terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Melhores Filmes 2019

Segue a lista dos melhores filmes que estrearam em 2019 no Brasil que tive a oportunidade de assistir, dentre tantos escolhi os que mais me marcaram, são obras pertinentes e excepcionais dentro de seus estilos. A lista é pessoal e os números só são uma questão de ordem e não de preferência. Confira:

18- "A Favorita" (The Favourite) EUA/UK/Irlanda - Yorgos Lanthimos
Na Inglaterra do século XVIII, Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) exerce sua influência na corte como confidente, conselheira e amante secreta da Rainha Ana (Olivia Colman). Seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), nova criada que logo se torna a queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes à oportunidade única. Um filme sarcástico e exuberante sobre os jogos de poder políticos e amorosos entre três mulheres dentro de uma corte baseando-se em parte na era da Rainha Anne, que reinou a Grã Bretanha entre 1707 e 1714, durante as guerras da Inglaterra contra a França. Saiba+

17- "O Clube dos Canibais" (Brasil) Guto Parente
Otavio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios) são da elite brasileira e membros do The Cannibal Club. Os dois têm como hábito, comer seus funcionários. Quando Gilda acidentalmente descobre um segredo de Borges (Pedro Domingues), um poderoso congressista e líder do clube, ela acaba colocando sua vida e a de seu marido em perigo.  Um ótimo exemplo de como o cinema nacional está produzindo obras cada vez mais pertinentes e ousadas, Guto Parente tem se destacando pelos festivais mundo afora e se sobressaindo como um dos diretores mais interessantes atualmente. O filme é uma sátira aterrorizante que mostra o absurdo, o cinismo e a hipocrisia da elite ao se alimentar literalmente dos mais pobres, recheado de cenas violentas e diálogos perversos coloca em evidência as fissuras da estrutura social do país. Saiba+

16- "Assunto de Família" (Manbiki Kazoku) Japão - Hirokazu Koreeda
Depois de uma de suas sessões de furtos, Osamu (Lily Franky) e seu filho se deparam com uma garotinha. A princípio eles relutam em abrigar a menina, mas a esposa de Osamu concorda em cuidar dela depois de saber das dificuldades que enfrenta. Embora a família seja pobre e mal ganhem dinheiro dos pequenos crimes que cometem, eles parecem viver felizes juntos até que um incidente revela segredos escondidos, testando os laços que os unem. Uma obra bela e singela que nos faz refletir sobre laços e o que de fato forma uma família, retrata a pobreza no Japão e o como as pessoas mesmo sem perspectivas se unem e transcendem esse cenário miserável e caótico. Um drama por vezes pesado e por vezes doce, um acalento e um despertar de consciência. Saiba+

15- "Nós" (Us) EUA - Jordan Peele
Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos. Um filme imersivo que além de trazer o thriller psicológico e o suspense atrelado ao terror tem uma densa camada de questões sociais, diferente do anterior "Corra" (2017) que faz crítica direta e mordaz ao racismo, em "Nós" há um aperfeiçoamento e uma elegância ao contar a história e vai por uma linha mais abrangente repleta de simbolismos e metáforas que garante uma experiência profunda. Saiba+

14- "Mal Nosso" (Brasil) Samuel Galli 
Arthur (Ademir Esteves) é um pai zeloso, preocupado com sua filha única (Luara Pepita), prestes a entrar na faculdade. Ele esconde um segredo desde sua juventude sobre algo que pode ser prejudicial ao futuro da jovem, e para isso contrata os serviços de um serial killer (Ricardo Casella) na deep web. Após fazer um acordo com o assassino, Arthur abre as portas para uma jornada mortal envolvendo psicopatas, maldições e demônios. Um filme de terror brasileiro muito bem realizado, tem um roteiro instigante com reviravoltas inteligentes, referências deliciosas e uma trilha sonora impecável, com certeza uma baita opção para quem adora o gênero, não deixa nada a desejar a produções americanas, inclusive sendo melhor que algumas que passeiam pelos temas de exorcismo/sobrenatural. Também conta com a mágica mão de Rodrigo Aragão para todo o trabalho de maquiagem. Saiba+


13- "Fronteira" (Gräns) Suécia/Dinamarca - Ali Abbasi
Tina (Eva Melander) é uma policial que trabalha na alfândega de um porto fiscalizando bagagens e passageiros. Depois de ser atingida por um raio na infância, ela desenvolveu uma espécie de sexto sentido, fazendo com que seja capaz de "ler as pessoas". Isso sempre representou uma vantagem na sua profissão, mas tudo muda quando ela identifica um criminoso em potencial e não consegue achar provas para justificar sua intuição. Após o episódio, ela passa a questionar seu dom, ao mesmo tempo em que fica obcecada em descobrir qual o verdadeiro segredo de Vore (Eero Milonoff), seu único suspeito não legitimado, essa relação a força a confrontar revelações terríveis sobre si mesma e sobre a humanidade. Um filme bizarro e surpreendente adaptado de um conto homônimo do autor sueco John Ajvide Lindqvist (Deixe Ela Entrar), na trama há uma fusão de gêneros interessantes, como romance, fantasia, suspense investigativo e toques de humor, também envolve temas polêmicos e autodescoberta, o estranhamento é algo contínuo e desabrocha para uma certa fascinação em torno da personagem e suas experiências. Um exemplar único que garante sensações e reflexões diversas. Saiba+

