terça-feira, 28 de maio de 2013

Bates Motel (1ª Temporada)

"Bates Motel" é o prelúdio de "Psicose", sucesso de Hitchcock (1960) baseado no livro homônimo de Robert Bloch. Com produção de Carlton Cuse e Kerry Ehrin, "Bates Motel" é situada nos dias atuais, apresentando a adolescência de Norman e a forma como ele se relacionava com sua mãe. A série também mostra como o rapaz se transformou no assassino que o mundo conhece. Após a morte do segundo marido, Norma (Vera Farmiga) e seu filho Norman (Freddie Highmore) se mudam para uma pequena cidade dos EUA, onde assumem o comando de um hotel de beira de estrada. Mas o que parecia ser uma pacata comunidade se revela um lugar onde moradores escondem diversos segredos.
Os atores estão maravilhosos, Vera Farmiga lindíssima encarnando uma mãe problemática e sensual que tem uma relação simbiótica com seu filho, interpretado pelo ator Freddie Highmore, que tem se saído muito bem em sua confusão mental e expressões faciais, ele é um garoto franzino, que vive à mercê de sua mãe, esse é o único mundo que conhece, então não é à toa que ele acabe pirando. Numa das primeiras cenas, Norman encontra o pai morto no porão da casa onde vive com a família, no Arizona. Chama pela mãe, que o consola e se preocupa com o garoto mais do que lamenta a morte do marido. Eles seguem para outra cidade, em busca de um recomeço. Norma compra um velho motel e se dedica à reforma, com a ajuda do adolescente. Os nomes Norma e Norman é uma ótima pista para algo estranho entre a relação mãe/filho.
A trama não conta com a imprevisibilidade, já que conhecemos o final, ela se sustenta ma curiosidade por ser inspirada num dos maiores clássicos do gênero suspense, e por tratar do antes de Norman, que se tornou um assassino por causa da ligação extrema com a mãe.

No primeiro episódio há um conflito entre Norma e o antigo proprietário do hotel. O homem não suporta vê-la no lugar que fora seu, e então decide atacá-la, tenta o estupro, mas Norman a salva, porém a mãe acaba o matando. Segue-se uma limpeza de cena e a tentativa de esconder o corpo. Daí em diante adquirimos uma certa desconfiança de Norma.
A série tem vários elementos que remetem aos anos 60, principalmente em relação ao cenário e vestuário, mas é uma história que se passa nos dias atuais, há celulares e carros modernos entre os jovens que Norman conhece.

A aparição do filho Dylan vem pra desestabilizar a rotina e o relacionamento dos dois, este filho parece enxergar a mãe da forma que é. Lembrando que no filme Norman é filho único, na série Norma teve um relacionamento anterior ao pai de Norman.
Com bastante suspense, os personagens seguem com vários mistérios, destaque para as atuações de Vera Farmiga, que beira a histeria, e de Freddie Highmore, que incorpora suas personalidades perfeitamente.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Les Revenants (1ª Temporada)

"Les Revenants" é uma série francesa criada por Fabrice Gobert e adaptada do filme "Eles Voltaram" de Robin Campillo, lançado em 2004.
A história se passa em uma pequena cidade da França, onde milhares de pessoas mortas de diferentes classes sociais, gêneros ou idades, deixaram o cemitério e ocuparam a cidade. Repentinamente, o fenômeno para, como se as portas do mundo dos mortos fossem fechadas novamente. Agora, a fase mais difícil: a reintegração dos mortos junto às suas famílias, após anos de separação. Sem terem envelhecido, os mortos não parecem se lembrar de quando faleceram. Para eles, a vida continua do ponto em que ela parou. Mas entre aqueles que retornaram estão os assassinos e outros criminosos e a volta destes leva a comunidade a sofrer uma nova ameaça.
A série tem apenas oito episódios, a história carrega um clima de suspense e mistério, no primeiro episódio conhecemos Camille (Yara Pilartz), uma jovem que sofre um acidente, após o ônibus em que estava cair de uma ribanceira, vemos sua família quatro anos depois, ainda sofrendo pela morte da filha e frequentando um grupo de ajuda, só que o inesperado acontece e Camille volta para casa como se nada tivesse acontecido. Sua mãe e seu pai transtornados a recebe, mas a sua irmã leva um choque, assim como Camille, pois elas são gêmeas, então como explicar o porquê de sua irmã estar diferente?

Sem dúvidas o clima da série é o diferencial, o foco é no drama das famílias que recebem os mortos novamente, lembrando que estes retornam da mesma forma, não envelheceram. Voltam exatamente do ponto de onde suas vidas pararam. Sem saber o real motivo da volta, as pessoas reaparecem no mesmo instante em que a represa que gera energia para a cidade começa a sofrer com uma queda brusca no nível da água.
A trama segue também com a personagem Julie (Céline Sallette), uma enfermeira que, ao voltar para casa do trabalho, encontra perdido na estrada um garotinho chamado Victor (Swann Nambotin). Aparentemente inocente e frágil, Victor é uma alma perdida, acolhida por Julie. Esta, por sua vez, também se sente perdida desde que foi agredida por Serge (Guillaume Gouix), um assassino perseguido pela polícia.

Serge, conhecido apenas pelo apelido de canibal, desapareceu sem deixar vestígios. Agora ele retorna, tentando controlar seus instintos. O único que parece conhecer seu segredo é seu irmão Toni (Grégory Gadebois), proprietário de um pub que, após o desaparecimento de Serge, tentou manter uma vida normal. O retorno do irmão irá reavivar um passado que Toni preferia manter enterrado. No pub trabalha Lucy (Ana Girardot), uma garçonete que há cerca de um ano surgiu do nada e logo conquistou os fregueses, especialmente os homens.
Já para Simon (Pierre Perrier), as circunstâncias de sua morte são misteriosas. Na época ele era o noivo de Adèle (Clotilde Hesme). Em seu retorno, ele descobre que a noiva seguiu com sua vida. Após passar por um período de depressão. Adèle recuperou o gosto pela vida graças a ajuda de Thomas (Samir Guesmi), um militar autoritário. O retorno dos mortos fará com que Thomas reaja de forma violenta e imprevisível.

