe não é aquele que coloca no mundo, mas sim aquele que dá amor."
A história gira em torno do conturbado divórcio dos pais de Maisie (Onata Aprile), uma garotinha de sete anos que tenta entender o que se passa. De um lado a mãe, Susanna (Julianne Moore), uma estrela do rock. Do outro o pai, Beale (Steve Coogan), um influente galerista. Em meio a tantas brigas e disputas judiciais, Maisie recebe carinho de sua babá Margo (Joanna Vanderham), que inicia um relacionamento com o pai da menina, e de Lincoln (Alexander Skarsgard), o namorado de sua mãe. No decorrer Maisie vai encontrando um novo significado para a palavra família. Enquanto sua mãe completamente desestabilizada segue em turnê, e seu pai workaholic viaja, Maisie fica aos cuidados ora de Margo, ora de Lincoln.
O interessante é justamente que tudo isso é mostrado sob o olhar da pequena Maisie, as cenas em que ela vai pra casa do pai que a trata com frieza, e depois pra da mãe com aqueles ataques histéricos mostra o quanto eles são egocêntricos. Já Margo vai nos encantando aos poucos com toda sua preocupação, e Lincoln que de início parece imaturo conquista por sua delicadeza. É claro que os relacionamentos tanto do pai de Maisie com Margo, e o de Susanna com Lincoln não vão pra frente, então a situação fica mais complicada, pois mesmo assim Margo e Lincoln cuidam da menina. Várias cenas exibem o quanto ela fica perdida, em uma delas uma moça do bar em que Lincoln trabalha a acolhe, é de cortar o coração.

O filme discute o conceito família, que não significa apenas ter o mesmo sangue, mas sim a troca de amor, a sensibilidade, o vínculo. Maisie lindamente interpretada por Onata Aprile é uma criança doce, carinhosa e que se expressa com o olhar, mesmo com o caos ao seu redor ela continua dentro de uma aura inocente, sem jamais demonstrar qualquer tipo de revolta, ela aceita as gotas de amor que vai recebendo. Vale ressaltar essa personalidade que ganha a nossa atenção e nos faz odiar ainda mais esses pais egoístas, pois como pode alguém não gostar de uma criança tão amável como Maisie?

Apesar do drama é um filme leve que nos faz pensar sobre o como uma criança lida com todo esse universo conturbado do adulto. Para quem tem filhos é bom analisar o quão distante tem sido deles, sendo individualista olhando somente pelo próprio ângulo, ou achando-se presente dando apenas bens materiais, também serve para aqueles que desejam ter filhos, pois é necessário se desprender de muitas coisas para dar o que uma criança precisa. Maisie teve sorte em encontrar pessoas tão boas em sua vida, mas quantas outras crianças estão na mesma situação sem ninguém para auxiliá-las?
É muito válido ao trazer um tema que acontece aos montes na sociedade. Delicado, "Pelos Olhos de Maisie" é um filme necessário.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Mágico (L'illusionniste)

"O Mágico" (2010) de Sylvain Chomet (As Bicicletas de Belleville - 2003, "Attila Marcel - 2013) resgata um roteiro escrito em 1956 por Jacques Tati, o Charlie Chaplin francês, e compõe uma obra de extrema beleza.
A história se passa no final dos anos 50 e segue um mágico decadente, um homem alto e desengonçado, um raro exemplar da arte que está dando lugar a outras formas de entretenimento, suas apresentações carecem de público, as pessoas já não se interessam por algo tão ingênuo. Sua carreira corre o risco de extinção se não adaptá-la ao gosto atual, ele segue se apresentando em teatros franceses e ingleses, infelizmente sem sucesso, até que vê uma possibilidade ao ser convidado por um bêbado escocês num casamento do qual fez uma breve apresentação. Então, ele parte para uma pequena cidade da Escócia e conhece Alice, uma doce menina que é a única a se encantar com a magia. Ele inicialmente a presenteia com um par de sapatos, a partir daí ela pensa que tudo na vida poderia ser mudado com um passe de mágica. Ao ir embora do local a garota o segue, o mágico não diz nada e cede a cada pedido de Alice, ela vai recebendo os presentes de forma lúdica e acaba não percebendo a melancolia e a decadência que toma o lugar em que eles moram. O hotel é repleto de tipos circenses, um ventríloquo, três equilibristas, e um palhaço, todos em total desespero pela falta de emprego.
É realmente triste pensar que a classe artística, aquela que buscava a alegria genuína de seu público se foi, pessoas simples que não se importavam com o quanto ganhavam, mas que tinham a necessidade de expor a arte da qual aperfeiçoavam com tanto carinho. Imensamente agradável assistir esta obra, a figura de Jacques Tati está presente a todo instante no personagem, seja nos trejeitos, na forma de lidar com as situações que vão aparecendo, e claro, na bela sequência do cinema, quando o mágico entra na sala e nos deparamos com um filme em imagem real de Tati.
Alice se transforma, sua inocência dá lugar à independência, torna-se consumista e deseja ser como as outras moças, enquanto o mágico lida com a dificuldade emocional e financeira, ela não para de pedir roupas e sapatos, para agradá-la ele se sujeita a empregos dos quais nada tem a ver com ele.

