terça-feira, 15 de março de 2022

Lamb (Dýrið)


"Lamb" (2021) dirigido por Valdimar Jóhannsson é um filme que mescla fantasia e horror a uma narrativa que convida o espectador a exercer sua reflexão e permite uma criatividade sem igual, o desenrolar vai no oposto das histórias imediatistas que não criam vínculos com suas personagens e não produzem sensações mais profundas e que apenas visam saciar a expectativa do público. Muito se compara "Lamb" ao longa de Robert Eggers, "A Bruxa" (2015), acredito que tenha algo em comum em seu cerne, como a ancestralidade que o ser humano é incapaz de entender, sobre sua relação de egocentrismo, desconhecimento e menosprezo com a natureza que acaba gerando atitudes de poder e que mais tarde serão cobradas.
María (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason), um casal que vive isolado em sua fazenda na Islândia, fazem o parto de um misterioso recém-nascido entre as ovelhas de seu celeiro. A inesperada perspectiva de uma vida familiar lhes traz muita alegria e eles resolvem criar o bebê como se fosse sua própria filha.
Acompanhamos a vida de um casal numa fazenda permeada por uma natureza selvagem e de proporções ameaçadoras, de início percebemos os animais e seus comportamentos parecendo que algo está à espreita, acontece o período de nascimentos de ovelhas e o casal se ocupa desse trabalho enquanto vivem de maneira sorumbática seus dias. Se preocupam apenas com o essencial para a sobrevivência. Até que uma ovelha dá a luz a um bebê diferenciado, só que nesse momento não vemos absolutamente nada, só se observa os olhares do casal que ficam impressionados e veem nesse evento uma possibilidade de mudarem suas rotinas e sentimentos novos surgirem. Os dois levam essa ovelhinha para casa, colocam em um berço, a amamentam e a protegem da ovelha mãe que não para de balir embaixo da janela do quarto. Impressionante a tensão criada a partir dessas cenas, é como se fosse um aviso de que algo está errado e ainda mais depois de um ato violento de Maria para que pudesse ter o bebê só para si. A tensão segue crescente e a câmera não tem pressa em nos mostrar Ada, nome escolhido e que tem uma carga emocional enorme, já que mais a frente vemos o túmulo daquela que seria a filhinha do casal, essa bizarrice ganha tons bem perturbadores quando a presença de Ada se faz forte e sem nenhuma palavra acompanhamos uma consciência acontecendo.

Em dado momento, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), irmão de Ingvar é jogado de um carro perto da fazenda e não demora para que conheça Ada, claramente chocado e pensando que o irmão e Maria estejam pirando, mas é capturado pela pequena Ada e sua inocência, a relação entre os três é bem pouco aprofundada e acaba que não serve muito para o desenrolar, o que fica de fato é a atmosfera de fábula que flerta com o horror e que deixa em seu final uma moral que carrega o desconhecido, o quão pequeno é o ser humano diante a natureza e sua ancestralidade, mas pode-se tirar inúmeras reflexões, as camadas se expandem dentro dessa história, cada um vê e sente de formas distintas, mas exemplificando, tira-se muitas questões para além do humano e a grandiosidade que o cerca, como instinto materno, relação do humano com o animal nos tempos modernos em que o coloca no lugar de um filho, traumas, luto, etc.

 
"Lamb" é um filme para quem deseja sair da zona de conforto, das expectativas supridas e, principalmente, abrir novas perspectivas. Um filme diferenciado que remete a uma fábula ameaçadora e nos coloca diante da obscuridade da existência.

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