quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A Ghost Story

"A Ghost Story" (2017) dirigido por David Lowery (Amor Fora da Lei - 2013) é uma obra indie de baixo orçamento (cerca de 100 mil dólares) melancólica, intimista, complexa e extremamente bela. Seu formato com enquadramento 4:3 e bordas arredondadas compõe as sutilezas desta história que disserta sobre o tempo. O ritmo pausado com planos fixos e longos, os movimentos delicados da câmera, o clima imersivo, tudo soa profundo e reflexivo. 
Um rapaz C (Casey Affleck) recentemente morto retorna para o seu lar em forma de um fantasma de pano branco para tentar se reconectar com sua esposa M (Rooney Mara) ainda viva. Somos introduzidos à vida do casal, são retratados momentos de ternura e aparentemente a casa parece estar mal-assombrada, há ruídos estranhos e a esposa deseja se mudar, pois é sua personalidade, ela até conta uma história no início sobre isso, mas C tem um apego por toda a história da casa. Apesar das diferenças entre eles os instantes afetuosos são revelados com total delicadeza. Logo há a quebra e C morre, observamos com muito pesar o luto de M, todas as fases, desde o choque e a depressão para enfim seguir em frente, a cena da torta simboliza muito bem toda essa questão. C levanta-se  da cama do hospital coberto por um lençol branco, caminha pelos corredores, visualiza uma luz na parede, mas termina voltando para casa, onde assiste tudo passivamente. O filme nos faz sentir o seu lamento e toda a tristeza e melancolia ultrapassa a tela. Ele que já não faz mais parte deste plano nada pode fazer a não ser esperar, a ausência, a solidão, a angústia do fantasma nos faz refletir na mortalidade e no sentido da existência. Uma experiência cinematográfica muito intrigante que gera sensações incômodas, nos tira da superficialidade e nos joga para o mais profundo do nosso ser, analisar o mundo sob essa ótica não é muito agradável, mas é deveras engrandecedora. O que assusta nesta obra é a forma como a câmera capta os momentos, com total sutileza a percepção do tempo, sempre observando. A jornada do fantasma é solitária, poética e transpassa a linha do tempo, cria-se um mosaico interessante e perturbador. E assim como ele nós estamos apenas observando e sentindo as mesmas dores, a razão de aspecto do filme é a responsável por isso, parece que estamos contemplando uma série de fotografias por monóculos.
A caracterização clássica do fantasma é outro grande ponto, evoca uma pureza, aliás, o diretor se inspirou em "A Viagem de Chihiro" (2001) para compô-lo. A trilha sonora transbordante de Daniel Hart também ajuda na imersão, assim como a estonteante fotografia de Andrew Palermo que nos presenteia com lindos planos intimistas, verdadeiras fotografias, causando sensação de nostalgia e solidão. O emaranhado de emoções e significados chegam de forma única a cada um de nós, cada um lida de um jeito com o tema, a morte é algo inexorável e atinge a nós de diversas formas, refletir sobre ela é doloroso, as dúvidas angustiam e questionamos o valor de tudo que fazemos em vida, do que importa o agora se no fim nada sobrará? Imaginar que talvez retornaremos nesta condição de apenas observadores entre os vivos gera um desconforto enorme, sufoca. Não há terror maior que estar preso num loop temporal.

Sobre toda essa miríade de pensamentos há um discurso niilista poderoso sobre a efemeridade da vida e a preocupação com o legado, a memória que queremos deixar, mas se o nosso destino é o pó por mais grandiosos que sejam os feitos em um momento ou outro no tempo seremos esquecidos e, outro ciclo irá se iniciar. Queremos ter o poder da vida nas mãos e na ânsia por respostas acabamos nos perdendo, o fantasma também busca sentido nessa sua observação, mas em sua trajetória não encontra nada, ele passeia pelo tempo e não encontra sentido em sua condição, portanto, o que resta é a libertação dessa angústia, deixar-se ir, assim como o tormento que a finitude nos causa.

"Tudo o que te fez sentir grande e poderoso, tudo acabará. Todo átomo nesta dimensão...será destruído por uma força simples..."

"A Ghost Story" é um filme contemplativo, sensorial e hipnotizante, disserta sobre nossa permanência no tempo com muita melancolia, a reflexão existencial é aguda e causa grande incômodo.

Sobre este tema existem alguns filmes instigantes e também muito aterrorizantes, nessa aura triste e de dissertar sobre o loop temporal, de não conseguir se desprender e continuar vivenciando o mesmo de sempre me veio à mente o filme "I Am a Ghost" (2012), este tem um pé a mais no terror, mas garante o mesmo tipo de reflexão. Um outro desconhecido é "Finisterrae" (2010) que passeia mais pelo humor negro e a surrealidade, no entanto, recheado de metáforas e significados sobre a existência. 

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