quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Delicadeza do Amor (La Délicatesse)

Não é novidade que a eterna Amélie Poulain (Audrey Tautou) esbanja o elegante charme francês em cada gesto, expressão facial, e até no modo de andar. "A Delicadeza do Amor" (2011) é um filme frágil, e essa delicadeza toda está personificada na personagem de Audrey. Nathalie é uma jovem viúva que perde o marido em um atropelamento. Tempos depois da tragédia, ela continua em luto e com dificuldades para se relacionar com outros homens, a sua única motivação é o trabalho. Apesar das investidas constantes de seu chefe, Nathalie acaba vivendo um romance no trabalho com Markus (François Damiens), um sueco desajeitado, meio careca e antissocial.
O início do filme é veloz, mas cauteloso, é mostrado o começo do amor com François (Pio Marmaï), um moço muito bonito e bem-humorado, o namoro, o casamento, e finalmente a tragédia. A dor da perda atinge a frágil Nathalie que agora só pensa em trabalhar, preencher seu tempo para não pensar na dor. Ela ignora por três anos qualquer possibilidade de romance. Só que sem querer ela beija um colega de trabalho, em um momento de transe, absorta em pensamentos. Markus entra na sala e ela o acaba beijando inesperadamente. Seu colega sai atordoado e uma onda de felicidade o toma. Depois de muitas conversas e de admiração mútua, os dois embarcam num romance do qual os amigos irão questionar de maneira bem hostil. Markus é o tipo que ninguém para pra olhar, as pessoas geralmente nem se dão conta de que existe ou trabalha com ele. Apesar de seu porte, ele passa batido. Não é referencial de beleza, e nem esbanja um corpo atlético, porém há algo em Markus de que Nathalie precisa, e essa coisa se chama: delicadeza. Ele a admira, a escuta, olha nos olhos, espera seu tempo, e cuida de seu coração machucado. Não vou dizer beleza interior, porque isso já virou frase feita, "fulano não é bonito, mas tem beleza interior", acredito que seja a pessoa certa, na hora certa. É quando você olha pra pessoa e se vê nela, as ideias são tão fáceis, elas surgem e são compartilhadas sem medo de julgamento.
Markus não tem medo de ser quem ele é perto de Nathalie, e ela por sua vez, não tem receio de expor sua dor. O casal protagonista carrega um misto de drama e comédia, e se mostram do jeito que são, humanos. Repletos de defeitos, qualidades, tristezas e alegrias. Interessante notar a reação das pessoas ao ver Markus junto de Nathalie, a maioria delas não entende porquê. Mas o fato é que elas desconhecem a essência humana. A cena da avó de Nathalie deixa claro isso. Ela o vê por alguns segundos, mas sente que Markus é uma pessoa boa.

"A Delicadeza do Amor" marca a estreia dos irmãos David e Stéphane Foenkinos na direção. O filme é baseado em um romance também escrito por David Foenkinos. No início, o filme é dominado pela tristeza de Nathalie, e apesar dela transcorrer rapidamente, a angústia continua na personagem, que aos poucos vai se desfazendo, e mergulhamos na magia que envolve esse casal. Markus não poderia encontrar lugar melhor para se esconder do que o coração de Natthalie.
O filme cativa pela sinceridade, e pelo cenário: a estonteante e romântica Paris. Assisti-lo é um carinho que fazemos em nossa própria alma.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Mr. Hublot

"Mr. Hublot", curta francês vencedor do Oscar de Melhor Curta de Animação de 2014, é dirigido por Laurent Witz e Alexandre Espigares. 
O senhor Hublot é um homem aposentado, solitário, com transtorno compulsivo (TOC) e que tem medo do mundo exterior. Mas com a chegada de seu novo robô de estimação, que lembra um cão, as coisas começam a tomar um outro rumo. Hublot terá que aprender a lidar com seu novo companheiro.
A vida tão certinha e desinteressante deste homem muda quando avista de sua janela um cachorro-robô latindo na rua para os carros que passam, no outro dia ele vê o cão tremendo de frio e dormindo dentro de uma caixa, no dia seguinte Hublot percebe que a caixa é levada pelo caminhão de lixo, desesperado sai de sua casa e tenta parar o caminhão, em vão. De repente, ele o encontra e feliz decide adotá-lo. O cachorro com o tempo cresce desenfreadamente e começa a destruir a casa, até que o homem que tinha medo de mudanças decide a lidar com sua nova vida.
É um curta muito gracioso e cheio de detalhes, por mais que pareça óbvia a mensagem vale a pena assistir, mostra que quando se tem amor, as mudanças acontecem de forma natural. O universo de curtas-metragens é muito enriquecedor e é incrível a capacidade de se passar uma mensagem que emociona em tão pouco tempo. A animação mereceu a estatueta!

