quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Ponto Cego (Blindspotting)

"Ponto Cego" (2018) dirigido pelo estreante Carlos López Estrada é um filme de emoções pulsantes, interpretações fortíssimas e que retrata o racismo e situações incômodas que o negro passa em seu cotidiano, principalmente com relação aos policiais, a construção da narrativa é primorosa e mistura humor sarcástico juntamente a questões pesadas, a tensão acompanha por todo o desenrolar com o propósito de nos sentirmos na pele de Collin. Destaque para o rapper Rafael Casal, que estreia como ator e que possui um magnetismo maravilhoso, aliás, a dupla que forma com Daveed Diggs é perfeita.
Em Oakland, Califórnia, o ex-presidiário Collin (Daveed Diggs) enfrenta os últimos dias de liberdade condicional antes de acertar as suas contas com a justiça. Quando presencia uma troca de tiros envolvendo policiais, ele hesita sobre a melhor coisa a fazer e conta com a ajuda de seu amigo de infância, Miles (Rafael Casal). Contudo, o caso expõe as diferenças de pensamentos entre ambos e revela os traumas sociais de cada um. 
Collin é um preso em liberdade condicional e acompanhamos seus últimos três dias antes da liberdade definitiva, há uma série de regras que precisa seguir, ele se mantém firme e correto, mas tudo ao seu redor é uma possível ameaça, seu amigo Miles é um tanto desequilibrado e o leva junto nas suas doideiras, tudo muda quando Collin presencia um negro sendo morto por um policial, perplexo com essa visão começa a pensar na sua própria situação e o quanto é difícil simplesmente andar na rua sossegado sem ser parado por um policial e sempre ser o culpado somente por causa da cor da pele. Seu pensamento sobre essas questões se expandem e vamos juntos nessa jornada com medo de a qualquer momento ser pego e não conseguir sua liberdade, e acontecem inúmeras situações complicadas durante esses dias, principalmente por causa do descabeçado Miles que sabe articular e colocar suas ideias em prática ao mesmo tempo que possui raiva em si como forma de sentir pertencente ao lugar.
É um filme crescente e potente, são cenas arrebatadoras, diálogos em forma de rimas e claro, lá pelo final o desabafo em forma de rap de Collin, o entendimento de sua identidade, a sua transformação e a sua fúria em um misto de emoções, a importância do rap é enorme, voraz e necessário na vida deles.

Uma obra indispensável e deveras expressiva, retrata a realidade de ser periférico e periférico negro e ter que se provar o tempo todo, do medo de andar nas ruas e ser parado por policiais ou até ser morto por causa disso, ambientado na cidade de Oakland coloca em cena toda a gentrificação que o local sofreu esmagando os mais pobres.
Collin começa a perceber seu contexto social ao presenciar um policial branco matar um negro, seu processo de entendimento de sua identidade, do local onde vive, da apreensão cotidiana e dos estereótipos são profundos, a amizade também é um fator bastante importante e através dela que entendemos os dois lados e alcançamos as visões de cada um.

"Ponto Cego" é um exemplar necessário cheio de estilo e autenticidade, enérgico trata de questões pontuais e atuais sobre polícia, violência e racismo, tudo permeado por rimas pujantes, uma trilha sonora incrível e uma atmosfera angustiante; o roteiro co-escrito por Daveed Diggs e Rafael Casal é genuíno e impactante mesclando sarcasmo ao drama. Um dos melhores filmes do ano passado e que certamente não merece passar despercebido. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Os Irmãos Sister (The Sisters Brothers)

"Os Irmãos Sister" (2018) é o primeiro filme em língua inglesa de Jacques Audiard (Ferrugem e Osso - 2012), adaptado da obra homônima do escritor canadense Patrick DeWitt é um faroeste repleto de nuances e que consegue transpor todas as camadas reflexivas que o livro propõe. É melancólico, sombrio e também permeado por um humor negro. 
Eli (John C. Reilly) e Charlie (Joaquin Phoenix) Sisters são dois pistoleiros que recebem uma missão complicada: capturar e eliminar Hermann Kermit Warm (Riz Ahmed), um explorador de minas de ouro. Os assassinos perseguem o explorador através do deserto do Oregon, no entanto, Eli começa a ter uma crise de consciência sobre a carreira que leva. Para se salvar, Hermann pode se aproveitar dessa fraqueza momentânea e oferecer um acordo melhor para os irmãos.
Esperei muito por essa adaptação, pois o livro me surpreendeu de uma forma que jamais imaginei, personagens diferentes dos apresentados na maioria dos westerns, foge dos clichês convencionais e se aprofunda nos sentimentos que cada um experimenta vivendo nesse ambiente, uma obra que passeia pelo drama e humor negro com grande habilidade. A adaptação conseguiu conservar essa essência e o elenco virtuoso ressalta ainda mais essas características, todos têm seu espaço e brilham cada um à sua maneira, deslumbrante a composição de John C. Reilly como Eli, geralmente o vemos em papéis coadjuvantes e sempre impecável, mas aqui temos a exata noção de sua potência como ator, a incorporação de um homem que não se encaixa, que está à frente de sua época, que questiona os meios violentos dos quais utiliza e consegue estabelecer elos afetivos facilmente, sua postura, seu gestual e todos os detalhes o tornam um personagem interessante, por exemplo, quando decide usar a escova de dentes, algo que destoa de todo o cenário retratado, Joaquin Phoenix como Charlie é também um absurdo de excelência, ele é o irmão violento, prepotente e conhecido por sua destreza com as armas, o que sobra a Eli de perspicácia falta a Charlie, ele é o retrato do homem ambicioso e indômito, do outro lado temos Jake Gyllenhaal como Morris, uma espécie de detetive do Comodoro, ele é o meio pelo qual os irmãos conseguirão chegar até o alvo, falso e descrente seu personagem aparenta não possuir moral nenhuma até conhecer Hermann, vivido por Riz Ahmed, um químico que possui um sonho utópico, seu personagem é extremamente sensível e toda sua inteligência impressiona Morris, através dele consegue vislumbrar uma vida diferente e se encanta com a ideia e seus meios de obter o ouro do rio, claro que a ambição é a força que o move, mas durante o processo a afetividade ganha forma, algo super incomum em filmes deste gênero. Os quatro possuem sua carga dramática e toda a trajetória os levam a pensar e, a partir daí, modificarem seus modos de agir.  
Charlie e Eli saem com uma missão, capturar Hermann com o apoio de Morris, este disfarçado se finge de amigo e desse modo o levará até os irmãos, Eli não está satisfeito com o cavalo que recebeu e tão pouco em ficar de fora da reunião com o Comodoro, ele questiona o tempo todo qual o propósito de matar Hermann e durante a viagem sofre de pesadelos e com os incidentes que se revelam, se imagina abrindo uma loja e se libertando dessa vida de violência, os motivos para seguir e matar Hermann não o deixam sossegado e enquanto isso Charlie bebe e se irrita com tudo e todos, mais para frente entendemos o porquê está nessa com o irmão e o quanto Charlie o subestima não enxergando o quanto o protege e controla a sua impulsividade.