Com ritmo interessante, a série é capaz de tornar crível a volta destas pessoas da morte. Há um misto de religiosidade e mistério que faz com que "Les Revenants" tenha um tom quase macabro e fantasioso, remetendo ao livro "Incidente em Antares", de Érico Veríssimo.
A série recebeu ótimas críticas e foi feito um remake americano chamado "The Returned", dirigido por Keith Gordon. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

In the Flesh (1ª Temporada)

"In the Flesh" é a nova série do canal BBC3 da Inglaterra criada por Dominic Mitchell. Situada no futuro próximo, a história acompanha a vida de sobreviventes que enfrentaram o holocausto zumbi. Estes foram eliminados ou capturados pela Human Volunteer Force e agora recebem tratamento médico para que possam ser reintegrados à sociedade, utilizando medicamentos, lentes de contato, implantes e maquiagem corretiva. Assim, eles passam a ser chamados de vítimas do PDS (Partially Deceased Syndrome - Síndrome de Falecimento Parcial). Kieren cometeu suicídio há quatro anos, mas desde então, milhares de zumbis foram reanimados, através de reabilitação e medicação, graças a um plano governamental de inclusão dos afetados. No entanto, as comunidades que foram abandonadas na época da epidemia e que tiveram que entrar na sangrenta batalha contra os zumbis não estão exatamente receptivas a esse novo programa de reintegração.
A trama acompanha Kieren (Luke Newberry), um adolescente morto que acaba sendo ressuscitado após o apocalipse zumbi. Enquanto os pais de Kieren, Steve (Steve Cooper) e Sue (Marie Critchley), estão felizes com a volta do filho, Jem (Harriet Cains), sua irmã, não está nada satisfeita em vê-lo novamente. Ela se tornou membro da HVF (grupo que "protege" a cidade"), liderada por Bill Macy (Steve Evets), pai de Rick, que também volta para casa portando a síndrome.
O mundo das séries me fascina, assim como a criatividade em utilizar temas tão tachados e torná-los em ideias geniais, nesse caso os mortos-vivos. Graças a série "The Walking Dead", várias coisas foram lançadas indo nessa onda, mas com a minissérie "In the Flesh", esqueça a lei de sobrevivência humana que impera nesse tipo de tema, o foco é no pós, quando tudo está consideravelmente controlado e os zumbis estão se reintegrando à sociedade, pois a síndrome do falecimento parcial pode ser revertida com medicamentos. Não há ação, é uma série dramática e inovadora.
O preconceito, hipocrisia, fanatismo religioso, homossexualidade, entre outros assuntos foram utilizados de maneira inteligente. A população torce o nariz para os familiares que recebem seus parentes "mortos" novamente em casa. O pai de Kieren evita tocar no assunto, a mãe se sente deslocada em sua própria casa e a irmã desconta todo o seu sentimento em forma de raiva. Jem não perdoou o irmão por ter cometido suicídio sem deixar sequer um bilhete. A série deixa várias informações para trás como o Website com mensagens destinadas aos zumbis que se sentem mal no convívio com os demais, e também a tal da pílula azul que faz os reabilitados voltarem a agir como animais.

Os flashbacks de Kieren são os melhores momentos da minissérie, principalmente quando o pai o tranca no armário a fim de escondê-lo das outras pessoas e ele começa a se lembrar do dia em que acordou no caixão. Outro acerto é a personagem Amy Dyer, destemida, ela não se intimida de forma alguma com os habitantes da cidade, e enfrenta sem medo quem a olha com críticas. Ela anda sem maquiagem ou lentes, como ela própria diz: in natura. Amy morreu de leucemia, portanto, considera sua condição como uma segunda chance.
Rick que foi o motivo de Kieren ter se matado foi morto em uma guerra no Afeganistão, mas acaba retornando para casa parcialmente vivo, porém seu pai, o cara que controla a cidade para que esses "monstros" não voltem, o trata como se não soubesse de sua condição. Pura hipocrisia.

O tema zumbi é apenas um pano de fundo para coisas reais vividas na sociedade, o preconceito, a hipocrisia, fanatismo religioso, homossexualidade, família e perdão. Isso tudo só elevou o nível da minissérie. É um retrato complexo, mas delicado sobre o que acontece quando famílias ganham uma segunda chance para consertar o passado e seguem o caminho de um futuro imprevisível. 
A minissérie tem três episódios de 90 minutos e uma segunda temporada está por vir!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A Caça (Jagten)