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Lo

"Lo" (2009) é um filme independente e experimental de Travis Betz, que mescla terror, drama, comédia, musical e teatro. Aparentemente pode parecer Trash, mas conforme o desenrolar percebemos o quanto o roteiro é caprichado. Os atores dão aspecto amador ao longa, mas isso não danifica de forma alguma, aliás dá um charme especial. É interessante, curioso e foge de todos os estilos que conhecemos.
A história se passa em um único ambiente, onde Justin (Ward Roberts) sentado envolto de um pentagrama segue o ritual de um livro de magia para invocar o demônio aleijado Lo (Jeremias Birkett). Justin quer recuperar sua namorada April (Sarah Lassez), que foi sequestrada por um outro demônio. Após a aparição espetacular de Lo, Justin lhe ordena que vasculhe o inferno atrás de sua amada, o demônio fica irritado, pois tal desejo é impossível. Dadas algumas discussões entre eles, Lo aceita, e então passa a querer saber mais sobre April. Os pensamentos de Justin são projetados e vemos o estranhíssimo primeiro encontro e outras cenas do casal. Os modos de April são diferentes de qualquer outra mulher e Justin se apaixona.
É necessário dizer que o filme tem o tom completamente teatral, são diálogos e situações exageradas e gestos caricatos. O filme todo gira na conversa entre Justin e Lo, outros momentos são projetados, como se fosse um flashback. De repente, o demônio que levou April embora para o inferno aparece. Há muito humor nesta parte, inclusive um musical que nos explica várias coisas.
Como é de se esperar o demônio faz seus joguinhos confundindo a mente de Justin, fazendo-o que se confronte com seus próprios pensamentos, alegando que April não é o que ele pensa. O personagem Lo é sensacional, desde a sua aparição, os diálogos e olhares dirigidos a Justin. Não se espera nada do início, mas tudo muda quando Lo aparece de forma sinistra, é surpreendente o rumo que a história toma.
Este filme é uma ótima pedida para quem está cansado de filmes de terror convencionais que sempre trazem a mesma proposta e elementos. O clima de "Lo" por si só já é bizarro, e o humor é um ótimo ingrediente, pois é inteligente ao mesmo tempo que simples. É a prova de que não é necessário nada muito elaborado. Pode ser considerado Trash, mas inegavelmente é bem pensado em sua execução.

As poses e frases de efeito de Lo são geniais e contém um humor negro de primeira. Tem que ser muito doido para recomendar um filme assim, mas é bom para que as pessoas conheçam e tenham vontade de vê-lo.
Travis Betz teve originalidade em compor um longa de características tão bizarras, mas que atraem quem se atreve a assisti-lo. É diabolicamente teatral!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A Porta (Die Tür)

"A Porta" (2009) de Anno Saul é um filme que traz o tema viagem no tempo, este ao contrário dos hollywoodianos que têm a mesma premissa, pontua bem o drama do personagem Mads Mikkelsen, que está em evidência graças a seu ótimo trabalho na série "Hannibal" e também no filme "A Caça". Não dá para negar que Mads Mikkelsen carrega o filme nas costas, pois o roteiro lá pelo final dá uma bela caída, transformando no que era pra ser uma proposta séria em algo exagerado.
A história é sobre um bem-sucedido pintor, David, que perdeu o controle de sua vida após ter sido, através de uma decisão fatal, o responsável pela morte de sua filha de 7 anos. Depois de cinco anos, ele descobre uma porta que lhe dará a oportunidade de começar tudo novamente. Entretanto, o que inicialmente aparenta ser uma ótima chance para um novo início, logo se revela um verdadeiro cenário de horror, pois nem tudo no passado é realmente o que parece.
Após perder sua filha por puro descuido, ele enfrenta o inferno em vida, não consegue seguir em frente por causa da culpa que carrega e da qual jamais conseguirá se livrar. Prestes a tentar o suicídio, David descobre uma porta que lhe dará a chance de recomeçar. Ao transpassá-la volta cinco anos atrás e vê que pode contornar o passado, desse modo consegue salvar sua filha do acidente, mas esta é uma realidade paralela, portanto, terá de lidar com seu eu de cinco anos atrás. Em um encontro com seu duplo acaba o matando, e daí passa a viver aquela realidade. O que David não sabe é que existem outros que também encontraram a porta.
Adaptado da novela de Akif Pirinçci, "A Porta" claramente lembra o filme "Efeito Borboleta", o longa consegue manter a tensão no espectador e produzir a sensação de que se pode consertar o passado, o alívio em voltar e poder resolver as coisas com mais maturidade. No que mais tarde vemos que isso é pura ilusão e completamente destrutivo. Para tudo existe uma consequência, para cada ato, cada decisão, não há perfeição em ser, tudo é um aprendizado para o amadurecimento. Assim é a vida. O filme caminha por essa linha, pontuando o drama do personagem em perder a filha e a oportunidade em consertar e vivenciar o passado com a maturidade adquirida por aquela tragédia.

