quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Sessão de Terapia - 1ª Temporada

Versão brasileira da série israelense "BeTipul", um fenômeno que atingiu mais de 30 países, muitas adaptações foram feitas ao redor do mundo, algumas descartáveis e outras geniais, a mais conhecida é a versão americana "In Treatment" com Gabriel Byrne. "Sessão de Terapia" dirigida por Selton Mello tem 45 episódios de mais ou menos 25min, seguindo uma linha simples, a cada dia da semana Theo recebe um paciente em seu consultório e a trama se finca nos diálogos entre eles, o cenário é restrito, mas a câmera passeia pelos cantos exibindo detalhes e fazendo closes no rosto e gestuais do terapeuta e dos pacientes. Um dos grandes acertos foram os atores escolhidos, os dramas são bem colocados e crescem à medida que a série avança. Tem um roteiro impecável, uma fotografia minuciosa e atuações envolventes. Como na original "Sessão de Terapia" acompanha o tratamento de quatro pacientes, no quinto dia é a vez de Theo sentar e desabafar, Dora é a sua terapeuta e supervisora da qual ele encontra após muitos anos. Neste momento podemos nos aprofundar na mente dessas pessoas que passam o tempo todo analisando. É uma série densa, complexa e inteligente. É um mergulho surpreendente no universo da terapia.

ZéCarlos Machado como Theo
Theo com mais de 20 anos de experiência é considerado um dos melhores terapeutas. É um homem de meia-idade, casado e pai de três filhos. Seu consultório fica num anexo da sua própria casa. Theo é um homem contido, mas apenas por fora, em seu interior ele lida com vários dilemas pessoais, além de se apegar aos seus pacientes. Ele tenta se controlar e quando está em equilíbrio conduz a terapia de maneira muito eficaz. ZéCarlos Machado comedido ou em seus rompantes está formidável.
Já no início muito cansado, Theo procura Dora a fim de obter conselhos, está impaciente e sente que não está podendo continuar com seus pacientes. De fato é complicado tratar dos outros enquanto seu próprio ser está ruindo. E as coisas vão aos poucos desmoronando, até que chega um ponto que todos os problemas se juntam e alguma decisão precisa ser tomada.

Maria Fernanda Cândido como Júlia
Júlia é uma mulher de 35 anos, independente, sensual e que sempre consegue o que quer, mas ao mesmo tempo é cheia de medos, principalmente quando se trata de relacionamentos. Ela diz estar apaixonada por Theo e à medida que as sessões avançam se torna mais persistente e intensa, o que faz Theo ficar em dúvidas, já que passa por um momento difícil em seu casamento e vê que Júlia está realmente interessada. Ele sabe que é um caso de transferência erótica, mas seu lado carente e masculino vai se sobressaindo. Seu controle perde-se a cada encontro, pois Júlia é muito provocativa.

Sérgio Guizé como Breno
Uma grande revelação é o ator Sérgio Guizé, que encarna um atirador de elite arrogante e desprovido de sentimentos, porém as coisas mudam quando em uma ação ao matar um traficante, sem querer a mesma bala atinge uma criança. Sob recomendação vai até Theo, mas ele diz não sentir culpa nenhuma, já que seu trabalho é executar ordens. Dentro de sua concepção ele é o melhor e é feito de aço. Conforme as sessões evoluem percebemos um outro Breno que ficou incubado por toda sua vida. Theo tem um árduo trabalho, ao mesmo tempo que Breno parece ser amigável, é uma pessoa extremamente fechada, mas aos poucos ele vai contando sobre sua vida, a criação rígida e as dúvidas acerca de seu casamento. Breno não se conhece, ele nunca parou para sentir ou pensar em si mesmo. Com certeza é o drama mais intenso da série.

Bianca Müller como Nina
Nina é uma ginasta de 15 anos, parece ser uma garota bem forte e responsável para sua idade, mas psicologicamente é frágil e solitária, começa a se consultar com Theo depois de um estranho acidente que quase a matou, ela quer que Theo faça uma avaliação para a seguradora que a está investigando, quer que escreva que não há nenhum problema e que também não é uma suicida. Nina é explosiva, sempre está no ataque, além de não ser sociável e brigar muito com sua mãe. Já com seu pai existe um grande laço, ela o vangloria mesmo que não o veja constantemente, a desculpa é que ele é um fotógrafo, um artista. Entre conversas descobrimos os segredos, traumas e muita tristeza.

 André Frateschi e Mariana Lima como João e Ana 
O casal procura Theo por conta de uma gravidez indesejada, João quer o bebê, Ana quer o aborto. Ana é uma executiva bem-sucedida, enquanto João é um ator fracassado. O único motivo que sustenta essa relação é a conexão sexual, mas a partir de algumas sessões as coisas vão mudando e João crê que Ana o diminui, pois ela precisa achar que é a força do relacionamento. Por conta disso, João se tornou um cara estúpido, algo conveniente para a personalidade que Ana criou para si. É um casal com grandes conflitos internos e que estão tomando consciência de suas dificuldades. João é um cara irônico, cheio de piadinhas de mau gosto, o que faz Ana o adorar, quando ele muda e expõe seu lado mais amoroso tudo vai por água abaixo, Ana se desestabiliza e mete os pés pelas mãos.

