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terça-feira, 28 de julho de 2020
Arkansas / The Gentlemen (Magnatas do Crime)
Segue dois filmes que tratam de um tema em comum, o tráfico de drogas, mas que são construídos de forma única, os dois com seus diferenciais são sem dúvidas exemplares maravilhosos que merecem mais reconhecimento. Confira:
"Arkansas" (2020) marca a estreia na direção do comediante Clark Duke, que também corroteirizou e atuou no longa, é uma história que vai ligando os pontos aos poucos, dividida em cinco capítulos acompanhamos a ascensão dos personagens no tráfico de drogas no sul dos EUA, que assim como o narrador e protagonista do filme revela não é tão organizado e que não existe códigos de honra igual a mafia italiana e mexicana.
Kyle (Liam Hemsworth) e Swin (Clark Duke) entram por acaso no tráfico de drogas. Eles trabalham num esquema de sucesso no sul dos Estados Unidos, recebendo ordens de Frog (Vince Vaughn), um chefe que nunca encontraram pessoalmente. Quando uma das entregas leva a um assassinato involuntário, os dois precisam se proteger das represálias que virão.
Tudo começa quando a dupla conhece Bright (John Malkovich), o chefe deles em Arkansas, mas acaba acontecendo um mal-entendido e os dois decidem agir por conta própria alavancando o negócio, daí a trama vai nos colocando a par da vida de Frog, desde a sua entrada no tráfico até o momento em que se põe como o mandante de tudo, o interessante é a maneira que esses personagens se conectam em um emaranhado de situações perigosas, mas o que deixa ainda mais enérgico é o como cada um encara, Kyle, nosso narrador é um homem frio e que diz não ser ambicioso, no decorrer vemos ele lidar com uma possível transformação onde a falta de lealdade e a ganância são o caminho mais fácil, já Swim com seus trejeitos engraçados beirando ao caricato traz um certo respiro para a rotina deles que é permeada de tensão e violência. O humor cínico e as pequenas reviravoltas dão ao longa uma característica única e que surpreende muito em relação ao tema tráfico de drogas.
"Arkansas" é um exemplar que mescla cinismo, violência e apesar de ter bastante energia caminha num ritmo mais lento, seu clima introspectivo é justamente o que gera o magnetismo e aflição. Ótimo!
"Magnatas do Crime" (2019) escrito e dirigido por Guy Ritchie (Snatch: Porcos e Diamantes - 2000) é um filme que chama a atenção de primeira pelo elenco, um show de atuações que ganhamos enquanto viajamos pela ousada trama, o jeito enérgico e envolvente do diretor dá as caras novamente e que primor de narrativa que mescla sensações diversas em menos de um minuto.
O norte-americano Mickey Pearson (Matthew McConaughey) chega a Londres decidido a vender o seu negócio milionário e viver despreocupadamente de rendimentos, ao lado de Rosalind (Michelle Dockery), a sua belíssima esposa. Contudo, por ser bastante cobiçado e estar relacionado com drogas ilegais, o negócio em questão vai envolver criminosos de toda a espécie e grau, desencadeando intrigas, chantagens, conspirações e assassinatos.
É um filme de gângster estiloso, super elegante e recheado de tramas fascinantes, os personagens são excêntricos e geram antipatia, principalmente Mickey, desprezível até o âmago. Acompanhamos uma bela introdução que se revelará em determinado ponto em suas inúmeras reviravoltas doidas, mas temos como fio condutor Fletcher (Hugh Grant), um jornalista que deseja chantagear Mickey e seu capanga Ray (Charlie Hunnam), Mickey está vendendo sua secreta e moderna plantação a Matthew (Jeremy Strong), que não está satisfeito com o preço, nesse meio entra uma quadrilha de chineses e o jogo entre eles fica confuso, onde um tenta dar um passo a frente pensando estar dando uma jogada de mestre, só que este já pensou nesta cartada e está mais a frente ainda, além de que muitas situações são essencialmente sorte. Para completar Ray conta com a ajuda do treinador de boxe interpretado por Colin Farrell, que diz não se envolver em questões criminosas, porém executa os pedidos de Ray, aleatoriamente termina por completar esse time de malucos. Sarcástico, violento, repleto de viradas com diálogos inteligentes e sacadas diferenciadas, cenas de ações vibrantes, além da trilha sonora que é simplesmente a perfeição!
"Magnatas do Crime" é uma obra estilosa, ácida e que trapaceia, feita com asseio em seus mínimos detalhes, como o figurino e acessórios dos personagens que ajudam a criar personalidades marcantes e delinear traços específicos, além dos prazerosos jogos de diálogos intricados e o desencadeamento das ações que é o que conduzem realmente a história. Baita filme, um dos melhores do ano!
sexta-feira, 26 de junho de 2020
Daniel Isn't Real
"Daniel Isn't Real" (2019) dirigido por Adam Egypt Mortimer é uma produção independente adaptada do livro "In This Way I Was Saved", de Brian DeLeeuw, que também escreveu o roteiro. Intrigante, sombrio e com pitadas de terror cósmico, mexe bastante com nossa imaginação por flertar tanto com o sobrenatural quanto com transtornos mentais, a estética é sensacional e possui autenticidade e originalidade.
Após sofrer um forte trauma familiar, Luke (Miles Robbins) ressuscita seu amigo imaginário de infância, Daniel (Patrick Schwarzenegger). Carismático e cheio de energia, Daniel ajuda Luke a voltar aos trilhos e alcançar seus sonhos, antes de levá-lo à beira da loucura.
Acompanhamos Luke, um garoto de nove anos que presencia a briga de seus pais e ao sair de casa se depara com uma terrível cena de assassinato em massa numa cafeteria, diante desse cenário desolador cria um amigo imaginário e o chama de Daniel. Com a separação a mãe de Luke se torna cada vez mais instável, e insatisfeita com a amizade imaginária faz o filho prender Daniel numa casa de brinquedo. Anos se passam e Luke já com dezoito anos se vê solitário e com a internação de sua mãe acaba soltando Daniel, que também já é um adulto. A partir daí Daniel começa a controlar a mente de Luke, de início é até libertador, pois ele se solta, flerta e se apaixona pela pintora Cassie (Sasha Lane), então Luke se torna mais corajoso e desencadeia em Daniel uma certa inveja, o controle aumenta e Luke sente seu emocional instável, alucina e entra numa paranoia de que terá o mesmo destino do rapaz do tiroteio em sua infância. Começa uma busca insana por pistas e nesse caminho se depara com aberrações monstruosas, as cenas de entrelaçamentos entre Luke e Daniel são incríveis, distorções e efeitos visuais bizarros, o terceiro ato é um emaranhado louco e agonizante, muitos elementos remetem a filmes do gênero dos anos 80, a construção da narrativa é flexível e deixa a cargo do espectador dar a sua interpretação, a atmosfera surreal brinca com as possibilidades da história e nos faz imaginar além da doença mental e ir de encontro realmente com os demônios e monstros.
"Daniel Isn't Real" é um filme esquisito, te faz viajar, mescla elementos curiosos e traz atuações atraentes, tanto Miles Robbins - filho de Tim Robbins, dando vida a um rapaz vulnerável e instável, como Patrick Schwarzenegger - filho de Arnold Schwarzenegger, com seu jeito charmoso, manipulador e enigmático. Sem dúvidas, um filme de terror além do convencional e que gera uma série de reflexões acerca da trama.
domingo, 31 de maio de 2020
The Lodge
"The Lodge" (2019) dirigido por Severin Fiala e Veronika Franz (Boa Noite, Mamãe - 2014) é um filme de terror que foge dos clássicos sustos e prima mais pela atmosfera tensa e sufocante, é lento no desenvolvimento e trabalha em detalhes a personalidade dos personagens, uma boa amostra do quão aterradora é a mente humana, se familiariza com alguns elementos de "Hereditário" e também lembra em alguns pontos "O Iluminado". Sem dúvidas, uma obra marcante!
Durante o feriado de fim de ano, Grace (Riley Keough) viaja com seu futuro noivo e os dois filhos dele para um remoto chalé. Quando a relação entre ela e as crianças finalmente começa a se estabelecer, uma nevasca e estranhos acontecimentos ameaçam despertar demônios psicológicos de sua infância.