É inevitável, o tema seduz o espectador, o desenrolar nos faz pensar e refletir sobre como reagiríamos se nos fosse dada tal oportunidade. Mas infelizmente o desfecho do filme deu uma exagerada em reviravoltas, existem cenas que seriam desnecessárias. A força com que o filme começou se desfez e a resolução final foi abrupta. A indicação é pelo fato de que mesmo com alguns furos, ele foge dos parâmetros que conhecemos, a fantasia é um complemento para um assunto existencial.
A questão é que nos preocupamos muito com o que fizemos e o como fomos, não nos importamos em ser. Parece que o presente é sempre difícil e constantemente precisamos fugir e lembrar do passado com a ideia de que se tivéssemos reagido de tal forma, o agora seria diferente. Mas lembre-se, vive-se uma vez só e o que foi feito está feito. Não existe nenhum portal, a não ser o da nossa consciência. Parafraseando Milan Kundera sobre o mito do eterno retorno no livro "A Insustentável Leveza do Ser". "Nós só podemos viver uma só vez, e sem repetições, portanto, nunca poderemos comparar uma situação com outra."

Mads Mikkelsen é um ator muito versátil, a cada filme que assisto com ele percebo o quão talentoso é. Deixo como dica alguns filmes: "Depois do Casamento", "Praga", "Coco Chanel & Stravinsky", "O Guerreiro Silencioso", "O Amante da Rainha", entre outros. Deem uma olhada em sua filmografia.
"A Porta" é o tipo de filme que dá vontade de sentar e ficar conversando sobre as possibilidades que ele abrange, abre-se um leque de ideias. Por essas e outras questões vale a pena assisti-lo.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Canibal

"Canibal" (2013) do diretor espanhol Manuel Martin Cuenca narra a história de Carlos (Antonio de la Torre), o mais prestigiado alfaiate de Granada. Um homem respeitável. Sua vida é trabalhar e comer. Mas não qualquer coisa. Carlos é canibal. Alimenta-se de mulheres. Turistas, estrangeiras, desconhecidas com quem não tem nenhum apego emocional. Mas tudo isso muda no dia em que conhece Nina, uma romena à procura de sua irmã gêmea, Alexandra, que despareceu. Nina está desesperada e precisa de ajuda. Carlos é a sua única esperança.
Primeiro é bom que saiba que "Canibal" não é um filme comum, não segue os padrões do estilo, esqueça ações violentas e sangue jorrando, o roteiro prima por algo mais discreto que envolve olhares e gestuais, e situações que acontecem exatamente quando devem acontecer. Carlos é um psicopata, é frio e distante de qualquer tipo de relação que envolva sentimentos. Seus dias seguem uma rotina que se resume a ir trabalhar na sua alfaiataria que fica bem próxima de seu apartamento.
O filme se inicia com Carlos observando, perseguindo e abatendo sua presa, após isso volta para casa e enche a geladeira, sua vida aparenta ser tediosa e solitária, até que ele começa a prestar atenção em sua vizinha, Alexandra, uma exuberante massagista. Aos olhos de Carlos ela se encaixa perfeitamente no seu cardápio. Um dia Alexandra some, dias depois sua irmã Nina começa a procurá-la, bate na porta de Carlos e pergunta se sabe onde ela poderia estar, então algo inesperado acontece, Carlos decide ajudá-la na procura, no que acaba se envolvendo e o fazendo lutar contra seus instintos.
"Canibal" tem uma fotografia excelente e uma movimentação de câmera que nos permite observar detalhes, é um drama denso que diz sobre as dificuldades de relação e o quão longe uma mente perturbada pode ir. Há cenas memoráveis que aterrorizam, não pelo fato da ação, mas justamente pelo contrário, a tensão que alguns acontecimentos causam, como a cena do mar.
É realmente interessante como a mente reage a certas pessoas, o efeito que produz quando gostamos ou não. Carlos de fato come o que o provoca, algo incontrolável em sua natureza, mas Nina desperta o lado humano que envolve emoções. Lá para o final o filme impressiona, justamente pela luta que acontece entre emoção e instinto, o diálogo que se sucede é curioso e o desfecho surge inesperadamente.

