quinta-feira, 30 de julho de 2015

Maioria Oprimida (Majorité Opprimée)

"Maioria Oprimida" (2010) dirigido por Eleonore Pourriat é um curta-metragem excepcional que retrata a vida de um homem que sofre de sexismo diariamente em um mundo dominado por mulheres. 
É incrível que o baque em algumas pessoas só aconteça quando há a inversão de papéis, colocando o homem na pele da mulher vivenciando o cotidiano, coisas que são vistas como normais, as tais 'cantadas' seguidas daqueles ruídos odiosos, ou mesmo aquela virada de cabeça. Infelizmente faz parte do dia a dia da mulher, e tudo isso acontece porque essas ações são aceitas e passadas ao longo do tempo. No curta observamos o contrário, as mulheres é que dominam a sociedade, o protagonista desde o momento que sai de sua casa começa a sofrer com assédio, seja por causa da roupa, por estar sozinho e etc. São olhares invasivos, palavrões, e por fim o estupro. Ao recorrer à delegacia a delegada desfaz do caso e ainda justifica a violência pela roupa que ele estava usando, e sua esposa ao invés de ajudá-lo fica impaciente e não dá o devido valor ao fato. Acontece muito isso, a mulher ser violentada e ainda a culpa cair sobre ela. A inversão de papéis foi uma maneira simples, mas genial para despertar a atenção à opressão que a mulher sofre todos os dias, a ideia é clara e objetiva e atinge perfeitamente a questão, a sociedade machista em que vivemos.
Sem dúvidas o machismo está incrustado na nossa sociedade, seja em homens ou mulheres, muitas situações retratadas necessitam ser repensadas, não é normal, não é gostoso receber comentários chulos, além de causar constrangimento e medo.
Ao assistir "Maioria Oprimida" vemos que há algo errado, a inversão de papéis promove esse olhar, e é preciso que todos percebam que essas atitudes tão cotidianas precisam parar.


Em menos de 11 min o curta satiriza e reflete sobre o quão nocivo é o sexismo, e mostra comportamentos que são repetidos e vistos como normais, algo que só aumenta mais o machismo na cabeça das pessoas. É uma importante questão que cada vez mais precisa ser discutida porque ninguém merece ser desrespeitado, constrangido ou diminuído pelo seu sexo.


Nota: No final o personagem diz a palavra Femista que é o inverso de machista e não Feminista que é o movimento pelo direito das mulheres.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Spring

"Spring" (2014) dirigido pelos americanos Aaron Moorhead e Justin Benson é uma produção de baixo orçamento que passeia por alguns gêneros, como romance, horror e ficção científica, no próprio cartaz do filme está escrito: "Um híbrido entre Richard Linklater e H.P. Lovecraft". 
É uma obra diferenciada que pode agradar pela inovação, ou não pelo mesmo fato. Particularmente me surpreendi, principalmente pela mistura de gêneros e a condução da história. É um mergulho num conto sombrio, porém romântico rodeado de mistérios em uma paisagem deslumbrante. Na trama, Evan (Lou Taylor Pucci), acaba de perder a mãe, e consequentemente o emprego após uma briga em um ataque de fúria no bar onde trabalhava. Decide sair de sua cidade, e vai parar na Itália. Em uma pequena cidade turística, Evan conhece de uma forma inusitada a bela e misteriosa Louise (Nadia Hilker). Após alguns encontros, Evan se apaixona, sem saber que Louise guarda um estranho e terrível segredo.
O elenco está muito bem, o carismático Lou Taylor e a sua situação desoladora precisando escapar de tudo e a sedutora Nadia Hilker, uma mulher que exala mistério. Toda noite saem e se conhecem um pouco mais, os diálogos tem um toque de humor e romantismo. Há deslizes em algumas explicações que se utiliza de conceitos genéticos, o que torna tudo confuso em relação ao que acontece a Louise, mas isso não estraga o efeito que o filme produz, ele vale a pena justamente por sair do lugar comum, e apesar do final soar clichê não compromete o todo.
De leve o longa traz a atraente questão da imortalidade, ao mesmo tempo que é um fascínio também é um tormento. Os poucos efeitos visuais utilizados dão o toque particular, como a transformação de Louise numa espécie de Cthulhu.

Originalidade e criatividade marca "Spring", que tem uma atmosfera de horror num ambiente leve e solar.
Explorando a relação entre duas pessoas, a aceitação do outro independente dos monstros que o habitam, o filme se faz uma bela metáfora sobre o amor.
Cativante, misterioso e romântico, "Spring" é uma ótima opção para quem deseja fugir do mais do mesmo. 

