terça-feira, 31 de outubro de 2017

22 Filmes de Bruxas (Witch Movies)

Em comemoração ao Halloween, segue uma lista caprichada de filmes com Bruxas, todos excelentes em suas histórias sombrias, misteriosas, sedutoras e também críticas.

"As bruxas em geral são assim. Não estão jamais interessadas nas coisas ou nas pessoas, mas na utilidade eventual destas." (As Crônicas de Nárnia)

22- "A Máscara de Satã" (La Maschera del Demonio - 1960) de Mario Bava
Na Idade Média, a princesa Ada (Barbara Steele), acusada de bruxaria e práticas de vampirismo, é condenada a uma morte terrível: inquisidores cruéis cravam em sua face uma máscara amaldiçoada repleta de lâminas pontiagudas (a máscara do demônio, naturalmente). Mas antes que eles o façam, a bruxa ameaça a todos e promete voltar para se vingar e dar continuidade a seu legado de sangue e horror... E ela voltará...

21- "A Filha de Satã" (Night of the Eagle - 1962) de Sidney Hayers
Cético professor universitário é contrariado pela crença de sua esposa na feitiçaria, prática que conheceu em uma viagem à Jamaica. Ele tenta convencê-la a abrir mão disto, mas a mulher está cada vez mais obcecada em arrodeá-lo de amuletos e outros aparatos de magia para que tenha sucesso profissional.

20- "O Uivo da Bruxa" (Cry of the Banshee - 1970) de Gordon Hessler
Na Inglaterra do século XVI, o obsessivo magistrado Lorde Edward Whitman empenha-se em erradicar a prática de bruxaria de uma região rural. Sua mulher teme que a família esteja amaldiçoada e se comporta como uma louca, só sendo acalmada pelo seu cavalariço Roderick, que também é amante da filha do Lorde, Maureen.
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19- "O Martelo das Bruxas" (Kladivo na Čarodějnice - 1970) de Otakar Vávra
A história do filme é baseada no livro de Václav Kaplicky, Kladivo na Čarodějnice (O Martelo das Bruxas, 1963), um romance sobre julgamentos de bruxas no norte da Morávia durante a década de 1670. As imagens são de um preto e branco alegórico e cheias de símbolos. Tudo começa com uma ação trivial de uma pobre velha, que desemboca numa espiral de acusações, mergulhando a comunidade no caos total.

18- "O Espelho da Bruxa" (El Espejo de La Bruja - 1962) de Chano Urueta
Elena é avisada por sua madrinha bruxa Sara que domina a magia negra e a arte do espelho de que será assassinada por seu marido, mas a jovem acredita ser muito amada. Adonay que é o demônio chefe de Sara previne que é melhor que o destino aconteça e não interfira. Elena acaba morrendo. A bruxa tem o espelho que possibilita muitas visões, inclusive falar com Elena que está no caixão e promete vingança. O viúvo se casa novamente e passa a presenciar estranhos fenômenos na casa como flores murchando repentinamente no vaso, o piano que toca sozinho até que sua nova esposa acaba sofrendo sérias queimaduras e o marido tomará decisões radicais pra ajudá-la, mas a bruxa estará preparada para a vingança derradeira.Não é uma história de bruxa má, mas uma bruxa que busca justiça.

17- "Olhos De Fogo" (Eyes of Fire - 1983) de Avery Crounse
Um grupo de pioneiros do oeste americano se depara com estranhos acontecimentos noturnos numa floresta. Uma misteriosa garota conhece os segredos desses sinistros acontecimentos e o mundo ao qual pertencem e pede aos invasores que abandonem a floresta. Só as forças da noite tem a resposta para algumas perguntas.

16- "A Iniciação de Sarah" (The Initiation of Sarah - 1978) de Robert Day 
Filme feito para a TV sobre uma jovem que tem poderes telepáticos, e que ao ser rejeitada por todas de uma irmandade, junta-se a uma professora que mexe com bruxaria, para se vingar da humilhação pela qual passou.

15- "Baba Yaga" (1973) de Corrado Farina


Valentina, uma fotógrafa de moda, em circunstâncias estranhas conhece uma mulher, que se apresentou como Baba Yaga. Esta senhora não é jovem e dá a Valentina uma boneca que pode vir à vida. Ela usa a câmera e o homem fotografado cai morto. Valentina se torna dependente de Baba Yaga. Livre do cativeiro do glamour tenta conseguir seu amante Arnaud.

14- "Superstição" (Superstition - 1982) de James W. Roberson
Uma família se muda para um casarão no interior de Mill Road, ao lado de um grande lago. Não demoram a descobrir que o lago foi o local da execução por afogamento de uma bruxa, 300 anos antes, e ela está de volta para concretizar sua vingança.

13- "Dark Waters" (Temnye Vody - 1993) de Mariano Baino
A jovem Elizabeth chega a um convento localizado numa ilha para tentar saber mais sobre seu passado. O local é quase medieval: não tem eletricidade e as freiras vivem em completo isolamento. Ela espera encontrar uma amiga que vive lá, mas logo descobre que a moça morreu e que o lugar vive às voltas com um mistério envolvendo um antigo amuleto.

12- "Jovens Bruxas" (The Craft - 1996) de Andrew Fleming 
Uma jovem (Robin Tunney) se muda de São Francisco para Los Angeles para começar uma nova vida. Lá conhece três alunas do colégio onde estuda que se dedicam ao ocultismo e à magia (tanto que têm a fama de bruxas entre seus colegas). Quando as quatro fazem amizade e começam a praticar magia juntas, desencadeiam um poder que foge do controle, gerando trágicas consequências.