Selma Egrei como Dora
Dora é uma grande terapeuta e orientadora sênior, seu relacionamento com Theo é conturbado e com uma carga emocional muito grande, mas Theo sabe que Dora é a única que pode lhe ajudar, então depois de muitos anos, ele a procura. Dora aparentemente é o perfil perfeito de profissional, equilibrada, séria e até fria. Não há sequer uma sessão em que os dois não discutam a respeito da maneira que ela conduz as conversas. Mas lá pelas tantas descobrimos uma Dora completamente emotiva, o que ela faz é apenas mascarar seus sentimentos para que os dramas dos pacientes não penetrem em seu ser. Em alguns episódios, Clarice, mulher de Theo, começa a frequentar a terapia junto com ele, o casal passa por uma crise muito séria no casamento, segundo Clarice, ele dá atenção mais para seus pacientes e não a vê como mulher. Ela percebe que se anulou a vida inteira para agradá-lo, pois sempre o admirou. Theo parece ser um homem sem vida no início da série, e é nítida sua mudança, quando Júlia começa a fazer terapia. Dora sente que a situação é tensa, tenta ajudá-lo, mas ele só consegue enxergar do seu jeito.

Theo quase sempre nos faz entender as circunstâncias só pelo seu olhar, ele não pode dizer o que bem entender a seus pacientes, assim como também não pode criar vínculos. Mas, o desfecho de Breno, por exemplo, o desestabilizou completamente, e por isso passou a não acreditar mais nas teorias e em sua competência como profissional.
Interessante é que a série mostra o terapeuta não como um Deus salvador, a realidade é que a sessão é uma troca, por vezes o terapeuta sai ganhando e consegue fazer o paciente evoluir em suas emoções, se descobrir, mas por outras não há teorias e tratamentos que deem certo. E acima de tudo, nada é conclusivo.
Outro ponto válido é que em nenhum momento ela descamba para diálogos de autoajuda, são dramas intensos, Theo dá a seus pacientes a possibilidade deles cavarem lá no fundo trazendo sentimentos e fazendo com que pensem sobre o que lhes fazem mal. A série se apóia não em cenas, mas em fatos contados nas consultas, na terapia que as pessoas fazem com Theo. O roteiro inteligente e a força das interpretações faz dessa série emocionante e reflexiva, focaliza com dinamismo a sessão de terapia. Uma grande série!

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle)

Inspirado na história em quadrinhos "Le bleu est une couleur chaude", o longa dirigido pelo franco-tunisiano Abdellatif Kechiche retrata as descobertas do primeiro amor com muita intensidade. Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma garota de 15 anos que descobre, na cor azul dos cabelos de Emma (Léa Seydoux), sua primeira paixão por outra mulher. Sem poder revelar a ninguém seus desejos, ela se entrega por completo a este amor secreto, enquanto trava uma guerra com sua família e com a moral vigente. Adèle é uma garota inteligente que adora ler, enfrenta o período das descobertas sexuais, e incentivada pelas amigas acaba saindo com um garoto de sua sala, entre conversas percebe não estar na mesma sintonia, mas mesmo assim se permite ficar com ele. Um dia, indo ao encontro deste rapaz, Adèle passa por uma garota de cabelos azuis e instantaneamente se apaixona. Adèle tem um misto de sensualidade e doçura que cativa imediatamente.
O filme com quase 3h de duração em nenhum momento perde sua força, a história prima em contar os detalhes, o início e a evolução dos sentimentos de Adèle. É interessante notar a relação que mantém com o garoto, ela transa não porque sente paixão ou desejo, mas por pura pressão das colegas, não há sentimentos, apenas seu corpo está presente. Quando por acaso encontra Emma, e esta se aproxima, é nítido o desejo que passa de uma para a outra. A garota de cabelos azuis provoca em Adèle uma descoberta jamais imaginada, depois de alguns encontros as duas se rendem ao beijo, e por conseguinte, ao sexo. As cenas que se sucedem a partir daí são intensas e verdadeiras. Todo o conteúdo erótico faz parte do contexto. É a primeira vez de Adèle por alguém que realmente está apaixonada. Cada toque é explicitado com total despudor, a estética e o modo de filmagem retrata sem medo o corpo, desmistifica o sexo.

Como nem tudo é simples e precisa ser rotulado, Adèle se esconde, decide viver o amor com Emma, mas sem mostrá-lo. Emma é mais velha e já enfrentou todos os dilemas e opiniões alheias, é segura de si. Com Emma há intimidade, liberdade, desejo, é aquela fase da paixão mais carnal. São cenas envolventes e explícitas. O tempo passa e o amadurecimento chega para Adèle, que deseja ser professora, Emma não concorda, pois acredita que ela tem potencial com a escrita. Emma é uma artista e persegue o sonho de ter seus quadros expostos. As coisas vão mudando, inclusive o cabelo azul. O relacionamento vai esfriando e Adèle por se sentir só e excluída do mundo intelectual de Emma acaba saindo com um colega de trabalho. Então, a partir daí, não demora para que essa paixão vire apenas saudade.
"Azul é a Cor Mais Quente" disserta sobre a descoberta da paixão, daquela que nos tira o fôlego e nos transporta para o mundo do outro. É o momento mais mágico e intenso da vida. Também fala do amor sem rótulos, daquele que simplesmente nasce sem obedecer padrões ou regras.
Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux se entregaram pra valer, o que tornou o filme extremamente próximo da realidade. É um romance sem clichês que retrata desde o início, quando surge a paixão, até o apagar da chama que se dá por inúmeras razões, como o ato impulsivo de Adèle, e o distanciamento de Emma.