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Tatuagem

"O símbolo da liberdade é o cu, que é democrático e todo mundo tem!"

"Tatuagem" (2013), primeiro longa do maravilhoso roteirista Hilton Lacerda é um filme nacional crítico, contestador e ousado, ele permite que pensemos em todos os dogmas e preconceitos que regem a sociedade, e por isso se faz inesquecível. Ele encanta por sua naturalidade e pela sua transgressão.
O cinema pernambucano vem se destacado enormemente pelas suas particularidades, citando alguns: "Amarelo Manga", de Cláudio Assis, "Febre do Rato", de Cláudio Assis, "O Som ao Redor", de Kléber Mendonça Filho, "Eles Voltam", de Marcelo Lordello, entre tantos outros, são diretores, produtores, roteiristas e grandes atores que estão seguindo por uma carreira promissora tanto nacional como internacional.
"Tatuagem" em todos os festivais que passou arrancou elogios da crítica e público. Recife, 1978. Clécio Wanderley (Irandhir Santos) é o líder da trupe teatral Chão de Estrelas, que realiza shows repletos de deboche e com cenas de nudez. A principal estrela da equipe é Paulete (Rodrigo Garcia), com quem Clécio mantém um relacionamento. Um dia, Paulete recebe a visita de seu cunhado, o jovem Fininha (Jesuíta Barbosa), que é militar. Encantado com o universo criado pelo Chão de Estrelas, ele logo é seduzido por Clécio. Não demora muito para que eles engatem um tórrido relacionamento, que o coloca em uma situação dúbia: ao mesmo tempo em que convive cada vez mais com os integrantes da trupe, ele precisa lidar com a repressão existente no meio militar em plena ditadura. 
O filme afronta a convencionalidade, as cenas de nudez por exemplo quebram ditaduras de esteriótipos e promovem o pensamento de que não há mal nenhum em mostrar o corpo, assim como não há mal nenhum em ter prazer. Clécio vivido por Irandhir Santos (O Som ao Redor - 2012) é um personagem apaixonante, libertário, a favor do amor e da arte. Aliás, Irandhir é um dos melhores, senão o melhor ator nacional, ele brilha em qualquer personagem e está numa fase sensacional de sua carreira. Rodrigo Garcia como Paulete, a travesti desbocada e ciumenta foi uma grande revelação, e Jesuíta Barbosa como Fininha que está entre a repressão e a liberdade dá um toque de inocência, ele não entra em conflito com que está acontecendo, apenas vive o romance mesmo sofrendo grande pressão no quartel. A cena de sexo que acontece entre ele e Clécio é uma das coisas mais lindas deste filme, que a seu modo é extremamente poético.
Em 1978 o regime militar já estava desgastado, as mudanças davam indícios, mas enquanto essa nuvem repressora ainda pairava no ar Fininha precisava obedecer ordens enquanto lidava com a liberdade que surgia de dentro pra fora ao conviver com Clécio, este que vamos descobrindo aos poucos, ele já foi casado e tem um filho adolescente que até frequenta o cabaret.

O filme é recheado de cenas espetaculares, as apresentações de Clécio e sua trupe são debochadas e críticas, as canções ficam grudadas na cabeça, são criativas, subversivas e inteligentes. Como pano de fundo está a ditadura, que de um modo ou outro continua em diversas roupagens, e reflete o quanto o ser humano ainda não sabe lidar com a liberdade do outro.
"Tatuagem" é um filme corajoso, cômico e transgressor. Quando alguém dizer que não há beleza e inteligência juntamente com humor no cinema nacional, não tenha dúvidas ao citar este filme, pois ele uma das melhores obras atuais. É poesia bruta e ao mesmo tempo sensível!