11- "As Bruxas de Salém" (The Crucible - 1996) de Nicholas Hytner
Em Salem, Massachusetts, 1692, algumas jovens fazem "feitiços". Uma delas, Abigail Williams (Winona Ryder), tinha se envolvido com seu patrão John Proctor (Daniel Day-Lewis), mas após o fim do caso foi despedida. Assim, desejava a morte de Elizabeth Proctor (Joan Allen), a esposa deste. Elas são descobertas no seu "ritual" e, acusadas de bruxaria, provocam uma histeria coletiva que atinge várias pessoas, sendo que Abby, a jovem desprezada por John, faz várias acusações até ver Elizabeth ser atingida.

10- "Da Magia à Sedução" (Practical Magic - 1998) de Griffin Dunne
"Jogue sempre sal sobre seu ombro esquerdo, tenha alecrim no seu jardim, plante alfazema para dar sorte e apaixone-se sempre que puder."
Duas irmãs descendentes de feiticeiras tentam levar uma vida normal, mas sofrem com uma maldição que diz que todo homem que se apaixona por uma integrante de sua família é levado à morte. Com Sandra Bullock, Nicole Kidman, Aidan Quinn, Stockard Channing e Dianne Wiest.

09- "Elvira - A Rainha das Trevas" (Elvira, Mistress of the Dark - 1988) de James Signorelli
Elvira (Cassandra Peterson) é a anfitriã de um programa de baixo orçamento sobre filmes de terror, mas tudo pode mudar quando ela herda da tia Morgana (Cassandra Peterson) uma velha mansão em Fallwell, Massachusetts, uma pequena cidade com apenas 1313 habitantes. Ela sonha em vender a casa e ir para Las Vegas, mas encontra dois sérios problemas: o primeiro são os adultos da cidade, que ficam espantados com o modo de como ela se veste e se comporta. Liderados por Chastity Pariah (Edie McClurg), eles fazem forte oposição à presença de Elvira na localidade. O segundo problema é Vincent Talbot (William Morgan Sheppard), um tio de Elvira que não herdou nada, mas deseja obter de qualquer maneira um "livro de receitas" que também foi herdado por Elvira, que dará a ele imensos poderes para fazer diversos tipos de bruxarias.

08- "A Convenção das Bruxas" (The Witches - 1990) de Nicolas Roeg
Após a morte do pai, Luke (Jasen Fisher), 10 anos, é levado por sua avó (Mai Zetterling) para um hotel na Inglaterra. Lá o garoto descobre que um grupo de bruxas está fazendo uma convenção e que pretendem transformar todas as crianças do mundo em ratos. Descoberto, ele acaba virando um roedor junto com outro garoto, mas não desiste de parar o plano da senhorita Eva Ernst (Anjelica Huston), a líder da convenção das bruxas.

07- "O Serviço de Entregas da Kiki" (Majo no Takkyuubin - 1989) de Hayao Miyazaki
Kiki é uma jovem bruxa que acabou de completar 13 anos. Segundo a tradição, quando atingem essa idade, todas as bruxas devem sair de casa por um ano para aprender a viver por conta própria. Ela se muda para a cidade de Korico, junto com Jiji, seu gato falante. Lá ela aprende a seguir em frente com sua vida, apesar de todas as dificuldades que possam surgir.

06- "Suspiria" (1977) de Dario Argento
Susan (Jessica Harper) é uma jovem americana que viaja para a Europa para estudar numa prestigiada escola de Balé. Desde o primeiro dia, porém, ela começa a se assustar com estranhas situações que ocorrem no local que a fazem crer que há bruxas por todas as partes.

05- "As Bruxas de Zugarramurdi" (Las Brujas de Zugarramurdi - 2013) de Álex de la Iglesia
Baseado num caso real ocorrido em Logronõ em 1610, quando a Inquisição queimou 40 habitantes, acusados de serem bruxas de Zugarramurdi, o filme conta a história de José (Hugo Silva), um pai divorciado, e um jovem desempregado, Antonio (Mario Casas), que assaltam uma ourivesaria em Madrid. Posteriormente eles tentam fugir para França num táxi, contudo esta viagem começa a correr mal quando mergulham nos bosques do País Basco, e acabam nas mãos de uma família de bruxas, com três gerações .

04- "A Bruxa do Meio-Dia" (Polednice - 2016) de Jirií Sadek
Em meio a um verão não usual, Eliška (Anna Geislerová) se muda com a filha Karolínka de volta para o vilarejo de onde o seu marido é nativo. O retorno deles está associado com um mistério que todos parecem estar cientes, menos a menina. O calor torna-se cada vez mais insuportável e as tensões aumentam. Karolínka começa a perceber as coisas, pois sua mãe está cada vez mais evasiva e preocupada. O medo permeia tudo e os fantasmas passam a se movimentar, sejam eles reais ou não.

03- "The Love Witch" (2016) de Anna Biller
Elaine (Samantha Robinson) é uma jovem bruxa que está determinada a encontrar o homem de sua vida. Ela leva homens para sua casa e faz magias e poções a fim de seduzi-los. Tudo funciona bem, mas ela acaba com uma série de vítimas infelizes. Quando ela finalmente encontra o homem de seus sonhos, seu desespero para ser amada a torna insana. É delicioso, nostálgico, lindo esteticamente, crítico e carrega um humor satírico. O interessante é a mescla de fragilidade e força que a personagem carrega, o que nos faz refletir e muito sobre feminilidade, gênero e etc. Saiba+

02- "A Bruxa" (The Witch - 2015) de Robert Eggers
Nova Inglaterra, ano de 1630. William e Katherine levam uma vida cristã com suas cinco crianças, morando à beira de um deserto intransitável. Quando o filho recém-nascido deles desaparece e a colheita falha, a família se transforma em outra. Por trás de seus piores medos, um mal sobrenatural se esconde no bosque ao lado.