"A Caça" (2012) dirigido por Thomas Vintenberg mostra o lado do acusado da pedofilia, que neste caso é inocente e é vítima de uma comunidade que o exclui e o apedreja.
Acompanhamos a história de Lucas (Mads Mikkelsen), que trabalha em uma creche. Boa praça e amigo de todos, ele tenta reconstruir a vida após um divórcio complicado, no qual perdeu a guarda do filho. Tudo corre bem até que, um dia, a pequena Klara (Annika Wedderkopp), de apenas cinco anos, diz à diretora da creche que Lucas lhe mostrou suas partes íntimas. Klara, na verdade, não tem noção do que está dizendo, apenas quer se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação é perseguido pelos habitantes da cidade em que vive.
Este é um grande exemplo do quanto aquela velha história de que crianças nunca mentem é pura balela, pois elas tem uma imaginação muito fértil, assimilam e relacionam tudo o que acontece ao redor, seja uma conversa de pai e mãe, o irmão mostrando algo "estranho" na internet, uma série de coisas podem provocar a mente de uma criança, e quando esta se sente excluída do meio, como no caso de Klara, que sente uma inocente paixão por seu professor, e este a repreende porque ela lhe deu um beijo na boca, de pronta inventa uma historinha escabrosa, que em sua cabecinha não é nada, mas que faz muito barulho no mundo dos adultos. Pedofilia é um assunto muito chato e difícil de se lidar, sair acusando é um dos grandes erros, há uma série de questionamentos que se deve fazer antes de apontar o dedo. As consequências de quem é considerado pedófilo nunca acabam.
Klara é filha de seu melhor amigo, Theo (Thomas Bo Larsen), o que dificulta ainda mais, as relações ficam naquela tensão: será que Lucas seria capaz de tal ato? O fato é que os pais de Klara nunca deram tanta atenção para a menina, sempre sozinha, o único que lhe dava carinho e conversava era justamente Lucas, o que fez com que a garotinha imaginasse um sentimento maior, ela lhe dá um presente e o beija, porém ele a repreende, ou seja, diante desta rejeição a menina conta à diretora que viu as partes íntimas de Lucas, no que desencadeia uma situação preocupante.
Este é o retrato de que uma história que é repetida muitas e muitas vezes é considerada verdade absoluta, e assim é quase impossível revertê-la. As crianças têm um poder de manipulação muito grande, as consideramos frágeis, mas elas mentem de maneira ingênua e cabe ao adulto ter a noção do que é verdade ou não.

Um dos grandes erros foi o da diretora, que mais inocente que a criança agiu de maneira impulsiva, Klara chegou a negar que era brincadeirinha o que tinha contado, mas ela deduziu que isso fosse negação pela garota sentir vergonha, então tomou atitudes acusatórias, espalhou aos demais, no que virou um gigante a esmagar Lucas. As outras crianças foram interrogadas e por mais incrível que pareça elas mentiram e disseram o mesmo que Klara, dando até detalhes. Sem provas, Lucas foi solto, mas sua vida virou um inferno, proibido de frequentar os lugares, sem emprego, excluído pelas pessoas que eram seus amigos, o único que ficou ao seu lado foi o filho. Seu melhor amigo e pai de Klara ao mesmo tempo que desconfia sente que não pode ser, e foi numa atitude desesperada de Lucas que ele viu que seu amigo de infância jamais faria algo do tipo. 
O tempo passou e tudo parecia estar no lugar e esquecido, mas as coisas não funcionam assim e nem tudo é apagado com o tempo, Lucas será caçado pra sempre.

O filme traz mais questionamentos do que respostas, nos coloca diante a uma situação completamente difícil, pois a sociedade está condicionada a repudiar atos monstruosos, mesmo que seja apenas uma acusação, a verdade é o que se diz e pronto. Um bom pensamento que o filme promove é o quão frágil é a relação de confiança que temos uns com os outros, mesmo que seja duradoura, vinda de tempos, ela se desfaz diante algo que nos tire daquela zona confortável.
"A Caça" é um longa forte, reflexivo, e o sentimento que nos causa é de tensão e indignação do começo ao fim. É uma obra de arte!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Nota de Rodapé (Hearat Shulayim)

"Nota de Rodapé" (2011) é um filme israelense dirigido por Joseph Cedar (Beaufort - 2007), e a história nos conta sobre Eliezer Shkolnik (Shlomo Bar-Aba), um acadêmico taciturno, minucioso pesquisador do Talmude (texto sagrado do judaísmo), que vê seu ego abalado pelo sucesso do filho Uriel Shkolnik (Lior Ashkenazi), que atua na mesma área que a sua. Uriel é prestigiado pela comunidade local, cuja gira em torno da Academia, enquanto seu pai amarga grande fracasso profissional, tendo como maior feito da carreira ter sido citado numa piedosa nota de rodapé de um respeitado livro sobre os estudos judaicos. Um dia, o reputado prêmio Israel liga ao senhor Shkolnik pai, pensando se tratar do Shkolnik filho, para anunciar a vitória do prêmio daquele ano. Numa confusão inacreditável, o filho terá de escolher entre deixar o prêmio com o pai, desde que abdique da possibilidade de ganhá-lo pelo resto de sua vida, ou contar a ele sobre o mal-entendido e devastá-lo de vez.
Com um roteiro simples "Nota de Rodapé" discute a relação entre pai e filho, a inveja e o recalque do pai em ver o filho com tanto sucesso, enquanto ele pesquisou e atuou na área há tanto tempo e nunca foi reconhecido. O que se percebe é que talvez Shkolnik pai não fosse tão bom quanto o filho é. Vemos a cena em que o pai dá uma entrevista porque foi nomeado para ganhar o prêmio de Israel e as perguntas giram em torno de seu filho, que é famoso por seus escritos, irritado o pai diz que ele é um vaso vazio e que não respeita  a origem e as escrituras do Talmude. Isso tudo desencadeia chateações, mas mesmo assim o filho não age de maneira vingativa. De certo modo, ele tem pena do pai.
O início do filme é regado a tensão, Uriel recebe um prêmio, enquanto o semblante de Eliezer demonstra um grande desconforto. Inegavelmente este filme é uma grande surpresa, uma comédia dramática excelente, cuja linguagem cinematográfica faz seu diferencial.
Eliezer tem um grande complexo de inferioridade, ele demonstra isso com frieza e distanciamento em relação a sua família. A tradição diz que os mais velhos são os donos da sabedoria, e numa religião tão forte como é o judaísmo fica difícil aceitar que o mais novo tenha razão. É o famoso conflito de gerações. A academia excluiu Eliezer a vida toda, o escondendo e desse modo nunca teve seu trabalho reconhecido, a única coisa importante que Eliezer já recebera foi uma menção em uma nota de rodapé, uma citação em uma publicação importante, isso era o que tinha, e nada mais, já seu filho ganhou notoriedade com suas pesquisas, porém seu pai o considera superficial.