terça-feira, 21 de julho de 2015

Alleluia

"Alleluia" do diretor Fabrice Du Welz é um filme intenso. Conta uma história macabra de forma fria do encontro de duas pessoas perturbadas que se gostam, se complementam e se alimentam da loucura.
Michel (Laurent Lucas) é um cara perdido, mas terrivelmente sedutor, que se apossa das economias das mulheres que sucumbem ao seu charme. É um predador. Na melhor das hipóteses, ele as trucida e vai embora com o dinheiro. Até que encontra Glória (Lola Dueñas), uma ibérica marcada por uma existência triste, que se apaixonará completamente pelo belo passante que ela não vai mais largar. Começa então uma odisseia sangrenta, na qual os dois amantes irão se afundar na loucura. Inspirado em uma história verídica que abalou os EUA no final dos anos 40, o casal ficou conhecido como "The Lonely Heart Killers", essa história deu origem ao filme "The Honeymoon Killers" (1969).
Retratando um amor distorcido, o roteiro prima pela violência e o ocultismo, a construção das personagens são excelentes, assim como os enquadramentos em close-up e a trilha sonora. Glória é uma mulher com um passado traumático, o filme não expõe, mas se deduz de que ela se livrou de um marido violento, ela trabalha num necrotério preparando os corpos e tem uma filha pequena. Incentivada por uma amiga a se cadastrar num site de encontros, não demora para que um pretendente apareça, Michel, um homem sedutor que sabe colocar bem as palavras, Glória fragilizada e carente se encanta, sua paixão vai tomando forma rapidamente e a obsessão logo dá as caras. O fato é que Glória vai atrás de Michel e o vê com outra, mas acabam ficando juntos novamente e ao ir em sua casa descobre que é um gigolô, daí pra frente Glória só surpreende com suas ações, ela ao invés de sumir, o incentiva a dar futuros golpes e ainda sugere que vá junto se passando como sua irmã.
A indiferença com a vida dos outros e a fixação que um tem pelo outro gera muita violência, cujas cenas chocam com tamanha crueldade. Dividido em quatro atos, intitulados com as respectivas vitimas do casal, o filme é um ótimo exemplar do gênero terror psicológico. Há cenas magníficas, como a que eles dançam loucamente junto a uma fogueira, é alucinante e doentio, aliás os atores se entregaram realmente aos personagens, foi uma escolha bem acertada, os dois criaram uma química fulminante. A sensação é que os sentimentos entre eles se misturam e acabam revelando o caos. 

"Alleluia" é um filme de pessoas perturbadas que se encontram e dão vazão as suas insanidades. É uma explosão, uma completa distorção do amor. O clima do filme favorece demais e é impossível ficar imune a esta história. Curioso e intenso é uma obra que vale muito a pena ser assistida, é uma surpresa e tanto.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Kosmos

"Kosmos" (2010) dirigido pelo turco Reha Erdem (Jîn - 2013) é um romance que mistura fantasia e o surreal, mas a sucessão de imagens e diálogos são marcantes e ao final nada se torna gratuito, a beleza está tanto em sua estética, como em sua abordagem poética e sábia.
Personagens misteriosos cativam de primeira, assim como nosso protagonista Kosmos, que não se sabe de onde vem e para quê vem, ele tem uma espécie de pureza em relação aos outros seres humanos. Ele chega à cidade vindo da floresta sob circunstâncias estranhas, e logo salva um menino de um afogamento e cria a fama de conseguir milagres. Kosmos e Neptün, a irmã adolescente do garoto resgatado, ficam amigos imitando pássaros e subindo em telhados. Mas, com a chegada de Kosmos, começa também uma leva de assaltos às pequenas lojas da cidade, ao mesmo tempo em que novos milagres acontecem. Kosmos é maravilhosamente bem interpretado pelo teatral Sermet Yesil, seu comportamento esquisito deixa a população da pequena cidade confusa, ao chegar todos dão as boas-vindas devido seu ato milagroso em devolver à vida ao garoto, mas conforme os dias passam acontecem roubos e logo são associados ao estranho visitante que incomoda com seus diálogos e seu comportamento de pássaro, do qual compartilha com Neptün (Türkü Turan).
"Kosmos" lida com algumas questões interessantes, mas é um filme subjetivo e que permite diversas leituras, e cada espectador capta aquilo que lhe convém. Pode ser interpretado como algo religioso, por exemplo, uma espécie de messias promovendo milagres, onde mostra a necessidade das pessoas acreditarem em algo maior, um herói, um Deus, etc... O mais legal é o como ele mexe com os valores que regem a sociedade, se você não se encaixa consequentemente não é visto com bons olhos, Kosmos é adorado e repudiado em pouco tempo, e também há o medo da comunidade pela invasão que traz novas culturas e pensamentos.
A fotografia do filme é exuberante, a beleza natural do local toda coberta de neve lembra bastante os longas de Nuri Bilge Ceylan, esse ambiente peculiar combina perfeitamente com a abordagem, que ora causa estranhamento, ora encantamento. É certo que por vezes pareça surreal, apenas imagens soltas criando uma atmosfera inquietante, mas sem dúvidas a reflexão toma conta de quem o assiste. Não é cinema convencional, tudo nele é diferente e demasiadamente místico. Bizarro, poético, fantástico, é mais um belo exemplar do cinema turco que vem nos presenteando cada vez mais com preciosidades.

