quarta-feira, 24 de abril de 2019

Nós (Us)

"Nós" (2019) dirigido por Jordan Peele (Corra - 2017) é um filme imersivo que além de trazer o thriller psicológico e o suspense atrelado ao terror tem uma densa camada de questões sociais, diferente do anterior "Corra" (2017) que faz crítica direta e mordaz ao racismo, em "Nós" há um aperfeiçoamento e uma elegância ao contar a história e vai por uma linha mais abrangente repleta de simbolismos e metáforas que garante uma experiência profunda.
Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos.
O mistério é incutido logo no início com a mensagem sobre túneis subterrâneos abandonados nos EUA e aí então vamos para o ano de 1986 e acompanhamos um momento da infância de Adelaide passeando com os pais num parque de diversões em Santa Cruz, ela acaba se afastando e entrando em uma espécie de casa de espelhos e ao explorar o local a tensão cresce e o encontro traumático com sua sósia acontece. O tempo passa e já adulta e com família formada decidem passar as férias na antiga casa de veraneio, Adelaide fica receosa, não gosta desse lugar, mas mesmo assim segue com o marido e seus filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex). As coisas começam a ficar desconfortáveis para Adelaide quando vão à praia e encontram o casal de amigos Kitty (Elisabeth Moss) e Josh (Tim Heidecker) e suas filhas gêmeas Becca (Cali Sheldon) e Lindsay (Noelle Sheldon), enquanto estão ali conversando Jason vai ao banheiro e Adelaide fica paranoica com seu sumiço e prefere voltar para casa. A noite Adelaide conta ao marido sobre seu trauma e o medo que sente de reencontrar com sua cópia, nisso seu filho entra no quarto e diz que há uma família do lado de fora, eles estão parados de mãos dadas vestidos de vermelho, há um confronto de Gabe contra eles, que diga-se de passagem com um humor fora de contexto e que quebra um pouco a tensão da cena, logo são perseguidos dentro da casa e feitos de reféns, eles portam tesouras e Red, cópia de Adelaide, é a única que possui a capacidade de falar, os outros apenas grunhem, ela conta a história de uma princesa e a sua sombra e algema Adelaide, Abraham, cópia de Gabe, o arrasta para outra sala, Umbrae, cópia de Zora, a persegue pelas ruas correndo e Jason se vê obrigado a brincar com seu sósia Pluto, que possui fascinação pelo fogo. Segue-se um jogo aterrorizante que para conseguir sobreviver é preciso cometer atitudes brutais. 
O filme possui um enredo bem elaborado e cheio de símbolos interessantes que ao longo vamos encaixando, mas não se trata de entendê-lo na totalidade e sim perceber a abrangência que ele propõe, além de sua bela e poderosa trilha sonora que tem total influência sobre as cenas, e claro, as interpretações, especialmente de Lupita e seu lado sombra, sua composição e a voz empregada é hipnotizante.

Inicialmente parece que só existe cópias desta família, porém descobrimos depois que se trata de um mundo duplicado onde cada pessoa dos EUA possui a sua, são chamados de Atrelados e habitam os túneis abandonados, é um experimento social que apesar de serem iguais não possuem os privilégios das versões que habitam à superfície, são obrigados a viverem comendo coelhos, presos e sem opções de escolha, são condenados a fazer aquilo o que lhes é imposto, uma metáfora brilhante e pulsante sobre a situação social dos EUA, a opressão, a violência, a invisibilidade, as injustiças, o medo do diferente e a atribuição que o monstro sempre é o outro. Gera calafrios e aterroriza pelo aspecto visual, mas esses pensamentos tem total função de nos deixar incomodados e refletir, é uma obra passível de interpretações e garante uma experimentação única a cada espectador. 

"Nós" é eficaz nas metáforas e reflexões sociais e intriga bastante, o suspense e o terror são bem utilizados dentro dessas questões e, talvez, o único ponto negativo seja o humor que acaba quebrando a tensão em variadas partes, mas ao todo é uma obra pertinente e que se sobressaí pela originalidade e o sentimento que causa após seu término. Certamente um filme que pede revisões.

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