12- "Cafarnaum" (Capharnaüm) Líbano/França/EUA - Nadine Labaki
Aos doze anos, Zain (Zain Al Rafeea) carrega uma série de responsabilidades: é ele quem cuida de seus irmãos no cortiço em que vive junto com os pais e que leva o alimento trabalhando em uma mercearia. Quando sua irmã de onze anos é forçada a se casar com um homem mais velho, o menino fica extremamente revoltado e decide deixar a família. Ele passa a viver nas ruas junto aos refugiados e outras crianças que, diferentemente dele, não chegaram lá por conta própria. Um drama pesado e ao mesmo tempo sensível que retrata a miséria e o caos moral e social, além disso um filme que se posiciona e denuncia questões primordiais, por exemplo, o casamento de meninas menores de idade e a consciência sobre colocar mais vidas neste mundo falido. A dor que envolve a história é enorme, certamente os olhos do protagonista ficarão cravados na memória do espectador, também causa espanto pelas atrocidades pelas quais passa para a sobrevivência e o seu incrível senso de responsabilidade moral e clareza diante deste núcleo caótico em que vive. Saiba+

11- "O Bar Luva Dourada" (Der Goldene Handschuh) Alemanha/França - Fatih Akin
A trama se passa em Hamburgo, 1970. Fritz Honka (Jonas Dassler) é um homem fracassado com o rosto deformado, que vagueia pelas noites de um bairro boêmio ao redor de outras almas perdidas. Ninguém desconfia que, na verdade, Fritz é um serial killer. Ele persegue mulheres mais velhas e solitárias que conhece no Luva Dourada, seu bar favorito, e as esquarteja em seu apartamento. Quando os jornais começam a noticiar o desaparecimento sucessivo de várias mulheres, o medo e o caos se instalam na cidade. Baseia-se na história real do serial killer alemão Fritz Honka que escolhia suas vítimas em um bar e as matava brutalmente em seu apartamento, sua feição asquerosa juntamente com seu estilo de vida degradante surte um efeito repulsivo no espectador e consegue emanar com potência seu cheiro putrefato. Saiba+

10- "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (Midsommar) EUA/Suécia/Hungria - Ari Aster
Após vivenciar uma tragédia pessoal, Dani vivida pela ótima Florence Pugh, vai com o namorado Christian (Jack Reynor) e um grupo de amigos até a Suécia numa viagem para um festival de verão único em uma remota vila sueca. O que começa como férias despreocupadas de verão em uma terra de luz eterna toma um rumo sinistro quando os moradores do vilarejo convidam o grupo a participar de festividades que tornam o paraíso pastoral cada vez mais preocupante e visceralmente perturbador. Uma obra que trabalha sentimentos de perda e luto de maneira estarrecedora, sua aura solar impregnada por símbolos pagãos absorvem o espectador numa atmosfera inebriante e pulsante, muito se assemelha ao terror folk de "O Homem de Palha" - 1973, pelo fato de conter elementos macabros e utilizar cultos pagãos num cenário diurno, o medo é trabalhado de variadas formas sempre colocando o quanto o diferente e a cultura do outro assusta, explora suas camadas com inteligência e fornece olhares diversos promovendo reflexões profundas, além de perturbar com sua luminosidade e fascinar por seus mistérios. Saiba+

09- "Parasite" (Gisaengchung) Coreia do Sul - Bong Joon Ho 
Toda a família de Ki-taek (Song Kang-ho) está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do acaso faz com que o filho adolescente (Choi Woo Shik) comece a dar aulas de inglês à garota de uma família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos. Uma obra-prima de suspense, drama familiar, humor negro e que provoca pela sua crítica sobre a diferença entre as classes sociais, uma história instigante, inesquecível e repleta de reviravoltas surpreendentes. Saiba+

08- "Bacurau" (Brasil) Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho
Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo), Lunga (Silvero Pereira) e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa. Um filme instigante e essencial, sua mescla de gêneros aguça nossa curiosidade e imprime força a cada cena e diálogo, traz a representatividade nordestina, a cultura de um povo forte que jamais cede ou retrocede, a palavra que mais o resume é resistência. Saiba+

07- "Coringa" (Joker) EUA/Canadá - Todd Phillips
Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e uma greve dos lixeiros que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com uma agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens de Wall Street em pleno metrô. A atitude inicia um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante. Uma obra-prima desconfortável e perturbadora inspirada num dos mais icônicos personagens da cultura pop, o supervilão Coringa, mas a abordagem se afasta completamente do universo de heróis e vilões e nos introduz a um estudo de personagem visceral e extremamente decadente. Saiba+

06- "O Rei" (The King) UK/Austrália/Hungria - David Michôd
Após a morte de seu pai, Henrique V (Timothée Chalamet) é coroado rei, obrigado a comandar a Inglaterra. O governante precisa amadurecer rapidamente para manter o país consideravelmente seguro durante a Guerra dos 100 Anos, contra a França. Um drama épico livremente baseado em eventos históricos e adaptado da peça Henrique V, de Shakespeare. Uma produção poderosa que passa por intrigas de poder políticas e familiares com violência, beleza e questionamentos. Saiba+