Este filme mostra um grande dilema, porque traz sentimentos complexos em uma cultura que hoje se debate entre a tradição e a modernidade. O filme é até didático, pois vislumbramos a luta de poder na academia de Israel e toda a burocracia que existe em se eleger os laureados. Vale ressaltar a trilha sonora, que é bem diferente e dá um ar de filme americano antigo. É um longa muito detalhista e a história se desenvolve de forma agradável e em nenhum momento ficamos perdidos. O clima melancólico se mistura com o engraçado, tornando os personagens interessantes e ao mesmo tempo profundos.
A disputa de ego, a inveja e o recalque está exposto na figura do pai. O que nos faz ficar em dúvida em várias partes, às vezes nos gerando irritação e por vezes pena desse homem que o tempo fez ficar para trás. O final é sensacional, aliás o filme todo é bem elaborado, nos fisga pelo roteiro engenhoso e seus personagens tão completos. E graças ao teor cômico e um tom de humor ácido, o longa não se torna tão dramático. 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Parte dos Anjos (The Angels' Share)

O título "A Parte dos Anjos" é uma expressão usada no universo de destilação de Whisky, pois durante seu envelhecimento nos barris, uma boa parte do álcool vai evaporando, também esta expressão é uma bela metáfora usada ao longo do filme. Dirigido pelo britânico Ken Loach, que tem como hábito utilizar temas realistas da sociedade, políticos e com personagens repletos de ideais, em "A Parte dos Anjos" não é diferente e acompanhamos a história de quatro presos que são condenados a prestar serviços comunitários. Um deles, Robbie (Paul Brannigan), é um jovem pai, que já estivera preso por tentativa de homicídio e que tenta reconstruir sua vida de maneira honesta. Após a condenação, os jovens passam a prestar serviços comunitários sob a supervisão de Harry (John Henshaw), que entre pinturas de centros comunitários e limpezas de locais públicos, os apresenta ao mundo do Whisky.
O primeiro contato se dá quando oferece uma dose da bebida ao desempregado Robbie para comemorar o nascimento de seu filho. Mais tarde, Harry promove uma visita a uma destilaria em Edimburgo com todo o grupo e, logo fica evidente o dom natural de Robbie para reconhecer e apreciar a bebida. Aos poucos ele começa a estudar sobre o processo de destilação, frequentar degustações e demonstrar interesse no assunto. Ao terem notícia do leilão de um barril de Whisky raro estimado em mais de um milhão de libras, os quatro jovens arquitetam um plano para roubá-lo. Esse novo delito ao invés de condená-los trará a redenção ao grupo. Ken Loach nos presenteia com uma comédia dramática bem leve, ele traz uma sutil crítica ao sistema capitalista e a burguesia, e demonstra que o ser humano pode se regenerar, que mudanças acontecem de diversas maneiras, pode ser com algo inesperado, e às vezes contamos com a ajuda de anjos em nossa vida.
Há uma cena no filme muito forte, quando Robbie juntamente com sua namorada e seu filho recém-nascido ficam frente a frente com o cara que ele espancou, a vítima expõe todo o seu sofrimento, as consequências de um ato violento sem propósito, o que ele perdeu fisicamente e psicologicamente, a mãe do rapaz também desabafa e Robbie sem dizer uma palavra, chora. É a vida dando um interminável tapa na sua cara, mas aparece uma pessoa que dará um curso em sua vida, Harry aos poucos o introduz ao mundo do Whisky, a sua paixão, e dessa maneira Robbie começa a demonstrar talento para a apreciação e degustação.

O filme tem um roteiro muito original e descontraído, apesar deles terem a ideia de roubar o tal Whisky que vale uma fortuna, torcemos por eles, é um gesto que simboliza mudança, pois todos querem a partir deste ato melhorar suas vidas, todos têm esse desejo, e entre os magnatas que querem comprar aquele barril precioso e o grupo que não vê oportunidade de emprego devido ao passado, nada mais justo que torcer por eles, pois as chances não caem do céu, elas acontecem quando menos esperamos. Harry é o retrato de um grande ser humano, é encantador, e a parte destinada a ele foi mais que merecida, pois foi um anjo na vida de Robbie.

"A Parte dos Anjos" foi ambientado em Glasgow, na Escócia, o filme retrata visitas a destilarias de Whisky e todo o processo que acontece até o armazenamento, também há sessões sofisticadas de degustação em que apreciam e comparam sabores e aromas de diversos Whiskies. Dá até vontade de tomar aquela dose!

*Paul Brannigan que interpreta o violento Robbie e descobre o talento para apreciar Whisky, teve uma vida complicada, e em vários pontos se assemelha muito com a do filme, filho de pais drogados e em meio a violência acabou sendo preso por algum tempo. Ele começou sua carreira no cinema justamente com este filme e atualmente Paul está escalado para atuar em "Under the Skin", filme de ficção-científica de Jonathan Glazer.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Antiviral

