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quarta-feira, 12 de julho de 2017

Canções dos Mares do Sul (Pesni Yuzhnykh Morey)

"Uma coisa que eu aprendi foi que o que mantém a vida não é a força, mas o amor."

"Canções dos Mares do Sul" (2008) dirigido por Marat Sarulu (My Brother Silk Road - 2002) é um pequeno épico que emana uma belíssima mensagem de paz e amor, uma obra necessária para compreender que todos estão relacionados, russos e cazaques, cristãos e muçulmanos, europeus e asiáticos. 
Ivan (Vladimir Yavorsky) é russo e seu vizinho, Asan (Dzaidarbek Kunguzhinov), é cazaque. Eles vivem em uma pequena aldeia rural no Cazaquistão. Quando a esposa de Ivan dá à luz um menino moreno, Ivan começa a suspeitar que sua esposa o traiu com Asan. Instaura-se um conflito entre as duas famílias que perdura por muitos anos. Um dia, Ivan resolve viajar, e, ao encontrar seu avô, descobre a verdadeira história de sua família e de seus antepassados. Asan, por sua vez, parte à procura dos "Mares do Sul" em busca de sua paz interior. Enquanto isso, as duas mulheres, abandonadas à própria sorte e tendo de executar todo o trabalho de suas propriedades, deixam de lado seus conflitos e unem-se em seu sofrimento. 
A história apesar de se passar na Ásia central trata de assuntos universais, o preconceito e ódio pelo diferente por medo e ignorância, Ivan fica por 15 anos guardando raiva de Asan, eles sempre se deram muito bem, compartilhando momentos de uma boa amizade, mas o nascimento de seu filho o fez acreditar que sua mulher o traiu com Asan, os traços do menino o fizeram crer nisso, o tempo passa e Ivan recolhido em sua amargura e confrontado pelos familiares de sua esposa que fazem piada por ele ser um simples camponês e não ter sangue cossaco, decide procurar seu avô e saber um pouco mais de sua história e seus antepassados, enquanto isso Asan também mergulhado em tristeza ruma para encontrar os "Mares do Sul", a fim de tirar o peso de seu coração. As mulheres unem-se novamente, dividem as tarefas, bebem e conversam na ausência de seus maridos, já o filho desaparece com seu cavalo pelas estepes.
O avô vendo a dúvida que Ivan tem sobre a honestidade da mulher e amigo lhe conta a história de seus antepassados, a revelação o desarma totalmente, ali ele percebe que todos estão interligados e que nutrir ódio e preconceito é uma estupidez. A rica história contada pelo avô retrata gerações que guerrearam por ódio étnico e religioso e aqueles que também enfrentaram tudo por amor, a multietnicidade não está apenas em seu sangue, mas na da maioria que ali vive, por isso compreender o passado histórico é muito importante para ficar imune a esses conflitos.

O filme foi rodado nas redondezas do Lago Issyk-Kul e sua paisagem é absurdamente fascinante, os vales, as estepes, uma imensidão imersiva que traduz a ampla e vasta diversidade que existe nestas terras, são inúmeros povos que já passaram por ali e que fizeram dessa sociedade mista. 
"Canções dos Mares do Sul" é um belo e grandioso filme que reflete questões pertinentes e que carrega uma mensagem engrandecedora e elucidativa, nada como olhar com mais carinho para o outro e entender a sua própria história e a do lugar em que se vive.  

"Esta história é inspirada por problemas associados com sentimentos de pertencimento cultural e étnico. Cada tentativa de classificação é uma ilusão perigosa que gera medo, hostilidade e opressão... Eu acho que as ideias que funcionam através deste filme são remédios contra o medo. Todos nós pertencemos à mesma raça, à mesma família." - Marat Sarulu

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Lições de Harmonia (Uroki Garmonii)