Dentre tantas situações que ultrapassam durante a viagem, como infortúnios, ameaças conhecidas e desconhecidas e pitadas de sorte, observamos Morris se interessando pelas ideias de Hermann, são diálogos primorosos em que tanto um como o outro pensam em um futuro melhor, a fórmula que Hermann criou para enxergar o ouro no rio salta aos olhos de Morris e a ambição fala mais alto, logo muda de lado e o acompanha até São Francisco para o garimpo. Quando finalmente os quatro se juntam depois de acertarem as contas e pensarem no quanto de ouro acharão com a fórmula, empreendem um duro trabalho com graves lesões físicas, a violência é deixada de lado e a melancolia toma conta, há medo misturado a sonhos, afeto e muita ambição, e é justamente esse anseio desmedido que detona todo o plano e a narrativa ganha ainda mais contornos tristes e escuros. 

"A maioria das pessoas vai continuar insatisfeita, sem nunca tentar entender por que ou como elas poderiam mudar as coisas para melhor, elas morrem sem nada no coração a não ser sangue sujo..." (trecho do livro)

"Os Irmãos Sister" é uma bela e sensível obra que aborda crise existencial, ganância e relações afetivas em meio a um cenário hostil com um humor particular e um ar sombrio. Um atípico faroeste, pois deixa a violência e questões de vingança para segundo ou terceiro plano, o foco está na evolução da personalidade dos personagens, na mudança de suas prioridades, no entendimento do trabalho bárbaro que cometem, são homens diferentes entre si, complexos e fascinantes. 
O filme conta com uma série de acertos, desde o diretor Jacques Audiard que colocou suas características, como realismo e sensibilidade, o elenco formidável, destacando-se principalmente John C. Reilly, a trilha sonora composta por Alexandre Desplat e a recriação do cenário, que mesmo a história se passando no oeste americano as gravações foram realizadas no sul da Espanha e na Romênia.

A onda de faroestes retornou e está surpreendendo com tamanha criatividade e originalidade em seus enredos, deixando de lado cenas batidas de duelos em que a ação é o mais importante, recentemente fiz uma lista com alguns exemplares, confira

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Quando os Anjos Dormem (Cuando los Ángeles Duermen)

"Quando os Anjos Dormem" (2018) dirigido por Gonzalo Bendala (Assassinos Inocentes - 2015) é um filme de suspense que flerta com o terror, mas um terror bem próximo da realidade, é incrível o poder das consequências de decisões erradas, retrata um homem comum que trabalha em excesso e que prima pela família, porém nunca consegue estar junto, ele quer ter seu nome e sua honra intactas, mas comete uma imprudência que o levará a uma derrocada moral abissal, o novelo de situações que se envolve e a forma com que decide agir perante elas só agravam as coisas. O desenrolar da trama é bastante interessante e seu final deixa um gosto amargo por conta da injustiça e pode desagradar uma boa parcela dos espectadores.
Germán (Julián Villagrán) é um executivo de uma importante empresa de seguro de vida ocupado demais com o trabalho para dar atenção a sua família. Quando, na noite do aniversário de sua filha pequena, ele tenta dirigir para casa exausto de tanto trabalhar, um acidente transforma aquela noite em um terrível pesadelo.
Com pressa para poder chegar ao aniversário da filha depois da esposa quase implorar ao telefone, Germán pega o carro que já sai com uma batida na lanterna frontal e segue viagem, ele está a mais de 500 km de distância e a canseira bate, a polícia o para e o aconselha a dormir num hotel, claro que ele dá um jeito e sai mesmo com sono, no caminho são várias cochiladas e numa delas termina colidindo com alguma coisa, ele vai seguindo até que decide voltar e ver o que aconteceu, no chão está uma moça agonizando, sem saber muito como proceder a coloca no carro e aí surge uma outra moça, que vendo a cena entra em pânico achando que ele a matou e por conseguinte iria matá-la também. A história das amigas é retratada no início em que uma delas sai escondida de casa para beber com a amiga e sair com rapazes, nada sai como previsto e as duas acabam no meio da estrada totalmente drogadas. Gérman se esforça para convencer Silvia (Ester Exposito) de que não atropelou Gloria (Asia Ortega), mas a moça além de estar alucinada se apavora com o que vê, ela tenta de todas as formas ligar para a polícia e depois foge, Gérman a segue obsessivamente e o filme vai ganhando contornos cada vez mais tensos, a personalidade irritada de Gérman vai se expandindo e com medo de que tudo ganhe grandes proporções age por conta própria e anula qualquer pedido de ajuda. As decisões que toma e a caçada por Silvia o torna psicótico e é óbvio que a garota iria fugir dele, seu caráter egoísta e indiferente amplia-se com o ocorrido e seus desdobramentos.

O protagonista consegue gerar um misto de emoções, no início desejamos que ele consiga conversar com a garota, mas seu jeito de consertar as coisas acaba com esse desejo, e o ódio que temos de Silvia em sair desesperada correndo se converte em empatia, pois depois de todas as consequências dos atos de Gérman só queremos que ele seja pego, suas desculpas de que tem família e reputação gera nojo, ele é um covarde e ainda para completar a polícia vai por outros caminhos e acredita na desculpa dele e de sua esposa que compactua mesmo sem dizer uma palavra. 

