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terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Silêncio (Sokout)

"O Silêncio" (1998) de Mohsen Makhmalbaf é um filme de simbolismos e poesia. Simples, mas magnânimo ao mesmo tempo. O cinema iraniano tem essa característica tão linda que faz nos encantar com obras singelas, histórias que aos olhos de pessoas sensíveis tornam-se preciosidades. Mohsen Makhmalbaf tem sensibilidade de sobra, vide sua filmografia com obras como "Gabbeh" - 1996, "A Caminho de Kandahar" - 2001, "O Grito das Formigas" - 2006. "O Silêncio" é filme para se recomendar sem medo, a beleza está em cada palavra, gesto e situação, ele se desenrola de maneira tão sublime que consegue nos fazer sorrir e chorar no mesmo instante.
Numa aldeia na fronteira entre o Irã e o Tadjiquistão, Khorshid, um menino cego desenvolve um ouvido aguçado para construir o mundo que não consegue enxergar. Vivendo apenas com sua mãe que passa o dia pescando, ele fica com a missão de ganhar o dinheiro para casa trabalhando afinando instrumentos. Acompanhamos alguns dias desse garoto que sob pressão para conseguir pagar o aluguel atravessa diversas dificuldades, como o trajeto em que faz de ônibus. Khorshid em razão da cegueira desenvolveu uma audição extraordinária tendo facilidade em transformar barulhos rotineiros em música, no que acaba dando a ele uma outra concepção de mundo. O 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven, em especial, exerce fascínio no garoto, e o "pam-pam-pam-pam" dá o tom à história.
Para chegar ao local do trabalho ele foge dos estímulos auditivos tampando os ouvidos, pois tem medo de descer no ponto errado ao ouvir as músicas que a rotina fornece, em uma das cenas mais lindas vemos Khorshid se perdendo por causa da música que ele ouviu e decidiu seguir, nisso a sua amiga Naderah preocupada o procura, sabendo como seu amigo entende os sons ela tem a ideia de fechar os olhos e seguir se orientando apenas pela audição, e dessa forma acaba o encontrando. O som é algo impressionante neste filme, como as vozes em harmonia, impossível não se encantar toda vez que Naderah diz: "Khorshid". É suave e delicado.
Naderah que sempre acompanha Khorshid mescla inocência com uma dose de sensualidade, a maneira que ela coloca as cerejas nas orelhas as transformando em brincos e as pétalas de flores nas unhas fazendo-as de esmalte são momentos visuais únicos, inclusive a fotografia é de uma delicadeza sem tamanho. As cenas nos embebedam com tantas sutilezas, é sensorial e sinestésico. O menino carrega uma responsabilidade enorme para sua idade e condição, mas ao fim despedido de seu emprego e despejado de sua casa consegue atingir a realização, e dá asas a sua imaginação chegando ao ápice de sua sensibilidade auditiva regendo diversos operários moldando objetos com suas ferramentas ao som da 5ª sinfonia de Beethoven.

Extremamente lindo quando o cinema consegue unir à música de maneira uniforme, o filme é tão visual quanto auditivo, e o mais interessante é que todas as cenas evidenciam essa mescla de forma simples. É como na música, ele vai evoluindo, evoluindo, até se transformar no que se chama apogeu. 
Em declaração Mohsen Makhmalbaf disse que o filme faz referência a sua infância, pois quando criança sua avó dizia que se ouvisse a música iria para o inferno, então sempre saia para rua tampando os ouvidos, sendo que mais tarde a 5ª sinfonia de Beethoven seria a primeira música a escutar. É deveras uma bela obra de arte concebida por esse diretor que merece uma imensa lista de elogios.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Nada (Nic)

"Nic" (1998) dirigido pela polonesa Dorota Kedzierzawska é uma pequena obra de arte. É um retrato em tons pálidos da vida de Hela, uma mãe que vive em uma cidade grande com poucos recursos e muitas crianças. Neste cotidiano vamos acompanhando onde a bruta realidade e o sonho se entrecortam em meio aos gritos e silêncios.
Dorota Kedzierzawska entrou para minha lista de diretores preferidos, seus filmes são sensíveis, e retratam sempre as tragédias sociais, problemas que acometem as pessoas mais simples. Não tem como não se emocionar, ou ficar comovido com as histórias que sempre estão envolvidas em uma fotografia e narrativa diferenciada.
Meu primeiro contato com o cinema de Dorota foi em "Eu Existo" (2005), que acompanha a busca de identidade de um menino que não tem ninguém e que tenta achar-se diante ao mundo onde só o que importa é a condição financeira e superficialidades. A delicadeza deste filme é imensa e consequentemente nos toca, afinal todos nós buscamos nos encaixar na sociedade e em si mesmos. Um outro filme belíssimo de Dorota é "Hora de Morrer" (2007), neste é retratado a velhice e fala do inevitável, a morte. A fotografia em preto e branco só ressalta o tom de solidão. É muito realista em mostrar a velhice e todos os fatores e consequências que a rodeia.
Em "Nic" que na tradução literal significa Nada, acompanhamos Hela, uma jovem e bela mulher que está afogada em uma vida sem perspectivas, com três filhos e um homem que lhe trata mal. Quando engravida novamente seu desespero aumenta, pois não quer contar ao seu marido por medo de sua reação, afinal a situação financeira é bem decadente. Ela tenta de todas as formas abortar, mas as questões morais e religiosas aparecem. Até que não tendo o que fazer acaba por ter o bebê escondida no banheiro e medidas extremas são tomadas. Hela é um ser humano perdido que busca um pouco de amor em qualquer possibilidade que encontra, mas toda vez é maltratada, seus olhos sempre estão olhando para dentro de si mesma e refletem apenas desamor, desilusão e desencaixe. Para esta mulher já não há esperanças, então perde a vontade e desejos, a dor assume e tudo que lhe acontece já não importa mais.
É um filme amargo, sufocante, angustiante. Nos faz refletir sobre ter direitos em relação ao querer e o não querer, principalmente no que se diz respeito a gravidez.