"Canibal" é um filme de eventos discretos, mas muito bem desenvolvido, o silêncio predomina gerando bastante desconforto. O canibalismo é um pano de fundo para explorar as dificuldades de se lidar com os sentimentos. Antonio de la Torre está soberbo, cativa com sua atuação densa, e Olimpia Melinte que faz tanto Alexandra como Nina, surpreende com a diferença de personalidade entre as duas mulheres. Enfim, é uma obra singular para se degustar e genial ao que se propõe.

terça-feira, 10 de junho de 2014

A Canção dos Pardais (Avaze Gonjeshk-ha)

"A Canção dos Pardais" (2008) dirigido por Majid Majidi (Os Filhos do Paraíso - 1997) é um filme lindo, poético, cheio de metáforas e dilemas. A simplicidade é a grande marca deste diretor tão sensível.
A trama retrata Karim, um homem trabalhador que tem como profissão cuidar de uma fazenda de avestruzes, algo que requer bastante esforço e amor. O dinheiro é pouco e o custo de vida aumenta a cada dia, as necessidades aparecem aos montes, principalmente quando sua filha precisa de um novo aparelho auditivo. O filho menor tem o sonho de transformar a cisterna abandonada que fica próxima de sua casa em um aquário com peixinhos dourados. Karim repudia essa ideia e toda vez que o encontra lá com outros meninos o repreende. A vida segue até que um dia Karim é responsabilizado pelo sumiço de um avestruz e acaba sendo despedido. Para manter a casa e juntar dinheiro para o aparelho da filha começa a trabalhar acidentalmente de mototáxi na capital, Teerã. Dia após dia ele luta com a concorrência e com trabalhos que infringem sua moral, Karim é um homem do campo, honesto, com valores, orgulho, mas conforme vai se habituando ao ritmo da cidade, esses valores começam a se distanciar. A ânsia de ganhar mais e mais dinheiro, o passar por cima de outros trabalhadores, e tudo isso vai consumindo-o de maneira natural, o mais triste é que esquece do aparelho auditivo da filha e trata de maneira rude seu filho que apresenta uma rara esperança e alegria.
Karim todos os dias leva algo para casa, uma janela, uma porta, quinquilharias que não vai usar, mas mesmo assim as guarda, uma bela metáfora ao consumismo, onde compra-se em demasiado sem realmente precisar, no que acaba ficando parado e o pior, não passando pra frente, veja a cena em que a mulher dele dá a porta para uma amiga que necessitava, o quão triste é ver aquele homem se tornando num alguém egoísta e mesquinho. Ele buscou a porta e andou com ela nas costas por um longo caminho e a empilhou lá com a desculpa que iria usar. Ele fez uma pilha imensa no quintal de sua casa, coisas que ia pegando pelos lugares que passava, um dia ele cai lá do alto e se machuca feio, de cama Karim tem tempo de sobra para repensar seus valores e olhar a vida com outros olhos. A partir daí começamos a ver mais de perto o sonho de seu filho, e a delicadeza de sua filha ao mentir sobre o aparelho auditivo, são momentos únicos, mas extremamente profundos.