"Antiviral" (2012) é o primeiro filme de Brandon Cronenberg, filho de David Cronenberg, um diretor conhecido por grandes filmes, entre eles "Videodrome" (1983), "A Mosca" (1986), "Senhores do Crime" (2007) e "Cosmopolis" (2012), as influências do pai em "Antiviral" estão bem claras. O filme se passa em um futuro próximo, onde o culto as celebridades chega ao extremo. Nesse cenário, existem empresas especializadas em vender doenças dessas celebridades, com o argumento de que o fã fique mais próximo da intimidade de seu ídolo a partir da enfermidade adquirida. Syd March (Caleb Landry Jones) trabalha em uma dessas firmas que tem como exclusividade a distribuição de doenças de Hannah Geist, uma das mais famosas celebridades da atualidade. Syd, além de seu emprego, faz por fora da empresa uma espécie de tráfico dos vírus, usando seu corpo como transporte dos mesmos. Quando injeta em seu corpo um vírus de Hannah, ele se vê em uma conspiração cheia de reviravoltas envolvendo as indústrias do comércio das doenças, além de ter que buscar a cura, afinal o vírus que contraiu é letal e está o levando à morte, assim como a portadora principal.
O roteiro é ousado e de início causa estranheza, a fotografia toda branca dá um ar de limpeza e contrasta com o vermelho do sangue, que é bem constante, aliás o protagonista agoniza praticamente o filme todo, impossível não se sentir desconfortável com sua situação. O ritmo é lento e do meio em diante tem aspecto de Thriller com muitas reviravoltas, mas contêm uma crítica contundente sobre esse universo de idolatria e empresas que lucram em cima daqueles que acreditam no que veem. Esse futuro não está tão distante do nosso presente, pois é comum observar pessoas fazendo loucuras por uma celebridade que é apontada pela mídia como perfeita, mesmo que ela não seja, acaba virando modelo padrão de beleza e comportamento, o senso comum desaparece e a pessoa esquece de si própria e deseja ser a celebridade, ou pelo menos tê-la em partes, como no caso do filme contraindo as doenças.
O fato é que a crítica tem comparado demais Brandon com o cultuado pai, o estilo de "Antiviral" está nos moldes dos filmes mais antigos de David Cronenberg, e sem dúvidas, Brandon merece respeito pelo seu trabalho, pois é um filme que perturba acima de tudo, nos faz pensar e mexe conosco. Em seu primeiro trabalho ele já demonstra que herdou os genes do pai e promete muito neste tipo de cinema. Em "Antiviral" temos uma sociedade doentia que cultua pessoas de plástico e não medem esforços para que de algum modo tenham uma parte delas em si, que é chamada de "comunhão biológica". Através de manipulação, por meio de uma máquina chamada console ReadyFace, os microrganismos são protegidos contra cópia ou pirataria e dessa forma conseguem remover os componentes que fazem com que doenças passem de uma pessoa para outra, tornando-as exclusivas para quem as adquire.

Syd faz parte do mercado negro de vírus de celebridades, só que ele deseja muito mais do que ser apenas um traficante de vírus. Ele inocula nele mesmo um pouco de cada amostra para também alcançar a comunhão biológica, até que sua sorte muda drasticamente: obcecado pela modelo alemã Hannah Geist, ele inocula o vírus dela em si mesmo antes de comercializar a amostra, para depois descobrir que a modelo morreu e que o vírus de Hannah pertence a uma sinistra conspiração que envolve disputas por territórios no mercado negro. Depois que ele contrai essa doença há várias sequências de excesso de sangue jorrados pela boca, é bem desconfortante, assim como as cenas onde mostra a carne sendo processada a partir de células de celebridades, que ainda é considerado um método grosseiro para o mercado. Syd está com os dias contados, adiando a sua morte com um antivírus, enquanto corre contra o tempo para entender a conspiração e encontrar o antídoto.

"Antiviral" é um filme que critica a sociedade e seus meios de consumo, a ambição pela estética, pela perfeição inexistente mostrada pela mídia, onde qualquer coisa é vendida com intuito de melhorar a aparência e conseguir um prolongamento da juventude. Para aqueles que idolatram alguma celebridade veja o quanto isso é doentio e sem sentido, é como se as pessoas precisassem vangloriar, tipo de um Deus, algo para ser maior do que elas mesmas. Ninguém precisa seguir um padrão fundamentado por alguma bobagem criada. Idolatria cega e destrói o ser humano. "Antiviral" é um filme altamente recomendado!

sábado, 11 de maio de 2013

Frat - Crueldade Humana

"Frat" (2008) é um curta-metragem produzido por estudantes da escola ESMA e fala sobre a crueldade da raça humana que está contaminada por uma doença que a transforma em pedra. 
Em um povoado remoto, Sai, um garoto de 12 anos contempla o horizonte. De repente, um cão com uma pata petrificada aparece e o menino consegue curá-lo cortando seu braço e doando um pouco de seu sangue ao animal. Depois, eles partem para uma cidade pós-apocalíptica enquanto um lindo som de violino contrasta com a paisagem deteriorada. Ocorre que seu irmão mais velho, Vlad, um delinquente e drogado o maltrata e depois usa seu poder para curar as feridas e se recuperar. Apesar disso, Sai nutre um grande amor e carinho por seu irmão. Até que, um dia, Vlad empresta o menino a uns amigos de sua gangue. Eles curam seus machucados, mas acabam por espancá-lo até deixá-lo inconsciente. Em seus devaneios, Sai descobre que também possui dentro de si, bem no fundo enterrado, uma pedra.
Esse curta tem uma lição de moral devastadora que mostra que todo ser humano tem maldade dentro de si, somos contaminados pelo dia a dia, pela rotina estressante, onde cada vez menos temos paciência uns com os outros, seja no trânsito, nas filas, no ônibus, na vida medíocre que levamos para sobreviver, nesse mundo que vivemos a educação virou qualidade, ao invés se ser considerada algo inerente. Pois é, fica difícil não se contaminar por essa doença que nos torna pedras, que gera sintomas de egoísmo, individualismo e violência.