"Lições de Harmonia" (2013) dirigido pelo cazaque Emir Baigazin é uma pancada, é um filme que se utiliza da violência, o título é uma ironia e uma crítica às instituições de ensino e todos os segmentos rígidos que ao invés de educar promovem revolta.
Aslan (Timur Aidarbekov) tem 13 anos, é criado por sua avó e faz as vezes de pastor, a cena inicial já choca, certo dia durante um exame médico na escola é humilhado por seus colegas, isso gera um transtorno no garoto que atormentado pela dúvida, se esforça para ficar limpo, além de sua obsessão pela perfeição, ele controla tudo ao seu redor. Essa compulsão lhe trará situações cada vez mais difíceis. É um longa primoroso, a sua fotografia é austera, e o desenrolar dessa história desencadeará na destruição do ser humano. A marginalização e a violência é muito bem delineada.
Aslan vive num povoado em algum lugar do Cazaquistão, um ambiente inóspito que provoca ainda mais a sensação de solidão, excluído do convívio dos outros alunos depois do episódio do bullying, Aslan passa seus dias a torturar baratas em sua casa, a estripar ovelhas e manter um ritual de limpeza. Na escola, o domínio de uma gangue liderado por Bolat (Aslan Anarbayev), que por sua vez, segue ordens de um pessoal mais velho para arrancar dinheiro dos meninos, faz da rotina um martírio. A crueldade é a lição e Aslan aos poucos começa a entrar em harmonia com ela.
É uma obra interessante, repleta de metáforas, mas por vários momentos o diretor parece esconder informações importantes do espectador, mas mesmo assim não deixa de ter sua força e proporcionar o desconforto em relação a violência institucionalizada, o que acaba moldando a personalidade do jovem e o transformando por completo.
Com a chegada de Mirsain (Mukhtar Andassov), vindo da cidade, após o divórcio dos pais, percebemos as destoantes culturas num mesmo país, um retrato social curioso, mas pouco explorado, infelizmente. O fato é que com esse novo colega, a situação se agrava, ele ao contrário dos outros encara Bolat, o que acarreta muitas complicações. A violência segue, tanto Aslan como seu amigo são torturados pelos policiais, enquanto sem nenhum esforço eles deduzem qual é a verdade. Um descaso total e de uma brutalidade física e psicológica sem limites. 

O filme tem uma estética incrível, o interessante posicionamento das câmeras e a fotografia se sobressaem. O desenrolar vai demonstrando o como o ser humano se transforma, Aslan é introspectivo, e talvez por este motivo os garotos cometeram tal barbaridade. Ele impressiona por sua frieza, suas atitudes se tornam cruéis também e acaba entrando em sintonia com o todo. 
Timur Aidarbekov como Aslan está maravilhoso, seu semblante, seu silêncio, sua personalidade e sua evolução. É assustador ver tanta violência, mesmo que às vezes ela seja implícita.

Aslan para sobreviver em meio à opressão precisa se defender, e nisso a violência que existe em si dá as caras, o mal que há no seu ser se apresenta. E é sobre isso que o filme disserta, a perversidade que há em cada um de nós, a maldade inerente. São diversas formas de violência e muitas aceitáveis de acordo com a sociedade.
O desfecho carrega um tom surreal e até poético. A crueza do longa é impactante e refletimos a cada cena. "Lições de Harmonia" é uma obra esteticamente impecável e com uma narrativa perturbadora. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Tulpan

"Tulpan" (2008) é um longa cazaque simplório, com pessoas puras e lugares inóspitos. A história retrata costumes dos quais não estamos habituados, uma civilização a parte, no deserto do Cazaquistão. Depois de completar serviço militar, Asa volta para sua região e quer ser pastor de ovelhas. Para isso, precisa arranjar uma esposa. Escolhe a bonita Tulpan, que dá título ao filme, mas esta acha o moço feio, por ter orelhas grandes demais, mas Asa tenta conquistá-la de todos os jeitos.
A linguagem e a estética é completamente diferente do convencional, tudo é espontâneo, cenas com crianças e animais chega a irritar, elas gritam e cantam a vontade, mas sem dúvidas isso o torna ainda mais especial. As pessoas são comuns e passam uma emoção real para quem o assiste. É um longa realmente muito bonito.
Tulpan é uma espécie de esperança para Asa, um sonho do qual persiste, a moça não o deseja, mas ele precisa de uma esposa para ter seu rebanho, desapontado tenta de todas as formas convencê-la, mas é tudo em vão. Há um momento em que pensa ir embora, pois acredita que não conseguirá nada ali.
Em uma passagem vemos o parto de uma ovelha, Asa o faz de maneira desastrada, com medo porque muitos filhotinhos morreram após o nascimento por falta de alimentação. Ele consegue fazê-lo com esforço, colocando a própria boca na da ovelhinha a fim de colocar ar em seus pulmões e fazê-la viver. Essa é a cena primordial, em que Asa se liberta e consegue se impor, acreditando que é capaz, ele encontrou sua "Tulipa" no vasto deserto. De forma simbólica o nascimento da ovelhinha faz com que Asa tenha esperança e perceba que ali é o seu lugar.