Sem poder fazer nada Karim observa o esforço de sua família, a mulher e seus filhos trabalhando, e o mais incrível, vê que o sonho de seu filho está virando realidade, ele e seus amigos limparam a cisterna e ganharam os tais peixinhos para o aquário desejado, também vê a filha dizendo que consegue ouvir, quando na verdade lê os lábios para entender. Ele acompanha a vida nos seus detalhes, e percebe o quanto se distanciou da tranquilidade e do amor. Mas infelizmente não há ganhos nesta história, talvez para mostrar que é através das perdas que nos tornamos fortes e sábios, dando valor para o que realmente é de verdade.
A cena mais bela é quando os garotos percebem que o balde com os peixes está furado, e então juntos correm para poder salvá-los, só que no caminho derrubam e aos prantos tentam juntá-los no chão. Perde-se tudo na vida, menos os sonhos, sempre há um recomeço para poder libertá-los de novo, a canção ao final revela este pensamento através dos olhos cansados de Karim, e dos sorrisos que se abrem aos poucos nos rostos das crianças. Há um futuro ali, mesmo que incerto.

Majid Majidi é um diretor de sensibilidade única, são histórias simples, situações que podem parecer mínimas, mas que na verdade contém uma carga reflexiva muito forte. E apesar de mostrar uma cultura tão diferente da nossa, ao mesmo tempo é parecida, até porque os filmes de Majid retratam sentimentos. E não há nada mais universal que isso.
Para aqueles que desejam conhecer o cinema iraniano, Majid Majidi é uma ótima iniciação, são filmes para corações sensíveis, pessoas que capazes de enxergar além das superficialidades, são sentimentos verdadeiros que acometem qualquer ser humano em qualquer parte do mundo.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

7 Caixas (7 Cajas)

"7 Caixas" (2012) filme paraguaio dirigido por Tito Chamorro e Juan Carlos Maneglia é uma surpresa e tanto. Sou suspeita a falar, pois adoro o cinema latino-americano, este é mais uma amostra do potencial em criar à base de poucos recursos. O filme mescla drama, thriller e ação, é inteligente ao abordar um garoto sonhador, que mesmo já tendo crescido o bastante para poder "cair na real", segue nutrindo uma certa inocência. A edição é muito bem trabalhada, dando agilidade à narrativa e proporcionando aquele gostinho de suspense ao tentarmos descobrir o que há por trás de todo o esquema envolvendo as 7 caixas.
O personagem central é Victor (Celso Franco), um garoto de 17 anos que trabalha como carregador no Mercado 4, a mais movimentada feira de Assunção. Um dia, ele perde um serviço porque fica assistindo televisão e imaginando-se nos filmes americanos, nos programas e etc. Também deseja comprar o celular que sua irmã está vendendo, um modelo que contém uma câmera embutida (super novidade até anos atrás), mas devido ao preço fica desiludido. Porém, Victor recebe uma proposta em que consiste carregar 7 caixas sem saber do conteúdo que existe dentro delas, ele deve dar uma volta pelas redondezas até que a polícia desocupe o local que está sendo investigado, em troca recebe 100 dólares, só que rasgado ao meio, como uma promessa que execute o trabalho direito.
É a partir daí que as coisas começam a ficar tensas, é uma verdadeira corrida onde tramas paralelas se cruzam. Assim como Victor, nós também não sabemos o que há nas caixas, então o clima é permeado pelo suspense e tememos pelo garoto, já que as pessoas com que está lidando são criminosas. O carregamento das 7 caixas estava incumbido a Nelson (Victor Sosa), que por conta de um problema pessoal não pôde chegar a tempo, muito nervoso por ter perdido o serviço começa a caçar Victor pelas ruas, ele é acompanhado por sua amiga Liz (Lali Gonzalez), que o ajuda várias vezes a escapar tanto de Nelson, como da polícia.
O filme envolve sonhos em meio a falta de oportunidades, a pobreza, a violência, e todas as maracutaias que existem nestes grandes centros comerciais. A briga e a concorrência para obter um trocado e comprar um mero sanduíche. Um garoto como Victor é alvo fácil para os vilões que usam de sua inocência para atingir seus objetivos de forma ilegal, no final já sabemos quem se dá mal, mas no filme o desfecho é outro, e não perde a chance de mostrar que Victor conseguiu realizar seu sonho, que era aparecer na TV.

A edição é ótima, a trama é bem amarrada, a trilha sonora é frenética, e a câmera focando sempre nos olhos desesperados de Victor faz do filme um diferencial, além das pitadas de humor que traz nos diálogos, principalmente dos policiais.
"7 Caixas" participou de diversos festivais, foi elogiado tanto pela crítica como pelo público, também foi o filme que deu a maior bilheteria na história do cinema paraguaio. Sem dúvidas merece muitos elogios, é original e genuíno. Uma curiosidade bacana é que os diálogos é uma mescla de espanhol e guarani, num rápido dialeto que exigiu legenda até mesmo para as cópias exibidas no Paraguai. 
Nesse ambiente hostil, onde oportunidades são escassas, as pessoas precisam por necessidade se submeterem a empregos muito duros, como é o caso da irmã de Victor e sua amiga grávida no restaurante oriental.