A criança é o único ser que ainda pode conter a pureza e que é capaz de demonstrar afeto simplesmente porque quer e não por algo em troca, como no curta, infelizmente, as influências internas e externas contribuem para que esta pureza acabe mais depressa. Nenhum ser humano está imune à maldade. 
É um curta dramático e sombrio, cuja interpretação depende de cada um!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Turistas (Sightseers)

"Turistas" (2012) dirigido por Ben Wheatley (Kill List - 2011) é uma comédia de baixo orçamento. A trama nos traz uma história um tanto maluca, mas ao mesmo tempo simples, o diferente é como as coisas acontecem e são vistas. É um road movie violento, trágico, apaixonante e curioso.
Um recém casal de namorados de aparentemente uns 30 anos, Tina (Alice Lowe) e Chris (Steve Oram), resolvem viajar pelos lugares turísticos da Inglaterra, essa aventura não é vista com bons olhos pela mãe de Tina, que a culpa pela morte de seu cachorro, inclusive a cena em que o cachorro morre é no mínimo peculiar. Os dois são o típico casal de desajustados que de alguma maneira se apegaram pelas suas deficiências. De início vemos que Tina é a que mais se aproxima da sanidade, enquanto Chris é um sujeito nervoso e imprevisível, ele não tolera quase nada e leva isso a sério e ao extremo. A viagem vai ganhando tons de violência quando Chris atropela com seu trailer um cidadão do qual se desentendeu momentos antes. A maneira que Tina encara o "acidente" já demonstra traços de um possível desiquilíbrio, ela aceita porque está apaixonada por Chris e quer continuar a viagem e aproveitá-la o máximo possível, afinal o amor requer compreensão e aceitação. Por incrível que pareça as situações, ele é demasiado humano, pois trata de sentimentos corriqueiros, porém de forma mais aguda, como a inveja, baixa auto-estima, mediocridade, instinto e a influência que o outro pode nos causar. Tudo isso é tratado com uma boa dose de loucura.
A trilha sonora é debochada, percebe-se pela música "Tainted Love" de Soft Cell, logo no começo do filme, a fotografia é vívida e bem suave e o roteiro é mais que surpreendente. É um filme despretensioso, ele simplesmente conta uma história. O filme foca na personalidade multifacetada dos protagonistas. É hilário perceber a evolução sádica dos dois, especialmente de Tina. Podemos ver que a vida patética da mulher, dedicada a uma terrível mãe que se fez de doente, eclode em um sentimento puro de poder e violência, ainda que de maneira pouco convencional.
O humor é ácido e nos chocamos com várias cenas por conta das atitudes dos personagens, principalmente por Tina, pois Chris desde o início mostrou seu temperamento, ela foi sendo influenciada, mas claro, tudo já estava dentro de si, bastava um empurrão. O momento que ela descobre que Chris matou o cara do acampamento porque se sentiu ameaçado, na verdade, foi por pura inveja; o cara tinha escrito vários livros e estava escrevendo o próximo, Chris também estava nessa empreitada, mas sem um pingo de inspiração ou talento, dessa maneira foi lá e deu um fim no homem. Tina aceita o fato e até sequestra o cão do finado, que era um cover do seu, aquele que morreu no início da história. A partir daí, Tina descamba e juntos cometem vários homicídios, mas sempre alegando que foi por um motivo. Os anti-heróis acabam nos cativando exatamente por chegar próximos de nós, afinal todos temos um lado negro da força com instintos violentos.

Em dado momento Chris reclama de Tina, pois ele alega que ela não tem método com os crimes que comete, age por impulso e o faz ficar desnorteado, nesse instante entram em conflito deixando tudo ainda mais confuso e maluco, no que desencadeia num final surpreendente e ao mesmo tempo hilário.
O filme tem uma linguagem diferente, portanto, não é todo mundo que irá gostar, o mórbido está de mãos dadas com o divertido. Neste longa o bizarro é agradável!

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Imaginaerum

Baseado na história escrita pelo compositor da banda Nightwish, Tuomas Holopainen, e dirigido pelo estreante Stobe Harju, diretor musical. "Imaginaerum" (2012) é um filme fantasioso inspirado no sétimo álbum da banda, o clima gótico revela a história de um compositor com uma imaginação de outro mundo. Ele é um senhor de idade que pensa ainda ser garoto. Enquanto dorme, ele viaja em seu passado distante, onde seus antigos sonhos retornam misturados com o mundo de música e fantasia do menino. Em seus sonhos, o senhor luta para encontrar as memórias que mais lhe importavam.
O longa se concentra na vida desse compositor idoso, Tom, que sofre de demência grave. Como ele tinha essa doença há anos, regrediu para a infância e não lembra praticamente de nada de sua vida adulta. Sua música, amigos, todo o seu passado, incluindo a lembrança de sua filha são uma mancha na sua mente frágil. Tudo o que ele tem é a imaginação de um garoto de dez anos. Como ele entra em coma, parece que não é possível resgatar o que ele perdeu. Ou será que é?
O filme é uma jornada entre duas dimensões diferentes. Tom viaja através de seu mundo imaginário procurando por respostas e encontrando lembranças, enquanto sua filha, Gem, tenta recuperar o vínculo que compartilhava com seu pai no mundo real. Eles se tornaram mais e mais distantes com o passar dos anos e, há obstáculos ainda maiores separando-os, e agora com o coma de Tom, a aproximação de Gem com o pai parece estar condenada ao fracasso. No entanto, através dos segredos mais obscuros de Tom, Gem descobre o caminho que deve seguir para encontrar seu pai novamente.
O clima sombrio e vários dos elementos nos remetem as obras de Tim Burton, e às vezes soa como algo surreal, porém a história vai se juntando aos poucos, incluindo algumas metáforas. Escrito pelo próprio diretor em parceria com os também estreantes Mikko Rautalahti e Richard Jackson a partir da história escrita por Tuomas Holopainen, o filme mais parece um grande videoclipe.

Em dado momento a aura do filme se assemelha muito com a de um sonho e torna-se cansativo, mesmo tendo apenas 80 minutos. Algumas cenas salvam e enchem nossos olhos com tanta beleza, como a da queda do globo de vidro em paralelo com o suicídio de um personagem em slow motion, sem dúvidas essa é um das cenas mais perfeitas do filme.
O estilo da banda é muito bonito e me atrai bastante, curto a melancolia das músicas e toda a parte instrumental, mas a verdade é que deixei de acompanhá-la desde a saída de Tarja Turunen, e nem é porque acho que Anette Olzon é inferior, calhou de não ir mais atrás do som. O filme apesar de ter sido alvo de críticas negativas até dos fãs, é preciso admitir que é um feito admirável para a banda e a história da música.