"Quando os Anjos Dormem" tem uma atmosfera tensa em que a violência vai ganhando corpo, retrata que tomada de decisões erradas juntamente com coincidências são capazes de revelar alguns seres humanos em verdadeiros monstros, a realidade desse pensamento é apavorante e dentro desse contexto o filme cumpre bem com o seu papel. 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Em Busca de Watership Down (Watership Down) Minissérie

"Em Busca de Watership Down" (2018) dirigido por Noam Murro é uma minissérie animada coproduzida pela BBC e Netflix. Baseada no clássico romance homônimo de 1972 de Richard Adams essa adaptação optou por uma abordagem amena para que atinja mais público, com certeza a violência fez falta, mas a história é tão grandiosa e tão cheia de camadas que é impossível não se hipnotizar pelas aventuras das quais o bando de coelhos enfrenta. O livro é uma obra-prima pela sua profundidade em exibir a vida selvagem dos coelhos com todos os obstáculos e inimigos, muitos temas estão envoltos e mesmo sem querer faz incríveis alegorias. O filme de 1978 também é marcante por recriar esse universo sem floreios expondo cenas violentas e de melancolia, um clássico absoluto, assim como o livro que se faz necessário para qualquer leitor. 
Confira a resenha de ambos aqui.
Situada numa idílica paisagem rural do sul da Inglaterra, a aventura baseada no romance de Richard Adams acompanha a jornada de um bando de coelhos por um novo lar após a destruição de seu habitat. Liderados por um par de irmãos valentes, eles saem de sua terra nativa em Sandleford Warren e enfrentam provações angustiantes, bem como predadores e outros adversários, em rumo a uma terra prometida, com uma sociedade perfeita.
Com uma abordagem mais leve em questão da agressividade e até o tom de medo que permeia a obra acaba sendo mais palatável e consegue abranger todos os públicos, mas isso não tira o mérito da produção que organizou a história muito bem, claro que condensada, pois o livro é imensamente detalhista, porém não tem o que dizer sobre a  fidelidade do enredo e sobre a personalidade dos personagens, o desenvolvimento dos principais, como Hazel (James McAvoy), Fiver (Nicholas Hoult), Bigwig (John Boyega), Holly (Freddie Fox), Clover (Gemma Arterton), Hyzenthlay (Anne-Marie Duff), consegue traduzir boa parte das sensações que cada um sente, os receios, a coragem, o instinto e a união. Os demais não são tão explorados e outro que fica de lado é a gaivota Kehaar, que tem bastante importância na trama e que dá um tom sarcástico e que revela uma amizade inesperada. Outro ponto a ser referido é a computação gráfica que não é das melhores, a estética realista deixa a desejar, só que o roteiro é tão poderoso que isso soa pequeno e insignificante, a jornada dos coelhos começa quando Fiver prevê a destruição da coelheira, ele e seu irmão conseguem juntar mais alguns coelhos para começar a procurar um lugar seguro, a mitologia envolvendo a criação da espécie é colocada em um rápido prólogo e durante alguns pontos da narrativa surgem mínimas referências tanto a El-Ahrairah como o Coelho Negro, Hazel sofre por ter que liderar o grupo e inspirar confiança, já que o destino é incerto e muito perigoso, com o passar do tempo Fiver vai tendo novas visões que indicam o caminho para Watership Down, mas inúmeras situações se passam que tanto servem para fortalecer a amizade como para surgir mais medo e desconfianças, eles encontram um viveiro com coelhos conformados pelo fim que os espera e a terrível Efrafa comandada pelo General Woundwort (Ben Kingsley), um enorme coelho que domina um exército e mantém um outro grande número aprisionados.

Há muitos temas envoltos, como hierarquia social, confiança, companheirismo, religião, sacrifício, amizade, destruição da natureza, assim metáforas e simbolismos acabam se formando e, por consequência, grandes reflexões surgem. Crítica social, política, ambiental e religiosa em uma animação de aventura hipnotizante em que a vida selvagem é explorada sob um ponto de vista cru e melancólico. Há um ar de tristeza e indecisão, o medo é recorrente e a natureza é quase sempre opressiva.

"Talvez alguns humanos entendam que todas as coisas vivas sofrem e merecem respeito"

"Em Busca de Watership Down" consegue conservar a essência da história mesmo com uma abordagem branda, aqui não há sangue e pedaços de orelhas sendo arrancadas, mas há sempre a tensão no ar e a sugestão da violência, a jornada dos coelhos é repleta de emoção, imergimos e ficamos apreensivos a cada aventura, uma produção que apesar de carecer de um visual melhor possui um roteiro que se sustenta, uma obra imprescindível e atemporal que merece sempre ser revisitada.
Não deixe de conferir, está disponível na Netflix!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

The Dark

"The Dark" (2018) dirigido pelo estreante Justin P. Lange é um filme austríaco de horror que cria uma atmosfera sombria repleta de mistérios em tom de fantasia, uma bela e intrigante história em que a monstruosidade pode ser interpretada tanto literalmente como metaforicamente.
Mina (Nadia Alexander) seria uma adolescente como qualquer outra se não tivesse sido amaldiçoada e transformada em uma vampira morta-viva. Ela é obrigada a assombrar a casa onde cresceu: ninguém entra ou sai vivo de lá. Mas a chegada de Alex (Toby Nichols), um menino cego da mesma idade de Mina, pode fazê-la reviver sentimentos adormecidos, como empatia e amor.
Mina devora carne humana, somos apresentados a ela da forma mais brutal e melancólica possível. O que ela é na verdade não importa, mas sim o que a fez se tornar nessa aberração. Ao se deparar com Alex no carro de sua última vítima algo começa a mudar, o garoto teve os olhos cegados por seu abusador e possui atitudes estranhas por conta de seu histórico com o homem que o levava no porta-malas do carro, ao ver seu estado decide deixá-lo vivo, essas crianças são reflexos da crueldade humana, a aura fantástica permite que nossa imaginação passeie pelos enigmas e segredos e fica por nossa conta interpretá-los. É um conto sobre o resgate da humanidade e do amor.
A história nos leva ao passado de Mina e vemos a atrocidade pela qual passou e o porquê dela estar atrelada àquela casa e floresta, todo o sofrimento e a dor a transformaram numa criatura cheia de ódio e revolta onde nada mais é capaz de atingi-la, sua face destruída, sua pele gelada e sua fome por carne humana, não sobrou nenhum resquício daquela menina, não existe mais medo. A relação entre Mina e Alex vai sendo construída estranhamente, já que o garoto possui uma personalidade submissa e ao mesmo tempo raivosa, ele não titubeia ao cometer violência e chega um ponto que Mina começa a se questionar sobre isso. Seu sembante então vai se livrando do aspecto de monstro conforme sua sensibilidade vem à tona, Alex é uma espécie de neutralizante e a partir disso ela vai tomando decisões importantes e um ar de esperança surge.