O personagem cria um misto de sentimentos e é quase impossível não nos apegarmos a ele, seus diálogos sempre têm aspectos de sabedoria, nada do que diz é em vão, como por exemplo: "O homem não tem vantagem sobre os animais, porque tudo é vaidade, todos vão para o mesmo lugar", há inúmeras conversas das quais surgem ao acaso e a sua maneira de agir incomoda os demais, estando à margem da sociedade Kosmos é visto como um louco.
As imagens nos dá a possibilidade da imaginação, é um filme cheio de ideias e que mesmo sendo estranho tem uma graciosidade inexplicável.

domingo, 19 de julho de 2015

A Professora do Jardim de Infância (Haganenet)

"Assim falou a sábia Jiang Qing: Alguns dizem que o amor é obtido com o ouro. Alguns dizem que o amor é obtido pela mão. Alguns dizem que o amor é obtido pela força. Mas eles não sabem que o amor não é nada além de um vento. Porque junto com todos os ventos dos homens, ele é soprado no coração sem reflexão. Sem refletir tudo está perdido. Sem refletir o mar é violeta, sem refletir o céu é preto. Sem refletir uma pessoa não poderia cruzar as montanhas. E esse vento que sopra. É o amor. Adentra em você sem que você reflita sobre ele. E assim, você poderia amar o assassino de tua mãe. Assim falou Jiang Qing sobre o amor."

"A Professora do Jardim de Infância" (2014) é uma produção israelense dirigida por Nadav Lapid e conta a história de uma professora que detecta em uma criança de 5 anos um dom prodigioso para a poesia. Cativada pelo menino, ela decide tomar conta de seu talento, mesmo com opiniões contrárias.
O filme provoca o estranhamento, desde a sua estética e o como a câmera se impõe tornando-se também personagem, assim como o desenvolvimento e as atitudes de Nira (Sarit Larry), que descobriu a poesia faz pouco tempo e de repente se depara com Yoav (Avi Shnaidman), uma criança com o dom da poesia. É angustiante e incompreensível um pequeno dotado de pureza que ainda não conheceu as agruras da vida formar frases tão densas e apaixonantes. Ao andar de um lado pro outro insistentemente proclama seus versos, Miri (Ester Rada), a babá quase sempre anota e Nira aproxima-se e faz algumas perguntas, a sua fascinação toma forma e de certo modo até esse ponto é compreensível, pois num mundo onde não há mais espaço para essa arte o querer auxiliá-lo se apresenta como uma boa ideia. Porém, Nira é uma pessoa com um vazio imenso dentro de si e deseja sentir e viver a vida do garoto. Seria uma espécie de salvação para sua alma inadaptada. Yoav é um menino como qualquer outro, o vemos brincar, interagir com o amiguinho, mas sofre com a ausência do pai, um bem-sucedido e arrogante empresário, a babá é a única com quem tem alguma relação, inclusive ela usa as poesias dele para audições de teatro, assim como Nira que as leva para um grupo de poesia que participa. Nira começa a manipular as pessoas para cada vez mais ficar perto de Yoav. Essa obsessão\fascinação nos faz questionar, duvidar, deduzir, não sabemos ao certo o que se passa com Nira, e apenas ela sente tal euforia em relação ao dom deste menino, ninguém mais compartilha desse sentimento e até nós duvidamos de sua capacidade em desenvolver tais poesias. 
O fato é que "A Professora do Jardim de Infância" é um uma obra que nos aguça a curiosidade e que faz com que olhemos além daquilo que está se passando na tela. O que acontece no interior daquela mulher? O que se passa com Yoav e o faz andar sistematicamente arranjando as palavras de forma tão densa? São questões que não são respondidas, mas pode-se deduzir algumas coisas, pelos relacionamentos incompletos e sentimentos esvaziados. Vazio, essa é a palavra, o filme o eleva, seja nos olhares de Nira, ou por suas ações desesperadas.

Nira ao mesmo tempo que defende a sobrevivência da poesia em uma sociedade que não tem tempo para parar, ouvir e apreciar, entra em conflito interno e mistura seus complexos e suas insatisfações."
"A Professora do Jardim de Infância" disserta sobre essa arte que vêm se distanciando do nosso tempo e do fascínio que ela promove em pessoas que desejam enxergar o mundo sob outro prisma. Os sentimentos que o filme gera são dos mais variados, fica-se confuso e não dá para definir ao certo, a única solução é conviver com as questões que ele propõe.  