05- "The Nightingale" (Austrália/EUA/Canadá) Jennifer Kent
Na Tasmânia de 1825, Clare (Aisling Franciosi) uma condenada irlandesa testemunha o assassinato brutal de seu marido e seu bebê por seu mestre soldado (Sam Claflin) e seus amigos. Incapaz de encontrar justiça, leva um rastreador aborígene com ela através do deserto infernal em busca de vingança. Um drama pesado, violento e muito emocional, carregado em cenas chocantes e transformadoras o terror real chega com brutalidade, mas também com sensibilidade e poesia, uma produção de ambientação sufocante acompanhada por uma narrativa silenciosa e repleta de sentimentos. Saiba+

04- "Rainha de Copas" (Dronningen) Dinamarca/Suécia - May el-Toukhy
Anne (Trine Dyrholm) é uma advogada do direito das crianças e dos adolescentes. Acostumada a lidar com jovens complicados, ela não tem muitas dificuldades para estreitar laços com seu enteado Gustav (Gustav Lindh), filho do primeiro casamento de seu marido Peter (Magnus Krepper), que acaba de se mudar para sua casa. No entanto, a relação que deveria ser paternal se torna uma relação romântica, envolvendo Anne em uma situação complexa, arriscando a estabilidade tanto de sua vida pessoal quanto profissional. Um filme que abre um leque de discussões ao abordar de forma crescente e explícita o quanto o ser humano visto de perto é terrivelmente repleto de segredos, toca em tabus, abuso e liberdade sexual feminina. Direção e construção narrativa primorosas e ainda coroada pela poderosa interpretação de Trine Dryholm. Saiba+

03- "História de um Casamento" (Marriage Story) UK/EUA - Noah Baumbach
Nicole (Scarlett Johansson) e seu marido Charlie (Adam Driver) estão passando por muitos problemas e decidem se divorciar. Temendo que o pequeno filho sofra as consequências da separação, o casal decide continuar vivendo sob o mesmo teto, tentando fazer com que este seja um divórcio amigável. Porém, a convivência forçada entre os dois acaba criando feridas que talvez nem o tempo seja capaz de curar.

02- "O Farol" (The Lighthouse) Canadá/EUA - Robert Eggers
Início do século XX. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e colaborar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. Enquanto os dois homens se conhecem e se provocam, Ephraim fica obcecado em descobrir o que acontece naquele espaço fechado, ao mesmo tempo em que fenômenos estranhos começam a acontecer ao seu redor.

01- "Adam" (Marrocos/Bélgica/França) Maryam Touzani
Abla, viúva e mãe de uma menina de 10 anos, luta para sobreviver e dar a filha o melhor futuro possível. Após a morte de seu marido, ela começa um negócio na cozinha de sua casa, que se abre para a rua através de uma persiana. Todos os dias, ela faz e vende pão caseiro e todos os tipos de doces marroquinos tradicionais. Fechada para a vida, levando uma existência desprovida de felicidade e se refugiando em seu trabalho, Abla se tornou velha antes do tempo. Incapaz de manifestar amor pela filha, ela substituiu a ternura pelo pragmatismo. Quando Samia, uma jovem grávida bate à sua porta, procurando abrigo e sobrecarregada pelo peso de seu fardo de dar à luz uma criança sem pai, Alba não sabe que esse encontro casual a transformará para sempre.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O Enterro de Kojo (The Burial of Kojo)

"O Enterro de Kojo" (2018) dirigido pelo também músico Sam Blitz Bazawule é uma obra acima de tudo plástica, encanta pelo visual, mas a narrativa não deixa a desejar, seu onirismo e poesia se encaixam belamente. O filme é uma fábula que mistura viagem espiritual, memórias, vingança e transformação.
Kojo (Joseph Otsiman) e seu irmão, Kwabena (Kobina Amissah-Sam), sempre tiveram um péssimo relacionamento. Kojo provocou um acidente que resultou na morte da noiva do irmão, no dia em que eles iriam se casar. Sete anos mais tarde, Kwabena coloca em ação sua vingança e deixa Kojo à beira da morte em uma mina. A única esperança do homem é sua filha, Esi (Cynthia Dankwa), que tenta encontrá-lo. Ela relata suas memórias de infância e essa história por meio de um olhar de realismo mágico e uma série de sonhos bizarros.
Repleto de metáforas visuais somos conduzidos por uma história narrada de forma não linear por uma Esi adulta, em sua maioria são tomadas que remetem a sensação de sonho ou imaginação, uma espécie de conto de fadas, mas com a identidade do país e que ousa em sua narrativa e exposições visuais, os atores entregam bons personagens e nos envolvem na atmosfera. Conhecemos Kojo pelos olhos de sua filha, Esi, ela nos conta sobre uma tragédia e sobre os sonhos recorrentes de seu pai e o como ele acreditava que apenas a água poderia apagar o passado, então por conta disso se mudou antes dela nascer para uma vila rodeada por nada a não ser água. Foi lá que conheceu sua esposa e Esi nasceu com a promessa dos adivinhos da região que traria prosperidade e boa sorte. O tempo com o seu pai durante a infância é retratado e o quanto ele gostava de contar histórias das quais não possuíam significados inicialmente, mas que se amarravam e faziam sentido em seu final. E é assim que o filme vai se desnovelando, sob formas curiosas que envolvem lendas entrelaçadas por memórias que fazem a pequena Esi amadurecer. Um dia aparece um velho cego na vila e diz que o corvo do reino intermediário estava tentando capturar o pássaro sagrado e que somente uma criança de coração puro poderia mantê-lo salvo, Esi sonha com o corvo nesta noite, daí o irmão de Kojo aparece na vila e diz que os esperam na cidade, chegou o momento de enfrentar o passado. Lá os dois se desdobram para conseguir emprego nas minas, mas as circunstâncias são ruins e apelam para um local do qual está fechado e é muito perigoso, Kojo sofre um acidente e fica dias desaparecido. Nesse meio tempo vemos Esi ao lado da avó vendo novelas bem precárias e após o acidente ela entende que é a única que pode ajudar seu pai. 