Acompanhamos logo de início uma cena chocante, daí parte para como os irmãos Aidan (Jaeden Martell) e Mia (Lia McHugh) lidam com o ocorrido, o pai (Richard Armitage) sem dar tempo para que eles sofram e passem pelo luto os arrasta para uma casa isolada junto de sua namorada para passarem o natal, tudo com a intenção de aproximá-los, mas os dois não querem e antes de ir investigam a vida da moça, Grace tem um passado sombrio e traumático envolvendo uma seita religiosa liderada pelo próprio pai, vive a base de remédios e seu semblante demonstra sempre cansaço, não há dúvidas de que essa ideia é irresponsável já que ele precisa ir trabalhar e deixá-los nesse local à deriva das próprias emoções. O roteiro brinca demasiadamente com o espectador, as várias situações nos dão certas dicas que ao se desenrolarem acabam caindo por terra, o fato é que Grace tenta a aproximação e os irmãos relutam, depois eles se aproximam e começam a confundir a mente dela, objetos somem, inclusive seu remédio, vai ficando cada vez mais grave e o ápice é o sumiço de seu cachorro que a faz perder o senso de realidade, eles continuam a inventar que estão numa espécie de limbo por conta da culpa e a fazem crer que ela é a causadora disso tudo, ela entra na paranoia religiosa novamente e quando Aidan e Mia se dão conta é tarde demais, não adianta contar a verdade e restabelecer qualquer tentativa de conexão, o mal está feito. Quando o pai chega ao local invadido pela nevasca não parece haver saída e o que se segue é caos e tragédia. O misto de sensações que a história provoca é incrível, os personagens oscilam em seus sentimentos e ações, perturbam e criam revolta, principalmente o pai que foi um irresponsável e insensível com os filhos, não deu tempo para entenderem e passar pelo fardo, logo os joga numa isolada casa cheia de lembranças junto com a namorada instável em meio a uma nevasca horrorosa. É um redemoinho de ações erradas.
O filme possui em grande parte uma ambientação fantasmagórica e sufocante onde tensões se estabelecem e refletem em imagens as emoções das crianças em relação a situação, e apesar de cair o ritmo em determinado momento é uma obra perturbadora e que choca pela ousadia de muitas cenas, a construção dos personagens é um primor, além da incrível direção de arte.
"The Lodge" tem uma trama que cria enigmas e tensões que arrepiam pela carga dramática. Forte e desagradável em inúmeros momentos, mas isso é um atributo formidável do roteiro mesmo que algumas partes caiam na monotonia. O destaque vai para a beleza plástica e a perturbação intensa vivida por Riley Keough.
sexta-feira, 24 de abril de 2020
Vivarium / Devorar (Swallow)
Segue a resenha de dois filmes bizarros e muito interessantes que não poderiam estar de fora do catálogo aqui do blog, continuarei fazendo postagens conjuntas, pois assim se torna mais fácil administrar meus pensamentos e continuar na ativa. Confira:
"Vivarium" (2019) dirigido por Lorcan Finnegan (Sem Nome - 2016) é um filme que aborda de maneira peculiar a vida doméstica, os papéis e estereótipos que cada um carrega dentro desse modelo, as responsabilidades da maternidade, os compromissos da paternidade e o truque do tempo que absorve o cotidiano e faz envelhecer. É uma proposta criativa que prende o espectador junto da armadilha montada.
Aviso: Poderá conter spoilers!
Aviso: Poderá conter spoilers!
Quando o casal de noivos Tom (Jesse Eisenberg) e Gemma (Imogen Poots), à procura da casa perfeita para começar a vida juntos, conhecem um estranho corretor imobiliário, eles não pensam duas vezes quando são apresentados à Yonder, uma misteriosa vizinhança suburbana de casas idênticas. No entanto, logo eles vão perceber que estão presos em um pesadelo - tendo que criar uma criança de outro mundo.
Acompanhamos o jovem casal Tom e Gemma que pretendem iniciar uma vida juntos, numa visita a um empreendimento chamado Yonder são surpreendidos por Martin, um vendedor robótico e de sorriso contínuo, animados com a proposta vão até esse conjunto habitacional e se deparam com uma imensidão de casas iguais, inicialmente parece um sonho, mas aos poucos percebem não ser bem o que querem, mas Martin sumiu e ao tentarem sair não conseguem, sempre voltam para o mesmo lugar, cansados decidem ficar, mas por fim terminam num loop infinito, ainda mais quando do nada aparece uma caixa com um bebê dentro indicando que precisam criá-lo, daí a repetição se dá e rapidamente o vemos crescido com comportamentos bizarros, como imitar os trejeitos de Gemma e Tom, ele grita ininterruptamente quando quer ser alimentado, um show de horrores que perturbam o casal e os desestruturam psicologicamente. Tom entra numa espiral de que precisa cavar um buraco no quintal para que quem sabe ache uma saída, e Gemma aterrorizada com a criança sempre diz que não é a mãe dele, mas acaba o protegendo em muitos momentos, esse local perfeito é irritantemente falso, desde a grama ao céu com suas nuvens redondinhas, claro que percebemos que estão presos sendo cobaias, talvez de alienígenas que estão estudando e reproduzindo comportamentos, interessante que na superfície tudo parece ser idêntico, mas as emoções são mimetizadas, a história abarca questões sobre o conceito familiar, a estrutura frágil e rotineira, os papéis desempenhados para dar algum sentido, os filhos preenchendo o espaço e tomando toda a energia para no fim envelhecidos e sozinhos morrerem. É um filme estranho que gera agonia pela sua repetição, mas que faz pensar nos padrões estabelecidos, e que por mais que se quebre muitos deles ainda assim sem perceber copia-se e repete-se a grande maioria.
Acompanhamos o jovem casal Tom e Gemma que pretendem iniciar uma vida juntos, numa visita a um empreendimento chamado Yonder são surpreendidos por Martin, um vendedor robótico e de sorriso contínuo, animados com a proposta vão até esse conjunto habitacional e se deparam com uma imensidão de casas iguais, inicialmente parece um sonho, mas aos poucos percebem não ser bem o que querem, mas Martin sumiu e ao tentarem sair não conseguem, sempre voltam para o mesmo lugar, cansados decidem ficar, mas por fim terminam num loop infinito, ainda mais quando do nada aparece uma caixa com um bebê dentro indicando que precisam criá-lo, daí a repetição se dá e rapidamente o vemos crescido com comportamentos bizarros, como imitar os trejeitos de Gemma e Tom, ele grita ininterruptamente quando quer ser alimentado, um show de horrores que perturbam o casal e os desestruturam psicologicamente. Tom entra numa espiral de que precisa cavar um buraco no quintal para que quem sabe ache uma saída, e Gemma aterrorizada com a criança sempre diz que não é a mãe dele, mas acaba o protegendo em muitos momentos, esse local perfeito é irritantemente falso, desde a grama ao céu com suas nuvens redondinhas, claro que percebemos que estão presos sendo cobaias, talvez de alienígenas que estão estudando e reproduzindo comportamentos, interessante que na superfície tudo parece ser idêntico, mas as emoções são mimetizadas, a história abarca questões sobre o conceito familiar, a estrutura frágil e rotineira, os papéis desempenhados para dar algum sentido, os filhos preenchendo o espaço e tomando toda a energia para no fim envelhecidos e sozinhos morrerem. É um filme estranho que gera agonia pela sua repetição, mas que faz pensar nos padrões estabelecidos, e que por mais que se quebre muitos deles ainda assim sem perceber copia-se e repete-se a grande maioria.
"Devorar" (2019) dirigido por Carlo Mirabella-Davis é uma obra repleta de camadas, um filme aparentemente bizarro, mas que disserta sobre questões femininas, do como a mulher é ainda vista, sobre seu suposto papel dentro da família e suas supostas obrigações, surpreendente o como a história te leva para meandros psicológicos angustiantes e reflexivos.
