quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Em Chamas/Burning (Beoning)

"Em Chamas" (2018) dirigido por Lee Chang-dong (Poesia - 2010) é um thriller dramático metafórico que perturba e encanta, uma linda e profunda obra baseada num conto de Murakami. A narrativa é permeada pelo espírito literário de Faulkner, que inclusive tem um conto chamado "Barn Burning" e o personagem Jong-soo reflete essa presença. É um filme marcante, original e que trabalha a metáfora brilhantemente. 
Durante um dia normal de trabalho como entregador, Jong-soo (Yoo Ah-In) reencontra Hae-mi (Jeon Jong-seo), uma antiga amiga que vivia no mesmo bairro que ele. A jovem está com uma viagem marcada para o exterior e pede para Jong-soo cuidar de seu gato de estimação enquanto está longe. Hae-mi volta para casa na companhia de Ben (Steven Yeun), um jovem misterioso que conheceu na África. No entanto, o forasteiro tem um hobby peculiar, que está prestes a ser revelado aos amigos.
Jong-soo é um rapaz que está sem rumo, se formou em escrita criativa, mas trabalha como entregador, está de volta para cuidar da vaca em sua antiga casa porque seu pai foi preso, ele está numa situação de decadência e aos poucos o conhecemos melhor e criamos empatia, num dia comum Hae-mi, uma antiga amiga o reconhece e vai puxar assunto, pelo que parece ele não se lembra de muita coisa e os dois passam o dia juntos, ela diz que viajará para África para conhecer o "grande faminto" e pede para que Jong-soo alimente seu gato, então ela parte em busca de respostas para o significado da vida. Ela é uma incógnita e na maior parte do tempo nos perguntamos se as histórias que conta aconteceram ou não. Jong-soo vai todos os dias ao apartamento alimentar o gato que nunca aparece e se masturba olhando o horizonte. Quando Hae-mi retorna com Ben, um jovem rico e misterioso o mundo de Jong-soo começa a mudar. O estranho triângulo se forma e Jong-soo fica curioso e com ciúmes, pois não sabe que tipo de relação Hae-mi tem com Ben, e ele próprio nutre um fascínio peculiar pelo rapaz, já que não entende o como ficou tão rico sendo tão jovem, até o compara com Gatsby, personagem do clássico de Oscar Wilde. Entre jantares e conversas o suspense vai se formando e um emaranhado de questionamentos surgem, metáforas são postas como pistas, mas nada é definitivo.
Impressionante como o filme prende a atenção e somos absorvidos por suas imagens, os personagens crescem e por mais que seja uma narrativa longa o seu desenvolvimento é inteligente e extremamente original. 

Ben destoa da vida dos dois amigos, o abismo social é grande e Jong-soo não entende ou tem ciúme de sua aproximação, ele observa e desconfia, há um misto de sentimentos entre os três personagens, em alguns momentos Ben olha para Hae-mi como se a presença dela entre seus amigos ricos fosse meramente entretenimento, como expondo um animal, Jong-soo permanece calado e vai construindo suas percepções. Quando eles se juntam em sua casa e fumam maconha e daí surge a cena mais lírica do filme protagonizada por Hae-mi dançando em direção ao pôr do sol, os dois então conversam e Ben termina revelando seu hobby, de colocar fogo em estufas, um momento que deixa o espectador perplexo e que incute ainda mais questionamentos. Depois disso Jong-soo fica irritado com Hae-mi e a chama de prostituta por ter tirado a roupa enquanto dançava e aí nunca mais a encontra, ela simplesmente desaparece, isso faz com que fique cada vez mais obcecado com Ben e o persiga para conseguir encontrar pistas, já que ele todos os dias conferia as estufas e nenhuma foi realmente queimada, o que conclui que as falas de Ben se referia a outra coisa. 

As interpretações são maravilhosas, Yoo Ah-In como Jong-soo, um jovem desinteressante, entediado e sem perspectivas que se vê de repente envolvido por Hae-mi, vivida por Jeon Jong-seo, uma moça sonhadora e que se mostra uma incógnita por nunca sabermos se realmente fala a verdade, e Ben vivido notavelmente por Steven Yeun - o Glenn do The Walking Dead - que se mostra superior e brinca com os dois de forma provocativa.
"Em Chamas" é um filme intrigante e fascinante todo enredado em metáforas e ambiguidades, as respostas não são importantes e sim as percepções que suscita a cada espectador, uma obra rica narrativamente e belíssima visualmente. Certamente um dos melhores do ano!

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