Pode parecer um amontoado de cenas, mas elas conversam entre si e terminam por se encaixar, metáforas visuais vão de encontro com a história de Kojo e o irmão. Na verdade, a história é bem simples e envolve o sentimento de culpa colocado em simbólicas imagens, esbanja poesia e originalidade, uma linda experiência vinda de Gana, cujo cinema é tão pouco divulgado.

"O Enterro de Kojo" fascina por sua linda estética surreal e também garante uma apreciação de sua narrativa que brinca com a linha do tempo e nos absorve numa fábula de viagem espiritual e lendas, além da redenção do pai e amadurecimento da filha. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

13 Bandas que Provam que o Rock Não Morreu! (13 Bands That Prove Rock Isn't Dead!)

Segue uma lista com bandas atuais de rock que comprovam que o gênero está vivíssimo e segue não só resgatando o que tem de melhor, mas também inovando e revelando artistas espetaculares. Confira:

13- Black Pistol Fire (Canadá)
Black Pistol Fire é um duo canadense formado em 2011 composto por Kevin McKeown na guitarra e vocal e Eric Owen na bateria, foram inspirados pelo blues, R&B e grandes nomes do rock, como Led Zeppelin, Chuck Berry, Nirvana, Buddy Holly e Muddy Waters. Um rock garagem á la anos 70 potente e marcante com toques de blues e punk, fazem um som direto e sem grandes artifícios, porém com imenso talento e trazendo o que o rock tem de melhor. Confira: Black Pistol Fire on Audiotree Live 

12- Reese McHenry (EUA)
Reese McHenry, da Carolina do Norte é uma força maravilhosa dentro do cenário do rock, voz impecável que nos remete a Janis Joplin e nos faz vibrar e se envolver, sua vida foi marcada por um acidente vascular cerebral e um diagnóstico de fibrilação atrial, mas diante desses percalços se voltou para a sua grande paixão e produziu canções profundas embebidas do mais puro rock'n'roll. Perfeita! Confira>>> Reese McHenry - Bye Bye Baby 

11- Ty Segall (EUA)
Ty Segall acumula álbuns fabulosos dentro do estilo garage rock e lo-fi misturado a toques psicodélicos, ele não cansa de produzir e tem uma gama de coisas boas para conferir, o mais recente trabalho chama-se "First Taste" e é certamente um dos grandes talentos da atualidade. Confira>>> Ty Segall - Taste

10- The Blue Butter Pot (França)
The Blue Butter Pot é um duo de heavy blues rock francesa. É um som grave, sujo e pesado, mas ainda assim cultiva a essência original do blues. O mais recente disco chama-se "Let Them Talk". Confira>>> The Blue Butter Pot - Checking the Levels

09- Jason Kane and The Jive (EUA)
Jason Kane and The Jive, natural do Texas é uma surpresa dentro do atual rock'n'roll, entre variadas bandas que tiveram holofote ela se destaca pela eletricidade selvagem e pelas doses envolventes de blues. Último disco lançado chama-se "Hellacious Boogie". Confira>>> Jason Kane & The Jive - Gypsy Kiss

08- Dirty Honey (EUA)
Dirty Honey é uma banda que bebe da fonte de clássicos como Led Zeppelin e o vocalista Marc LaBelle possui um timbre bastante semelhante ao do Axl Rose, vem na mesma linha da banda sensação Greta Van Fleet, porém isso tudo não tira o mérito, basta saber se para um álbum completo a identidade própria sobressairá, por enquanto há o EP "Dirty Honey". Confira>>> Dirty Honey - Rolling 7s

07- One Horse Band (Itália)
One Horse Band é um projeto fundado em 2015 em Milão que traz um único homem com uma máscara de cavalo tocando guitarra, banjo, bateria e trazendo o mais cru e puro blues e garage rock. Curioso e bizarro, mas vale demais conhecer. Último álbum lançado chama-se "Keep on Dancing". Confira>>> One Horse Band - Uh Hu Hu Yeah!

06- Jim Jones and the Righteous Mind (UK)
Jim Jones and the Righteous Mind é uma banda inglesa formada em 2014 que possui uma atmosfera deliciosa e inflamada, um som rasgado, enigmático, explosivo e original. Sonzeira! Último álbum lançado chama-se "CollectiV". Confira>>> Jim Jones & the Righteous Mind - Heavy Lounge #1

05- Henry's Funeral Shoe (País de Gales)
Henry's Funeral Shoe é um duo composto pelos irmãos Aled e Brennig Clifford, um som altamente viciante, orgânico, bruto, enérgico e refinado. Último disco lançado chama-se "Smartphone Rabbit Hole". Confira>>> Henry’s Funeral Shoe - High Shoulders Everywhere