Hunter (Haley Bennett) é uma dona de casa que engravidou recentemente e se vê cada vez mais viciada em se alimentar de objetos perigosos. Enquanto o marido e a família reforçam o controle sobre sua vida, Hunter deve enfrentar o segredo sombrio por trás de sua nova obsessão.
Acompanhamos Hunter e sua vida aparentemente perfeita, casada com o rico Richie (Austin Stowell), também convive com os sogros (David Rasche), (Elizabeth Marvel), a imensa casa é cuidada por ela e segue seus dias solitária e invisível, Hunter não possui voz própria nesse meio que está inserida, seus desejos são tolhidos, a expectativa da família é que ela engravide. Hunter é uma mulher infeliz e que por traumas passados conduz sua existência de maneira submissa, aos olhos do marido quer ser prefeita, foi ensinada a agradar, mas chega em um determinado momento que ela adquire uma compulsão em engolir objetos, como agulhas, bolinhas de gude, tachinhas e pilhas, ela gosta de sentir as texturas em sua boca e não o ato em si, como diz para a psicóloga contratada pela família após descobrirem no ultrassom que tinha outras coisas além do bebê em sua barriga. A gravidez indesejada só amplia suas angústias, aumenta a vontade de engolir os objetos e quando expelidos os guarda como um troféu, além disso traumas passados vêm à tona, despertam nela sentimentos perturbadores, ela pensa no como veio ao mundo, na complexidade de sua existência e sua inadequação naquela família que a tem apenas como uma boneca pronta para agradar-lhes.
Melancólico e sensível retrata a opressão que a mulher sofre para realizar as expectativas dos outros, a falta de controle sobre si mesma desencadeou sua compulsão, que não só faz paralelo com a gravidez, mas o ato de engolir e expelir e de guardar o objeto como um troféu seria um tipo de controle secreto, um desejo seu satisfeito, algo só dela. O filme amplia essas questões quando o trauma é inserido no contexto e percebemos que para ela sair dessa prisão é preciso muito mais do que foi retratado, mas com certeza um começo, resolver as pendências e se olhar com mais carinho, deixar o meio que a oprime e seguir livre. Além da originalidade da obra, sua estética e trilha sonora são incríveis e só agregam para gerar o terror vivido pela protagonista. Um ótimo filme que abrange questões femininas com autenticidade e une a tristeza e a beleza em pequenas e intensas dosagens.
Melancólico e sensível retrata a opressão que a mulher sofre para realizar as expectativas dos outros, a falta de controle sobre si mesma desencadeou sua compulsão, que não só faz paralelo com a gravidez, mas o ato de engolir e expelir e de guardar o objeto como um troféu seria um tipo de controle secreto, um desejo seu satisfeito, algo só dela. O filme amplia essas questões quando o trauma é inserido no contexto e percebemos que para ela sair dessa prisão é preciso muito mais do que foi retratado, mas com certeza um começo, resolver as pendências e se olhar com mais carinho, deixar o meio que a oprime e seguir livre. Além da originalidade da obra, sua estética e trilha sonora são incríveis e só agregam para gerar o terror vivido pela protagonista. Um ótimo filme que abrange questões femininas com autenticidade e une a tristeza e a beleza em pequenas e intensas dosagens.
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Perdrix / Aurora / Microhabitat
Segue a resenha de três filmes numa única postagem por eles terem características bem parecidas e também porque particularmente foram muito especiais e merecem um lugar no blog. Ultimamente por tantas coisas acontecendo me falta ânimo para atualizar esse espaço, mas espero que aquela vontade e empenho que tinha volte. Confira:
"Perdrix" (2019) dirigido por Erwan Le Duc é uma comédia dramática francesa peculiar que flerta com absurdos, mas que também consegue despertar emoções vívidas e graciosas, tem aquele elemento especial que nos faz ficar de coração preenchido e sorrir.
Desde que a enigmática Juliette Webb (Maud Wyler) entrou em sua vida, Pierre Perdrix (Swann Arlaud) não tem sido mais o mesmo. Atingindo a sua rotina e modificando os seus dias como um meteorito emocional, a presença da moça fez com que, indiretamente, toda a família Perdrix repensasse suas vidas.
Acompanhamos a pacata e disciplinada rotina do policial Pierre na cidadezinha na belíssima região montanhosa dos Vosges, ele mora com sua mãe (Fanny Ardant), que possui um programa de rádio que fala sobre amor, seu irmão (Nicolas Maury), que ensina a importância das minhocas a um grupo de crianças, e sua sobrinha (Patience Munchenbach), isolada e sempre desejando ir embora do local, essa família um tanto estranha é repleta de coisas não resolvidas e preferem não expô-las e continuar vivendo sob um véu de ilusão confortável, Pierre literalmente cuida de todos e segue a risca sua rotina, até que Juliette aparece quando seu carro é roubado por nudistas anarquistas que vivem em meio a floresta, impaciente com os protocolos decide agir e gruda em Pierre desnorteando toda a sua maneira de pensar. Essa mulher peculiar não pensa para falar e ao se inserir na vida da família de Pierre balança a frágil estrutura, mas ela também tem seus medos e vemos isso através da angústia em perder suas lembranças, que estão todas anotadas em cadernos, dos quais se encontram no carro roubado, são dois opostos, enquanto um não quer experimentar e viver, como diz: "O cotidiano é a única coisa que não decepciona", já ela por sua vez, prova a si mesma que viveu anotando tudo como se assim tivesse a certeza de que não perderia nada da vida. O relacionamento cresce de uma forma orgânica e muito poética, lentamente os dois terminam se complementando.
"Perdrix" é um longa aconchegante e interessante, além de seus cenários naturais serem um encanto, e também os atores que elevam o nível de peculiaridade, Swann Arlaud e Maud Wyler garantem momentos curiosos e bonitos.
"Aurora" (2019) dirigido por Miia Tervo é um drama finlandês sensível, bonito e que possui passagens memoráveis e uma protagonista que brilha aos nossos olhos, nos encantamos por Aurora e torcemos para que ela supere os problemas, a empatia e identificação é inevitável.
Sempre com medo de se comprometer seriamente a qualquer pessoa, Aurora (Mimosa Willamo) é fanática por festas, mas percebe que essa prática está desgastando-a com o tempo. Depois de esbarrar com um rapaz que tem fobia da morte, ela percebe que eles dois podem aprender a superar seus traumas juntos de maneiras diferentes.
Aurora segue sua vida de maneira incerta, trabalha como manicure e vive em festas, tem sérios problemas com álcool e tudo se agrava quando é despejada e seu pai alcoólatra é internado, ela sonha em se mudar da Finlândia, mas a falta de dinheiro e oportunidade a afasta desse sonho, tentando se virar arranja um emprego cuidando de uma senhora bem engraçada e de mente aberta, desse modo vamos juntos de Aurora que se afunda cada vez mais e não enxergando de fato seu problema com a bebida, seu escape é um grande monstro a engoli-la. Nesse entremeio há o personagem Darian (Amir Escandari) e sua filha de nove anos que sonham em poder morar legalmente no país, eles moram numa casa que acolhe temporariamente imigrantes, numa noite Darian conhece Aurora numa lanchonete, ela lhe paga o restante que faltava para o lanche e numa conversa aleatória a pede em casamento para obter o visto, mas obviamente recusa, só que mais tarde ela oferece uma outra ideia, que por três mil euros arranjaria uma esposa finlandesa. A vemos muito perambular pelas ruas, no frio congelante, bebendo e cambaleando de salto alto na neve, dando festa na casa da senhora que cuida, se expondo a situações perigosas e travando meios que talvez a tirem desse buraco, Darian surge como um alívio em sua vida, mas é lentamente que essa relação toma forma e Aurora se dá conta da paixão, é realmente muito orgânico e sensível. O filme mesmo carregando momentos pesados tem uma leveza especial, terna e empática, não é difícil se identificar em muitas partes e torcer pela personagem, aliás uma composição linda e potente de Mimosa Willamo, uma tour de force que destrói o psicológico, mas também possui tons de humor que são um tanto curiosos, talvez pela expressão cultural do país.