Os traços do desenho, as cores, o cenário e a história em si tem um ar nostálgico e melancólico. Essa é uma das melhores animações destinada ao mundo adulto, ela disserta sobre valores com uma sutileza ímpar, nos levando ao riso e ao choro. Quase sem falas "O Mágico" se baseia em expressões, gestuais, e também em incríveis piadinhas visuais.
O novo sempre surgirá, é natural, para Alice há lugar, porém para o mágico não. É bonito ver um artista do passado e é uma pena que não exista um encaixe, infelizmente torna-se fora de moda, pois já não atrai a atenção do público. O estopim acontece quando é contratado por uma loja para realizar truques diante de uma vitrine, onde consumidores aplaudem desenfreadamente, desmoralizado se sente incapaz de continuar em algo que já não lhe dá um retorno sincero. Ele decide partir, mas antes deixa um bilhete a Alice, que diz: "A mágica não existe". 
O mundo acaba engolindo tudo o que é bom e verdadeiro, não tem como recuperar o sentimento de deslumbramento perante a certas coisas, o mágico percebe isso e simplesmente aceita.

O filme é melancólico e traz muitas questões ao espectador, como o embate entre o velho e o novo, o consumismo, e os artistas genuínos. Sylvain Chomet nos encanta com um cinema charmoso e delicado, em meio a uma enxurrada de animações em 3D, "O Mágico" é um respiro maravilhoso e uma chance de contemplar o que essencialmente é belo.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

C.O.G.

Baseado no conto autobiográfico de David Sedaris, "C.O.G" (2013) segue Samuel (Jonathan Groff), que após sua graduação na Yale mergulha no "mundo real" e vai trabalhar no interior de Oregon em uma fazenda de maçãs sob um pseudônimo, lá acaba não se encaixando entre os trabalhadores migrantes e os moradores locais profundamente religiosos. Samuel começa uma jornada que irá levá-lo a um território desconhecido e por vezes bem-humorado, onde encontra pretensos benfeitores.
Samuel inicialmente é descrito como um jovem arrogante, mas na verdade ele está perdido e carente, não nos é mostrado o seu passado e o porquê decidiu colocar o pé na estrada e abandonar sua vida. O fato é que ele precisava se encontrar e nada melhor do que arriscar para se conhecer. O plano seria ir com sua amiga, mas esta desiste e o deixa bem triste, daí por diante ele passa por diversas situações estranhas.
Todos do lugar ficam questionando o motivo de um rapaz tão inteligente que tem tudo pra ter uma vida bacana estar colhendo maçãs, Samuel parece um peixe fora d'água, mas isso não o faz desistir. Logo é mandado para a fábrica, pois segundo o patrão ele pode ser útil em outro tipo de trabalho, então vemos em vão o seu esforço para fazer amizades, há muito preconceito envolvido, ele é alvo de piadas e é tomado como um jovem presunçoso.
Percebemos ao longo que Samuel tenta ser aceito, as ligações feitas a sua mãe exemplificam, fica claro que ele é gay já no começo e também muito suscetível, apesar de defender suas ideias fortemente, principalmente sobre religião. Depois do episódio em que é assediado sexualmente por um colega de trabalho, ele foge e procura ajuda de Jon (Denis O'Hare), um ex-combatente de guerra, que certa vez lhe deu um panfleto sobre a corrente religiosa C.O.G. Hospedado na casa da família de Jon ele vai se deixando levar pela bondade exercida por eles.
Aos poucos Samuel que se dizia ateu começa a mostrar que quer se tornar um C.O.G, e é realmente incrível a mudança que acontece. O personagem Jon é caricato no que diz respeito àquelas pessoas fanáticas que agradecem a Deus por coisas ínfimas, chega a ser irritante esta parte do filme, e até apelativa, porém extremamente necessária para mostrar o quanto de mentira há nessa bondade dada a Samuel. É óbvio que a vulnerabilidade dele o fez tomar a decisão na cena em que ele se levanta na igreja, se ajoelha perante o padre, e diz ter encontrado Deus, não parece ser a mesma pessoa, aquela do início que dizia que religião era uma espécie de muleta.