04- Rival Sons (EUA)
Rival Sons já esteve por aqui nas indicações musicais e merece destaque por ser uma banda de identidade própria apesar de suas claras referências, com seis álbuns lançados, sendo o último o fenomenal "Feral Roots". Formada na Califórnia em 2009, a banda de aura setentista com influências de Blues Rock já fez parte de algumas turnês junto de várias lendas do rock, como AC/DC, Alice Cooper e Judas Priest. Com riffs pesados e vocal intenso, a banda é apontada como uma das mais interessantes e brilhantes do gênero na atualidade e ainda elogiada por grandes nomes do rock. Confira>>> Rival Sons - Too Bad

03- Black Coffee (EUA)
Black Coffee nasceu em 2017 em Columbus, Ohio, Influenciados pelos lendários Led Zeppelin, Black Sabbath, Van Halen, Aerosmith, AC/DC, entre outros, a banda vem com uma sonoridade vintage e empolgante, mas reinventando o rock com estilo e vigor. Por problemas ainda anunciarão um novo nome para a banda. Lançaram um álbum em 2018 chamado "Take One". Confira>>> Black Coffee - I Barely Know Her

02- Airbourne (Austrália)
Airboune é uma banda australiana de hard rock formada em 2003 pelos irmãos Joel O'Keeffe (vocal/guitarra) e Ryan O'Keeffe (bateria), bebem e muito da fonte do AC/DC e também Motörhead, já abriram diversos festivais para bandas consagradas e ainda possuem muitas de suas músicas em jogos eletrônicos, como Need for Speed e Guitar Hero. Um som característico dos clássicos do rock dos anos 70, pesado, cru e vibrante. Confira>>> Airbourne - Live in Copenhagen (2019)

01- Kadavar (Alemanha)
Kadavar é uma banda de hard rock/stoner rock/rock psicodélico formada em 2010 na Alemanha, influenciados pelos clássicos do rock setentista, como Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Jethro Tull, o som traz nostalgia, peso e autenticidade. O mais recente álbum lançado chama-se "For the Dead Travel Fast" (2019). Confira>>> Kadavar - Demons In My Mind

Bônus:

Jared James Nichols (EUA)
Jared James Nichols, natural de Wisconsin é um incrível vocalista e talentoso na arte de tocar guitarra sem palheta, o som é um blues rock contundente e vigoroso repleto de riffs excepcionais com melodias cheias de energia, já dividiu o palco com alguns dos maiores nomes da história do rock, como ZZ Top e Lynyrd Skynyrd, sem dúvidas merece muito ser conhecido. Confira>>> Jared James Nichols live - Blackstar Basement Session

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Them That Follow

"Them That Follow" (2019) dirigido por Brittany Poulton e Daniel Savage é um filme interessante que demonstra o terror e o absurdo de uma comunidade extremamente religiosa que usa serpentes como meio de expurgar os seus pecados, afastados da sociedade vivem sob um sistema radicalmente patriarcal e imensamente cego em sua fé.
O pastor pentecostal Lemuel (Walton Goggins) e seus crentes lidam com cobras venenosas para provar a si mesmos diante de Deus, nas florestas dos Apalaches. A filha de Lemuel, Mara (Alice Englert) guarda um segredo que ameaça separar a igreja: seu passado romântico com um não-crente, Augie (Thomas Mann). Com o casamento de Mara com um seguidor dedicado, ela deve decidir se confia ou não na matriarca de sua comunidade, Hope (Olivia Colman).
Ambientado nas montanhas dos Apalaches vemos um grupo de pessoas que creem que nesse local estão mais próximos de Deus, a seita se vale pela confiança que têm na devoção e usam as serpentes como uma amostra da fé verdadeira, nesse lugar dominado por homens vive Mara, a filha do pastor que logo irá se unir com um crente, porém ela está envolvida com Augie, filho de Hope, avesso aos dogmas e preceitos, isolado segue seus dias com o intuito de algum dia ir embora, porém Hope insiste para ele ir ao culto e ter um encontro com Deus. Mara vive servindo ao pai e indo aos cultos, sua única companhia é Dilly (Kaitlyn Dever) que foi abandonada pela mãe e possui um caráter dúbio. Mara descobre estar grávida e não pretende contar a ninguém, mas nessa comunidade existem alguns rituais antes do casamento e quando esse momento chega Hope percebe a gravidez, aliás esse dito ritual é uma invasão e de um absurdo machista horroroso, não só essa questão é nojenta como tudo que envolve o modo de vida dessas pessoas, as mulheres são subservientes e não podem fazer absolutamente nada sem a permissão de um homem, além de que Deus está acima de qualquer coisa, incluindo a medicina, no caso de uma serpente picar o fiel este agoniza até a morte enquanto esperam por um milagre. O pastor acolhe e lida rigidamente com a comunidade, ali não há chance para o pecado e todos são testados, há vários ninhos de serpentes ao redor e é através delas que provam a fé ou se limpam, seguem a risca o trecho da bíblia que diz que sobre os enfermos colocarão as mãos a fim de curá-los com oração. Se forem picados é porque a fé era fraca e então precisam provar neste momento que creem para serem curados. Augie tenta se aproximar de Mara por meio da fé após descobrir que está grávida, ele decide ir ao culto e dizer que encontrou Deus, prestes a casar com Garret não há como intervir se não adentrar na seita, ele é testado e a serpente o ataca.