Para os fãs, os curiosos e os admiradores do Nightwish é recomendado, mas assista sem grandes expectativas. Aprecie o visual, a fotografia, os efeitos, a música, e a história intimista.
O poder da imaginação é surreal, podemos extrair lembranças das quais há muito estavam esquecidas, de vez em quando devemos nos render a ela e viajar para dentro de nós mesmos e encontrar as memórias que esquecemos com o tempo.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Vitus

Vitus é um garoto superdotado que parece vindo de outro planeta. Ele tem o ouvido muito apurado, toca piano como um virtuoso e estuda enciclopédias desde os cinco anos de idade. Seus pais antecipam um futuro brilhante para ele. Esperam que ele se torne um exímio pianista. Mas o pequeno gênio prefere brincar com seu excêntrico avô na oficina dele, construindo planadores. Ao fazer um voo numa das engenhocas, um dramático salto dará a Vitus o controle da própria vida.
Aos seis anos, ele já carrega enormes responsabilidades, como as exaustivas horas de prática diária, a tentativa de adequação, a exigência da mãe obsessiva (Julika Jenkins) e a ausência do pai workaholic (Urs Jucker). Seu único alívio são os fins de semana ao lado do avô (Bruno Ganz), homem simples que partilha com o neto a paixão pela aviação e o único que o trata como uma pessoa normal. Vitus é interpretado por dois atores mirins: Fabrizio Borsani, que o faz aos seis anos, e Teo Gheorghiu, que o vive já com 12 anos de idade. O primeiro é curioso e adorável, o segundo, assombroso em talento e interpretação, especialmente ao piano, já que ele é uma criança prodígio de verdade e foi selecionado para o papel entre alunos de uma famosa escola londrina de música.
O filme de Fredi M. Murer tem vários ingredientes interessantes, protagonista criança, um avô amoroso, os sonhos, o egoísmo dos pais, a crise de identidade do garoto que após a queda com o planador do avô decide fingir não saber mais tocar piano, e assim viver como um pré-adolescente normal. Depois da metade do filme o clima ganha uma certa fantasia infantil e a genialidade do menino é tratada de forma exagerada, ao mexer na bolsa de valores e fazer com que seu avô ganhe uma fortuna, e conseguir que seu pai se reerga na empresa, as dissertações sobre a bolsa de valores são incríveis. O garoto tem seu próprio apartamento, onde pode tocar piano sossegadamente, também tenta conquistar uma moça sete anos mais velha, que coincidentemente foi sua babá quando mais novo. Há toques de humor nessa fase, principalmente quando seu avô decide comprar um avião e se aventurar nele.

O filme levanta diversas questões, como educar uma criança, respeitar seus limites, deixá-las que descubram do que gostam realmente, claro sempre incentivando, como no caso de Vitus, o piano. A mãe ficou muito orgulhosa o vendo ainda criança tocar como gente grande e acabou colocando expectativas demais, cansado Vitus esquece de ser uma criança. Com ótimas passagens ele questiona os professores e diz que é normal que saibam mais que seus alunos, e pergunta quem inventou a máquina a vapor, a professora lhe responde, e então Vitus acrescenta: "Se você é tão capaz porque não inventou a máquina você mesma?".
Interessante também a parte em que a mãe de Vitus o leva na casa de uma grande e respeitada pianista e ele se recusa a tocar e mostrar seu talento, quanta ousadia! Mas a mulher de certa forma o entende, pois os gênios são assim, imprevisíveis. 
É um filme emocionante e alegre que nos tira sorrisos pela trama inocente. Toda vez que seus dedos encontram as teclas do piano, inevitavelmente ficamos estupefatos.

Vitus em um determinado momento sente-se estranho, seu desejo é fazer parte e se tornar apenas mais um na multidão, não é fácil entender-se nesta fase, o que realmente importa, o que sente e deseja. Nas aulas o tédio invade, pois tudo o que o professor fala ele já sabe, responde as perguntas de pronta e os questiona de maneira incisiva. No início quando pequeno é especialmente encantador. Que mãe não se sentiria orgulhosa? É compreensível as atitudes apesar de nos irritar com suas exigências. Uma criança superdotada não precisa deixar de ser criança e é isso que o filme mostra. Há clichês, fantasias, mas faz  parte do contexto e nos maravilha a cada cena, principalmente ao final, onde Vitus toca juntamente com a orquestra, que inclusive foi gravada durante um concerto de verdade. É de tirar o fôlego!

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A Criada (La Nana)

O filme chileno "La Nana" (2009) do diretor Sebastián Silva traz a história de Raquel, que trabalha há 23 anos como criada na casa dos Valdês, uma família de classe média alta de Santiago. Ela não possui amigos e destina pouco tempo de seus dias atarefados para falar com a mãe que mora longe. Raquel acha mesmo que é da família e até os Valdês chegam a brincar com o fato. Mas por mais que a brincadeira pareça divertida, a verdade é que Raquel não é um membro desta família e quando tenta o ser sem pudores, os mundos díspares entram em choque. Pilar, a patroa, não tem coragem de despedir Raquel, ela parece ter medo de enxergar a perturbação mental evidente de sua criada e tenta sucessivamente arrumar empregadas com quem Raquel possa dividir o trabalho. Pilar teima em achar que o comportamento estranho da empregada é apenas o cansaço.
Raquel é quem dá as cartas para os filhos de Pilar, eles a obedecem e tem muito carinho por ela, a não ser a filha mais velha que acha que a empregada implica demais. Pilar contrata uma moça para dividir as tarefas, mas Raquel é antipática e faz de tudo para que a moça vá embora, e é dessa maneira que prossegue o filme, entre as tramóias de Raquel para que as ajudantes não persistam no emprego. Mas o fato é que Raquel realmente está doente e necessita de ajuda, e isso muda quando desmaia e precisa ficar de repouso, então a patroa contrata uma mulher para ficar no lugar de Raquel, e a partir daí acabamos por conhecer um pouco mais dessa mulher tão retraída e fechada em si mesma.
Catalina Saavedra como Raquel nos mostra o quanto uma empregada se torna dependente de seu patrão, depois de tantos anos dando seu empenho, compartilhando o dia a dia, é inevitável que esta se torne um membro da família. O que acontece com Raquel é que ela é uma pessoa sozinha, não tem nada além do trabalho, por isso sua situação psicológica não é das melhores, ela sente ciúmes dos filhos da patroa, sente medo de perdê-los. Ela nos irrita inicialmente, mas com o desenrolar nos aproximamos do ser humano, e de certa forma nos encantamos com sua inocência.
Muitas crianças crescem sob os cuidados de babás e as têm como mães, já que muitas mulheres trabalham e têm tarefas diferenciadas, de qualquer forma esta mulher se torna algo muito importante querendo ou não, ela está criando, educando, brincando, arrumando a casa, cozinhando. Como não valorizar esta pessoa? Muitos veem isso apenas como uma função, como uma criada, a sua profissão é essa, e portanto, é uma obrigação, mas esquecem do aspecto humano e da rotina diária que se cria.