Jonathan Groff faz um personagem interessante e muito sensível, de arrogante não há nada. O ser humano tem um necessidade chata de criar padrões, como por exemplo, Samuel é americano, branco de classe média alta, inteligente, formado numa boa universidade, então o lugar dele jamais seria em uma fazenda de maçãs. Estereotipar é algo ofensivo.
O filme tem uma narrativa sinuosa, ela te faz pensar uma coisa, e de repente ao fim te dá outra completamente diferente, o que combina muito bem com a tal bondade que não só os cristãos oferecem, mas como tantas outras religiões, a pessoa coloca uma máscara e fala palavras de conforto, só que tudo de maneira obrigatória, como se isso fosse levá-la ao paraíso. Para fazer o bem não é preciso pensar e crer que sendo "bom" o levará a algum lugar ou lhe trará benefícios, o nome disso é egoísmo, Jon demonstrou a sua verdadeira face ao final, renegando Samuel por ser gay. Fiquei com um nó na garganta ao ver Samuel mais uma vez perdido caminhando por uma estrada que talvez não o levará a lugar algum.

"C.O.G" é um filme válido e realista, disserta sobre a natureza humana, o preconceito e a religião, mas o melhor é que não tenta te convencer de nada, simplesmente mostra o quão podre o outro pode ser em relação a algo que julga não ir de encontro com a dita moral.
"Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável."

quinta-feira, 10 de julho de 2014

The Lunchbox

"Eu li em algum lugar que, às vezes, o trem errado pode levar à estação certa."

"The Lunchbox" (2013) do diretor indiano Ritesh Batra é um filme delicioso em que o destino é o grande protagonista. O Mumbai Dabbawallahs é um serviço de entrega de comida bastante conhecido em Mumbai, na Índia. Um dia, um erro na entrega faz com que uma pacata dona de casa conheça um homem que está na fase final de sua vida. Juntos eles criam um mundo de fantasia a partir de mensagens trocadas das embalagens usadas pelo Mumbai Dabbawallahs.
O cinema indiano é bem característico e marca por suas cores, histórias amorosas intensas, músicas, danças, etc. Mas nesse o que predomina é o sabor, precisamente o da vida. Em "The Lunchbox" não acontece as tais dancinhas repentinas, ou músicas excessivamente dramáticas, os personagens são pessoas comuns que tentam lidar com os problemas cada um à sua maneira. Saajan Fernandes (Irrfan Khan) é sozinho em meio a uma cidade efervescente, cansado da vida enfrenta todos os dias a rotina de seu emprego numa empresa de contabilidade, em breve ele se aposentará, mas antes terá que ensinar o cara que ficará no seu lugar, Shaikh (Nawazuddin Siddiqui), que tenta agradá-lo de todas as formas, mas Fernandes sempre se esquiva. Já a nossa outra protagonista Ila (Nimrat Kaur), dedica-se em recuperar seu casamento, o marido é ausente em todos os sentidos. Diante disto ela começa a preparar comidas incrementadas e com diversos temperos, sempre auxiliada por sua vizinha que mora no andar de cima. E é através do sistema que entrega as quentinhas aos maridos nos empregos que Ila e Fernandes tem suas vidas mudadas.
O almoço que Ila preparou para seu marido acaba indo para Fernandes, e o engraçado nisto tudo é que ele vai até o restaurante do qual é responsável pela sua comida e agradece dizendo que estava muito bom. Ila descobre o erro ao perguntar para seu marido o que achou do almoço, pela resposta ela entende o sucedido. Bem, a questão é que ela continua a preparar o almoço e um dia deixa um bilhete na marmita explicando o acontecido, ele responde e então uma linda amizade nasce através desses bilhetes trocados. Ila abre seu coração e conta sobre sua vida, espontaneamente o filme é tomado por um sentimento de afeto que tanto eles sentem um pelo outro, como nós espectadores também sentimos. Um dia, Ila propõe um encontro para que possam se conhecer pessoalmente, e aí é que podemos ver a essência de cada personagem, a busca de um sentido para suas existências.