01- "Haxan - A Feitiçaria Através dos Tempos" (Häxan - 1922) de Benjamin Christensen 
Häxan documenta as perseguições movidas contra as feiticeiras numa Europa atravessada pela intolerância religiosa. O filme é narrado em primeira pessoa, como se o diretor desejasse demonstrar uma tese, assim enunciada: “A crença nos maus espíritos, feitiçaria e bruxaria é o resultado de ingênuas noções sobre o mistério do universo”. Torturas, possessões e rituais de Sabá são aqui dramatizados numa narrativa de docudrama, ilustrando uma série de analogias entre o mundo moderno e o período da Inquisição. Obra-prima do cinema fantástico, realizado numa época em que não havia censura. São visíveis as influências pictóricas de Hieronymus Bosch e Bruegel. O virtuosismo de Häxan acabou influenciando Carl Dreyer em "A Paixão de Joana D'Arc".

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Rastros (Pokot)

"Rastros" (2017) dirigido por Agnieszka Holland (Na Escuridão - 2011) é um filme que explora um tema bastante pertinente, a caça dos animais e o especismo, uma história com clima soturno, ritmo lento e uma majestosa interpretação de Agnieszka Mandat-Grabka.
Em uma densa noite de inverno, a astróloga e vegetariana Janina Duszejko (Agnieszka Mandat-Grabka) acaba encontrando o corpo de um de seus vizinhos, em condição deplorável. Os únicos vestígios da morte são alguns cervos mortos, provavelmente pelo vizinho, que é caçador. Mas o mistério começa de verdade quando, inesperadamente, outros caçadores da região começam a aparecer mortos nas mesmas condições.
Somos apresentados a uma senhora que mora sozinha no meio da floresta entre a Polônia e a Rep. Tcheca com suas duas adoráveis cadelas, apesar de aposentada leciona inglês para crianças, defensora dos animais vai contra os homens da aldeia próxima que vão assassiná-los, principalmente fora da época predeterminada para cada espécie, o que mais pra frente ela questiona também, é tida como uma velha louca e ninguém se preocupa, incontáveis vezes ela se queixa para as autoridades, mas nada acontece, ali há um elo entre os donos do dinheiro, políticos, os homens estão todos interligados de alguma maneira, seja por negócios ou pela caça. A primeira morte acontece e é um grande mistério, tudo leva a crer que seja um animal, outras mortes se sucedem e novamente a cena leva a crer nisto. Porém, há grandes indícios de vingança humana, alguns personagens entram na trama e dúvidas surgem, só que há pouca ênfase neles e a movimentação da protagonista acaba revelando o que está acontecendo. O suspense é fraco e não segura o mistério, mas mesmo assim é uma história interessante que questiona vários aspectos do ser humano em relação aos animais. 
É um eco-thriller que mescla alguns gêneros e instiga por sua crítica, a bela paisagem, a presença dos animais contribuem para um filme de atmosfera densa e que promove diversos pensamentos, nosso olhar para com a vida animal e a natureza, o quanto o ser humano se acha no direito de sacrificá-la para satisfazer seu ego, a religião também entra em cena com a figura de um padre que destila preconceito e se baseia nas escrituras para dar razão a todas as atitudes dos homens, há um diálogo que ele diz que os animais devem se submeter ao homem, "Deus fez os animais para serem sujeitos aos homens", um tanto hipócrita para quem crê em uma fé que prega justamente o amor ao próximo, neste momento a câmera cola na boca do padre, um artificio sensacional que marca os instantes em que os personagens expõem suas ignorâncias, ora dando super closes nos olhos, ora nos lábios enquanto destilam preconceitos e hostilidade. A senhora Duszejko é a única mulher ali e se sobrepõe, mas é dada como louca, ela não mede esforços para salvar os animais, só que sofre consequências, como o sumiço de suas cadelas. No decorrer ela cria vínculo com uma moça (Dobra Nowina) que trabalha em uma loja e mantém um relacionamento abusivo com um desses caçadores e um jovem (Jakub Gierszal) que trabalha com informática. 

Duszejko é apreciadora e pesquisadora de astrologia e determina sua vida com base nisso, adora fazer mapa astral de todos que conhece e assim ajuda-nos a conhecê-los também, já que a trama prioriza o foco nesta forte e decidida senhora, o filme tem um poder de crítica bastante interessante em relação aos maus-tratos animais, o descaso com a vida selvagem ao retratar a vulnerabilidade e a dificuldade dos bichos em viver em seu próprio habitat, os caçadores são amparados por uma lei que não pune e nem sequer liga para esses animais que são destruídos, e é uma cadeia de eventos quando eles são mortos, toda a natureza sofre as consequências, por exemplo, correndo o risco de animais endêmicos serem aniquilados. Outro ponto é a figura dessa mulher que luta e vai atrás de ajudar o ecossistema contra estas atrocidades, por isso também é uma obra feminista, assim como os animais a mulher não tem voz perante esta sociedade machista e ignorante. 