"Entre duas vidas. Durante a vida, no tempo da vida, chega um momento em que você aprende a romper com o que viu antes. Porque isso não mais existe pra você. Porque você tem que esquecer. O momento de rompimento é um momento de morte. O rompimento chega como uma noite de inverno no calor do verão. É certo que ela ascende acima da monotonia cinza, como um primo distante que morreu, ou algo assim. O rompimento é especial. Ele tem um charme que contém uma pitada de orgulho." 

sábado, 18 de julho de 2015

Casa Grande

"Casa Grande" (2014) de Fellipe Barbosa é um filme nacional que foge dos padrões e discute um tema interessante, uma família da alta sociedade secretamente falida que tenta se esquivar de transtornos para manter as aparências. Durante o filme é colocado em pauta diversos assuntos e por mais que alguns diálogos sejam didáticos, ainda sim vale a pena, pois proporciona ao espectador refletir sobre a sociedade e o país em que vive. 
Acompanhamos o cotidiano de uma família de classe média alta em crise financeira. Num bairro nobre do Rio de Janeiro vive Hugo (Marcello Novaes), economista com má sorte nos fundos de investimento, Sônia (Suzana Pires), que dá aulas de francês e tenta administrar o que resta, Jean (Thales Cavalcanti), o filho adolescente em fase de descobertas e que vai sentindo aos poucos as mudanças, como andar de ônibus para ir à escola. Também observamos a sua relação com a empregada Rita (Clarissa Pinheiro), que é a pessoa da qual se sente mais a vontade. Nesse meio todo há a irmã de Jean, que nunca é ouvida, nos identificamos imensamente com essa personagem, ela é a voz da razão naquela casa.
É insuportável o como reagem a decadência e como tudo é conduzido. Jean está decidindo sua carreira, ele quer uma coisa, seu pai anseia por outra, economista, claro, mesmo com a derrocada não perde o orgulho e ainda espalha ignorância e pensamentos retrógrados. A personagem que vem pra balançar e promover discussões sobre preconceitos, diferenças sociais, cotas e afins, é Luiza (Bruna Amaya), a namorada de Jean, os pontos levantados são super válidos mas acabam caindo no exagero do discurso decorado.
Jean mora na Barra da Tijuca, estuda no melhor colégio, já está encaminhado pra duas faculdades e vive dilemas normais de qualquer adolescente, como a timidez pra chegar numa menina, as decisões de futuro, etc. Sua vida desmorona de fato quando Severino, o motorista é mandado embora, o pai fala que ele foi viajar e visitar a família, daí começam os cortes, os carros vão diminuindo na garagem e dos empregados resta apenas uma que não consegue dar conta do trabalho. Essa relação patrão e empregado, casa grande e senzala é amplamente discutida no filme, além de expor bastante esteriótipos. Quando Jean descobre sobre a falência, ou melhor, abre os olhos para a situação, percebe que Severino foi na verdade mandado embora, então não consegue compreender certas atitudes do pai que faz questão de manter a arrogância.
O elenco está ótimo, Marcello Novaes incrível, compõe um personagem atual, inclusive lembra a história do Eike Batista. Destaque para o novato Thales Cavalcanti que representa bem o adolescente em fase de descobertas. Realista, o longa tem teor político e serve para que cada um de nós tenha consciência do país em que vive. 

Os ricos geralmente se esquecem de olhar para o próprio país e se escondem dentro de seus padrões privilegiados, ficam reféns do dinheiro e dos hábitos e quando começam a perder não sabem lidar, aí surge aquela cultura do querer ser sem ter.
"Casa Grande" foi inspirado num evento que aconteceu com a família do próprio diretor, é um filme que coloca em pauta assuntos atuais e que sem dúvidas merecem ser discutidos. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Meteora

"O único pecado sem perdão é o desespero"

"Meteora" (2012) de Spiros Stathoulopoulos é uma história minimalista e silenciosa sobre o amor proibido. É a devoção versus o desejo.
Nas planícies aquecidas da Grécia central, monastérios ortodoxos elevam-se acima de pilares de arenito, suspensos entre o céu e a terra. O jovem monge Theodoros e a freira Urania dedicaram suas vidas aos estritos rituais e costumes de sua comunidade. Um afeto que cresce entre eles coloca suas vidas monásticas em risco. Divididos entre a devoção espiritual e o desejo humano, eles devem decidir que caminho seguir.
Meteora é daqueles lugares únicos no mundo, onde no topo de picos rochosos esculpidos pelo tempo existe um complexo de monastérios da igreja ortodoxa, cujo acesso é muito difícil, inclusive vemos no longa que a freira é içada por uma rede até o topo, já no do monge é uma escadaria gigantesca. Uma paisagem bem particular e que contribui imensamente para a história contada. O diretor optou por algo diferente do que se anda fazendo no cinema grego, filmes críticos sobre a crise que cada vez mais se agrava no país, o romance retratado é de um silêncio profundo e desesperador, a freira Urania (Tamila Koulieva-Karantinaki) e o monge Theodoros (Theo Alexander) vivem em mosteiros diferentes, um de frente pro outro, mas separados pelo abismo que divide as montanhas, no entanto a paixão entre eles acontece, a cena do piquenique por exemplo é uma das mais bonitas, onde riem das diferenças e do sotaque russo de Urania ao pronunciar palavras como, mar, liberdade e desespero.
Entre rituais religiosos e a natureza encantadora, o amor vai acontecendo em silêncio. Simbolismos são inseridos em forma de animação, é o divino e o humano se entrelaçando, além de ser muito bem feita, a estética e os traços da animação remetem a este universo religioso, alguns são muito difíceis de decifrar, outros curiosos, mas nada mais é do que a libertação do desespero que tanto um como o outro sente. É preciso saber apreciar esta obra, pois além de ter uma cadência lenta, as cenas são demasiadamente estáticas, mas é poético em relação ao tema do desejo carnal.