Acompanhamos a devoção de Mara mesmo que entenda que em algum momento tudo irá desabar, ela continua se esforçando e seguindo à risca os dogmas, aceita se casar e se submete a tudo que o pai diz, este que se ergue como um próprio Deus diante os outros, apontando os pecadores e fazendo-os mansos por meio do medo. A ignorância e a repressão dessa fé cega é exposta sempre com uma tensão sufocante, e por mais que o longa tenha um ritmo monótono somos absorvidos por uma série de questões importantes sobre até que ponto chega a devoção do ser humano, na verdade, a única coisa que adoram são a si próprios revelando assim por meio da obediência e temor uma face vingativa e feroz.

"Them That Follow" retrata com consistência o perigo da adoração fanática, da religião como base de vida e o que há por trás dos desejos de liderar um grupo de pessoas que se sentem pecadoras, desse sistema de repressão e julgamentos só há de nascer e crescer sentimentos adversos e conflituosos. Ao final Mara toma consciência e percebe que precisará se desvincular para que Augie tenha chances de sobreviver e para que também tenha a sua liberdade.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Sibéria, Meu Amor (Sibir. Monamur)

"Sibéria, Meu Amor" (2011) dirigido pelo russo Slava Ross é um filme desolador e desesperador, porém lindo e afetuoso à sua maneira, são demonstrações duras e cruas, o ambiente inóspito e gélido só aumenta sentimentos de tristeza e solidão e no decorrer somos absorvidos por uma poesia melancólica e emocionante.
Monamour é um vilarejo isolado em meio à floresta boreal da Sibéria. O lugar é cercado por cães selvagens que devoram quem ousa se aproximar. É lá onde moram o menino Leshka e seu avô, Ivan. Leshka toma um dos cães como seu melhor amigo e vive na esperança de que seu pai retorne, depois de dois anos de ausência. De tempos em tempos, seu tio Yura traz comida e suprimentos para lá. Mas este é atacado pelos cães e desaparece, e Leshka e Ivan se veem isolados do mundo. Ao ver o avô atirar no seu cachorro, o menino foge e cai num poço. Agora, o avô precisa achar ajuda.
Acompanhamos o pequeno Leshka (Mikhail Protsko) e seu avô (Pyotr Zaychenko) que vivem isolados em um vilarejo abandonado chamado Monamour, na Sibéria, um local gélido cercado por uma floresta de coníferas, a comida é escassa e a fome é constante, o avô não sabe mais como fazer para ajudar o menino que sonha com a volta do pai, apegados a uma imagem de Cristo seguem os dias em meio a solidão e as incertezas, os cães selvagens rodeiam o local e o menino consegue chegar próximo de um deles o transformando em uma companhia, Yura (Sergei Novikov), tio de Leshka faz questão de levar comida e um pouco de carinho, apesar das reclamações da esposa. Em paralelo vemos uma outra história envolvendo dois soldados que recolhem uma prostituta para levar ao seu comandante, sob novas promessas a garota vai, porém o que se inicia é estupro e violência, ao longo essas vidas se convergem num final comovente.
A vida nesse local é uma verdadeira luta, as dificuldades são extremas e ainda há os militares que não dão sossego, nessas idas de Yura na casa de Leshka acontece algo violento que desencadeia uma série de outros eventos, uma amostra do quão selvagem é aquele ambiente e que apesar de imensamente belo é também poderoso em aniquilar a frágil vida humana. É doloroso observar a tristeza e a esperança do garoto ao imaginar que o pai voltará algum dia, o avô o trata de forma rígida e as demonstrações de amor são expostas em momentos quando se preocupa em como arranjar alimento e com o fato de que precisa tirá-lo daquele lugar, ele pede para Yura levá-lo, mas acontece o acidente e dias depois quem surge é sua esposa que acaba não encontrando ninguém na casa, pois o neto brigou com o avô ao vê-lo atirar nos cães e fugiu caindo no poço, o avô saiu atrás de ajuda, mas o vento e o frio o derrubou. E é ai que os personagens se cruzam, os soldados e a prostituta vão acudir Leshka.

A história paralela é um tanto deslocada em boa parte da trama e retrata que não há alívio para a mulher, sofre pelas mãos dos soldados e também pelas do comandante, há uma virada sutil em que o soldado a vê de outra forma e resolve ajudá-la a levando embora dali, e então encontram o avô caído na estrada que diz o nome do vilarejo e que o menino precisa ser socorrido. O final é bastante tocante ao retratar a inocência e a carência de Leshka.

"Sibéria, Meu Amor" é um filme muito bonito visualmente, o ambiente é seu grande destaque e amplia os sentimentos de desolação e tristeza, os personagens sofrem com as incertezas em todos os aspectos e tentam sobreviver, é uma história que sutilmente se desenrola para algo mais afetuoso, porém de modo bem distinto, fica nas entrelinhas, nos semblantes e nas silenciosas transformações.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