É um filme sobre o amor, mas não é por isso que terminará com um final feliz. Por vezes continuamos a amar alguém que nos foi imensamente importante, mas que no atual contexto de vida já não cabe mais.
Temos um vazio dentro de nós que julgamos preencher apenas quando encontramos alguém por quem nos apaixonamos. Mas qual seria o real motivo para desencadear este sentimento? Seria a ilusão de nos ver nesta pessoa?
"Azul é a Cor Mais Quente" nos dá a oportunidade de pensar o quanto nos descobrimos no outro. O existencialismo de Sartre permeia todo o longa, inclusive ele é citado em um diálogo entre Emma e Adèle. É o argumento de que a existência precede a essência. "Que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define". O filme passeia por essa vertente filosófica, mas se concentra mais no lado poético do amor.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Crime e Castigo (Crime and Punishment)

Situado em São Petersburgo, na segunda metade do século XIX, o thriller psicológico conta a história de um jovem assassino desesperado, preso na teia de sua própria culpa. Ródia Raskólnikov é um estudante miserável que vive entre os cortiços fétidos e habitações em ruínas de São Petersburgo. Intenso e extremamente inteligente, Raskólnikov acredita que pertence a uma classe de homens destinada à grandeza e, como tal, é permitida violar os valores morais "normais". Ele decide testar a sua coragem e integridade, matando uma agiota, uma mulher de meia-idade, convicto de que ninguém sentirá falta. O assassinato, no entanto, serve apenas para atrair Raskólnikov a um mundo de pesadelo no qual ele é perseguido pela paranoia, culpa e alienação. Confrontado pelo astuto investigador Porfíri, que configura uma complexa série de armadilhas, encontros e conversas, conseguirá Raskólnikov escapar de sua própria consciência ou o castigo aparentemente é inevitável?
Adaptado da célebre obra homônima de Dostoiévski, esta minissérie produzida em 2002 pela BBC se faz muito fiel e perturbadora. Bem elaborada carrega perfeitamente o clima da história. John Simm dá vida a Raskólnikov, um jovem estudante inteligente que defende a ideia da divisão de classes entre pessoas extraordinárias e ordinárias, acreditando estar no primeiro grupo ele decide testar sua teoria de que se um crime for cometido em prol de algum bem, não existirá lei ou moralidade que o castigue. E é partindo disto que Ródia testa sua coragem. Ele visita incessantemente uma velha que trabalha com penhor, pois sempre está necessitando de dinheiro para pagar o aluguel. A ideia de assassinato começa o perseguir, afinal quem sentirá falta daquela velha ranzinza? Então acometido de coragem mata a senhora a machadadas, e a contragosto, levado apenas pela situação de surpresa, também assassina Lizavéta, irmã da velha agiota. Raskólnikov rouba joias, mas não chega a usufruir desse ganho e, sentindo-se arrependido, enterra-as sob uma pedra. Sua intenção era usar o dinheiro para boas causas e, claro para si próprio, mas o crime começa a perturbá-lo de tal maneira que toda a sua teoria vai por água abaixo.
Cada vez mais atormentado sofre alucinações que comprometem a sua saúde, além de ter que lidar com sua família e toda a situação que a cerca. A culpa vai consumindo a sua consciência.

O fato do crime o pressiona, mas o que mais lhe deixa mal é se descobrir não fazer parte do grupo dos realizadores dos grandes feitos, pois ao cometer o assassinato percebeu ser um ordinário, aquele que apenas recebe ordens e vive sua vida miserável. Ele não se inclui no grupo que consegue matar sem remorsos, e isso o persegue até a confissão.
A minissérie compõe muito bem o cenário de loucura que envolve o personagem, são momentos claustrofóbicos. Raskólnikov tem afeição por uma prostituta e acaba contando para ela o acontecido, ela o incentiva a confessar para a polícia para que seja perdoado, nesta parte a religião predomina, é o pensamento de que apenas com sofrimento é que se consegue atingir a salvação. Por fim, Raskólnikov é preso, porém, devido à confissão, arrependimento e falta de antecedentes criminais, sua pena acaba sendo reduzida a oito anos em uma cadeia na Sibéria.

John Simm encarnou Raskólnikov com maestria, suas feições e seus olhares transtornados, assustados. Seus gestos indicando impaciência, principalmente quando caminha a passos sempre rápidos. Raskólnikov acreditava que a responsabilidade era só dele e ninguém deveria se importar, ele achou que o relacionamento com os demais não mudaria, mas após o crime percebeu estar errado. Eis a frase: "Não foi uma criatura humana que matei, foi um princípio!".
Dostoiévski dizia que viver em sociedade é criar amarras, e se decidirmos arrancá-las é como suicidar-se, por isso o ato de confessar cresceu tanto dentro da mente do personagem. "Crime e Castigo" já foi adaptado por diversas vezes, mas nenhuma de fato conseguiu captar a essência do livro, mas esta minissérie traz exatamente o cenário de época de São Petersburgo junto ao clima sombrio da mente de um dos personagens mais perturbados da literatura universal. A minissérie é composta por dois episódios e vale muito o tempo dedicado a ela, especialmente para quem é apaixonado pelo universo de Dostoiévski.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Primeiro da Classe (Front of the Class)