"Aurora" é um filme apaixonante, carregado de questões interessantes, como os estereótipos que se cria em cima de imigrantes, o alcoolismo e o processo do entendimento desse problema, a sensação de inquietação pela falta de oportunidades, perdas e a solidão.
"Microhabitat" (2017) dirigido por Jeon Go-Woon é um filme sul-coreano simples, mas imenso, retrata pequenas grandes paixões que nos movem, no cotidiano chato e cada vez mais competitivo encontrar alívio nessas coisas que amamos, sem dúvidas, é o que dá sentido à vida. São coisas particulares a cada um e que podem parecer errado e desprezível a muitos. A protagonista é gigante em cena, aliás o filme propõe o exercício da quebra de julgamentos, até porque todos temos nossos pequenos vícios, esses que somente a nós cabe decidir se nos faz bem. Mais uma vez uma personagem de fácil identificação e que amplia nossos horizontes de pensamentos. Melancólico e extremamente sensível acompanhamos a rotina de Mi-So (Esom), que trabalhou como doméstica nos últimos 3 anos e ganhou 45 mil won (US$ 40) por dia. Mi-So adora beber Whisky e fumar cigarros. Seu namorado é Han-Sol (Ahn Jae-Hong) e ele quer se tornar um escritor de webtoons. Mesmo que Mi-So seja pobre, ela está feliz enquanto tem Whisky, cigarros e seu namorado. Infelizmente, os preços dos cigarros aumentam no primeiro dia do novo ano. Mi-So tem que dar algo e ela decide desistir de seu apartamento. Então, inicia-se uma peregrinação, ela contata antigos amigos, dos quais formavam uma banda, ela dorme um tempo na casa de cada um, mas aos poucos percebe que é um incômodo e que todos mudaram sua personalidade, aderiram ao sistema e estão infelizes, a cada porta que bate tem uma surpresa e é tratada de variadas formas, desde desprezo, julgamentos e falsa simpatia. Mi-So dispõe ainda de uns trocados e tenta arranjar uma casa bem longe da cidade, mas o preço exorbitante a desanima e mesmo os piores lugares, como cubículos sujos são caros, desse modo decide gastar com o que faz sentido para si, mas com o aumento do cigarro e Whisky e a partida do seu namorado em busca de uma melhoria financeira se entristece e se torna ainda mais marginalizada, vemos que ela seguiu pelo caminho que lhe falava o coração e foi fiel a sua personalidade, não se vendeu e modificou para agradar e se inserir num processo que capitaliza absolutamente tudo. É muito fácil julgar o caminho dos outros, especialmente àquele que se torna à margem de tudo, mas se faz sentido para si é o que importa, afinal o que resta a cada um é esses pequenos prazeres, como no caso de Mi-So, cigarro e Whisky.
"Microhabitat" é uma obra singela que mostra uma personagem que não tem vergonha de seus vícios e de suas escolhas, que segue ignorando o julgamento alheio até porque entende que a pessoa que julga decepou inúmeras particularidades para se tornar algo que quase sempre não escolheu. É o retrato da desigualdade e o impacto da cultura do consumo, da naturalização do ter e não do ser. Filme simples, mas que carrega em si um gigantesco significado. Lindo!
segunda-feira, 6 de abril de 2020
Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la Jeune Fille en Feu)
"Retrato de uma Jovem em Chamas" (2019) dirigido por Céline Sciamma (Tomboy - 2011) é um filme extremamente belo e sedutor visualmente e narrativamente arrebatador. Uma obra-prima delicada repleta de sutilezas.
Na França do século XVIII, Marianne (Noémie Merlant) é uma jovem pintora que recebe a tarefa de pintar um retrato de Héloïse (Adèle Haenel) para seu casamento sem que ela saiba. Passando seus dias observando Héloïse e as noites pintando, Marianne se vê cada vez mais próxima de sua modelo conforme os últimos dias de liberdade dela antes do iminente casamento se veem prestes a acabar.
Ambientado na França do século XVIII acompanhamos a história da pintora Marienne que é contratada para realizar o retrato da jovem Héloïse, prometida em casamento a um italiano, contrariada se recusa a posar a qualquer pintor que se aproxime, o fato é que a obrigação do casamento a perturba demasiadamente, pois a noiva seria sua irmã, mas devido um "acidente" ela precisou ocupar este lugar. A condessa, mãe de Héloïse diz a Marianne para se aproximar de forma cautelosa e a princípio como uma dama de companhia para assim conseguir captar os traços e conseguir pintá-la. É montado um improvisado estúdio num salão que disfarçou como um quarto e entre os lençóis pendurados coloca seus materiais. Nesses passeios a observação e os olhares ganham uma força primorosa, o filme nos arrebata pelas sensações dos pequenos gestos, pelos detalhes de cada cena, tudo quer dizer algo e faz diferença para o desenrolar. Marianne se esforça para capturar e imaginá-la posando em sua frente, mas após o quadro finalizado ela decide dizer o real motivo de sua estadia ali, a condessa concorda e Héloïse ao ver seu retrato não gosta por não ter verdade. Decidida a posar para Marianne, a relação vai ganhando camadas e mais íntimas se tornam quando se veem sozinhas nesse local tão remoto, também nesse tempo estreitam o laço com a empregada Sophie (Luàna Bajrami), que se vê precisando de ajuda num determinado ponto.
Um filme marcante, silencioso e muito imersivo, seja pelos olhares sutis, o desejo aflorando, as pinceladas e a arte nascendo, assim como a intensidade da intimidade, as conversas que iluminam, a cumplicidade entre elas, sequências que enchem os olhos tamanha a beleza, como os poderosos cenários naturais destacando a melancolia. O romance foge completamente das fórmulas e entrega com verdade a situação, pois o amor entre duas mulheres nesta época é algo que jamais seria aceito.
Um filme marcante, silencioso e muito imersivo, seja pelos olhares sutis, o desejo aflorando, as pinceladas e a arte nascendo, assim como a intensidade da intimidade, as conversas que iluminam, a cumplicidade entre elas, sequências que enchem os olhos tamanha a beleza, como os poderosos cenários naturais destacando a melancolia. O romance foge completamente das fórmulas e entrega com verdade a situação, pois o amor entre duas mulheres nesta época é algo que jamais seria aceito.
Apesar de ser um filme quieto, seus símbolos no decorrer acendem nossa atenção e nos faz entrar na história, as camadas de sentimentos, o desenvolvimento e o seu poético fim tão cheio de significados e intensamente apaixonado. As protagonistas são mulheres corajosas e resistentes mesmo tendo a consciência de seus destinos, não só Marianne e Héloïse, mas Sophie também, há importantes momentos em que a irmandade entre elas são evidenciadas e mostram o quão fortes são.
"Retrato de uma Jovem em Chamas" se inspirou no mito de Orfeu, possui a aura dos clássicos da literatura e a trama é pontuada por um concerto de Vivaldi, "Verão" de "As Quatro Estações", fascinante como deu completude à essa obra tão intensa e apaixonada.
quinta-feira, 5 de março de 2020
A Despedida (The Farewell)
"A Despedida" (2019) dirigido por Lulu Wang (Póstumo - 2014) é um filme sensível e interessante sobre as diferenças culturais entre oriente e ocidente principalmente em relação a morte e o luto, mas também retrata a contemporaneidade do país em seus belíssimos planos abertos, a diretora se inspirou na própria avó para compor a história que em nenhum momento soa pesada ou triste, mas sim exibe um olhar afetuoso e leve mesmo com toda a confusão e conflitos internos, a decisão tomada não é algo particular e individual, abarca uma série de outros pensamentos que ultrapassam qualquer tabu.
Quando a família de uma doce senhora descobre que ela possui apenas mais algumas semanas de vida, eles decidem não informá-la a respeito do diagnóstico. Em vez disso, seus filhos e netos tentam arranjar um casamento de última hora para que todos os parentes mais distantes possam vê-la por uma última vez sem que ninguém saiba o que está acontecendo de verdade.
O desenvolvimento é bastante agradável e gera sensações de acolhimento, além de refletirmos melhor sobre encarar a morte sem ser de forma fúnebre, claro que todos da família sentem, mas o cuidado em deixar a avó continuar vivendo feliz com suas coisinhas abre um horizonte belo e zeloso.