O filme reflete bastante o sentimento de desespero e culpa, toda vez que os dois descem lá de cima é para se amar, se tornam humanos e se despem de dogmas, apenas o amor é que rege os seus caminhos, mas após voltarem se devoram pela culpa. De clima austero, o arrebatamento é interno e se esconde nos silêncios, uma luta entre seguir os caminhos de Deus, ou se deixar levar pelos instintos carnais, por isso é um romance peculiar dotado de delicadeza.

Vale ressaltar os cânticos bizantinos inseridos à trama que auxiliam nessa aura de retidão em que emoções não são demonstradas. E claro, os atores estão maravilhosos e passam os sentimentos de angústia e desespero com muita clareza, apesar dos diálogos escassos. E também a fotografia, que é esplêndida e a animação que entra para dar mais subjetividade. Esse atípico romance é de uma beleza rara e merece ser descoberto.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men - 1957) + 12 Jurados e Uma Sentença (12 - 2007)

"12 Homens e Uma Sentença" (1957) obra-prima de Sidney Lumet merece todos os elogios possíveis. Filmado todo em uma única sala com exceção dos minutos iniciais se faz criativo e nos fisga por seus diálogos e a maneira com que a trama vai se desenrolando.
O filme gira em torno de um julgamento, onde um jovem porto-riquenho é acusado de ter matado o próprio pai. Os 12 jurados se reúnem para decidir a sentença, com a orientação de que o réu deve ser considerado inocente até que se prove o contrário. Onze deles, cada um com sua razão, votam pela condenação. Henry Fonda faz o papel do único que acredita na inocência do garoto. Enquanto ele tenta convencer os outros a repensarem a sentença, o filme vai revelando sobre cada um dos jurados, mostrando as convicções pessoais que os levaram a considerar o garoto culpado e fazendo com que examinem seus próprios preconceitos.
A argumentação é a grande jogada, os personagens ao discutirem, reavaliarem as provas e ouvirem opiniões percebem que há o benefício da dúvida. Muitos preconceitos giram em torno das conversas, assim como o ato de julgar sem pensar, pois o garoto sendo acusado é prontamente culpado, o personagem de Henry Fonda permite com que os outros pensem a respeito e analisem a situação despindo-se de tais preconceitos.
Em nenhum momento o filme se torna cansativo, apesar de se passar num único lugar há movimentação, os atores se levantam, vão até a janela, tiram o casaco, se exasperam, enfim. O roteiro é genial e junto com o elenco excepcional, "12 Homens e Uma Sentença" é um longa indispensável, obra magnânima capaz de promover reflexões acerca de preconceitos, atitudes egoístas e o quanto somos influenciados ao tomar decisões, como alguns jurados por exemplo, um vota em acusado porque quer se livrar logo e ver o jogo, o outro porque acredita que assim irá de algum modo atingir àqueles que despreza, etc. 
Há tantos esteriótipos preconceituosos, se é pobre automaticamente é violento, se veio de tal lugar é preciso tomar cuidado, essas coisas permeiam a cabeça de muitas pessoas e na maioria das vezes sem pensar, são preconceitos impregnados e inconscientes, e a consciência precisa ser despertada, exatamente como fez o jurado 8 aos demais. É preciso se livrar de juízos morais para poder entender as várias realidades existentes e compreender o mundo de cada pessoa. O filme abre um leque de questões importantes.

Vale destacar que esse foi o primeiro filme dirigido por Lumet, a tensão psicológica que os homens sofrem também sofremos, e por estarem em uma pequena sala abafada a inquietação aumenta e se torna claustrofóbico. É uma trama imersiva cheia de diálogos afiados e reflexivos, um verdadeiro clássico necessário para ser visto muitas vezes durante a vida. 