Baseado em fatos reais "Primeiro da Classe" (2008) é um filme que conta a história de Brad Cohen (James Joseph Wolk), que desafiou sua doença, a síndrome de Tourette, para conseguir realizar o seu maior sonho: ser professor. A síndrome de Tourette é uma desordem neuropsiquiátrica caracterizada por tiques, reações rápidas, espasmos ou vocalizações que ocorrem repetidamente da mesma maneira com considerável frequência. Com isso a sociabilização se torna difícil e a pessoa se atém a diversas privações para não atrapalhar o outro, como ir ao cinema, por exemplo.
O filme começa com Brad já adulto, mas não demora para que sua história seja mostrada nos mínimos detalhes. Quando pequeno Brad sofria muito preconceito e não era aceito por seus colegas de escola, e os professores acreditavam que ele fazia os ruídos para provocar. O tempo foi passando e nada mudava, então o pai do garoto foi se irritando cada vez mais, pois não entendia porque seu filho era tão esquisito, já a mãe e o irmão o adoravam e foi justamente a sua mãe que descobriu o nome do que Brad tinha, depois de passar por diversos médicos, psicólogos, psiquiatras sem conseguir nenhuma resposta, sua mãe decidiu ir atrás e pesquisar em livros de medicina os sintomas do filho, até que chegou a conclusão de que se parecia muito com Tourette. Após ir ao psicólogo e declarado ter achado a resposta, a mãe desolada ficou sabendo que não havia cura, mas para o menino só de saber que poderia dar um nome para o que tinha era o suficiente. As pessoas poderiam então passar a aceitá-lo e entendê-lo. A doença nunca foi empecilho em sua vida, aliás foi ela a grande propulsora para seu sucesso, indignado com a ignorância dos professores e o método de ensino cansativo, decidiu que quando adulto se tornaria um professor e ensinaria para as crianças que ser diferente não é motivo para se esconder, e que falar sobre as limitações é um grande passo para se aceitar.
O longa tem uma leveza e um bom humor maravilhoso, o protagonista é um otimista convicto, mas por natureza, o que torna a história espontânea e muito gostosa. Filmes sobre superação exigem uma dosagem certa de melodrama, senão as lições de moral, mensagens positivas ganham a tela. "Primeiro da Classe" simplesmente disserta sobre ser diferente e a própria aceitação para poder seguir em frente. Importante lembrar que aquele que te aponta também tem limitações.

A parte em que Brad já adulto, formado, qualificado e com o currículo impecável vai se apresentar nas entrevistas, as reações em relação ao seu problema, são as mais variadas. Quanto mais nervoso ele ficava, mais tiques e vocalizações fazia, então havia momentos em que não conseguia se expressar. Mas o importante é que sempre existirá pessoas que pensam no futuro da educação e que querem inovar nesse meio e é dentro desse conceito que uma escola o contrata para dar aulas ao segundo ano.
No primeiro dia ele apresenta antes de tudo a sua companheira, assim mesmo que Brad define a síndrome de Tourette. Ele fala com os alunos e pede para que façam perguntas. Incrível, pois as crianças não têm problemas para aceitá-lo, mas por outro lado, os pais alegam falta de capacidade. Brad tem o dom de ensinar, sempre olhando de frente para as crianças conversa sem omitir nada, e foi dessa maneira que conseguiu ganhar o prêmio de melhor professor do ano.
"Primeiro da Classe" é um filme lindo e inspirador, que mostra que em qualquer carreira que desejar seguir haverá momentos em que se sentirá limitado, mas isso não quer dizer que não conseguirá. Brad tornou a síndrome de Tourette sua aliada e aceitando-se adquiriu o respeito e carinho de todos.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Elena

"Elena" (2012) dirigido por Petra Costa é um documentário que ganhou muitos elogios, teve ótima repercussão e foi bem recebido pelo público. A história é narrada por Petra, irmã de Elena, que tenta resgatá-la por meio de arquivos, fitas cassete, vídeos e cartas, ao longo descobrimos a intensa relação que havia entre as duas, mesmo com a grande diferença de idade.
Elena nasce num período complicado: a ditadura militar, e vive muitos anos na clandestinidade com seus pais. Após treze anos nasce Petra, que sempre incentivada por Elena cantava, dançava e atuava. Era nítida a veia artística de Elena, cuja foi herdada de sua mãe que sonhava em ser atriz de cinema. A necessidade de colocar sua arte para fora aconteceu quando seus pais se separaram, começou a estudar e fazer teatro, mas ela desejava mais e em busca de um grande sonho vai para Nova Iorque. Fez testes, audições e mesmo com todo seu talento para dança, canto e música não obteve respostas. Desolada volta para o Brasil. Toda essa arte que o documentário explora e que existe em Elena a deixa melancólica e frustrada. Ela constantemente dizia: "Se não posso fazer arte, prefiro morrer". Mais tarde, Elena volta para Nova Iorque com sua mãe e irmã, porém nada muda, cada vez mais angustiada por não conseguir realizar seu sonho, se torna dura consigo mesma e a menina que um dia descobriu que podia fazer a lua dançar, se fechou para o mundo. Ela foi sendo tomada por um imenso vazio, uma tristeza que já não podia carregar e mesmo com sua pouca idade, estava desistindo de tudo.
Tanto a mãe, como a irmã não entendia de fato o que ocorria com ela, e de certa forma depois do suicídio a culpa as tomou completamente. Lembranças as perseguiam, como num dia que Petra estava com uma amiga em sua casa mostrando os cômodos e quando chegou no quarto de Elena, a menina perguntou o que ela tinha, pois estava toda coberta com os olhos distantes, e Petra respondeu: "Ela é assim", ou quando a mãe ouviu ela chorar desesperadamente e não foi lá perguntar nada. Conviver com este tipo de sofrimento é angustiante, e se eu fizesse, e se eu tivesse, e se... É um verdadeiro pesadelo que acaba com a vida de qualquer um.