Billi (Awkwafina) vive em Nova Iorque, mas volta à China para reunir-se com a família que descobriu que Nai Nai (Zhao Shuzhen), sua avó, está num estágio avançado de câncer, o médico não conta a verdade a pedido da família e ela continua vivendo feliz e sem maiores complicações, para ela não estranhar a reunião familiar inventam um casamento de última hora e aproveitam o tempo junto dela. As situações variam entre tensões para aceitar a decisão de não contar a verdade, pois a maioria se mudou do país e não estão tão próximos das tradições, as visões de cada um são diferentes, mas terminam entrando num consenso, para alguns é mais dificultoso não demonstrar tristeza, o peso de carregar uma notícia dessa, mas não querem que ela sofra, sua figura acolhedora e amável jamais poderia ser apagada com algo tão devastador.
Uma das coisas mais bonitas é a forma como a morte é encarada, claro que com tristeza, mas nunca com desespero e ressentimento, na realidade celebram a vida e a alegria de a terem compartilhado com a pessoa que amam, algo que encanta aos nossos olhos também é a honestidade da história, sem afetação e estereótipos culturais, o longa mesmo sendo americano é praticamente falado todo em mandarim e é estrelado por atores chineses, portanto há muita sensibilidade e verdade no que está sendo retratado.
"A Despedida" é um filme que mesmo retratando algo doloroso, pois saber que vai perder alguém certamente é angustiante, carrega simplicidade e muito acolhimento, há momentos espirituosos, a alegria se mistura com a tristeza e como não contam a verdade precisam se concentrar em não demonstrar, por isso as interpretações são contidas. É um filme curioso e intimista que capta nuances interessantes de como encarar a morte.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020
Quem Com Ferro Fere (Quien a Hierro Mata)
"Quem Com Ferro Fere" (2019) dirigido por Paco Plaza (Verónica - 2017) é um filme surpreendente que parte de um drama moral para um thriller angustiante com reviravoltas desconfortáveis. Desenvolve-se numa espiral de escolhas e consequências pesadas e brutais. Ótimo exemplar espanhol disponível no catálogo da Netflix.
Após a morte de seu irmão Sergio, o enfermeiro de asilo Mario (Luis Tosar) se prepara para um novo capítulo da sua vida com a chegada de seu primeiro filho. Mas, quando um chefe de cartel é enviado ao asilo para os cuidados de Mario, ele começa a questionar se seu dever é mais importante que as vidas que este homem destruiu.
Conhecemos Mario, enfermeiro de uma casa de repouso que está prestes a ser pai, ele se encontra num dilema quando é designado para cuidar de Antonio Padin (Xan Cejudo), o patriarca de um cartel de tráfico de drogas que decide se internar ao invés de voltar para casa, Mario então começa a se questionar e por conta disso ele se vê diante novamente de seu turvo passado. Do outro lado acompanhamos Toño (Ismael Martínez) e Kike (Enric Auquer) que decidem dar uma guinada na empresa comprando drogas de colombianos e revendendo para chineses, uma situação que o pai deles não quer saber e se envolver, os dois ficam por conta e terminam se endividando e Kike vai preso, a saga por dinheiro para não serem mortos se inicia e Toño vendo a proximidade de Mario com o seu pai o chantageia para que ele o ajude a fazê-lo voltar para casa, mesmo num estado terminal o pai ainda tem forças para recusar e continua sendo mal com quem quer que seja. Mario segue os dias aparentando doçura e mostrando dedicação aos cuidados desse homem, mas por dentro cultiva desejos de vingança e dá seguimento a seu plano, todos os dias injeta uma quantidade de droga fazendo com que o velho sinta aos poucos a dor e a danificação em seu corpo.
O passado de Mario com as drogas é revelado lentamente e as lembranças envolvendo seu irmão vêm à tona, o roteiro segue numa crescente sem pressa e totalmente angustiante. O desejo de vingança se intensifica e apesar de seu jeito frio é dominado por seus sentimentos e fica praticamente cego a qualquer outra coisa, está decidido a terminar com todos eles, mas a vingança não é simples e chega um ponto que não se sabe quem de fato se vingou de quem, e daí o título que se refere ao ditado: "Quem com ferro fere, com ferro será ferido".
O passado de Mario com as drogas é revelado lentamente e as lembranças envolvendo seu irmão vêm à tona, o roteiro segue numa crescente sem pressa e totalmente angustiante. O desejo de vingança se intensifica e apesar de seu jeito frio é dominado por seus sentimentos e fica praticamente cego a qualquer outra coisa, está decidido a terminar com todos eles, mas a vingança não é simples e chega um ponto que não se sabe quem de fato se vingou de quem, e daí o título que se refere ao ditado: "Quem com ferro fere, com ferro será ferido".
Intenso e repleto de instantes brutais, a história tem um desenvolvimento lento maravilhoso que segura a tensão e surpreende por suas ótimas reviravoltas, além das interpretações potentes de Enric Auquer e Ismael Martínez que promovem momentos de sangue nos olhos revelando a psicopatia desenfreada, e obviamente Luis Tosar que mesmo contido consegue passar o que sente.
"Quem Com Ferro Fere" é um thriller marcante que possui cenas violentas memoráveis, a vingança não segue pelos moldes comuns e repletos de clichês, e realmente fica aquele sentimento amargo, chega a lembrar os longas sul-coreanos que ficaram aclamados pelo "gênero" vingança, onde a caça e o caçador se misturam e se embolam num amontoado de consequências trágicas. Filmaço!
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020
Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo (Le Daim)
"A Jaqueta de Couro de Cervo" (2019) dirigido por Quentin Dupieux (Wrong - 2012) é um filme estranho carregado de sátira e com uma intrigante metalinguagem que trata da obsessão do personagem por uma jaqueta de camurça. Original, absurdo, mas que culmina em metáforas inteligentes.
Quando Georges (Jean Dujardin) encontra uma fascinante jaqueta de camurça, sua vida muda completamente, de um dia para o outro. A vestimenta passa a ser sua principal obsessão e o leva até uma jornada de possessividade, ciúmes e comportamento psicótico. Quando menos percebe, Georges se tornou uma outra pessoa.
Georges joga sua antiga jaqueta e está em busca de uma nova que seja estilosa e perfeita, ele saca todo o seu dinheiro e investe nesse desejo, então o vendedor tira uma jaqueta de camurça de um baú e Georges encantado a compra e ainda ganha de brinde uma câmera amadora, a todo momento ele se olha no espelho fazendo poses admirando sua jaqueta e se sente praticamente num faroeste, principalmente quando compra botas, luvas e ganha uma calça também de camurça, além do chapéu que tira do atendente morto do hotel em que se encontra. Georges não tem mais nenhum centavo e não tem como sobreviver, a história vai se moldando a partir do momento em que ele encontra a moça do bar (Adèle Haenel) que pergunta o que ele faz da vida, sem muito pensar diz ser cineasta, intrigada ela lhe diz que seu hobby é editar, inclusive fez um árduo trabalho de colocar em "ordem" o longa "Pulp Fiction". Diante dessa mentira Georges acredita que está realmente fazendo um filme, captura imagens do local e de si mesmo e convence a garota a ajudá-lo, mas para isso precisa urgentemente de dinheiro, ele inventa um monte de mentiras e ela saca o dinheiro. As imagens são aleatórias e mostrando na totalidade a jaqueta, sua obsessão é gigante que ela até ganha uma voz. O seu filme vai se moldando e o intuito é que todas as jaquetas desapareçam e apenas a de Georges exista, essa sua insanidade vai se lapidando e novas alternativas são criadas para que consiga o seu propósito, ele não mede esforços e cria um personagem para si extremamente obcecado, violento e ridículo.
A metalinguagem é repleta de ironia, o processo criativo e as situações desencadeadas são absurdas e coloca o espectador numa armadilha tentando decifrar o que não necessita ser explicado, a obra de Dupieux brinca com essas questões o tempo todo.
Georges não mede esforços para realizar seu sonho, de que sua jaqueta seja a única no mundo e acredita piamente que assim ela o quer também, usando a mentira de ser cineasta põe em prática seu plano e para isso utiliza seu estilo matador que termina sendo cem por cento de camurça.