O filme passeia poeticamente entre a brutalidade, crueza, o surreal, fantasia, e a sensibilidade permeiam as cenas, cujos olhares, gestos e diálogos exibem muita delicadeza e encantamento. As interpretações são ótimas, tanto Mina como Alex carregam traumas imensos, o resultado de suas personalidades sombrias e estranhas. O encontro deles acaba sendo uma espécie de superação e salvação.

"The Dark" é um conto de fadas sombrio e melancólico, mas que ainda sim emana vida e esperança, toda a trajetória de Mina, sua compreensão, o regaste de sua humanidade e superação através de Alex e de Alex através de Mina para sua nova vida é linda e poucos são os filmes que conseguem transitar tão puramente entre fantasia, horror e realidade. 

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Utøya 22 de Julho: Terrorismo na Noruega (Utøya 22. Juli)

"Utøya 22 de Julho: Terrorismo na Noruega" (2018) dirigido por Erik Poppe (The King's Choice - 2016) reconta o massacre em um acampamento da ala jovem do Partido Trabalhista, na ilha de Utoya, promovido pelo extremista de direita Anders Behring Breivik em 22 de Julho de 2011 após ter matado oito pessoas em um atentado a bomba em Oslo, o filme segue em uma única sequência, câmera na mão e recria intermináveis 72 minutos (tempo exato da carnificina) com extrema tensão, o tiroteio é sob o ponto de vista das vítimas, especialmente, Kaja, que em meio ao inferno busca por sua irmã. É um excelente trabalho em que a veracidade dos acontecimentos machuca o espectador, o desespero domina a cada som de tiro juntamente com o semblante apavorado dos jovens.
No pior dia da história norueguesa moderna, Kaja (Andrea Berntzen) ao mesmo tempo que se preocupa com o comportamento da sua irmã mais nova Emilie (Elli Rhiannon Müller Osbourne), tenta compreender e buscar nos noticiários sobre o que ocorreu em Oslo. Em menos de duas horas Breivik consegue fazer seu segundo ato terrorista entrando disfarçado na ilha e antes que alguém percebesse as suas intenções começou a disparar. Kaja representa o pânico, medo e desespero dos 500 jovens enquanto busca sua irmã na floresta. 
A notícia do atentado a Oslo chega à ilha e preocupa os jovens, não há muita informação, tudo acontece rápido e apenas algumas horas depois o atirador entra em Utoya e começa o massacre, completamente isolados e desprevenidos tentam sobreviver diante o terror de não saberem o que está acontecendo, pois o cara estava disfarçado de policial, alguns tentam pedir ajuda mas as chamadas eram rejeitadas devido o ocorrido em Oslo, a todo instante estamos junto de Kaja que ao mesmo tempo tenta se proteger e procura por sua irmã em meio ao caos, o atirador não é mostrado, somos guiados pelos sons dos tiros, ora perto, ora longe, e todo o pânico causado. O desespero é imenso, segue correria pelo bosque, tentativas de se esconder no camping, entre as árvores, entre as rochas, fugas a nado enquanto se deparam com inúmeras pessoas mortas pelo caminho e também ao enfrentar recusas de abrigo em prol da própria sobrevivência.

É um filme de horror, o horror real das consequências do ódio disseminado pelo mundo, a maneira que o diretor resolveu retratar esse ato cruel longe do viés político e mais próximo do humano foi um acerto e deixa-o forte, ao contrário de somente expor e fazer desse horrível episódio entretenimento preferiu dar ênfase no sofrimento humano como meio de compartilhar os sentimentos vividos pelos jovens.
Apesar da temática forte e traumática, existe um lado sensível por parte dos realizadores em respeito as vítimas, baseado em relatos dos sobreviventes ao ataque confere bastante autenticidade e nos faz imergir de forma intensa, são minutos inquietantes da mais pura agonia e o nó na garganta permanece mesmo após seu término.

"Utoya 22 de Julho" é um importante filme para se refletir na onda crescente de ódio e a problemática em que o continente europeu e o mundo está passando com movimentos de extrema direita ganhando cada vez mais adeptos, desse modo essa obra serve como um alerta e demonstra com propriedade o estrago desses ideais distorcidos, mais uma vez a escolha de focar no sofrimento, na tensão dos jovens e não no atirador só aumenta seu valor por expor exatamente o sentimento causado e não gerando publicidade em cima de sua figura, o que aconteceu e muito na época do massacre e como fez o filme "22 de Julho", disponível na Netflix, que trata o fato de forma mais didática.
É um longa necessário que trabalha nossa humanidade ao retratar o quão intolerante e violento o mundo está e que coisas desse tipo não podem se repetir, com certeza uma ferida que nunca será cicatrizada num país dito tão pacífico.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Faca no Coração (Un Couteau Dans le Coeur)