No filme Raquel começa a se descobrir fora daquela família quando vai passar o natal na casa dos parentes de sua ajudante, esta que a conquistou aos poucos com sua personalidade cativante e espontânea, muito esperta ela encontrou o ponto de Raquel. Nessa viagem ela enxerga um mundo exterior além daquele que vive todos os dias, em que consiste em acordar e já começar a arrumar. Na verdade o que ela precisava era uma faxina interna, a mudança de Raquel não é brusca, acontece sutilmente. Ao final a vemos indo correr após o expediente, em que vagarosamente vai se soltando, percebemos que é o início de uma liberdade interna, mesmo que não mude nada dentro de seu cotidiano.
O filme tem um toque de humor, mesmo que as situações não sejam necessariamente feitas para rir, Raquel apenas com o olhar nos diz muito, há muita tensão nas cenas e seu resgate pela humanidade no fim é realmente muito bonito. É uma homenagem para as empregadas domésticas que geralmente nem são lembradas, mas que são necessárias no cotidiano de muitas famílias, aquelas que trabalham há anos em apenas uma casa, se dedicando e que acabam perdendo muito de suas vidas e até se esquecem de si mesmas.

Observar o ser humano que acha que pode se sentir superior e tratar as pessoas da maneira que quiser só porque tem dinheiro, chega a ser constrangedor e ridículo. No filme vemos a família tratando bem Raquel, mas há uma certa hipocrisia nisso tudo, pois a vontade verdadeira deles é despedi-la.
"A Criada" é um filme lento, com situações parecidas, mas completamente válido em todo seu contexto.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Matança Necessária (Essential Killing)

"Essential Killing" (2010) do diretor polonês Jerzy Skolimowski mostra a luta de um homem pela sobrevivência em seu estado mais animal. O personagem de Vincent Gallo não solta uma palavra, mas sabemos que é um afegão chamado Mohammed. Capturado pelo exército dos EUA é torturado e interrogado e depois é conduzido para a prisão. Na viagem acontece um acidente com o comboio, um deles capota e Mohammed consegue fugir. Depois disso começa o martírio em que Mohammed luta para não ser recapturado, além de tentar encontrar algo para comer a fim de manter-se vivo.
Vemos por meio de curtos flashbacks que ele foi instruído a entregar sua vida pela causa islâmica, porém o que importa neste filme não é a temática política ou suas causas, mas sim as consequências de suas escolhas. O título faz jus a partir do momento que matar vira necessidade em sua busca pela sobrevivência. Ele mata para se proteger, ele é um homem comum que não tem aptidões para ser um talibã, ao contrário, ele quer viver, diferente dos homens-bombas.
Vincent Gallo como Mohammed não precisa dizer uma palavra para ser entendido, seu drama é visto pelas mudanças que vão acontecendo em seu semblante, ele resiste e persiste em meio a um território inóspito e gelado. Mata homem, animais, come formigas, casca de árvore, peixe vivo e caminha intensamente. Há uma cena bem interessante e polêmica, quando encontra uma mulher com um recém-nascido e este desesperado a domina e bebe o leite de seu seio. Com certeza este filme retrata o ser humano em um aspecto totalmente animal, onde não existem mais suas necessidades básicas, como comida, água e calor, quando isto falta o animal que existe sai, mostrando suas garras, querendo de todas as formas a sobrevivência, e o clima gelado contribui para distanciar ainda mais as características humanas. Isso nos faz pensar que não somos tão diferentes de outros animais.

É preciso uma certa atenção nos detalhes, as cenas são cuidadosas e intensas, o personagem mata homens porque precisa escapar, mata cachorros que o perseguem, vai eliminando o perigo porque ele é a presa. Ele mata para sobreviver.
Os instintos aparecem quando nos é tirado o essencial, não há escolhas, não há o que se pensar, volta-se para o ser animalesco que existe dentro do ser humano.
O tema sobrevivência é muito interessante e sempre traz boas reflexões, sobre os extremos do qual somos capazes, no fim as reações nada mais são do que instintos liberados pelo desespero, fome, frio e sede. E até que ponto a nossa mente aguenta?

A dor física parece não existir mais de tão intensa, porém a psicológica aumenta o fazendo delirar. Em dado momento ele é acolhido por uma mulher muda, ela trata de suas feridas, o alimenta, o limpa, troca suas roupas, é como se ela estivesse purificando sua alma para seu inevitável fim. E então, o vemos montado num cavalo, ele cospe sangue em seu pelo branco, e de repente o cavalo está só.
"Essential Killing" tem uma fotografia maravilhosa, uma história crível, pertinente e bem trabalhada. É para nos fazer pensar no animal que existe em cada um de nós.