Não é fácil pra ninguém, para as mulheres então, é bem comum encontrarmos histórias semelhantes, moças jovens com vários filhos sem ter condições de criá-los e até de amá-los, e cujos maridos são ausentes, ou violentos. Imagina o ser humano que essas crianças se tornarão, no mínimo serão esvaziadas de amor e perspectivas. Essas histórias existem aos montes. Diante desta situação se perde a esperança e o amor à vida.
Em meio há tanto sofrimento existe beleza, e ela é intensificada por causa da fotografia em tons pastéis, que mais parece uma sucessão de quadros. É realmente uma pequena obra de arte.
É belo, contido, sensível. Um retrato do oprimido e da perda do amor. Os filmes de Dorota reproduzem de maneira real aspectos da vida que o cinema pouco explora. São delicados, emocionantes e indispensáveis, além de podermos nos embebedar em suas belas fotografias.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Genesis - Nacho Cerdá - Trilogia da Morte

Depois de ter assistido "Aftermath" surgiu a curiosidade sobre o diretor Nacho Cerdá, previamente senti apenas repulsa pelo curta dito acima, mas vendo a trilogia composta por "Awakening" (Despertar), "Aftermath" (Morrer) e "Genesis" (Renascer) pode-se concluir que é uma obra e tanto. Nacho utiliza da violência das imagens, mas não é à toa, a mensagem é clara e objetiva. A sua maneira de narrar as histórias são cruas, sem artifícios, não é hipócrita, ele fala sobre a degradação humana, a solidão, a morte, e é exatamente por isso que desagrada a maioria. Mesmo longe dos holofotes, ele tem admiradores de sua arte e muitos prêmios em seu currículo. Terror poético é o mais próximo de uma definição para seus trabalhos. Ele nos desperta para a realidade, mostrando sentimentos adormecidos como a violência e o como lidamos com ela. Os três curtas são marcados pelo suspense e a solidão que aponta a alma humana, e é por isso que o silêncio é tão bem trabalhado, a não ser pelas maravilhosas trilhas que compõem o clima melancólico e por vezes surreal.

"Awakening" (1990) é o primeiro curta e é simplista, nada especial aparentemente, ele mostra um estudante que acaba dormindo durante a aula. E quando acorda, o tempo e todos ao seu redor estão parados. É incrível a capacidade de provocação, não se espera que aconteça nada, porém o desfecho é super eficiente e manda a mensagem. Assista aqui!

"Aftermath" (1994), o segundo e, talvez, o mais polêmico se refere a morte e não poupa o espectador com imagens fortes. É um curta super bem feito, o visual impressiona e a interpretação é angustiante. Ele conta o fascínio de um legista ao manejar os corpos de vítimas que foram assassinadas. Retratando o quão pífia é a mente do ser humano, e também como somos frágeis em relação a vida. Ao final somos apenas um monte de carne em decomposição que fica à mercê de sei lá o quê. É claro que é perturbador, pois tudo que nos tira da nossa zona de conforto e faz pensar acaba provocando de certa forma. Assista: Parte 1, Parte 2.

"Genesis" (1998), o terceiro curta e o motivo desta postagem é uma obra impecável, sublime em termos técnicos e o que ele nos propõe a pensar.
A história conta sobre um escultor que perde sua mulher de forma trágica, desde então não consegue suportar a solidão que o culmina. Assim decide esculpir sua mulher nos mínimos detalhes, em toda a sua perfeição. Ele trabalha de forma minuciosa, esculpindo milimetricamente, e isso de alguma forma o preenche, ele coloca todo o seu amor e toda a sua alma em sua arte. Tornando-se divino. Apenas restando os retoques, ele percebe algo estranho, chegando perto descobre fios de sangue a sair da estátua. E com o tempo essas fissuras aumentam, tornando-se quase viva. Em contrapartida, o escultor faz o processo inverso, ele vai se tornando rígido. Cada fissura que se abre, ele vai sendo tomado por um aspecto enrijecido o fazendo estátua. E sua mulher esculpida com a perfeição se faz humana, renascendo.
A fotografia é imensamente bela e poética, assim como a trilha sonora e o clima, tudo é muito assustador, mas de uma beleza sem limites. Simplesmente paralisa-se diante do que está vendo. Não há uma linha de diálogo, tudo é exposto em forma de gestos e olhares profundos, expressões corporais, delicadeza, intensidade. Os closes nos presenteia com imagens extremamente sensoriais. Os simbolismos se dão nos pequenos detalhes. É preciso assistir mais de uma vez para poder captar o valor da obra. É uma metáfora do artista que se consome para dar vida a sua criação. O ator Pep Tosar é de uma sensibilidade impressionante, seus olhos dizem muito. Inclusive ele também atuou em "Aftermath" (o legista doentio). "Genesis" é um curta premiadíssimo. Vale a pena compartilhar conteúdos deste nível. O curta mescla grandeza poética com certo medo e terror interno. Fica-se atônito ao assisti-lo. Veja aqui!

Nacho Cerdá além desses curtas também dirigiu o filme "Os Abandonados" de 2006, que conta a história de uma mulher adotada por uma família norte-americana e que decide viajar para a Rússia com o objetivo de encontrar informações sobre seus pais biológicos. Chegando em uma área isolada do país, ela recebe a notícia de que sua família desapareceu há 40 anos, deixando apenas uma casa velha e abandonada como herança. No lar, encontra a estranha figura de seu irmão gêmeo e percebe os horrores que aquele lugar guarda.