"12" de Nikita Mikhalkov assim como o original discute preconceitos, mas a diferença é que a história é transportada para os problemas da sociedade russa atual.
Doze jurados reúnem-se para decidir o veredito de um jovem checheno de 18 anos, acusado do assassinato de seu padrasto, um oficial do Exército Russo. O tribunal é improvisado no ginásio de esportes de uma velha escola, onde os jurados ficarão confinados. Em nome de um veredito justo, eles precisarão aprender a ouvir uns aos outros e a respeitar suas diferenças. Aqui há o uso de flashbacks para mostrar a vida do garoto quando era pequeno na Chechênia em plena guerra com a Rússia. Impossível não memorizar a linda dança com as facas que é reprisada ao final.
É um filme longo e deveras muito detalhado, a vida dos doze homens nos é contada, para assim percebemos o que os influencia e os afeta na decisão. Também há uma diminuição na importância do jurado que discorda no começo, ele é a luz inicial, mas a consciência dos demais é despertada por si mesmos, tanto que são apresentados muitos monólogos sobre a vida de cada um. Como pano de fundo observamos a crueldade e a estupidez da guerra, os jurados ao discutirem sobre o futuro do menino exibem muita intolerância, são preconceitos sociais, religiosos, étnicos, e com o desenrolar isso vai mudando, novas visões são oferecidas e se dá mais importância pela vida. O filme ganha tons esperançosos apesar da aura de tristeza, e ainda conta com vários alívios cômicos.
O cenário é mais aberto, improvisado, há uma mesa no meio de um ginásio de esportes abarrotado de coisas. Os personagens ganham personalidades distintas e se confrontam quando argumentam sobre os fatos, os mais ricos contra os mais pobres, valores morais são jogados à mesa, assim como o local de onde cada um nasceu ou vem.

Diferente do original se vê apenas a ideia e algumas outras coisinhas, é um filme sobre a Rússia e mais que qualquer coisa é sobre a importância da vida. Em uma entrevista o diretor disse: "O verdadeiro tema do filme é que não existe vida humana que não seja importante. Nós nos encontramos e dizemos 'como está?', mas não fazemos isso para realmente ouvir a resposta. Não somos mais capazes de escutar. Dostoiévski dizia que é muito fácil amar o mundo todo, mas mais difícil é amar uma só pessoa".
A decisão final chega bem emocional e concreta, uma forma de nos dizer para que se dê mais atenção a vida das pessoas independente do que são e de onde vêm, cada um carrega em si um universo próprio, e aquele que abre os braços para recebê-lo começa a compreender uma parte deste universo.
"12" disserta sobre muitas coisas, culturais e específicas do país, porém a mensagem é universal e prioriza que se há algo que se possa fazer pelo outro, então faça.

“A Lei é toda poderosa e constante, mas o que pode ser feito quando o perdão é maior que a Lei?”

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A Ilha dos Milharais - Corn Island - Simindis Kundzuli

"A Ilha dos Milharais" (2014) dirigido por George Ovashvili (A Outra Margem - 2009) é um filme simples, sensível, triste e poético. É daquelas lindas e raras obras que com pouquíssimos diálogos conseguem transmitir muito. A força da imagem é exuberante e é minucioso ao retratar ciclos.
O Rio Enguri forma a fronteira entre a Geórgia e a República separatista da Abecásia. A tensão entre as duas nações se mantém desde a guerra de 1992 e 1993. Toda primavera, o rio leva o solo fértil do Cáucaso até as planícies da Abecásia e do noroeste da Geórgia, criando pequenas ilhas, pequenas terras de ninguém. Um velho agricultor constrói uma cabana para ele e sua neta adolescente numa dessas ilhas. Ele ara a terra e juntos semeiam o milho. Assim como sua neta adolescente se transforma em uma mulher e assim como o milho amadurece, o velho agricultor se depara com o inescapável ciclo da vida.
O longa se passa todo nessa ilha que se forma no meio do rio e cuja terra é fértil, o homem (Ilyas Salman) começa a construir uma casinha de madeira e a preparar a terra para plantar milho com a ajuda de sua neta (Mariam Buturishvili), acompanhamos um árduo trabalho, eles pelo que parece não tem uma proximidade, deduz-se isso pelos olhares da menina, é certo que ela deva ter perdido os pais pra guerra. Estando numa fase de transição de menina para mulher toda vez que os soldados passam por lá fazem gracinha, desconfortável e vulnerável em diversas ocasiões ela se esconde para poder se limpar, o seu desabrochar anda junto com o ciclo da natureza, aliás maravilhosamente bem retratado, a plantação aos poucos crescendo, as tempestades que os ameaçam, e todas as mudanças que se dá nesse lugar com o tempo. As imagens vão nos contando a história, o homem que cada vez mais parece cansado, suas mãos calejadas, seu rosto marcado, em contrapartida com a neta, que tem muito ainda por descobrir e aprender.
O filme é uma experimentação maravilhosa, um exercício de contemplação, as belezas naturais, o processo da natureza, o trabalho pesado, a espera, o espaço, as angústias. Lembrando bastante "Tangerines", uma obra tão linda quanto, reflete sobre a estupidez da guerra e as suas consequências. Eles estão em uma terra de ninguém, mas as ameaças chegam pela ronda constante dos soldados, principalmente quando encontram um homem ferido no milharal, a vulnerabilidade dos personagens se tornam mais latentes, assim como a tensão.
É um belo trabalho cheio de poesia capaz de nos emocionar, toda a sequência final por exemplo é de cortar o coração, mas era esperado, pois do mesmo modo que a natureza a permite cultivar, também pode ser agressiva e destruidora. Os ciclos são retratados de forma minimalista e nos encanta a cada cena. É bonito, apesar de dificultoso ver todo o trabalho, a construção da casinha, a plantação crescendo, assim como os simbolismos expostos envolvendo a transição da menina. Esse tipo de obra imersiva não tem como não acrescentar em nossa vida, é de uma beleza imensurável, os poucos diálogos bastam e os detalhes e gestos fazem toda a diferença.