É necessário expor a dor sentida, se possível compartilhá-la, pois é uma maneira de se libertar e seguir em frente. O que Petra fez com este documentário foi exatamente isso, ela compartilhou a sua dor, e principalmente, a transformou. "Elena" é um documentário extremamente lírico e pessoal mas que conversa com nossas dores e saudades. O interessante é que ele nos permite pensar em nossos próprios sonhos não realizados, a insatisfação com a vida, a solidão e o peso que se carrega por causa disso.
Como não se emocionar na parte em que o laudo de Elena aparece na tela mostrando que seu coração pesava 300 gramas? 
"Meu coração está tão triste que eu me sinto no direito de não perambular mais por aí com esse corpo que ocupa espaço e esmaga mais o que eu tenho de tão...tão frágil."

Vemos mais tarde um período confuso na vida de Petra, quando decide qual carreira seguir, ela escolhe estudar teatro, assim como Elena, então passa a tentar entender o motivo de sua escolha e entra numa luta interna tentando se desvencilhar da imagem da irmã, que por vezes se confunde com a dela. A doce cena da dança na água reflete o deixar ir. "As dores viram água, e pouco a pouco viram memória."
"Elena" é um filme melancólico e completamente libertador. A frase dita por Petra no final resume lindamente: "Você é a minha memória, feita de pedra e sombra. E é dela que tudo nasce, e dança". Elena deixou de ser dor e tristeza para se tornar inspiração.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Não Fui Eu, Eu Juro! (C'est Pas Moi, Je le Jure!)

"Não Fui Eu, Eu Juro!" é um filme canadense dirigido por Philippe Falardeau (Monsieur Lazhar - 2012). É um longa sensível e imensamente cativante, a atuação de Antoine L'Écuyer é linda, doce e ingênua, ele passa por momentos complicados e à sua maneira tenta entender todos esses percalços.
Léon é uma criança difícil e bastante impulsiva. Passa por sérios problemas familiares e uma das soluções que ele encontra é se tornar rebelde. Logo no início do filme, Léon está pendurado na árvore de seu quintal tentando se enforcar, sem nenhuma razão aparente. Ao longo, as tentativas de suicídio são recorrentes, principalmente, após a partida de Madeleine Doré (interpretada por Suzanne Clément), sua mãe, que vai para a Grécia, deixando para trás dois filhos e o marido.
O longa acerta em cheio ao explorar a personalidade de Léon, que às vezes parece ser bem maduro para sua idade, especialmente quando envolve seus pensamentos acerca da vida, mas por outras vezes é apenas um menino inocente e arteiro. Léon ama sua mãe, há muitas afinidades entre eles. Madeleine é uma mulher complicada, insatisfeita com a vida e amante das artes. É uma pessoa que carrega sonhos dentro de si e a vida comum é pouco para saciá-la. Léon aprendeu a tocar piano por causa dela, mas herdou a característica de não se conformar, ele pensa desenfreadamente. Após a partida da mãe para Grécia em busca do céu azul, Léon se torna rebelde e mente cada vez mais. A cena em que a mãe entra no táxi para ir embora é cruel, o menino tenta de todas as formas detê-la, mas em vão. Por fim, o pai o segura e ele chora histericamente.
Na vizinhança há uma menina que também foi abandonada, mas pelo pai, Léa consegue conquistar Léon através disso, e não demora para ele se apaixonar profundamente. A partir daí os dois se tornam cúmplices, dividem um esconderijo onde expõem seus sentimentos e armam um plano para irem a Grécia, mas para isso eles precisam de dinheiro e León acaba roubando. Juntos vão descobrindo a vida e o primeiro amor.

Léon apronta e mente muito para seu pai, e claro que uma hora as consequências aparecem, e o que este faz? Escapa a seu modo, tenta se matar de novo. Depois de um tempo no hospital se reabilitando sua vida vira de cabeça para baixo, seu pai o faz pedir desculpas para todos que foram seu alvo e é afastado de Léa, pois foi considerado uma má influência. Porém, na escola Léon a encontra, é muito fofa a cena em que ele foge da escola, pede para um homem comprar várias bárbies e espera por Léa no pátio. Há várias cenas maravilhosas dotadas daquela magia do primeiro amor, por exemplo, quando salva Léa de um imenso cachorro e ela lhe dá um beijo, ou quando toca piano para acalmar a menina que chora. É um retrato singelo dessa época que é uma das melhores da vida. Léon é uma criança esperta mas ingênua, essa característica é o que nos faz simplesmente amar o personagem.
O filme tem uma narrativa envolvente, inclusive já começa de modo interessante, com um pensamento forte para uma criança de apenas 10 anos, mas mesmo com esse olhar adulto a todo momento percebemos a aura infantil que permeia o longa. Léon é uma criança difícil, cheia de sonhos e que ama sua mãe. O ato de se enforcar era para chamar a atenção dela que vivia em outro mundo mergulhada nos sonhos não realizados.