Toda vez que o cinema foca no tema destino e o encontro de duas pessoas, é inevitável, nos desmanchamos diante da tela, afinal, todos temos esperança de encontrar uma pessoa especial que tenha o poder de mudar algo em nossa vida. O destino existe, o acaso faz seu papel, mas somos nós que decidimos o depois, mas se for pra ser, será!
"The Lunchbox" tem uma narrativa deliciosa, a história vai encaixando os personagens sutilmente, é gostoso ver a troca de mensagens entre os dois e sentir o que cada um tem guardado em seu ser. Apesar da história se passar na caótica Mumbai, ela perfeitamente se enquadraria em qualquer grande capital, como por exemplo, a dificuldade de se tomar um transporte público, o trajeto do trabalho, e a solidão que assola em meio a multidão. Ultimamente devido a diversos fatores criar vínculos está se tornando cada vez mais raro, as pessoas não se olham, não conversam e a gentileza virou algo do passado. Essa troca de bilhetes que acontece na história de Saajan e Ila nos dá aquele gostinho de paixão antiga em que o charme consistia no ato de se conquistar alguém, de conhecer e desvendar os mistérios da pessoa.

"The Lunchbox" dosa bem o drama com um humor leve, é humano, sensível e tem ótimas metáforas ao longo da história. Para quem ainda nutre qualquer tipo de preconceito com o cinema indiano por causa de alguns excessos, que nada mais é do que características, assista "The Lunchbox", que com certeza irá mudar de ideia. É realmente bonito o entrelaçamento que acontece entre os personagens, e o seu desfecho em aberto nos permite imaginar o final que quisermos.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

In the Flesh (2ª Temporada)

"In the Flesh" do canal britânico BBC3 retornou com uma segunda temporada de seis episódios. A primeira foi considerada uma minissérie e teve apenas três, mas com tantos comentários positivos a série voltou e não decepcionou, é algo bem diferente no que diz respeito ao tema zumbi. Na verdade, é um drama envolvendo uma baita crítica social.
A premissa é essa: Situada num futuro pós-apocalíptico onde os humanos sobrevivem a um apocalipse zumbi, essas criaturas foram eliminadas ou capturadas pela "Human Volunteer Force" e receberam uma espécie de tratamento para que se reintegrem à sociedade novamente, usando lentes de contato e maquiagem as vítimas da "Síndrome do Falecimento Parcial" retornam para suas antigas vidas tendo que lidar com diversos tipos de preconceito.
Já na segunda temporada Kieran, o protagonista, ainda resiste em lidar consigo mesmo, não se olha no espelho e vive sob um teto em que reina a hipocrisia, os pais quase sempre sentados à mesa fingem que nada aconteceu e fazem comentários ridículos, a sua irmã, Jem, com certeza é a personagem mais irritante, ela é muito confusa, pois nutre uma revolta por Kieran ter se matado, o trauma registrado lá no início da série também a perturba bastante. Jem, assim como Gary continuam caçando os hidrófobos.
Tudo que Kieran quer é ir embora de Roarton e recomeçar longe de tudo, porém surge Amy, cativante e doidinha como na temporada anterior, só que retorna com o "profeta" Simon, que aos poucos vai exteriorizando seus ideais, como por exemplo, o não uso da maquiagem. Ele é um tanto quanto sedutor e não demora para que Kieran se envolva, mas há muito mais, existem interesses pessoais, como é o caso de Maxine, membro do parlamento da cidade, esta chega dando ordens com um programa fingido de reinserção para portadores da síndrome, claro, tudo isso para segregar ainda mais.
O personagem Philip é outro grande ponto da série, a paixão que sente por Amy e toda a sua readaptação, foi preciso muito para ele poder dar vazão aos seus sentimentos e ir de encontro a sua amada, muito bom o seu desenvolvimento. Toda a sua redescoberta e recomeço é uma das coisas mais legais da série. Não darei spoilers, mas claramente a série metaforiza sobre o renascer, por exemplo, quando Kieran se olha no espelho e se aceita na forma que está, e lá pelo final da temporada numa das cenas mais impressionantes ele resiste ao efeito da pílula do esquecimento, e seu pai, um dos personagens mais hipócritas, dá sinais de compreensão.