"Faca no Coração" (2018) dirigido por Yann Gonzalez (Os Encontros da Meia-Noite - 2013) é uma produção francesa um tanto inusitada e original, chama bastante a atenção seu estilo kitsch, há muito mistério, erotismo e pitadas de slasher, para os fãs de cinema cheio de cores e que ressalta a fotografia sem dúvidas é um exemplar irresistível.
Final da década de 1970, em Paris. Anne (Vanessa Paradis) é uma produtora de filmes pornográficos que sofre com o término de seu relacionamento com a montadora Lois (Kate Moran). Os negócios não andam bem, e são ainda mais prejudicados quando um estranho assassino mascarado começa a atacar seus principais atores. Revoltada com a passividade da polícia, Anne começa a sua própria investigação, e tem uma ideia genial: reencenar as mortes em versão pornô. 
Anne, vivida pela fascinante Vanessa Paradis - ícone pop da França, produz filmes pornográficos super criativos com ajuda do seu braço direito Archie (Nicolas Maury), mas as coisas vão de mal a pior, além de estar passando por uma fase complicada em seu relacionamento amoroso com Lois, sua montadora, um misterioso assassino mata um dos seus atores mais queridos, só que ao invés de se preocupar seu processo criativo se reacende e imagina as histórias com base nisso, a atmosfera fetichista domina a trama e tem até um quê de conto de fadas em muitos momentos. O assassino se torna uma espécie de especialista em matar atores pornôs, a dúvida permanece conosco o tempo todo e nada do que se deduz acontece, a explicação final é elaborada, assim como os filmes que Anne produz. As mortes são belamente filmadas e a figura do assassino gera bastante desconforto, seus ruídos e a maneira que crava a faca nas suas vítimas. Anne segue não se importando, fala com a polícia, que também não investiga de acordo e assim o serial killer tem espaço para agir. Ela está interessada na sua obra que reproduzirá os assassinatos e acredita que será o seu melhor trabalho, inclusive acompanhamos todo o processo de "Homocida", que diga-se de passagem são cenas hilárias e também sensuais, não há pudor em exibir os corpos e o sexo, sem ser claramente explícito, mas estimulante ao colocar os sons para ativar a nossa imaginação. A ambientação da época é primorosa e faz referência a clássicos, como Dario Argento, o figurino, as cores e a trilha sonora cósmica também são pontos de destaque e criam um todo singular e interessante.

A história vai te levando para lugares incomuns e surpreendentes, quando Anne decide iniciar uma investigação por conta própria surgem elementos fantásticos e então há uma mudança e uma virada, as descobertas aparecem e finalmente o todo se amarra na estreia do seu filme dentro de um cinema num clube gay.
O universo LGBT é maravilhosamente bem representado, sua diversidade e nuances, os elementos, nada fica de fora, um retrato diferente do usado em tantos filmes, tudo isso misturado a uma trama que envolve amor, sexo, traumas e morte, um obra livre que homenageia e faz diversas referências, como ao gênero Giallo.

"Faca no Coração" tem uma estética primorosa com roupas coloridas e ambientes com luzes néon, sua trilha composta por M83 é bastante magnética e pontual, seu mistério permanece e só descobrimos a face do assassino e sua motivação realmente no fim. Um suspense erótico underground e fetichista com pitadas de slasher, humor negro e até fantasia. Uma experiência pulsante e ousada!

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Roma

"Roma" (2018) dirigido por Alfonso Cuarón (Gravidade - 2013) é um filme íntimo, pessoal e de um apuro técnico fabuloso. Cuarón faz um registro do México dos anos 70 em que quase tudo foi inspirado em sua infância e em suas memórias de quando vivia no bairro Roma. A obra arrebata ao retratar o cotidiano, as desigualdades sociais e momentos críticos do país de maneira cru e fluida sem qualquer interferência ou crítica, completamente sensorial propõe um exercício de observação.
Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher (Yalitza Aparicio), que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais.
Cleo, descendente de tribos indígenas mesoamericanas, trabalha como doméstica e babá para uma família de classe média e seu mundo se resume a servi-los, aos poucos vamos criando empatia ao observar o quão invisível é tanto dentro da casa, como na sociedade, Cleo cuida das quatro crianças com carinho, desde o momento em que as acorda de manhã até o momento de colocá-las na cama à noite. O filme se inicia com um belo quadro em que água e sabão se misturam e caem finalmente no ralo, a câmera então abre e vemos Cleo esfregando a garagem, que mais tarde o patrão guarda o carro com todo o rigor possível, a câmera faz questão de exibir e passear pelos detalhes, o Galaxie precisa ser manobrado com cuidado, pois quase não cabe no corredor, a roda passa por cima das fezes do cachorro, o que depois gera reclamações para a esposa e esta desconta em Cleo. Sofía (Marina de Tavira) entra em colapso quando o marido não volta mais para casa, sozinha precisa se virar para dar conta de sustentar os filhos e esconder deles o sumiço do pai, isso reflete em Cleo e Adela (Nancy García Garcia), sua colega de trabalho, as duas dividem um quartinho nos fundos e por mais que sejam ativas na vida social da casa não deixam de ser as empregadas, que necessitam de um lar e comida. Diante da situação em que o país passa elas de algum modo estão protegidas, quando vemos os arredores, o lado pobre e a crise se instalando percebemos a vulnerabilidade, a enorme desigualdade. Em dado momento Cleo sai com Adela e aí conhece um rapaz (Jorge Antonio Guerrero), praticante de artes marciais, mais tarde esse romance se revela uma cilada para Cleo, que se vê grávida e abandonada em uma passagem triste e revoltante que acontece dentro de um cinema. 
O filme marca por seus instantes sutis, não há grandes eventos, é o cotidiano se revelando e suas diversas pequenas tramas se instalando, é a dificuldade de Cleo suportar sozinha a carga de estar grávida, de compreender seus conflitos internos, sua invisibilidade na sociedade, o afeto da família que vai até determinado ponto, são inúmeras cenas que fazem esse recorte, de que a barreira nunca será transposta, e tudo isso o filme faz de um jeito ameno, até pelo fato da personagem ter uma personalidade ingênua e observadora,  há uma gama de problemáticas, mas em nenhum momento aponta e julga, fica apenas a reflexão diante das imagens que se desnovelam. 

Cada plano exala beleza, poesia e melancolia, consegue nos inserir à época e nos fazer olhar pelo ângulo da recordação, as tragédias, os conflitos políticos, momentos de dor e sofrimento; Cleo tem uma força imensa mesmo não a transparecendo, existe uma enorme complexidade na relação com as crianças que cuida e com a patroa que lhe trata bem, pois apesar do amor ela está ali para servir, os momentos de carinho são quebrados quando pedem para ela pegar um copo da água, fazer uma vitamina e mais grave ainda não saberem absolutamente nada sobre ela a não ser seu nome. Yalitza Aparicio em seu primeiro papel brilha em cena mesmo contida e é justamente por isso que encanta, Cleo nada mais é que uma espectadora.