Muito pertinente também a visão do seu irmão sobre as coisas, quando Léon tenta se enforcar ele berra: "Eu só queria que minha família fosse normal". Dentro de sua concepção todas as famílias da vizinhança eram felizes e perfeitas. Um olhar infantil sobre a vida. O diálogos são ótimos, há humor e inteligência neles, como quando Léon diz a Léa: "- Léa, eu resolvi começar uma vida nova. - Mas você tem 10 anos Léon. - Então, ainda não é tão tarde."
"Não Fui Eu, Eu Juro!" é delicado ao abordar um tema tão complexo, a visão de uma criança sobre seus pais, as circunstâncias que o rodeia, a separação, a solidão na infância, e o como se encaixa nisto tudo. Léon à sua maneira se rebela, mas a vida parece gostar e muito dele. É um filme apaixonante, daqueles que guardamos num lugarzinho especial da memória e que volta e meia lembramos de uma cena e outra.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Achados Musicais

Ao passear pelo Youtube encontrei alguns artistas super interessantes, com segmentos diferentes e muito além do convencional conseguem saciar a sede dos amantes da boa música.

Iyeoka
Iyeoka tem uma alegria genuína, seu tom de voz e toda sua musicalidade só faz ressaltar isso. Iyeoka é americana de origem nigeriana e além do talento de cantar é poetisa, ativista e educadora, ela abraça o poder da palavra em defesa de causas como as questões do amor, mulheres, cultura, relacionamentos, violência, entre outras. O som é uma mistura de jazz, soul, funk e R&B. Seu mais recente trabalho é o álbum "Say Yes" - 2010, que mistura a poesia da palavra falada com o jazz e o blues. É o tipo de artista que merece todo o reconhecimento, e por isso não podia deixar de compartilhar. O clipe "Simply Falling" esbanja charme.

Hindi Zahra
Hindi Zahra é uma cantora e compositora nascida em Marrocos, radicada na França desde 1993. Seu estilo musical é intimista e carrega toda a influência cultural de seu país. Apaixonada por arte, Zahra já trabalhou no museu do Louvre quando tinha seus 18 anos e se diz diretamente influenciada por essa experiência. Sua música é um misto poético de jazz, folk e soul, sua voz é doce e sensual. A sua infância foi rodeada pela música: sua mãe era atriz e cantora e seus tios eram grandes músicos. Zahra viveu em um momento que a cena musical do Marrocos oferecia grandes variedades de estilos, como o folk e o blues, além da energética música popular da região. A compositora, que aprendeu a tocar inúmeros instrumentos por conta própria, incluiu tudo isso e um pouco mais a seu trabalho. O clipe do primeiro hit, "Beautiful Tango" do álbum "Handmade" (2010), foi dirigido pelo maravilhoso Tony Gatlif (Transylvania - 2006). As canções de Hindi Zahra misturam culturas e soam agradáveis, são suaves, sensuais e hipnóticas.

Zaz
Zaz é uma cantora francesa que mescla música gipsy e o jazz. Ela ficou famosa com sua canção "Je Veux", tema de seu primeiro álbum "Zaz", que foi lançado em 2010. Em 2006, decidida a ser cantora, saiu de Tours, cidade onde nasceu e iniciou sua carreira em Paris, onde cantou em cabarés e nas ruas da capital por um ano, até que o anúncio de uma gravadora mudou sua vida. Nele, o compositor Kerredine Soltani procurava uma jovem para interpretar canções de jazz, e Zaz se enquadrava perfeitamente no perfil. No mesmo período conheceu o cantor Raphaël, que seduzido pela sua voz suave e muito peculiar escreveu três das onze canções do álbum "Zaz": Éblouie par la Nuit", Port Coton", e "La Fée". Uma delas, "Dans ma Rue", é uma regravação da música de Édith Piaf, a quem ela homenageia no disco.
Sua música mistura um pouco de jazz, soul e acústico. Uma das minhas preferidas é a canção "Les Passants", ao mesmo tempo que é simples por parecer despretensiosa, também é chique, pois Montmartre, o local em que eles gravaram o vídeo é o bairro mais boêmio e charmoso de Paris, onde se encontra os mais variados artistas, além dos Cafés e Cabarés, como o famoso Moulin Rouge.