A figura do biólogo Boros (Miroslav Krobot) que Duszejko encontra nos dá muita noção do que acontece aos seres mais invisíveis, como os insetos, quando ocorre o descontrole na natureza devido a maldade humana, o que nos faz ter imensa empatia por essa dupla e imaginar que de fato esses animais poderiam se vingar da raça humana, que tanto mata e destrói aquilo que é justamente precioso por pura ganância e prazer, ou gula. Aonde então está a racionalidade sendo que muitas das atitudes são vis e desprezíveis? O Homem se acha superior aos animais por crer que é racional, quando na verdade age por puro egoísmo e instinto, não existe empatia e sensibilidade, a indiferença predomina.
"Rastros" é um alerta, um filme crítico e reflete por que matar um de nossa espécie é considerado assassinato e um de outra espécie não. O preconceito, o especismo grita neste longa e faz nos sentir mal, portanto, por mais que a história seja previsível e tenha alguns defeitos em relação a desenvolvimentos de outros personagens, é impecável na exposição da mensagem, o clamor da vida animal por mais conscientização sobre os seus direitos. 

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O Monstro no Armário (Closet Monster)

"O Monstro no Armário" (2015) escrito e dirigido por Stephen Dunn é um belo filme com uma história realista e que traz momentos vividos na infância do protagonista que ficam marcados e que mais tarde pesarão na personalidade e nas escolhas. 
Oscar Madly (Connor Jessup) é um adolescente emocionalmente instável e traumatizado, porém muito criativo que deseja fugir das memórias de sua infância complicada e dolorosa. Certo dia, sua vida muda por completo quando um hamster falante (Isabella Rossellini) o ajuda a descobrir sua identidade.
Quando pequeno Oscar (Jack Fulton) vivenciou a separação dos pais, a mãe foi embora de casa por estar sufocada pela possessividade e descontrole do marido e o garoto sofreu as consequências, o pai (Aaron Abrams) supriu de maneira carinhosa a ausência da mãe mesmo com todos os seus defeitos, inclusive o preconceito, mas observamos cenas de afeto entre eles, outro trauma importante foi a agressão cometida contra um garoto num cemitério perto de sua escola por um grupo de homofóbicos, a imagem que ele viu marcou sua trajetória de se descobrir e se aceitar. Ainda na infância ele ganha um hamster do qual será um grande companheiro e conselheiro, pois esse hamster fala na imaginação dele, na adolescência vemos um jovem solitário que se expressa através de sua arte com maquiagem e fotografia, seu sonho é estudar numa prestigiada escola de arte cinematográfica em NY, Gemma (Sofia Banzhaf) é sua única e presente amiga, o pai de Oscar pensa que ela é sua namorada, pois não quer pensar que seu filho possa ser de fato gay. Oscar é reprimido e vive angustiado pelos traumas passados, sua mente sempre volta ao abandono da mãe e a violência presenciada. 
Oscar precisa enfrentar o monstro que habita em si quando se apaixona por Wilder (Aliocha Schneider), um colega de trabalho descolado que vai abrindo as portas para que ele se liberte, não é um processo fácil, a sua jornada é angustiante, sofre decepções, experimenta momentos de fúria e uma enxurrada de sentimentos. A aceitação de sua sexualidade é dolorida, toda uma gama de lembranças ruins voltam e o ataca, as imagens da violência, as palavras do pai sobre cortar o cabelo para não aparentar ser gay, as meninas da escola fazendo o teste das unhas e o abandono da mãe. São sensações conflituosas que Oscar sente, as brigas com o pai sobre ele ser um derrotado e ainda sentir mágoa pela esposa tê-lo abandonado, as roupas que ele se recusa a devolver e que são guardadas no armário no quarto de Oscar. Essas coisas atingem ele de forma monstruosa, esmagando tudo o que ele é.

Nos aproximamos bastante do personagem e criamos um vínculo emocional com a história, Oscar interpretado por Jack Fulton na infância é brilhante e consegue passar com sua postura toda a dificuldade de uma criança para lidar com o abandono da mãe e presenciar uma agressão brutal. Outra coisa é o comportamento instável do pai, que passa de zeloso e gentil para ignorante e frouxo. Bastante perturbador para Oscar ter crescido nestas circunstâncias e vemos na interpretação de Connor Jessup as consequências, totalmente angustiante, o jovem não experimentou quase nada a vida e pouco sabe de si mesmo, claro que sabe que é diferente, mas não sabe lidar com o que está aflorando dentro de si. Uma poética e sensível interpretação.
O filme é lindo em todos os quesitos, fotografia de encher os olhos e que estimula sentimentos, trilha sonora que brinca com as nuances da música eletrônica, enquadramentos certeiros, ângulos asfixiantes e também o uso da câmera lenta, tudo evidenciado as emoções, criando uma atmosfera tensa e provocando ansiedade no espectador. 

"O Monstro no Armário" reflete o quanto situações traumáticas vividas na infância podem moldar mais a frente a personalidade e definir escolhas, reprimindo e estragando várias experiências, desmotivando a autoaceitação e gerando mágoa e solidão. Um filme delicado, minucioso, esteticamente notável e que demonstra de forma real os conflitos de relação com a família e consigo mesmo. 