Alfonso Cuarón concebeu uma bela obra a partir de suas memórias, além de ser uma rica experiência cinematográfica, seu esmero técnico e a fotografia também feita por ele nos enche os olhos, o preto e branco só ressalta a sensação de estar olhando para o passado, para fotografias antigas. Muitas das situações retratadas ainda sombreiam nosso presente, principalmente na América Latina, não tem como não associar certas passagens com o filme brasileiro "Que Horas Ela Volta?", especialmente da relação patrão/empregado. Em "Roma" o registro é sutil e propõe a apreciação das imagens, sem dúvidas um dos melhores do ano!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A Bruxa na Janela (The Witch in the Window)

"A Bruxa na Janela" (2018) dirigido por Andy Mitton (Yellowbrickroad - 2010) é um bom filme de horror que se sustenta no drama familiar e que se difere dos tantos exemplares envolvendo casa mal-assombrada, algo original nesse estilo é bastante difícil e por incrível que pareça este exibe elementos que não apenas assustam mas que também sugerem reflexões contundentes. É preciso saber antes de se enveredar que não é um filme comum de terror, o drama se sobressai ao demonstrar que lidar com fantasmas internos pode ser mais complexo do que supostamente os que habitam as casas.  
A trama gira em torno de um pai separado, Simon (Alex Draper), e seu filho de doze anos, Finn (Charlie Tacker), que se dirigem a Vermont para consertar uma antiga casa de fazenda, e acabam encontrando o espírito malicioso do proprietário anterior, uma mulher infame e cruel chamada Lydia (Carol Stanzione). Com cada reparo que Simon faz, ele também está tornando seu espírito mais forte... até que um encontro aterrorizante o deixa duvidando se ele pode proteger seu filho do mal que está entrando em suas cabeças e corações.
Simon busca seu filho pré-adolescente para passar um tempo reformando uma casa de campo em Vermont, sua intenção é fazer uma surpresa para a esposa, que está sufocada e triste com o comportamento do filho, eles não têm uma relação fácil, o garoto está numa fase de revolta e desconta tudo na mãe, ele viu coisas na Internet que não deveria, o pai é um fracassado que apenas foge para não encarar a realidade, este momento surge como um possível recomeço e então Simon dará tudo de si a fim de se reconectar com a família. De início há bastante conflito na interação entre pai e filho, mas conforme o andamento da reforma se desenvolve a relação vai se tornando mais maleável com conversas sobre mentiras e verdades, até que quando Louis (Greg Naughton), o vizinho, vai dar uma olhada na parte elétrica conta a história da casa e da mulher que ali habitava, acusada de bruxaria ela morava na casa com seu marido e filho, que mais tarde apareceram mortos, Louis diz que a propriedade sempre lhe causou medo, que o fazia ter pesadelos o levando assim ao sonambulismo e que toda vez que abria os olhos estava diante da casa. Ao olhar para a janela ele podia ver a bruxa, até que um dia percebeu que a mulher estava imóvel em sua poltrona e descobriu depois que estava morta há algum tempo com os olhos abertos encarando o horizonte. Dai por diante pai e filho começam ter a certeza que não estão sozinhos e não demora para a fantasma aparecer sentada em sua poltrona de frente para a janela, inclusive os dois a olhando bem de perto. À medida que reformam a casa Lydia vai ficando mais e mais forte e ao contrário de tantas outras histórias a fantasma quer que eles fiquem. Simon não deixa que o filho fique na casa e sozinho decide dar prosseguimento, o que permite que ele não só encare Lydia, mas encare também os seus fantasmas internos.

O horror encontra espaço em instantes curtos parecendo alucinações ou sendo bastante explícito, mas sempre carregado de um tom sombrio e macabro ainda que o que mais se sobressaia é o drama familiar e a dificuldade de encarar o passado. Simon ao reestruturar a casa acaba encarando seus dramas e por fim precisando fazer escolhas um tanto sinistras, o que confere um desfecho original. Vale destacar o trabalho de som, a casa e seus ruídos e a atmosfera densa que a cerca.

"A Bruxa na Janela" é melancólico e emotivo ao retratar conflitos familiares, os fantasmas são expostos tanto literalmente como figurativamente. Definitivamente uma história que sai da fórmula básica de casa mal-assombrada e por isso já vale a pena ser visto. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Melhores Filmes 2018

Segue a lista dos melhores filmes que estrearam no Brasil em 2018 que tive a oportunidade de assistir, dentre tantos escolhi 15 que me marcaram de alguma forma, são obras excepcionais dentro de seus gêneros e estilos. 

15- "A Balada de Buster Scruggs" (The Ballad Of Buster Scruggs - 2018) Ethan Coen e Joel Coen
Um filme marcante e que homenageia o clássico gênero faroeste com muito estilo, arrebatador e permeado por um humor negro somos absorvidos por seis contos fascinantes sobre o velho oeste. O filme é muito bem elaborado dando a cada história uma personalidade única com personagens fascinantes, além do belíssimo trabalho de fotografia e sua ótima trilha sonora, tudo encaixadinho e que reaviva o tão aclamado gênero faroeste. Saiba+

14- "Hereditário" (Hereditary - 2018) Ari Aster
Um drama familiar atrelado ao terror, isso desencadeia diversas questões, como luto, incomunicabilidade, o sofrimento que cada um carrega, a maternidade, não é só algo que flerta com o oculto, mas que mescla os dramas e constrói a partir disso situações sinistras caminhando sempre em direção ao tão aterrorizante desconhecido.
Criativo, instigante e encorpado, é um filme que pede revisões e cativa aos espectadores que curtem mais um terror enigmático e sem sustos baratos, há todo um contexto por trás e nada é de graça, é necessário prestar atenção aos símbolos, diálogos e nos detalhes de cada personagem, a escolha da entidade que possui conhecimentos e auxilia e ensina as artes de todos os tipos, além de fornecer riquezas inimagináveis foi bem acertada, pois traz à tona o universo da Goetia, os mistérios são sedutores e sai da zona de conforto dos filmes de possessões e crucifixos invertidos. Saiba+