A beleza do lugar é incrível, habitado por poucas famílias geralmente bem distantes umas das outras, a única companhia constante é o vento. A câmera fitando o horizonte, a relação homem/natureza se torna algo bem poderoso. Tulpan o rejeitou por causa de suas orelhas de abano, mas talvez tenha tido outros motivos, aquele lugar apesar de belo, bucólico e contemplativo não oferece grandes oportunidades. Se vive de acordo com os costumes locais e nada mais.
"Tulpan" é singelo e de uma beleza exótica. O filme foi dirigido pelo documentarista cazaque Sergey Dvortsevoy, e foi vencedor do prêmio "Un Certain Regard" no Festival de Cannes de 2008.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A Outra Margem (Gagma Napiri)

"A Outra Margem" (2009) dirigido pelo georgiano George Ovashvili, nos conta uma emocionante e comovente história. Tedo e sua mãe são refugiados da Abecásia, região da Geórgia, escapando da chamada "limpeza étnica". Doente, o pai de Tedo foi obrigado a ficar para trás. Agora, mãe e filho vivem numa cabana abandonada no subúrbio de Tbilisi, a capital georgiana. Tedo é aprendiz de mecânico e sua mãe trabalha como balconista. Muitos anos se passaram desde a mudança deles, mas Tedo ainda não consegue se adaptar ao novo ambiente. Ele se culpa por não conseguir contribuir financeiramente para melhorar a situação deles e tem sérias dificuldades em aceitar a vida que sua mãe leva. Ver sua mãe com um amante foi a gota d'água e ele decide voltar para casa atrás de seu pai. Ele espera que isso irá resolver todos os seus problemas e trazer seus sonhos de volta.
Na sua jornada, ele passa por diversas aventuras e cruza com variadas pessoas que o fazem entender mais sobre a vida. Tedo encontra muitas pessoas pelo caminho e por vezes não é bem recebido pelo fato de ser refugiado, ele sofre duros golpes, e quando acha que já viu de tudo, ao chegar no lugar onde pensa encontrar seu pai, percebe que era tudo fruto de sua imaginação, seu pai constituiu outra família para poder ficar no lugar onde se encontra, e Tedo se vê sozinho e abalado pelos acontecimentos.
Às vezes é melhor ficar onde estamos, porque podemos encontrar coisas que não queremos, desenterrar um passado pode custar caro, a Tedo custou a sua ilusão e um futuro incerto. Pouco sabemos sobre a guerra civil na Geórgia e seus sistemas separatistas. É um assunto atual, porém pouco explorado. Tedo faz parte dessa história e nos mostra o quão difícil é viver nesse meio. Na verdade pouco importa a guerra para Tedo, ele só quer encontrar o pai, um caminho do qual é pior que qualquer guerra, a sensação da esperança sendo arrancada de forma brusca é a mesma.
Esse é um tipo de cinema que vale muito a pena conferir. "A Outra Margem" ganhou mais de 27 prêmios ao redor do mundo. Isso se deve a atuação do garoto e de sua expressão física e emocional. Nos arrebata de maneira suave e natural. No início o vemos tentando ganhar dinheiro, assistente de um mecânico, depois furtando junto com outro menino, tudo para ajudar sua mãe, mas nervoso por ela estar saindo com outro homem, decide sair sozinho em busca de um pai que nem sabe se está vivo. Percorre trechos perigosos, se depara com pessoas estranhas, algumas o recebem e o ajudam, outras o agride moralmente e fisicamente, ele está literalmente jogado no mundo, a mercê dos perigos da guerra.

Ao chegar no lugar desejado percebe que tudo foi ilusão, mas nessa jornada aprendeu muitas coisas com as pessoas que encontrou, algo que levará para vida inteira. O final é bonito e inevitável não se emocionar.
"A Outra Margem" é um longa diferente de um país esquecido, cheio de poesia e humanidade conta a linda história de uma criança descobrindo a vida em tempos difíceis.