terça-feira, 24 de outubro de 2017

The Little Hours

"The Little Hours" (2017) dirigido por Jeff Baena (Joshy - 2016) é um hilário filme inspirado na obra-prima "Decamerão", de Boccaccio. Irreverente, malicioso e divertido adentramos em um cenário criativo que mesmo se passando na era medieval se utiliza de gírias e trejeitos modernos, não há pudor e o humor rola solto.
A história se situa na Idade Média, as freiras Alessandra (Alison Brie), Fernanda (Aubrey Plaza) e Ginerva (Kate Micucci) vivem em um monótono monastério comandado pelo padre Tommasso (John C. Reilly). Quando um homem viril e bonito chamado Masseto (Dave Franco) é trazido pelo padre Tommasso como um novo aliado para o trabalho no monastério, apresentado como um homem mudo, ele deve lutar para manter seu disfarce enquanto as freiras tentam resistir a tentação. O que ele não imaginava é que encontraria um convento cheio de freiras emocionalmente instáveis, no decorrer todas as freiras quebram o celibato com Massetto e se rebelam de maneira muito cômica.
No início vemos as freiras passeando pelos arredores e do nada uma delas, interpretada por Aubrey Plaza começa a xingar o homem que trabalha no jardim, não há motivo algum e nem chega a ser uma piada, é uma situação absurda apenas. Percebemos aí que não é um filme que se possa catalogar. Na verdade, o filme assume um tom de deboche sobre o catolicismo e tudo que é considerado pecado pela religião. Todo o tédio é quebrado com a chegada de um belo jovem que foge de um palácio por ter tido um caso com a esposa do seu mestre. Ele ajuda o padre que está bêbado na estrada e em troca o leva para o convento e lhe dá trabalho, mas sabendo do temperamento das freiras o protege e diz para fingir ser surdo-mudo. O padre não para de beber o vinho sagrado, a freira Alessandra sonha em ter um relacionamento, a freira Ginerva descobre-se lésbica, além de ter a característica de ser dedo-duro, Fernanda é violenta, histérica e ao longo descobrimos mais coisas sobre ela. É uma bagunça e tanto e muitos diálogos são improvisados, todas as três fazem de tudo para fazer sexo com Massetto, inclui-se aí até uma poção para seduzi-lo e inúmeros pecados são cometidos.

Em determinado momento chega um Bispo (Fred Armisen) para visitar o local e, claro, se depara com estranhas atitudes e pecados inimagináveis, a lista é imensa e ninguém escapa, até a madre que parecia a mais centrada. O julgamento é uma das cenas mais incríveis e tira o sarro de tudo que envolve o pecado. Com total desprendimento em suas situações disparatadas essa comédia medieval não é indicada para pessoas puritanas, mas para quem curte histórias desprovidas de seriedade é uma ótima pedida. 

"The Little Hours" foi filmado na Toscana, então garante uma bela paisagem, as atuações são inspiradas e espontâneas, além das três freiras doidonas - destaque para Kate Micucci na pele de Ginerva - o padre interpretado pelo ótimo John C. Reilly garante bons momentos em cena, Dave Franco como o brinquedo sexual das freiras ganha nossa simpatia, não dá pra não rir de sua feição sempre sorridente enquanto falam com ele.
É um filme despojado e politicamente incorreto, não é transgressor mesmo sendo polêmico, mas quebra e brinca sem nenhum receio com tudo que envolve a religião.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

You Disappear (Du Forsvinder)

"You Disappear" dirigido por Peter Schønau Fog (A Arte das Lágrimas - 2006) flerta com a filosofia e a neurociência, é um drama familiar tenso que vai colocando em xeque questões morais. Somos conduzidos por uma trama fragmentada recheada de informações acerca da consciência, memória e livre-arbítrio. 
Professora, Mia (Trine Dyrholm) é casada com Frederik (Nikolaj Lie Kaas), um diretor bem-sucedido que é pego roubando da sua própria escola. Na dúvida se o marido fez isso por vontade própria ou devido ao tumor que cresce no cérebro dele, ela está desesperada para solucionar o caso e descobrir com que tipo de homem está casada. Enquanto pagava um advogado para defendê-lo, ela é forçada a se deparar com estudos de neurociência para repensar quem é Frederik.
Mia fica sem chão ao ser informada do tumor do marido e se desespera para que tudo se esclareça em relação ao crime, ela chama o advogado Bernard (Michael Nyqvist - uma de suas últimas aparições) para cuidar do caso e convencer o júri de que quando Frederik pegou o dinheiro da escola não estava consciente, houve uma série de sintomas para que ele agisse assim, as cenas no tribunal se mesclam com vários flashbacks mostrando o antes da cirurgia e voice-overs explicando estudos sobre a neurociência em relação à memória e o livre-arbítrio. Mia fica frágil psicologicamente com as mudanças drásticas de personalidade do marido, principalmente depois da operação e se apega ao advogado Bernard, um homem gentil que cuida de sua mulher que sofreu danos no cérebro devido um acidente, inclusive, eles fazem parte de um grupo que reflete e traz pesquisas sobre o assunto.
As discussões que surgem são intrigantes, mas são expostas de maneira muito didáticas, isso estraga um pouco, além de seu tom frio, mas graças as atuações de Trine Dyrholm, Michael Nyqvist e Nikolaj Lie Kaas a história se sustenta e não perde o fôlego, nossa curiosidade é aguçada, será que Frederik realmente teve todos os sintomas desencadeados pelo tumor em seu cérebro, ou cometeu o ato por puramente falha de caráter? É o que a esposa se pergunta o tempo todo. O quanto o conhece e o quanto ele mudou com o passar do tempo, e essas dúvidas a consomem e a deixam vulnerável. 
É preciso embarcar na proposta do longa, mesmo sendo um drama familiar intenso as emoções são distantes e o foco está mais no conteúdo filosófico acerca da mente e seus meandros. São inúmeras explanações sobre o mecanismo do cérebro e o comportamento humano, nossa fragilidade se algo acometê-lo, as mudanças que ocorrem com o tempo, o quanto as memórias são verdadeiras ou apenas criações de nossa imaginação, somos responsáveis pelo que nos tornamos ou o juízo dos outros nos molda? Somos puramente química, mas é a química ou o livre-arbítrio que nos governa?

Mia se perde nesse turbilhão e vivencia todas as modificações do marido e de sua vida com pesar, a fragilidade e carência a domina por completo, interessante observar o quanto o filho adolescente Niklas (Sofus Rønnov) fica à deriva nesta história, tem uma ou duas cenas emocionais em que ele reclama e diz o quanto sofre e desejaria que ela fosse mãe de verdade, e a declaração dele no tribunal sobre o pai e sua personalidade antes e depois do tumor. A complexidade das situações vão moldando os personagens e acompanhamos o ruir psicológico, principalmente de Mia, como vemos numa pequena reviravolta ao final retratando a vulnerabilidade de sua mente.