13- "Oh Lucy!" (2017) Atsuko Hirayanagi
Uma mulher solitária de Tóquio (Shinobu Terajima) se apaixona por seu professor (Josh Hartnett) quando decide fazer aulas de inglês. Quando seu professor desaparece, ela parte em uma viagem para encontrá-lo que a leva para o sul da Califórnia.
Um filme agridoce que retrata uma personagem fechada que ao ter uma oportunidade de se reinventar e se abrir vai em frente, reflete a solidão e a carência que o ritmo de vida em sociedade gera, as relações vazias e técnicas, o caos interno. As camadas de sentimentos que a história vai desnovelando atinge o espectador em cheio e ao final não tem como não refletir no quão sozinhos estamos e o quanto cada vez mais um abraço pode nos salvar. Saiba+

12- "Feliz como Lázaro" (Lazzaro Felice - 2018) Alice Rohrwacher
Uma espécie de fábula inspirada como o título sugere na história bíblica de Lázaro, porém as camadas que o filme propõe são amplas e deixa em cada espectador um sentimento, a linguagem é simples, mas há metáforas e uma enorme carga reflexiva, com certeza é uma obra para revisitar e tentar compreender e absorver o máximo possível das ideias expostas.
Nesta leitura livre da história bíblica, Lázaro (Adriano Tardiolo) é um garoto pobre e pouco inteligente, mas extremamente bondoso. Ele é explorado pelos familiares, fazendo trabalhos forçados diariamente, além de colaborar com a marquesa, proprietária das terras onde vivem. No entanto, após uma tragédia, Lázaro retorna à vida no século XXI. Ele não compreende mais a lógica deste mundo, mas pretende reencontrar a sua família e viver como antigamente. Saiba+

11- "As Boas Maneiras" (2017) Juliana Rojas e Marco Dutra
Um filme de terror que mescla estilos de forma original, o bizarro está sempre às voltas e a tensão nunca sai de cena, mesmo que haja uma quebra na segunda parte aos poucos novamente se introduz sensações e aguça nosso interesse por todo o desenrolar. A experimentação dos elementos dentro da trama só fazem complementar uma narrativa fascinante e séria que disserta sobre temas sociais em tom de fábula. Juliana Rojas e Marco Dutra se destacam pela criatividade e inteligência, seus filmes, seja como dupla ou individual, sempre são sinônimos de satisfação.
Ana (Marjorie Estiano) contrata Clara (Isabél Zuaa), uma solitária enfermeira moradora da periferia de São Paulo, para ser babá de seu filho ainda não nascido. Conforme a gravidez vai avançando, Ana começa a apresentar comportamentos cada vez mais estranhos e sinistros hábitos noturnos que afetam diretamente Clara. Saiba+

10- "O Vazio do Domingo" (La Enfermedad del Domingo - 2018) Ramón Salazar
Mais de trinta anos depois de abandonar sua família, Anabel (Susi Sánchez) recebe uma visita inesperada de sua filha Chiara (Bárbara Lennie). Ela cede a seu desejo de passar dez dias em uma vila remota entre a Espanha e a França. Melancólico, reflete profundamente a relação entre mãe e filha, o abandono, a culpa e as maneiras de se reconectar.
O roteiro tem uma evolução tocante, o que de início fica duvidoso o porquê da reaproximação da filha com a mãe, com o desenrolar percebemos que vai muito além de elo de sangue, mágoas e acerto de contas, é sobre conexões emocionais construídas a partir de um acontecimento e convivência. Nesse contexto a sutileza impera, são momentos dotados de silêncios. A maternidade é retratada sob um ponto de vista realista, sem romantizações acerca de elos e amor incondicional. O drama é envolto por mistérios e essa relação vai sendo reconstruída, mas não de maneiras clichês, são momentos dos quais ora aproximam, ora repelem, a mágoa, a culpa e a dor permeiam o ambiente, será possível estabelecer um elo materno depois de anos e anos distantes? Saiba+

09- "O Conto" (The Tale - 2018) Jennifer Fox
Um filme que aborda um tema espinhoso, o abuso infantil, é angustiante e repulsivo, mas a sensibilidade faz parte de todo o desenrolar e é de uma importância gigantesca. Por ser baseado na própria vida da diretora faz ser ainda mais pesado, porém enxergamos exatamente a visão de alguém que passou pelo abuso e o como a mente mascarou e a blindou para que pudesse seguir em frente, Jennifer se mistura a sua personagem, que faz o resgate quando sua mãe encontra um conto que escreveu quando garota, um começo e um ressurgir de memórias e do como a negação fez parte de toda a sua vida. É um drama potente e necessário para a compreensão de todos os fatores envolvendo o abuso infantil pelo próprio olhar da vítima. Jennifer Fox retrata com muita transparência e não deixa de lado momentos do mais puro horror. Saiba+

08- "O Animal Cordial" (2017) Gabriela Amaral Almeida
Primeiro slasher feito por uma mulher no Brasil e, sem dúvidas, um exemplar potente para indicar sem medo àqueles que ainda acham que o cinema brasileiro carece de criatividade e ousadia. A atmosfera tensa coroada por brilhantes interpretações garantem um arrepio na espinha diante do quão fácil é o ser humano se tornar um animal selvagem. O medo, a infelicidade e o desespero quando instalados no ser humano o leva em momentos cruciais a realmente revelar um lado do qual se mascara no cotiano devido as regras sociais e morais, o obscuro vêm à tona e aí a violência domina por completo. Um surpreendente filme que nos brinda com um terror bem feito e ainda consegue dialogar sobre as aflições que atingem os brasileiros. Saiba+

07- "Roma" (2018) Alfonso Cuarón
Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher (Yalitza Aparicio), que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais. Um filme íntimo, pessoal e de um apuro técnico fabuloso. Cuarón faz um registro do México dos anos 70 em que quase tudo foi inspirado em sua infância e em suas memórias de quando vivia no bairro Roma. A obra arrebata ao retratar o cotidiano, as desigualdades sociais e momentos críticos do país de maneira cru e fluida sem qualquer interferência ou crítica, completamente sensorial propõe um exercício de observação. Saiba+