"In the Flesh" é uma das séries mais originais, existencialista ela aborda a essência do que é estar vivo ou morto. Se as pessoas se aceitassem como são, tudo seria mais simples, e por conseguinte a grama do vizinho não pareceria tão mais verde. A personagem Amy é o maior exemplo de espontaneidade em ser o que se é. A máscara social que usamos para sermos aceitos e para que não sintamos que estamos sozinhos neste mundo, é a pior das coisas, afinal não serve de nada, é uma mentira que todos os dias levamos adiante. Será tão difícil se aceitar? Quando Kieran decidiu retirar a sua maquiagem o achei muito mais bonito, e é assim que deveríamos nos sentir diante ao eu verdadeiro das pessoas.

"In the Flesh" é uma série inovadora, tem um roteiro muito eficiente, personagens extremamente interessantes, trilha sonora impecável e um clima não convencional. Para quem gosta de séries com temporadas curtas, mas bem desenvolvidas é uma dica e tanto, além de entreter nos faz refletir sobre comportamentos sociais, vida e morte.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Submarino

"Submarino" de Thomas Vinterberg (A Caça - 2012) é um filme denso e dolorido, retrata o fardo de uma família desajustada, uma mãe que não é capaz de absolutamente nada por estar afundada em seus vícios, é decadente a situação, o início já demonstra isso.
Dois meninos cuidam do irmão mais novo, um bebê, até batizam a criança e lhe dão um nome. Desprezados pela mãe alcoólatra os dias seguem de forma nada convencional, e é claro que não poderia acontecer boa coisa num ambiente desses, a cena que se sucede é chocante, algo que marcará principalmente Nick. A história avança e vemos Nick (Jakob Cedergren), um homem solitário e perceptivelmente marcado por seu passado, ele tem apenas contato com sua vizinha Sofie (Patricia Schumann), outro ser humano perdido, e Ivan (Morten Rose), do qual encontra caído na rua, um antigo amigo que tem problemas para se relacionar com mulheres.
A primeira parte foca em Nick, observamos que ele é bom apesar das circunstâncias que o rodeiam. A ocasião envolvendo sua vizinha e Ivan demostra bem o seu caráter, Nick tem o semblante cansado e parece não se importar com mais nada. Adiante o filme foca em seu irmão (Peter Plaugborg), cuja vida está pior, viúvo com um garoto para criar ele é viciado em drogas, e por mais que tente resistir aos poucos sua relação paternal vai se destruindo. Seu filho, o pequeno Martin é uma criança adorável, parte o coração pensar que a vida dele está sendo marcada por situações dolorosas que mais tarde pesará. Em uma das cenas o pai do menino rouba uma senhora, é impressionante, não dá nem para sentir raiva vendo a maneira que acontece. Ele simplesmente não vê alternativas, então desesperado acaba indo pro ramo do tráfico, mas a polícia não demora para descobrir, pois ele já estava na mira.

A história dos irmãos são contadas separadamente, mas elas se cruzam em determinados momentos, como no enterro da mãe, e na prisão. A narrativa é genialmente delineada, é impactante as consequências dos atos, Nick fica com todo o arco dramático, desde o início ele é responsabilizado, e por isso sempre o vemos de maneira mais íntima, como não se condoer com a cena em que olha pra câmera com os olhos cheios d'água? Já seu irmão, que em nenhum momento tem o nome revelado aparece mais como uma vítima, ele tem aspecto de uma pessoa doente, seus olhos demonstram vergonha. O que eles vivenciaram na infância não é superado, do mesmo jeito que a mãe buscava consolo no vício, assim é Nick que passa os dias bebendo por não conseguir encontrar nas pessoas o que necessita, e seu irmão, um viciado em drogas, que leva adiante o mesmo que passou para seu filho.

O filme tem personagens muito bem construídos e carrega uma aura de tristeza, a fotografia fechada e o clima frio só faz ressaltar esse vazio. Thomas Vinterberg é um diretor muito primoroso, e tem o dom de construir filmes com temas que retratam a desordem familiar. É um tipo de cinema mais reflexivo e que expõe dramas humanos reais. "Submarino" não dá trégua, é cruel, dilacera, e é exatamente por isso que merece todos os elogios.