"You Disappear" pode soar redundante e frio, mas promove intrigantes debates acerca da consciência, memória, moralidade, livre-arbítrio, leis da natureza, a fragilidade humana e por aí vai... Para quem é curioso e tem sede de conhecimento é um prato cheio. 

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A Transfiguração (The Transfiguration)

"A Transfiguração" (2016) dirigido pelo estreante Michael O'Shea retrata o vampirismo sob uma ótica completamente diferente, mas ainda assim conversa com a aura sombria e melancólica que permeia o tema. Reflexivo, pesado e perturbador, é a fantasia se tornando realidade.
Quando o jovem problemático Milo (Eric Ruffin), fascinado por vampiros, conhece a igualmente alienada Sophie (Chloe Levine), os dois formam um laço que começa a enevoar a linha do garoto entre a realidade e a fantasia. Milo é um adolescente órfão de 14 anos que vive com seu irmão Lewis (Aaron Moten) no Queens, em Nova York. Ignorado por seus colegas de classe, ele sofre bullying nas mãos dos meninos mais velhos da escola. Ele encontra refúgio no pequeno apartamento onde mora, onde foge da solidão ao se debruçar sobre o fascinante mundo dos vampiros. Milo esconde um segredo sinistro, mas um encontro com Sophie, sua nova vizinha, irá despertá-lo para novos sentimentos.
O longa diz sobre psicopatia, sobre o desejo por sangue, o garoto cheio de traumas e rodeado por violência mascara sua solidão e sua personalidade doentia ao mito do vampiro, ele acredita piamente nisso e dá seguimento a seu plano para que essa sua transfiguração aconteça de fato, anota tudo em seus cadernos, devora livros e filmes sobre vampiros e em toda lua cheia sai para caçar. As coisas mudam quando Sophie aparece e se interessa por ele, passam a conversar e Milo percebe a difícil vida da garota que é abusada pelo avô, por causa dela Milo controla-se mais, apesar de que mais pra frente sente que essa sua compulsão por sangue não sumirá. 
O filme é um terror dramático sombrio, Milo é um personagem calado marcado pela violência, o local onde mora é liderado por gangues, sofre bullying e ainda está em luto, sua mãe se suicidou e todo esse ambiente e sensações contribuem para aflorar sua psicopatia, ele é frio e metódico, as cenas em que ele sai para beber sangue são perturbadoras e brutais, muitas delas confundem o espectador, pois a linha entre a imaginação e a realidade é tênue. Lewis, o irmão, também é um personagem curioso e que vale a pena ser estudado, completamente inerte vive sentado no sofá, ao longo descobrimos que sofre de trauma pós-guerra, há picos em que se preocupa com Milo, mas sempre está envolto pela dor e com olhos estagnados, Aaron Moten se sobressai toda vez que aparece em cena, aliás, todos os atores estão impecáveis, Chloe Levine como Sophie desperta empatia com sua forte e doce personagem. Eric Ruffin como o macabro Milo nos confunde, há um misto de compreensão e medo, mas a dúvida prevalece, será que ele é mesmo maluco ou simplesmente cruel?

O longa exibe diversas referências, como aos clássicos "Nosferatu" e "Martin", outros como "Near Dark", "True Blood", "The Lost Boys", "Deixe Ela Entrar" e até "Crepúsculo", que Sophie insiste para Milo ler, mas o garoto diz não gostar por não ser realista. Os diálogos entre eles são ótimos e conferem naturalidade, os únicos instantes em que Milo demonstra um pouco de humanidade. 
O diretor junta a realidade e a fantasia, a tensão dos elementos sociais com a obsessão pelo vampirismo, a fascinação de Milo é extrema e procura o máximo de realismo nas obras que assiste e lê, ele é um pesquisador profundo do tema e busca o real no imaginário.

"E você muda muito após matar a primeira pessoa, e muda muito mais depois, e depois de um após outro [...] é como uma doença que você pega."

"A Transfiguração" é um terror atmosférico aflitivo e também delicado, a melancolia ataca agudamente o espectador, todo o deslocamento social, a violência, a fuga da realidade impressiona. É um filme pesado e doce ao mesmo tempo, tem um lado crítico e une-se à fantasia com primor.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A Ghost Story