The Nightingale

"The Nightingale" (2018) dirigido por Jennifer Kent (O Babadook - 2014) é um drama pesado, violento e muito emocional, carregado em cenas chocantes e transformadoras o terror real chega com brutalidade, mas também com sensibilidade e poesia, uma produção de ambientação sufocante acompanhada por uma narrativa silenciosa e repleta de sentimentos. 
Na Tasmânia de 1825, Clare (Aisling Franciosi) uma condenada irlandesa testemunha o assassinato brutal de seu marido e seu bebê por seu mestre soldado (Sam Claflin) e seus amigos. Incapaz de encontrar justiça, leva um rastreador aborígene com ela através do deserto infernal em busca de vingança.
Não é um filme convencional de vingança, existem questões profundas e dolorosas envoltas e que se mostram no decorrer da jornada entre uma mulher despedaçada e pelo seu guia aborígene também despedaçado. Claire cometeu um crime na Inglaterra e foi levada como prisoneira para a Tasmânia, ela está nas mãos de um tenente que pagou suas dívidas e por esse motivo está em dívida com ele, ela sonha poder se desprender desse carrasco e refazer sua vida ao lado do marido e seu bebê, mas depois de desentendimentos seu marido é morto juntamente com o seu filho numa cena perturbadora e imensamente cruel. Devastada, encolerizada e solitária decide pegar seu cavalo e ir atrás dos assassinos, mas o lugar inóspito e estranho só é amplamente conhecido pelos seus nativos que foram massacrados pelos ingleses e os que restaram tiveram que se tornar escravos e se adaptar aos costumes, e é com a ajuda de Billy (Baykali Ganambarr) que a contragosto inicialmente decide guiá-la, claro que ela não diz o verdadeiro propósito de sua busca e os dois partem em meio a natureza selvagem e encontram diversos obstáculos, especialmente na alimentação e nos preconceitos que um tem pelo outro.
A raiva de Claire é expelida por todos os seus poros, sua dor é tanta que não consegue pensar no que realmente acontecerá se encontrar os militares, Billy por sua vez se limita apenas a mostrar os atalhos, porém à medida que essa claustrofóbica viagem avança suas dores se unem e se transformam, ele a protege e cuida para que se alimente, começa a caçar e a roubar, conta sobre sua família e seu povo assassinado e tantos outros submetidos a maus-tratos, Billy percebe que Claire na verdade busca vingança e se interessa a conhecer seu passado cujos algozes são os mesmos que lhe tiraram tudo e a partir daí compreende seu objetivo. Diferentes entre si, porém semelhantes na dor da perda e é diante desse entendimento um do outro que nasce a cumplicidade, lealdade e respeito. 

O fundo histórico da trama destaca quando a Inglaterra no início do século XIX começou a explorar e colonizar a Tasmânia deportando uma imensa população carcerária de ingleses, galeses e irlandeses a fim de que após a sentença cumprida trabalhassem pesado e, obviamente, retratando todo o horror do genocídio cometido contra os aborígenes. Claire era uma prisioneira e foi "ajudada" por um militar, só que permaneceu como escrava trabalhando, cantando para os soldados no bar e constantemente sendo estuprada. O ponto histórico aterrador dá ao filme uma outra forma ao gênero vingança, ganha outros tons e camadas e ao final se transforma, Claire resiste o quanto pode e sua raiva é alimentada por um longo período da jornada, mas acontecem tantos infortúnios que a deixam à beira da loucura e minguam toda a sua força, e então Billy encontra em Claire uma forma de libertar também a sua necessidade de vingança. 

"The Nightingale" é um filme forte, sua abordagem é brutal, mas também possui seus momentos belos e poéticos, as interpretações crescentes e viscerais ajudam neste contexto junto de sua ambientação opressiva e violenta, além da paisagem selvagem que preenche a tela.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O Rei (The King)

"O Rei" (2019) dirigido por David Michôd (Reino Animal - 2010, Flesh and Bone - 2015) é um drama épico livremente baseado em eventos históricos e adaptado da peça Henrique V, de Shakespeare. Uma produção poderosa que passa por intrigas de poder políticas e familiares com violência, beleza e questionamentos. 
Após a morte de seu pai, Henrique V (Timothée Chalamet) é coroado rei, obrigado a comandar a Inglaterra. O governante precisa amadurecer rapidamente para manter o país consideravelmente seguro durante a Guerra dos 100 Anos, contra a França.
Uma ótima surpresa, tanto em seu visual como na condução, é um filme que enche os olhos, mas que também promove reflexões acerca de todo o emaranhado provocado pela ânsia de poder. Acompanhamos a decadência do rei (Ben Mendelsohn), uma figura cruel e do qual o filho que o sucederá rejeita, então o rei deixa claro que a coroa será do outro filho que possui o desejo de ascender de maneiras não tão inteligentes, mas acaba que depois da morte do rei e do filho mais novo Henry é coroado, este que antes vivia uma vida simples de boêmio junto de seu fiel amigo e antigo cavaleiro Falstaff (Joel Edgerton). Todos os personagens possuem características marcantes e se entrelaçam numa trama permeada de intrigas, negociações e artimanhas, Henry é completamente avesso aos planos de guerra e se distancia do pai justamente por isso, mas quando se torna rei se depara e é obrigado a pensar nessas questões e fica de frente a difíceis decisões e cujas pessoas que o rodeiam não são confiáveis, o jogo de poder vai acontecendo e seu processo de amadurecimento é confuso e solitário, sua posição não lhe permite amizades sinceras, em meio a tantas desconfianças ele nomeia Falstaff como seu marechal e na decorrência dos fatos vai se tornando numa pessoa dura e amarga, tão próximo da figura do pai que tanto detestava. O magnetismo de Chalamet impressiona e a ótima interação entre os personagens o torna um épico diferente em que o peso das escolhas tem muito mais ênfase do que qualquer ação e violência, apesar de que as sequências de embates são incríveis e denotam também grande carga dramática, não só a estética prevalece, há uma gama de questões envoltas.
Vale ressaltar a ótima participação de Robert Pattinson como Delfim, o príncipe herdeiro da França, sua personalidade excêntrica e vaidosa preenche a tela, assim como Sean Harris como o conselheiro do rei, Joel Edgerton como o único e leal amigo de Henry e até a pequena aparição de Lily-Rose Depp como Catarina, futura esposa do rei.