Sob um ritmo lento e delicado acompanhamos as mudanças, seja da pequena ilha e a plantação, do avô e da neta, além dos conflitos que acontecem ao redor.
"A Ilha dos Milharais" une assuntos como política e natureza e ainda nos faz pensar sobre a inevitável passagem do tempo e seus ciclos.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Timbuktu

"Timbuktu" (2014) dirigido por Abderrahmane Sissako é um forte filme que retrata a opressão das facções religiosas. Julho de 2012, em uma pequena cidade no norte de Mali, controlada por extremistas religiosos acompanhamos a vida de uma pequena família que vive em uma humilde tenda no meio do deserto, e cuja rotina é alterada quando um pescador mata GPS, uma de suas oito vacas. Ao tirar satisfação sobre o ocorrido, Kidane (Ibrahim Ahmed dit Pino) acaba matando o tal pescador. Essa situação o coloca no alvo da facção religiosa, já que cometera um crime imperdoável.
O filme é crítico e retrata o sofrimento de um grande número de cidadãos de Timbuktu (cidade histórica e patrimônio cultural), depois da chegada dos islâmicos radicais, muitas leis são retiradas e colocadas ao bel prazer, como mulheres devem usar luvas e meias além de cobrir a cabeça, e também não poder ouvir música, jogar futebol, beber ou fumar, entre tantas outras em nome de Deus. O fato é que parte da população aceita e tem medo, e a outra questiona e por isso são mortas. Não há perdão.
Um dos grandes destaques é sem dúvidas a fotografia e seus belos enquadramentos retratando a vastidão desértica e suas belezas naturais. Várias cenas ficam na memória e uma das mais chocantes é quando uma mulher recebe chibatadas por ter sido pega cantando, e é exatamente isso que faz enquanto recebe a violência. Outra é quando um grupo de meninos fingem jogar futebol sem a bola.
"Timbuktu" denuncia o como a população sofre nas mãos desses radicais e por isso desejam ficar distantes ou fugir. As leis que são mudadas a todo o tempo contrasta com uma cultura que nada tem a ver com esse extremismo religioso, a personagem que anda com uma galinha representa isso, porém é pouco desenvolvida. A tranquilidade com que a família de Kidane vive por muitas vezes é afetada pela visita dos jihadistas e sempre quando ele não está. O que o filme causa é indignação diante a tanto ódio.
Belo e forte, é impossível definir a sensação quando Kidane decide se vingar e acaba matando o pescador, é uma cena extremamente tensa.
"Timbuktu" apresenta um tema importante com uma abordagem lenta, uma direção impecável, sensível e uma fotografia deslumbrante ao retratar o local. O interessante é que o longa não faz critica à religião, mas sim aos seus extremismos, e há muitas partes em que os jihadistas são humanizados e até se questionam sobre o que estão fazendo, há muita contradição na forma que lidam com as leis.
Com um tema delicado nos faz refletir sobre toda a distorção que esses extremistas fazem da palavra de Deus, e esquecendo-se da compaixão e do perdão se utilizam da violência.
Terrível, angustiante, mas mesmo assim sutil e belo. A fotografia é pura poesia.