Asaf Avidan
Asaf Avidan é um músico de origem israelense, filho de diplomatas do ministério de relações exteriores passou quatro anos na Jamaica. Após o serviço militar obrigatório em Israel, estudou animação na Bezalel de Jerusalém, inclusive ganhou prêmio por um curta-metragem no festival de Haifa. Depois de seus estudos, mudou-se para Tel Aviv e trabalhou como animador, até um rompimento com sua namorada de longa data, que o abalou e o fez voltar a Jerusalém, largou o emprego e começou a dedicar-se em tempo integral à música. Lançou um EP do qual foi elogiado pela crítica. Em 2006 formou uma banda de rock/blues chamada Asaf Avidan & The Mojos, que se tornou muito popular em alguns países. A banda lançou três álbuns: "The Reckoning Song" em 2008, "Poor Boy/Lucky Man" em 2009 e "Through the Gale" em 2010. Em 2012, o projeto The Mojos foi arquivado para que Asaf focasse na carreira solo. Seu primeiro álbum "Different Pulses" começou a ser disponibilizado internacionalmente em 2013. Sua música é definida como blues, folk e rock, sua voz já foi comparada com a de Janis Joplin e dependendo a música lembra e muito, a voz rasgada, os agudos, as pausas. Também  já compararam com a de Robert Plant, do qual Asaf teve o prazer de dividir o palco em 2011.
As músicas de Asaf sofrem ao longo dos minutos alterações incríveis, sua voz varia muito entre uma rouquidão macia e estridente, chegando até falhar, mas que estranhamente arrepia. Apesar de lembrar outros artistas, diga-se de passagem, magníficos e consagrados, ele é único e isso se intensifica à medida que o ouvimos e descobrimos a sua veia artística. Um dos melhores achados da minha vida!
Não deixem de escutar a discografia da banda Asaf Avidan & The Mojos, as músicas têm uma pegada ousada e diferente da sua carreira solo. "Different Pulses" é um álbum rico musicalmente e que embriaga o ouvinte. É um som penetrante!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Hora de Morrer (Pora Umierac)

Dorota Kędzierzawska é uma diretora de muita sensibilidade, em "Eu Existo" - 2005 retratou um menino cuja solidão era sua única companhia, abandonado sem saber o que fazer, tenta se encontrar, já em "Hora de Morrer" (2007) o foco é em uma velhinha. Aniela é uma enérgica inflexível relíquia do passado, como a grande casa em estilo dacha rodeada por árvores altas em que vive sozinha com sua impetuosa cadela, Filadélfia. Ela observa do outro lado da rua, um homem gordo, novo rico grosseiro, que mora em uma grande casa nova e a quem desaprova, e na esquina, uma escola de música que luta para sobreviver. Todo mundo quer a casa e o terreno de Aniela. Quando o vizinho auxiliado pelo filho interesseiro de Aniela, traça planos para obter a propriedade, ela encontra uma maneira de ser mais esperta que eles.
Vivendo somente com sua cadela, da qual mantém diálogos interessantes e intimistas, Aniela segue seus dias só em sua grande linda casa, mas que está caindo aos pedaços, essa casa é sua paixão, pois foi onde passou toda a sua vida, incluindo o período da guerra. Todos a criticam e desejam tirá-la de lá, principalmente seu filho, que quer vendê-la para o morador rico ao lado. Várias tentativas acontecem, mas com o desenrolar Aniela mostra que não é porque está velha que não pode decidir sobre suas próprias coisas.
A cena inicial é muito realista, Aniela é mal recebida por uma médica, aliás ela nem chega a entrar no consultório. A médica diz: "Tira sua roupa e deita aí" de forma ríspida, sem nem olhá-la. Inconformada ainda pergunta novamente o que foi que disse; a médica lhe diz o mesmo, e então a velhinha solta um palavrão e vai embora. Nas ruas pensa sobre o ocorrido, e não entende como alguém formado em tal profissão lhe dedica tal tratamento.
O filme em preto e branco é elegante, a fotografia salta aos olhos e os closes no rosto expressivo de Aniela ou em Filadélfia são os pontos altos. Mesmo se tratando de um filme que fala do inevitável, impossível não assisti-lo com um sorriso no rosto. Ele demonstra bem o universo solitário da velhice, a rotina permeada de esquecimentos e dos pensamentos atordoantes sobre o que virá.

Aniela observa com seu binóculo a rotina de seus vizinhos chatos, além da escola de música para crianças que fica próxima de sua casa, por vezes as crianças dessa precária escola invadem seu quintal para brincar no balanço. Em dado momento aparece um menino falante que escala até o alto da casa, sua intenção era roubar, mas ao se deparar com Aniela lhe diz algumas coisas e pede um trocado, seu apelido é Dostoiévski, que segundo ele, era um pintor russo.
O filme todo se passa dentro da casa, Aniela é muito agitada, dificilmente se deita. Todas as cenas são muitas especiais, principalmente quando envolve sua cadela Filadélfia.
Há muitas lembranças envolvendo sua juventude e passagens de seu filho pequeno correndo pela casa. Interessante que nada de sua vida nos é explicado, mas percebe-se muito fortemente que seu filho não se importa muito, e mais tarde visualizamos a tristeza de Aniela ao ver que ele está de conluio com o vizinho para adquirir sua casa. Nesta parte o desgosto toma conta de Aniela. O diálogo que o filho tem com a esposa retrata um ser humano pobre e movido apenas pelo dinheiro. Muito real também é a maneira que a neta a trata, o descaso que faz quando Aniela mostra a casa e os brinquedos da época de seu pai. Reflete a educação que a maioria das crianças recebem hoje em dia, nada de diálogos, apenas bens materiais para suprir desejos, que na verdade nunca serão satisfeitos, o que mais tarde os tornam adultos de plástico.