06- "Dogman" (2018) Matteo Garrone
Uma história que retrata que não se pode ter tudo, o protagonista tenta agradar a todos, mas isso acarretará em consequências cada vez mais difíceis, o fazendo ruir e perder toda a sua dignidade. Todo o tempo nos perguntamos o porquê dele sempre ceder, as respostas surgem com o desenrolar ao entendermos sua personalidade canina, onde deseja tanto estar entre os cidadãos de bem, como também estar perto daqueles não tão bem vistos como forma de sobreviver e não se tornar vítima, mas essa maneira dele se comportar não dá certo e faz com que nem um lado nem o outro lhe dê atenção. "Dogman" traz uma interpretação impressionante de Marcello Fonte, sua figura franzina, suas atitudes e seus olhares nos conduzem desde o primeiro momento, sua voz terna para falar com os cachorros, sua submissão aos demais, e então a fase final em que sua visceralidade vem à tona, um poderoso retrato de um lugar em que a lei que impera é a do mais forte, o local decadente, o clima nublado e a pobreza só acentua para a atmosfera fria e pesada. É um filme marcante que demonstra o ser humano tentando sobreviver em um ambiente pobre em todos os sentidos. Saiba+

05- "No Coração da Escuridão" (First Reformed - 2017) Paul Schrader
Um filme potente e que deixa um apanhado de questões para refletir, o existencialismo é pontiagudo e fere, nos faz mergulhar profundo em nós mesmos e remexer em tudo que se acredita ou não e perceber o quão perdidos estamos.
O ex-militar capelão Toller (Ethan Hawke) sofre pela perda do filho que ele encorajou a se alistar nas forças armadas. Um outro desafio começa quando ele faz amizade com a jovem paroquiana Mary (Amanda Seyfried) e seu marido, que é um ambientalista radical. Toller logo descobre segredos escondidos de sua igreja com relação a empresas inescrupulosas. Ethan Hawke está sublime, completamente absorvido por um personagem complexo, cuja descrença vai alcançando vários níveis, o acompanhamos seja em seus silêncios, em seus pensamentos postos em seu diário, ou nos diálogos primorosos repletos de reflexão. Saiba+

04- "Em Chamas" (Burning/Beoning - 2018) Lee Chang-dong
Um thriller dramático metafórico que perturba e encanta, uma linda e profunda obra baseada num conto de Murakami. A narrativa é permeada pelo espírito literário de Faulkner, que inclusive tem um conto chamado "Barn Burning" e o personagem Jong-soo reflete essa presença. É um filme marcante, original e que trabalha a metáfora brilhantemente.
Durante um dia normal de trabalho como entregador, Jong-soo (Yoo Ah-In) reencontra Hae-mi (Jeon Jong-seo), uma antiga amiga que vivia no mesmo bairro que ele. A jovem está com uma viagem marcada para o exterior e pede para Jong-soo cuidar de seu gato de estimação enquanto está longe. Hae-mi volta para casa na companhia de Ben (Steven Yeun), um jovem misterioso que conheceu na África. No entanto, o forasteiro tem um hobby peculiar, que está prestes a ser revelado aos amigos. "Em Chamas" é um filme intrigante e fascinante todo enredado em metáforas e ambiguidades, as respostas não são importantes e sim as percepções que suscita a cada espectador, uma obra rica narrativamente e belíssima visualmente. Saiba+

03- "Utøya 22 de Julho: Terrorismo na Noruega" (Utøya 22. Juli - 2018) Erik Poppe
No pior dia da história norueguesa moderna, Kaja (Andrea Berntzen) se diverte com sua irmã mais nova Emilie (Elli Rhiannon Müller Osbourne), doze minutos antes da primeira bomba chegar ao acampamento de verão na ilha Utøya. Foi o segundo ataque terrorista de Anders Behring Breivik, em menos de duas horas, e matou 69 pessoas. Kaja representa o pânico, medo e desespero dos 500 jovens enquanto busca sua irmã na floresta. É um filme de horror, o horror real das consequências do ódio disseminado pelo mundo, a maneira que o diretor resolveu retratar esse ato cruel longe do viés político e mais próximo do humano foi um acerto e deixa-o forte, ao contrário de somente expor e fazer desse horrível episódio entretenimento preferiu dar ênfase no sofrimento humano como meio de compartilhar os sentimentos vividos pelos jovens. Saiba+

02- "Aos Teus Olhos" (2018) Carolina Jabor
Um ótimo filme brasileiro que aborda temas polêmicos e atuais, como a pedofilia e as consequências do linchamento virtual, além de refletir o comportamento nocivo dos pais em relação a seus filhos. "Aos Teus Olhos" é adaptado da peça de teatro catalã "O Princípio de Arquimedes" e remete a outros filmes sobre o tema, como "Dúvida" (2008) e "A Caça" (2012), mas o seu desenvolvimento é rápido e direto, não se aprofunda nas questões, mas reflete a irresponsabilidade de postagens com intuito de espalhar discórdia, causando danos irreversíveis na vida do "acusado", transforma-se as redes sociais num tribunal que destila ignorância, preconceitos e que promove apenas o caos, esse é um assunto que precisa muito ser debatido e o filme o faz com precisão. Saiba+

01- "Custódia" (Jusqu'à la Garde - 2017) Xavier Legrand
Um drama francês que aterroriza tamanha a sua crueza e momentos tensos, é uma história que infelizmente acontece e muito na realidade e é necessária para que se analise as leis que ao invés de dar voz à criança prefere escolher por pura sorte quem dos pais tem a razão. "Custódia" é intenso e não é à toa que está sendo classificado como terror por quem o assiste, pois a sensação que causa é justamente essa, a tensão crescente anuncia seu final, é inegável o caminho que a história irá tomar, o caos, mas o roteiro inteligente e cru nos leva até o ápice com grande aflição e força, a sequência final é interminável, a agonia e o nó na garganta que produz não some depois de seu término seco, persiste e ficamos ali parados com os olhos arregalados e respiração ofegante. Saiba+