O roteiro escrito pelo próprio diretor David Michôd em parceria com Joel Edgerton é bem estruturado e se revela como um poderoso thriller político juntamente com o amadurecimento de um jovem de ideais pacifistas que se vê obrigado a assumir a coroa e aconselhado a não se mostrar fraco inicia uma guerra desnecessária.

"O Rei" é um filme solene, retrata os bastidores do reino, as tramas, estratégias e negociações, a solidão e o tédio; a transformação. Todos os sentimentos são transmitidos pelo olhar de Henry, sempre pensativo e angustiado, as poucas cenas de embate são impecáveis e dolorosas, é rico na ambientação e inteligente no desenrolar. 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Graças a Deus (Grâce à Dieu)

"Graças a Deus" (2018) dirigido por François Ozon (Uma Nova Amiga - 2014) é um drama potente que faz questão de colocar o dedo na ferida, o tema é delicado e espinhoso: a pedofilia na Igreja Católica, mas é retratado com cuidado e com muita importância, observamos a história de três homens que foram vítimas e o como cada um lida com o trauma e o quanto é desgastante a busca pela justiça num sistema que se protege e mascara a verdade. Tenso e enfadonho por vezes, mas imensamente essencial.
Um dia, Alexandre (Melvil Poupaud) toma coragem para escrever uma carta à Igreja Católica, revelando um segredo: quando era criança, foi abusado sexualmente pelo padre Preynat (Bernard Verley). Os psicólogos da Igreja tentam ajudar, mas não conseguem ocultar o fato de que o criminoso jamais foi afastado do cargo, pelo contrário: ele continua atuando junto às crianças. Alexandre toma coragem e publica a sua carta, o que logo faz aparecerem muitas outras denúncias de abuso, feitas pelo mesmo padre, além da conivência do cardeal Barbarin (François Marthouret), que sempre soube dos crimes, mas nunca tomou providências. Juntos, Alexandre, François (Denis Ménochet) e Emmanuel (Swann Arlaud) criam um grupo de apoio para aumentar a pressão na justiça por providências. Mas eles terão que enfrentar todo o poder da cúpula da Igreja.
Tudo se inicia com Alexandre, um homem de 40 anos, católico fervoroso e pai de cinco filhos, sua fé é posta em xeque quando recebe a notícia de que o padre Preynat ainda atua na Igreja e com crianças, indignado decide romper o silêncio e buscar mais pessoas que tenham sofrido o abuso, ele denuncia o caso à Igreja, mas enfrenta uma série de situações estranhas por parte da alta cúpula. O cardeal Barbarin sempre acobertou esses casos e até diz numa coletiva de imprensa que graças a Deus que a maioria dos casos já prescreveu. Decidido a encontrar o máximo de pessoas que sofreram abuso Alexandre inicia uma angustiante jornada e encontra uma grande parcela ainda bastante traumatizada que não consegue nem falar sobre, porém a coragem vem à tona quando François cria um movimento e decide expor tudo na mídia. É interessante ver o como cada um lida à sua maneira com o fardo, Alexandre continuou seguindo a religião e constituiu família, François renunciou a fé completamente e também constituiu família, já Emmanuel vive relacionamentos tóxicos e o abuso foi algo que deixou marcas tanto no seu ser quanto em seu corpo. É realmente triste acompanhar o quanto isso acabou o levando para caminhos violentos. A família de François é bastante presente na associação que criou e a mãe de Emmanuel ajuda com as ligações, certamente a culpa de não ter feito nada no passado, Alexandre aos poucos vai sentindo sua fé sendo murchada, uma decepção e uma tristeza o invade, pois talvez não havia pensado tão claramente sobre o abuso. O padre em momento algum nega, ele é protegido pela instituição e se declara doente, nunca foi afastado e ainda continuou perto das crianças.

O silêncio que corrói enfim é quebrado e a denúncia é amplamente feita, não é um filme fácil de assistir, mas é importante ver que tantos casos de pedofilia cometidos pela Igreja estão sendo expostos e julgados, uma instituição poderosa que dita dogmas e que comete abusos horríveis e esconde e se protege mascarando a verdade, atualmente esse quadro está mudando e sendo muito mais observado. "Graças a Deus" é um filme que denuncia e que retrata a podridão escondida nos meandros da Igreja Católica, baseado em fatos reais Ozon direciona seu longa com uma relevância séria e também delicada provocando reflexões acerca do poder da Igreja.

O Arcebispo de Lyon, Philippe Barbarin, de 68 anos, foi condenado a seis meses de prisão em 7 de março de 2019 culpado por não denunciar os casos de pedofilia, o filme em 16 de fevereiro ganhou o prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim, ou seja, um filme que cumpre um papel político-social importante ao denunciar e promover a quebra de tabus em relação aos casos de pedofilia cometidos pelos representantes da igreja.