"A Jaqueta de Couro de Cervo" certamente não é um filme esquecível, a sua estranheza não é gratuita e apesar de aparentar não significar nada conforme o desenrolar inteligentemente vira o jogo e demonstra uma paródia de si mesmo. Uma obra inusitada e peculiarmente certeira.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Zombi Child
"Zombi Child" (2019) dirigido por Bertrand Bonello (Nocturama - 2016) é baseado na história de Clairvius Narcisse, um haitiano que alega ter sido transformado em um morto-vivo por um feiticeiro vodu, a história assustadora e curiosa de Narcisse atraiu a atenção de cientistas do mundo todo que apresentaram diversas versões para a possível ressurreição. O filme é imensamente interessante e se desenvolve em duas linhas temporais, a primeira nos anos 60 mostrando um homem sendo ressuscitado, escravizado na colheita de cana-de-açúcar e zumbificado por alguma substância, e na segunda uma jovem tentando se adaptar a um colégio tradicional na França após perder os pais num terremoto que devastou o Haiti.
Haiti, 1962. Um homem é trazido de volta do mundo dos mortos apenas para ser enviado ao inferno do trabalho nos campos de cana. Em Paris, 55 anos depois, na conceituada escola da Legião de Honra, uma jovem aluna haitiana confessa um antigo segredo de família para o grupo de novas amigas - sem imaginar que sua estranha narrativa vai convencer uma colega de coração partido a fazer o inimaginável.
Longe da figura que conhecemos hoje como zumbi, entramos nas profundezas obscuras de sua mitologia, de origem africana e pagã, um terreno em que por vezes soa estereotipado demais, porém mesmo assim um ótimo filme sobre a herança cultural. Acompanhamos Mélissa, que apesar de ter crescido na França possui raízes haitianas, ela descende diretamente de um zumbi e mesmo sendo a única negra num colégio feminino de elite destinado somente a jovens filhas de pais condecorados com medalhas de honra não encontra tantos entraves, mas olhando com mais atenção a curiosidade que ela surte nas meninas lê-se como racismo, principalmente quando uma delas com o coração partido pelo namorado decide se enveredar pelo sobrenatural com a ajuda da tia de Mélissa.
O filme toca em pontos fortes da História da colonização do Haiti, da escravização, da miséria, da revolta dos escravos e a independência do país, a dor, os traumas, e assim pincela várias outras questões, como a má interpretação e caricatura do vodu, a apropriação cultural e a sua exotização, o maior exemplo disso é a utilização dos clichês utilizados por Hollywood, especialmente quando transformou o livro "A Serpente e o Arco-Íris", de Wade Davis no filme "A Maldição dos Mortos-Vivos".
O ir e vir do tempo o torna um pouco arrastado e prejudica algumas ações, cortes bruscos também são um tanto utilizados, mas ao todo é uma obra que combina poeticamente o Haiti do passado com a França atual, um cinema que explora as raízes e reflete o quanto a apropriação e o uso de culturas afro-caribenhas são exploradas de modo banal.
"Zombi Child" é uma experiência intrigante e intensa, sem muito detalhar observamos as tradições culturais haitianas juntamente com questões sobre o colonialismo francês através das aulas na escola, narrativas que se complementam e dão substância e originalidade à trama, de certo modo chocante ao evidenciar o quanto as tradições são deturpadas e soterradas.
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
No Coração do Mundo
"No Coração do Mundo" (2019) dirigido por Gabriel Martins (O Nó do Diabo - 2017) e Maurilio Martins é um filme nacional maravilhoso e surpreendente, reflete a realidade brasileira com potência e exibe elementos totalmente únicos do nosso país, possui uma crescente instigante, tensa e ainda incute profundas reflexões acerca do cotidiano.
Contagem, Minas Gerais. Dentro da comunidade local, Marcos (Leo Pyrata) se vira diariamente com os pequenos crimes que comete. Quando reencontra Selma (Grace Passô), uma antiga amiga, ele se convence da possibilidade de executar um assalto bem-sucedido. Mas o plano só pode ser colocado em prática com a ajuda de uma terceira pessoa, e Ana (Kelly Crifer), namorada de Marcos, hesita em participar.
É uma pérola nacional que merece ser descoberta, não poderia ser mais a cara do Brasil, como a primeira cena em que mostra o famoso carro de telemensagem, além de sua bela e forte introdução que é capaz de nos fazer identificar e emocionar ao som de "BH é o Texas", de MC Papo. Somos introduzidos na favela de Contagem onde as pessoas fazem o que podem para garantir seu sustento, o dia a dia cansativo e permeado pela violência faz com que muitos tenham o sonho de mudar de vida, só que pelo caminho comum do trabalho é praticamente impossível, como observamos em Ana que é cobradora de ônibus e mantém uma rotina exaustiva e sem nenhuma perspectiva, todos os dias rodando os mesmos lugares e aguentando descaso e maus-tratos de passageiros. Seu namorado Marcos vive perambulando e se recusa a trabalhar formalmente, enquanto sua mãe sobe e desce as ruas vendendo seus produtos, ele ajuda Selma, uma antiga amiga que faz "bico" de fotógrafa nas escolas, e então entendemos que Selma desejar ir embora e demonstra isso na frase que diz: "O coração do mundo é onde a gente quer pisar, é onde vai o desejo da gente. É o próximo lugar". À frente de tantas dificuldades Selma começa a elaborar um plano, algo grande capaz de mudar sua vida, mas para isso precisa de ajuda e chama Marcos e lhe diz que também é preciso que Ana os ajude. Desiludida com o trabalho no ônibus e diante da possibilidade da enorme quantia de dinheiro e o sonho de ir para longe aceita a proposta.
É uma obra orgânica ao colocar os problemas sociais enfrentados pelas pessoas da comunidade, e sensível mesmo tendo enorme força, seu desenvolvimento não tem pressa e sabe agregar tensão e surpresa, possui sequências memoráveis e traz diálogos poeticamente naturais.
"No Coração do Mundo" conversa com a realidade periférica perfeitamente, nos introduz à história com inteligência, vigor e a desenvolve de maneira crescente, as situações mesclam drama social e thriller com uma pitada de humor. As obras da produtora mineira Filmes de Plástico buscam retratar esse cotidiano de forma verdadeira e espontânea, vale muito a pena conhecer outros filmes, como "Ela Volta na Quinta" ou "Temporada".
terça-feira, 14 de janeiro de 2020
Ad Astra
"Ad Astra" (2019) dirigido por James Gray (Z: A Cidade Perdida - 2016) é um filme belo visualmente e que propõe reflexões pertinentes sobre solidão, incertezas e vazio, e não é somente por explorar o espaço que essas sensações são ampliadas, mas, principalmente, por escavar a complexa mente humana. De atmosfera íntima e melancólica acompanhamos a grandiosa jornada de um homem pelo enigmático universo e, por consequência, o encontro de si mesmo.
Após um terrível acidente, um astronauta (Brad Pitt) recebe a notícia de que há algo misterioso ameaçando a sobrevivência de nosso planeta, algo que também está relacionado com o sumiço de seu pai (Tommy Lee Jones). Agora, ele recebe a missão de viajar para tentar solucionar este mistério, que tem segredos que desafiam a existência humana e nosso lugar no cosmos.
Imenso, triste e silencioso, a história foge das convencionalidades de filmes sobre espaço e traz além da beleza plástica bastante verossímil, vide aquele início espetacular em que o astronauta cai da torre de comunicação e fica girando na atmosfera, também reflete sobre questões íntimas do protagonista de maneira contida e inteligente, a sensação de angústia permeia a obra e inebria a cada cena, tanto pelas tomadas maravilhosas no espaço, como nas claustrofóbicas cenas na nave, e pela maneira que o protagonista se comporta diante a tudo, sempre controlado apesar de possuir sentimentos adversos.