"A Ghost Story" (2017) dirigido por David Lowery (Amor Fora da Lei - 2013) é uma obra indie de baixo orçamento (cerca de 100 mil dólares) melancólica, intimista, complexa e extremamente bela. Seu formato com enquadramento 4:3 e bordas arredondadas compõe as sutilezas desta história que disserta sobre o tempo. O ritmo pausado com planos fixos e longos, os movimentos delicados da câmera, o clima imersivo, tudo soa profundo e reflexivo. 
Um rapaz C (Casey Affleck) recentemente morto retorna para o seu lar em forma de um fantasma de pano branco para tentar se reconectar com sua esposa M (Rooney Mara) ainda viva. Somos introduzidos à vida do casal, são retratados momentos de ternura e aparentemente a casa parece estar mal-assombrada, há ruídos estranhos e a esposa deseja se mudar, pois é sua personalidade, ela até conta uma história no início sobre isso, mas C tem um apego por toda a história da casa. Apesar das diferenças entre eles os instantes afetuosos são revelados com total delicadeza. Logo há a quebra e C morre, observamos com muito pesar o luto de M, todas as fases, desde o choque e a depressão para enfim seguir em frente, a cena da torta simboliza muito bem toda essa questão. C levanta-se  da cama do hospital coberto por um lençol branco, caminha pelos corredores, visualiza uma luz na parede, mas termina voltando para casa, onde assiste tudo passivamente. O filme nos faz sentir o seu lamento e toda a tristeza e melancolia ultrapassa a tela. Ele que já não faz mais parte deste plano nada pode fazer a não ser esperar, a ausência, a solidão, a angústia do fantasma nos faz refletir na mortalidade e no sentido da existência. Uma experiência cinematográfica muito intrigante que gera sensações incômodas, nos tira da superficialidade e nos joga para o mais profundo do nosso ser, analisar o mundo sob essa ótica não é muito agradável, mas é deveras engrandecedora. O que assusta nesta obra é a forma como a câmera capta os momentos, com total sutileza a percepção do tempo, sempre observando. A jornada do fantasma é solitária, poética e transpassa a linha do tempo, cria-se um mosaico interessante e perturbador. E assim como ele nós estamos apenas observando e sentindo as mesmas dores, a razão de aspecto do filme é a responsável por isso, parece que estamos contemplando uma série de fotografias por monóculos.
A caracterização clássica do fantasma é outro grande ponto, evoca uma pureza, aliás, o diretor se inspirou em "A Viagem de Chihiro" (2001) para compô-lo. A trilha sonora transbordante de Daniel Hart também ajuda na imersão, assim como a estonteante fotografia de Andrew Palermo que nos presenteia com lindos planos intimistas, verdadeiras fotografias, causando sensação de nostalgia e solidão. O emaranhado de emoções e significados chegam de forma única a cada um de nós, cada um lida de um jeito com o tema, a morte é algo inexorável e atinge a nós de diversas formas, refletir sobre ela é doloroso, as dúvidas angustiam e questionamos o valor de tudo que fazemos em vida, do que importa o agora se no fim nada sobrará? Imaginar que talvez retornaremos nesta condição de apenas observadores entre os vivos gera um desconforto enorme, sufoca. Não há terror maior que estar preso num loop temporal.

Sobre toda essa miríade de pensamentos há um discurso niilista poderoso sobre a efemeridade da vida e a preocupação com o legado, a memória que queremos deixar, mas se o nosso destino é o pó por mais grandiosos que sejam os feitos em um momento ou outro no tempo seremos esquecidos e, outro ciclo irá se iniciar. Queremos ter o poder da vida nas mãos e na ânsia por respostas acabamos nos perdendo, o fantasma também busca sentido nessa sua observação, mas em sua trajetória não encontra nada, ele passeia pelo tempo e não encontra sentido em sua condição, portanto, o que resta é a libertação dessa angústia, deixar-se ir, assim como o tormento que a finitude nos causa.

"Tudo o que te fez sentir grande e poderoso, tudo acabará. Todo átomo nesta dimensão...será destruído por uma força simples..."

"A Ghost Story" é um filme contemplativo, sensorial e hipnotizante, disserta sobre nossa permanência no tempo com muita melancolia, a reflexão existencial é aguda e causa grande incômodo.

Sobre este tema existem alguns filmes instigantes e também muito aterrorizantes, nessa aura triste e de dissertar sobre o loop temporal, de não conseguir se desprender e continuar vivenciando o mesmo de sempre me veio à mente o filme "I Am a Ghost" (2012), este tem um pé a mais no terror, mas garante o mesmo tipo de reflexão. Um outro desconhecido é "Finisterrae" (2010) que passeia mais pelo humor negro e a surrealidade, no entanto, recheado de metáforas e significados sobre a existência. 

terça-feira, 10 de outubro de 2017

O Bar (El Bar)

"O Bar" (2017) dirigido por Álex de la Iglesia (Balada do Amor e do Ódio - 2010) segue nos estranhos moldes do diretor com muito humor negro e situações bizarras passando por vários gêneros. Em um café no centro de Madrid, pessoas tomam o seu café da manhã tranquilamente, como de costume. Mas, quando um dos clientes leva um tiro na cabeça ao colocar os pés fora da loja, o clima de tensão invade o local. Agora, eles estão presos, e temem sair do local e acabar terminando com o mesmo destino do homem. O problema é que a convivência com estranhos pode ser tão perigosa quanto sair dali.
O filme foca em alguns personagens que estão dentro do bar e que são obrigados a conviver depois que um homem é morto ao sair dali, é criado um microcosmo social, onde o medo do desconhecido vai ditando as regras, estereótipos, conflitos e suposições dominam o cenário. Não se sabe o que está acontecendo, são deduções e a cada nova informação cresce o clima de tensão e dúvidas. São personagens comuns e que são obrigados a estabelecer convivência, cada um exibe personalidades diferentes e que vão se transformando diante o medo e a sede pela sobrevivência. Dentre os personagens estão uma bela mulher, Elena (Blanca Suárez), que entrou por puro acaso no bar quando ia a um  encontro, um ex-policial (Joaquín Climent), a dona do bar Amparo (Teréle Pávez) e o atendente Sátur (Secun de la Rosa), o nerd Nacho (Mario Casas), a viciada em jogos Trini (Carmen Machi) e o mendigo louco, Israel (Jaime Ordóñez). Estes se engalfinham o tempo todo, inicialmente se xingando e colocando a culpa em um ou outro por puro preconceito, seria um ataque terrorista e o terrorista estaria ali entre eles? Nacho por ter barba grande é apontado, logo outros são o alvo e assim prossegue até que um barulho no banheiro lhes dão uma direção para o que estaria acontecendo. Lá fora pneus estão sendo queimados e a mídia noticia o incêndio, mas nada revela sobre o assassinato. As coisas se tornam ainda mais confusas quando uma doença infecciosa pode ser o motivo. 
Na segunda fase do filme o horror e a violência tomam conta, são cenas de pura loucura, decisões bizarras e para permanecerem vivos o instinto vence a razão não sobrando nada de civilidade, só resta a estupidez, a ignorância, a crueldade; a selvageria. O cenário vai acompanhando a degradação, de início o bar, em seguinte o porão, e para completar o esgoto. E é aí que os atos mais insanos são tomados, aliás, nem se sabe mais porquê brigam, a cada minuto surge algo novo, e as suposições não param...

