sábado, 6 de abril de 2019

O Clube dos Canibais (The Cannibal Club)

"O Clube dos Canibais" (2018) dirigido por Guto Parente (Inferninho - 2018) é um ótimo exemplo de como o cinema nacional está produzindo obras cada vez mais pertinentes e ousadas, Guto Parente tem se destacando pelos festivais mundo afora e se sobressaindo como um dos diretores mais interessantes atualmente. O filme é uma sátira aterrorizante que mostra o absurdo, o cinismo e a hipocrisia da elite ao se alimentar literalmente dos mais pobres, recheado de cenas violentas e diálogos perversos coloca em evidência as fissuras da estrutura social do país.
Otavio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios) são da elite brasileira e membros do The Cannibal Club. Os dois têm como hábito, comer seus funcionários. Quando Gilda acidentalmente descobre um segredo de Borges (Pedro Domingues), um poderoso congressista e líder do clube, ela acaba colocando sua vida e a de seu marido em perigo.
A história escancara a diferença entre classes e a segregação racial, a elite que chega ao poder graças aos mais pobres para depois os usarem como querem e se alimentarem posteriormente, o horror não está necessariamente nas cenas que jorram sangue, mas na metáfora explícita que a acompanha, na realidade do cenário absurdo em que estamos vivendo e cuja onda só aumenta. Acompanhamos mais de perto o casal Otavio e Gilda que se diverte fazendo sexo com os empregados enquanto o marido se masturba para em seguida matá-los e enfim devorá-los, Otavio faz parte do Clube dos Canibais, grupo secreto onde diversos políticos se reúnem para ditar regras e se satisfazerem não só com o canibalismo, mas também na observação do ato sexual, o grupo não deixa que as mulheres entrem e por isso Gilda articula meios para tal com o marido na própria casa. Segue assim até que numa festa Gilda flagra Borges numa situação constrangedora e no dia seguinte vai até ele pedir desculpas e dizer que não se importa, mas o poderoso deixa claro que não sabe do que ela está falando e daí para frente a tensão do que pode acontecer só aumenta, Otavio já estava apreensivo pelo "sumiço" de um integrante do grupo e quando Gilda diz o que viu e o papo que teve com Borges então tem a certeza que suas vidas correm perigo.
O ritmo da história é boa e captura nossa atenção por conta de seus personagens execráveis que personificam perfeitamente a elite que usa e abusa dos mais pobres, que em sua grande maioria são negros, pois diante de um país racista e classista não possuem força para se sobressair, o tom sarcástico ajuda na composição e a violência utilizada não só está nas imagens, mas também em suas falas preconceituosas e cheias de si, discursos de ódio que envolvem patriotismo e discriminação.

Destaque para a trilha sonora opressiva composta por Fernando Catatau e os efeitos especiais concebidos por Rodrigo Aragão, outro expoente do cinema de gênero nacional. O filme é muito bem elaborado e garante um suspense pulsante e cenas violentas, angustiante acompanhar personagens cínicos que, na verdade, têm medo. Medo de perderem suas posições privilegiadas, medo que a classe mais baixa obtenha voz, força e ação para que nunca mais deixem serem abusados e devorados. Quando surge Jonas (Zé Maria), que é contratado pelo casal por causa de seu visual e claramente para servir de alimento depois, várias situações tensas o envolvem e que mais adiante o tornam numa espécie de vingador. 

"Brindemos a lealdade que nos une. Nós, homens distintos e devotos aos mais nobres e elevados valores universais, enquanto nos mantivermos leais uns aos outros e aos nossos ideais seremos eternamente merecedores da posição privilegiada que ocupamos neste mundo. Posição esta meus queridos que nos demanda cada vez mais atenção e responsabilidade, pois os nossos inimigos, aqueles que lutam pela degradação dos valores da família, da fé, do trabalho, aqueles que querem transformar o nosso país num país de miseráveis, de delinquentes, de pederastas e de toda a escória social que deveria se encontrar esmagados sob nossos pés, àqueles meus caros, são capazes de todo o tipo de vileza para nos derrubar, mas nós não vamos cair, nunca, jamais, porque somos muitos e somos fortes, enquanto nos mantivermos unidos, leais, fiéis aos nossos ideais nada e nem ninguém irá jamais nos destruir e destruir a nossa pátria. Viva o Brasil! E viva o povo brasileiro".

"O Clube dos Canibais" é um filme potente e mordaz, são cenas que causam asco, como a festa em que ricaços dizem odiar morar num país de terceiro mundo e riem dizendo querer a extinção dos flanelinhas, ou a pior de todas, na reunião, cujo líder Borges se eleva e discursa sobre os valores de família, fé e contra àqueles que querem degradá-los, mais atual que o cenário absurdo em que vivemos impossível, a crítica social e política é visceral e, sem dúvidas, se configura entre os exemplares mais interessantes e ousados do cinema nacional de gênero.  

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