Roy é um respeitado astronauta e é convocado para uma missão, pois estranhas emissões de antimatéria dentro do sistema solar estão afetando as fontes de energia da Terra, por incrível que pareça isso pode estar relacionado a seu pai desparecido e ao Projeto Lima, missão comandada por Clifford há mais de 15 anos para captar sinais de vida extraterrestre. Roy é frio e sereno e sabe ser certeiro ao tomar decisões em momentos tensos, uma exigência da profissão que acaba sendo uma tortura, e diante dessa missão precisará ter ainda mais controle, a jornada para reencontrar seu pai no espaço exigirá muito esforço interno, pois existe nele uma ambiguidade e complexidade de sentimentos em relação a esse homem, Roy nunca construiu elos afetivos e seus conflitos são obstáculos bem maiores do que sua longa e perigosa viagem a Netuno.
Roy é um respeitado astronauta e é convocado para uma missão, pois estranhas emissões de antimatéria dentro do sistema solar estão afetando as fontes de energia da Terra, por incrível que pareça isso pode estar relacionado a seu pai desparecido e ao Projeto Lima, missão comandada por Clifford há mais de 15 anos para captar sinais de vida extraterrestre. Roy é frio e sereno e sabe ser certeiro ao tomar decisões em momentos tensos, uma exigência da profissão que acaba sendo uma tortura, e diante dessa missão precisará ter ainda mais controle, a jornada para reencontrar seu pai no espaço exigirá muito esforço interno, pois existe nele uma ambiguidade e complexidade de sentimentos em relação a esse homem, Roy nunca construiu elos afetivos e seus conflitos são obstáculos bem maiores do que sua longa e perigosa viagem a Netuno.
Brad Pitt está soberbo, um homem repleto de traumas que se mantém impenetrável e que exerce um controle sobre si mesmo capaz de nos deixar perturbados, sempre silencioso e melancólico acompanhamos seus sentimentos por meio de suas narrações, são nesses instantes que o conhecemos profundamente e muitas questões existenciais pungem.
O filme tem um tom sóbrio e fascina por diversos aspectos, especialmente pelo fato de se passar num futuro não muito distante e toda a ideia do espaço criada ser aceitável, como a colonização na lua demonstrando o capitalismo e a ganância do ser humano, o satélite é uma zona de turismo repleto de propagandas e franquias e também possui zonas de conflitos pela aquisição de recursos, Marte também foi colonizado e o retrato é muito interessante, pois existem salas que reproduzem a natureza da Terra, espaços minimalistas claustrofóbicos, mas, no entanto, curiosos.
"Ad Astra" é introspectivo e lento, traz um vazio e um niilismo que machuca, retrata a busca do ser humano por algo grandioso, suas escolhas por muitas vezes egoístas, o afastamento de si mesmo, os conflitos de identidade, a ganância, a falta de sensibilidade, e a imensa e assustadora solidão.
terça-feira, 31 de dezembro de 2019
Melhores Filmes 2019
Segue a lista dos melhores filmes que estrearam em 2019 no Brasil que tive a oportunidade de assistir, dentre tantos escolhi os que mais me marcaram, são obras pertinentes e excepcionais dentro de seus estilos. A lista é pessoal e os números só são uma questão de ordem e não de preferência. Confira:
Na Inglaterra do século XVIII, Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) exerce sua influência na corte como confidente, conselheira e amante secreta da Rainha Ana (Olivia Colman). Seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), nova criada que logo se torna a queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes à oportunidade única. Um filme sarcástico e exuberante sobre os jogos de poder políticos e amorosos entre três mulheres dentro de uma corte baseando-se em parte na era da Rainha Anne, que reinou a Grã Bretanha entre 1707 e 1714, durante as guerras da Inglaterra contra a França. Saiba+
17- "O Clube dos Canibais" (Brasil) Guto Parente
Otavio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios) são da elite brasileira e membros do The Cannibal Club. Os dois têm como hábito, comer seus funcionários. Quando Gilda acidentalmente descobre um segredo de Borges (Pedro Domingues), um poderoso congressista e líder do clube, ela acaba colocando sua vida e a de seu marido em perigo. Um ótimo exemplo de como o cinema nacional está produzindo obras cada vez mais pertinentes e ousadas, Guto Parente tem se destacando pelos festivais mundo afora e se sobressaindo como um dos diretores mais interessantes atualmente. O filme é uma sátira aterrorizante que mostra o absurdo, o cinismo e a hipocrisia da elite ao se alimentar literalmente dos mais pobres, recheado de cenas violentas e diálogos perversos coloca em evidência as fissuras da estrutura social do país. Saiba+
16- "Assunto de Família" (Manbiki Kazoku) Japão - Hirokazu Koreeda
Depois de uma de suas sessões de furtos, Osamu (Lily Franky) e seu filho se deparam com uma garotinha. A princípio eles relutam em abrigar a menina, mas a esposa de Osamu concorda em cuidar dela depois de saber das dificuldades que enfrenta. Embora a família seja pobre e mal ganhem dinheiro dos pequenos crimes que cometem, eles parecem viver felizes juntos até que um incidente revela segredos escondidos, testando os laços que os unem. Uma obra bela e singela que nos faz refletir sobre laços e o que de fato forma uma família, retrata a pobreza no Japão e o como as pessoas mesmo sem perspectivas se unem e transcendem esse cenário miserável e caótico. Um drama por vezes pesado e por vezes doce, um acalento e um despertar de consciência. Saiba+
15- "Nós" (Us) EUA - Jordan Peele
Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos. Um filme imersivo que além de trazer o thriller psicológico e o suspense atrelado ao terror tem uma densa camada de questões sociais, diferente do anterior "Corra" (2017) que faz crítica direta e mordaz ao racismo, em "Nós" há um aperfeiçoamento e uma elegância ao contar a história e vai por uma linha mais abrangente repleta de simbolismos e metáforas que garante uma experiência profunda. Saiba+
14- "Mal Nosso" (Brasil) Samuel Galli
Arthur (Ademir Esteves) é um pai zeloso, preocupado com sua filha única (Luara Pepita), prestes a entrar na faculdade. Ele esconde um segredo desde sua juventude sobre algo que pode ser prejudicial ao futuro da jovem, e para isso contrata os serviços de um serial killer (Ricardo Casella) na deep web. Após fazer um acordo com o assassino, Arthur abre as portas para uma jornada mortal envolvendo psicopatas, maldições e demônios. Um filme de terror brasileiro muito bem realizado, tem um roteiro instigante com reviravoltas inteligentes, referências deliciosas e uma trilha sonora impecável, com certeza uma baita opção para quem adora o gênero, não deixa nada a desejar a produções americanas, inclusive sendo melhor que algumas que passeiam pelos temas de exorcismo/sobrenatural. Também conta com a mágica mão de Rodrigo Aragão para todo o trabalho de maquiagem. Saiba+
13- "Fronteira" (Gräns) Suécia/Dinamarca - Ali Abbasi
Tina (Eva Melander) é uma policial que trabalha na alfândega de um porto fiscalizando bagagens e passageiros. Depois de ser atingida por um raio na infância, ela desenvolveu uma espécie de sexto sentido, fazendo com que seja capaz de "ler as pessoas". Isso sempre representou uma vantagem na sua profissão, mas tudo muda quando ela identifica um criminoso em potencial e não consegue achar provas para justificar sua intuição. Após o episódio, ela passa a questionar seu dom, ao mesmo tempo em que fica obcecada em descobrir qual o verdadeiro segredo de Vore (Eero Milonoff), seu único suspeito não legitimado, essa relação a força a confrontar revelações terríveis sobre si mesma e sobre a humanidade. Um filme bizarro e surpreendente adaptado de um conto homônimo do autor sueco John Ajvide Lindqvist (Deixe Ela Entrar), na trama há uma fusão de gêneros interessantes, como romance, fantasia, suspense investigativo e toques de humor, também envolve temas polêmicos e autodescoberta, o estranhamento é algo contínuo e desabrocha para uma certa fascinação em torno da personagem e suas experiências. Um exemplar único que garante sensações e reflexões diversas. Saiba+
12- "Cafarnaum" (Capharnaüm) Líbano/França/EUA - Nadine Labaki