O filme tem diálogos ágeis e certeiros, utiliza inteligentemente estereótipos ao colocar esses personagens em situação extrema, um dos melhores certamente é o mendigo que ao longo cita trechos da bíblia e de louco fica são e de são fica mais doido ainda. Cria-se uma paródia do social em que sentimentos e emoções como egoísmo, preconceitos, medo e instinto dominam. O humor ácido evidencia ainda mais o bizarro das situações nos colocando na pele dos personagens. E aí, para sobreviver o que faria? Igual ou pior? Também coloca o como o ser humano supõe e cria teorias para formular regras. O medo é a mola propulsora e ele certamente revela o que se tem verdadeiramente por dentro.

"O Bar" é um filme que passeia por vários gêneros e retrata que não há limites para os seres humanos quando o medo predomina, se for preciso se afundar na lama ou excrementos, que seja, além de que o clima de suspense permeia boa parte da trama e a podridão praticamente transpassa a tela. Álex de la Iglesia nos dá uma história já contada inúmeras vezes, mas que graças as suas peculiaridades se torna original e surpreendente!

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O Rei dos Belgas (King of the Belgians)

"O Rei dos Belgas" (2016) dirigido pela dupla Jessica Hope Woodworth e Peter Brosens (A Quinta Estação - 2015) é uma sátira poética em forma de mockumentary sobre o despir da nobreza, um conto divertido, reflexivo e imensamente lindo.
Nicolas III (Peter Van den Begin) está em uma visita de estado a Istambul quando Valônia, a metade do sul da Bélgica declara a sua independência. O rei deve retornar para salvar o seu reino. Mas uma poderosa tempestade solar bloqueia todo o tráfego de telecomunicações e do ar. O rei e sua comitiva estão agora presos em Istambul. Com a ajuda de um cineasta britânico eles conseguem escapar da Turquia, incógnitos entre um grupo de cantores búlgaros. Assim começa uma odisseia através dos Bálcãs em que o rei descobre vida real e ele próprio.
O rei Nicolas segue todo o protocolo real e agora o seu cotidiano cheio de decisões está sendo filmado, a pedido de sua mulher o cineasta retrata momentos importantes e sempre quando sorri, impressionantemente por ocasião do destino esses momentos acabam sendo de fato verdadeiros e não forçados como propostos no início, a mistura de comédia, poesia, política, road movie e documentário traz um ar único ao filme que com o desenrolar da história vai despindo a realeza, tornando-o humano e experimentando a vida, expõe a diversidade de culturas, a beleza dos povos, dos estereótipos criados, das intrigas entre nações alimentadas pela mídia, o carinho e a gentileza de países considerados perigosos e não confiáveis, como Bulgária e Sérvia, e, principalmente, da inutilidade de seu cargo. São cenas dotadas de doçura e riquíssimas em conteúdo, a comédia ajuda na descaracterização desta figura de poder e surge a reflexão de todo o universo político em torno do rei, que é apenas uma figura simbólica e pouco faz na prática realmente.
Enquanto a Valônia -  a parte francófona da Bélgica - declara independência, o rei está na Turquia para celebrar a admissão desta na União Européia, ele fica preso no país quando uma tempestade solar os impede de pegar o avião e resolver a situação da separação, quem tem a ideia de tirá-los de lá é o documentarista Duncan Lloyd (Pieter van der Houwen) que os coloca disfarçados em um ônibus junto de um grupo folk de mulheres e assim vão rodando pelos Bálcãs. Viajamos juntos do rei e sua trupe, todos em excelentes personagens, sua assessora de imprensa Louise (Lucie Debay), o chefe de operações Ludovic (Bruno Georis) e do assistente Carlos (Titus de Voogdt), que aos poucos também vão se despindo de suas facetas duras, vão da Turquia para Bulgária, da Sérvia para Montenegro e sem querer param na Albânia, os conceitos e propósitos vão se modificando e dando outros olhares, como a parada na Bulgária e seu concurso de iogurte e o prefeito que não usa sapatos e disserta sobre a felicidade e o encontro com um ex-atirador sérvio a base de muita rakia.

Peter Van den Begin como o rei é formidável, compõe perfeitamente a placidez e a altivez de um nobre, mas que se abre para as pequenas coisas da vida e percebe ao final a inutilidade de seu título. A metalinguagem é outra coisa bastante interessante, o filme dentro do filme, o modo como a câmera captura esses momentos são pura poesia e adentramos nesta doce sátira de transformação, o rei de um mero fantoche se torna um homem sensível com sorrisos sinceros para oferecer. A trilha sonora é composta por música erudita, Grieg, Ravel, Bach e Vivaldi, inclusive há uma cena memorável do rei dançando o Boléro de Ravel, uma das tantas especiais.

"O Rei dos Belgas" é uma comédia reflexiva e ácida, original, delicada e muito agradável, encantadora abordagem sobre a humanização de um ilustre e toda a questão da União Européia e os Bálcãs. Excelente em expor as fragilidades, os estereótipos, sejam eles políticos ou culturais.