Com toda essa miséria mostrada, o mais bonito é que há ternura, e ela está nos detalhes, é preciso ter olhos atentos para poder enxergá-la em meio ao caos. Ela está em vários momentos entre Victor e Liz, no brilho dos olhos dele ao encarar a televisão, e em muitas situações envolvendo a sua irmã com outros personagens, mas sobretudo está no sorriso do garoto ao final do longa.
Deem uma chance a "7 Caixas", ele vale cada minuto, é impossível desgrudar os olhos da tela.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Minúsculo - O Vale das Formigas Perdidas (Minuscule – La Vallée des Fourmis Perdues)

"Minúsculo - O Vale das Formigas Perdidas" (2013) criado por Thomas Szabo e Hélène Giraud é um filme de uma delicadeza sem tamanho ao retratar o universo das formigas, a linda amizade que nasce com a joaninha e o enfrentamento delas com o exército das formigas vermelhas.
Esse delicioso filme foi inspirado na série "Minúsculos" (Minuscules - La Vie Privée des Insectes - 2006) criada também por Thomas Szabo e Hélène Giraud, no Brasil era exibido pela TV Cultura e mais recentemente pela Band. Protagonizada por insetos é uma coleção maravilhosa de aventuras e jornadas, tudo de maneira leve e bem-humorada. Os episódios de apenas cinco minutos encantam ao mostrar esse pequeno mundo. Se a série já era um deleite, o filme não deixou por menos, é mais que satisfatório. A fotografia de encher os olhos é uma mistura de realismo e fantasia.
Em uma pacífica clareira, entre as sobras de um piquenique, começa uma batalha entre duas tribos de formigas em busca de uma caixa de açúcar. Uma jovem e corajosa joaninha-macho acaba sendo inadvertidamente apanhada no meio do fogo cruzado. Ele acaba se tornando amigo de uma das formigas negras, Mandible, e a ajuda a salvar o seu quartel-general do ataque das terríveis formigas vermelhas guerreiras, lideradas pelo temível Butor.

"Minuscule" é um filme de técnicas apuradas e uma renovação no que diz respeito a animações, as paisagens são reais, portanto nos brinda com belas imagens de natureza. É um filme mudo, não há animais falantes, mas apenas ruídos, cada inseto tem o seu próprio e se interagem desta forma expressando medo, amizade, perspicácia, crueldade, entre outros sentimentos.
As protagonistas são as formigas pretas mostrando toda sua organização e até civilidade, é super interessante a maneira que elas distribuem as tarefas e se unem em razão de algo. As formigas acabam encontrando uma joaninha-macho, a outra protagonista da história, que se perde depois de se afastar dos pais por não conseguir voar, as formigas então resolvem levá-la para o formigueiro, só que no caminho obstáculos aparecem, as formigas vermelhas surgem querendo o alimento que as pretas estão levando, sobras de um piquenique retratado no início do filme. A partir desse encontro há vários impasses, como a épica cena da cachoeira. Há cenas memoráveis, principalmente quando a batalha entre as formigas acontece, toda a estratégia e os objetos que se fazem necessários no combate são excelentes. Nisso tudo fica uma bonita lição de moral sobre guerra e amizade.

O filme tem a aura bem infantil e é mais que recomendado para as crianças, há tantas animações sem sentido, chatas e até violentas, que "Minuscule" se faz necessário, é uma forma de resgatar a imaginação. Aos adultos é uma viagem deliciosa, quem cultiva a sensibilidade irá se deslumbrar com os insetos e todas as suas peripécias. Lembrando que há outros personagens envolvidos, como moscas, aranha e lagarto, que apesar de ficarem em segundo plano acrescentam bastante à história.
É um filme cheio de ideias, interessante, criativo, e dificilmente não agradará a quem o assiste, tanto o visual como a história é incrível, diverte ao mesmo tempo que discute sobre coisas sérias, é leve, gracioso e traz importantes reflexões acerca do amor ao próximo.