Aos doze anos, Zain (Zain Al Rafeea) carrega uma série de responsabilidades: é ele quem cuida de seus irmãos no cortiço em que vive junto com os pais e que leva o alimento trabalhando em uma mercearia. Quando sua irmã de onze anos é forçada a se casar com um homem mais velho, o menino fica extremamente revoltado e decide deixar a família. Ele passa a viver nas ruas junto aos refugiados e outras crianças que, diferentemente dele, não chegaram lá por conta própria. Um drama pesado e ao mesmo tempo sensível que retrata a miséria e o caos moral e social, além disso um filme que se posiciona e denuncia questões primordiais, por exemplo, o casamento de meninas menores de idade e a consciência sobre colocar mais vidas neste mundo falido. A dor que envolve a história é enorme, certamente os olhos do protagonista ficarão cravados na memória do espectador, também causa espanto pelas atrocidades pelas quais passa para a sobrevivência e o seu incrível senso de responsabilidade moral e clareza diante deste núcleo caótico em que vive. Saiba+
11- "O Bar Luva Dourada" (Der Goldene Handschuh) Alemanha/França - Fatih Akin
A trama se passa em Hamburgo, 1970. Fritz Honka (Jonas Dassler) é um homem fracassado com o rosto deformado, que vagueia pelas noites de um bairro boêmio ao redor de outras almas perdidas. Ninguém desconfia que, na verdade, Fritz é um serial killer. Ele persegue mulheres mais velhas e solitárias que conhece no Luva Dourada, seu bar favorito, e as esquarteja em seu apartamento. Quando os jornais começam a noticiar o desaparecimento sucessivo de várias mulheres, o medo e o caos se instalam na cidade. Baseia-se na história real do serial killer alemão Fritz Honka que escolhia suas vítimas em um bar e as matava brutalmente em seu apartamento, sua feição asquerosa juntamente com seu estilo de vida degradante surte um efeito repulsivo no espectador e consegue emanar com potência seu cheiro putrefato. Saiba+
10- "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (Midsommar) EUA/Suécia/Hungria - Ari Aster
Após vivenciar uma tragédia pessoal, Dani vivida pela ótima Florence Pugh, vai com o namorado Christian (Jack Reynor) e um grupo de amigos até a Suécia numa viagem para um festival de verão único em uma remota vila sueca. O que começa como férias despreocupadas de verão em uma terra de luz eterna toma um rumo sinistro quando os moradores do vilarejo convidam o grupo a participar de festividades que tornam o paraíso pastoral cada vez mais preocupante e visceralmente perturbador. Uma obra que trabalha sentimentos de perda e luto de maneira estarrecedora, sua aura solar impregnada por símbolos pagãos absorvem o espectador numa atmosfera inebriante e pulsante, muito se assemelha ao terror folk de "O Homem de Palha" - 1973, pelo fato de conter elementos macabros e utilizar cultos pagãos num cenário diurno, o medo é trabalhado de variadas formas sempre colocando o quanto o diferente e a cultura do outro assusta, explora suas camadas com inteligência e fornece olhares diversos promovendo reflexões profundas, além de perturbar com sua luminosidade e fascinar por seus mistérios. Saiba+
09- "Parasite" (Gisaengchung) Coreia do Sul - Bong Joon Ho
Toda a família de Ki-taek (Song Kang-ho) está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz com que o filho adolescente (Choi Woo Shik) comece a dar aulas de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos. Uma obra-prima de suspense, drama familiar, humor negro e que provoca pela sua crítica sobre a diferença entre as classes sociais, uma história instigante, inesquecível e repleta de reviravoltas surpreendentes. Saiba+
08- "Bacurau" (Brasil) Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho
Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo), Lunga (Silvero Pereira) e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa. Um filme instigante e essencial, sua mescla de gêneros aguça nossa curiosidade e imprime força a cada cena e diálogo, traz a representatividade nordestina, a cultura de um povo forte que jamais cede ou retrocede, a palavra que mais o resume é resistência. Saiba+
07- "Coringa" (Joker) EUA/Canadá - Todd Phillips
Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e uma greve dos lixeiros que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com uma agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens de Wall Street em pleno metrô. A atitude inicia um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante. Uma obra-prima desconfortável e perturbadora inspirada num dos mais icônicos personagens da cultura pop, o supervilão Coringa, mas a abordagem se afasta completamente do universo de heróis e vilões e nos introduz a um estudo de personagem visceral e extremamente decadente. Saiba+
06- "O Rei" (The King) UK/Austrália/Hungria - David Michôd
Após a morte de seu pai, Henrique V (Timothée Chalamet) é coroado rei, obrigado a comandar a Inglaterra. O governante precisa amadurecer rapidamente para manter o país consideravelmente seguro durante a Guerra dos 100 Anos, contra a França. Um drama épico livremente baseado em eventos históricos e adaptado da peça Henrique V, de Shakespeare. Uma produção poderosa que passa por intrigas de poder políticas e familiares com violência, beleza e questionamentos. Saiba+
05- "The Nightingale" (Austrália/EUA/Canadá) Jennifer Kent
Na Tasmânia de 1825, Clare (Aisling Franciosi) uma condenada irlandesa testemunha o assassinato brutal de seu marido e seu bebê por seu mestre soldado (Sam Claflin) e seus amigos. Incapaz de encontrar justiça, leva um rastreador aborígene com ela através do deserto infernal em busca de vingança. Um drama pesado, violento e muito emocional, carregado em cenas chocantes e transformadoras o terror real chega com brutalidade, mas também com sensibilidade e poesia, uma produção de ambientação sufocante acompanhada por uma narrativa silenciosa e repleta de sentimentos. Saiba+
04- "Rainha de Copas" (Dronningen) Dinamarca/Suécia - May el-Toukhy
Anne (Trine Dyrholm) é uma advogada do direito das crianças e dos adolescentes. Acostumada a lidar com jovens complicados, ela não tem muitas dificuldades para estreitar laços com seu enteado Gustav (Gustav Lindh), filho do primeiro casamento de seu marido Peter (Magnus Krepper), que acaba de se mudar para sua casa. No entanto, a relação que deveria ser paternal se torna uma relação romântica, envolvendo Anne em uma situação complexa, arriscando a estabilidade tanto de sua vida pessoal quanto profissional. Um filme que abre um leque de discussões ao abordar de forma crescente e explícita o quanto o ser humano visto de perto é terrivelmente repleto de segredos, toca em tabus, abuso e liberdade sexual feminina. Direção e construção narrativa primorosas e ainda coroada pela poderosa interpretação de Trine Dryholm. Saiba+
03- "História de um Casamento" (Marriage Story) UK/EUA - Noah Baumbach
Nicole (Scarlett Johansson) e seu marido Charlie (Adam Driver) estão passando por muitos problemas e decidem se divorciar. Temendo que o pequeno filho sofra as consequências da separação, o casal decide continuar vivendo sob o mesmo teto, tentando fazer com que este seja um divórcio amigável. Porém, a convivência forçada entre os dois acaba criando feridas que talvez nem o tempo seja capaz de curar.
02- "O Farol" (The Lighthouse) Canadá/EUA - Robert Eggers
Início do século XX. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e colaborar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. Enquanto os dois homens se conhecem e se provocam, Ephraim fica obcecado em descobrir o que acontece naquele espaço fechado, ao mesmo tempo em que fenômenos estranhos começam a acontecer ao seu redor.
01- "Adam" (Marrocos/Bélgica/França) Maryam Touzani
Abla, viúva e mãe de uma menina de 10 anos, luta para sobreviver e dar a filha o melhor futuro possível. Após a morte de seu marido, ela começa um negócio na cozinha de sua casa, que se abre para a rua através de uma persiana. Todos os dias, ela faz e vende pão caseiro e todos os tipos de doces marroquinos tradicionais. Fechada para a vida, levando uma existência desprovida de felicidade e se refugiando em seu trabalho, Abla se tornou velha antes do tempo. Incapaz de manifestar amor pela filha, ela substituiu a ternura pelo pragmatismo. Quando Samia, uma jovem grávida bate à sua porta, procurando abrigo e sobrecarregada pelo peso de seu fardo de dar à luz uma criança sem pai, Alba não sabe que esse encontro casual a transformará para sempre.
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