Dentre todas as cenas maravilhosas que este filme possui, destaco a do balanço. É como se ela se livrasse de todas as mágoas e decidisse não se importar mais, ela diz repetidamente: enlouqueci, enlouqueci, mas o fato é que ela entrou no estado de lucidez, e é o que a faz tomar uma decisão justíssima, ela se desprende totalmente do seu amor maior, a casa, e enfim descansa em paz. O desfecho é uma grande renovação.
"Hora de Morrer" é daqueles filmes que todos deveriam assistir, traz uma reflexão contundente sobre velhice, abandono, solidão e valores esquecidos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Castelo (Das Schloß)

Dirigido por Michael Haneke (Tempos de Lobo - 2003), é uma adaptação do livro homônimo e inacabado de Franz Kafka. É um filme ignorado dentro da filmografia do diretor, já que no mesmo ano foi lançado "Violência Gratuita", é imensamente válido para quem gosta tanto do universo Kafkiano, quanto Hanekiano.
A história segue K. (Ulrich Mühe), um agrimensor enviado a um vilarejo (de localização indefinida) a trabalho. Lá, descobre a existência de um castelo misterioso, ao qual apenas alguns privilegiados têm acesso. Ele decide conhecer o lugar a todo custo, mas logo percebe que a tarefa não será fácil, uma situação inusitada se sucede, Klamm, seu possível chefe não permite contato. Sem sucesso, através do mensageiro Barrabás tenta marcar uma conversa com Klamm, então desesperado tenta ir ao castelo, mas ele nunca chega, mesmo vendo pessoas indo e vindo de lá, é inalcançável. Dessa maneira vê em Frieda, funcionária da hospedaria, uma oportunidade, já que ela é amante de Klamm e tem bastante prestígio na comunidade por isso. Nesta parte é difícil formar uma opinião a respeito dos sentimentos de K. por Frieda.
Mais tarde K. encontra-se com o prefeito, que habilmente desmerece seu serviço, dizendo que não há e nunca houve necessidade de um agrimensor naquelas terras. A parte burocrática da história explode, papéis e mais papéis saltam do armário, uma situação que chega a ser cômica, graças aos ajudantes de K.
Nesta conversa com o prefeito, ele acaba aceitando trabalhar como servente da escola da comunidade, inclusive podendo permanecer nas dependências com Frieda e seus dois ajudantes. Em busca de respostas para o que está acontecendo se depara com Olga, irmã de Barrabás, o mensageiro, e durante uma longa conversa põe em dúvida o poder de Klamm e dos funcionários do castelo. Nesta altura se desenvolve uma ampla rede de interesses e hierarquias do poder.
A impossibilidade de chegar ao castelo é expressada perfeitamente, nenhuma das pessoas que encontra fornece informação como ter acesso a ele, a barreira burocrática que se ergue é o maior obstáculo, então tenta estabelecer contato com os funcionários, mas em vão. Nessa busca K. mergulha em um pesadelo do qual o deixa confuso e sem saída. A incomunicação, a burocracia, os interesses, tudo isso é levado ao absurdo.
As dúvidas lançadas chegam a doer nossa cabeça, a escrita de Kafka foi transposta maravilhosamente bem para a tela, nada faz sentido e ao mesmo tempo há múltiplas possibilidades, a visão pessimista também está presente.

"O Castelo" reflete a relação do cidadão e sua sociedade, e principalmente, discute a respeito de sua aceitação social. É um filme confuso que por oras beira o surreal, assim como o livro.
A narração em off contendo trechos integrais se funde com as imagens representadas. A ironia, a comicidade em alguns elementos, o tom misterioso e a densidade se dá de maneira magnífica.
Como o próprio Kafka escreveu: "Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós", tudo o que causa essa sensação adiciona algo, rompe barreiras e nos leva ao autoconhecimento, obras desse nível deveriam ser obrigatórias a qualquer ser humano.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Paraíso: Amor (Paradies: Liebe)

"Paraíso: Amor" (2012) é o primeiro filme da trilogia "Paraíso" de Ulrich Seidl, que traça o retrato de três mulheres, de três férias e de três narrativas sobre a vontade visceral de felicidade. Este conta a história de mulheres brancas europeias na faixa dos 50 anos que passam férias no Quênia, onde conhecem os chamados "Beach Boys", homens jovens que viram seus amantes. Quem explora e quem é explorado na indústria do turismo sexual é a questão principal do filme. Um retrato forte e inquietante sobre a solidão feminina e o desequilíbrio econômico na África. Teresa, é uma dessas mulheres que em busca do amor vai passar férias nesse paraíso exótico. Lá as europeias são chamadas de "sugar mamas", pois graças as quais, contra um pouco de amor, os jovens africanos asseguram a sua subsistência. "Paraíso: Amor" conta a história das mulheres envelhecidas e dos homens jovens, da Europa e de África, e dos explorados que se tornam exploradores.
Teresa deixa sua filha adolescente aos cuidados de sua irmã e vai passar férias no Quênia. Sua principal motivação é encontrar o amor em meio aqueles jovens que fazem de tudo para vender souvenirs, porém, Teresa acaba encontrando apenas sexo. Em dado momento acreditando que o rapaz com quem está saindo gosta dela, sente-se satisfeita consigo mesma, só que mais tarde vemos que ele queria seu dinheiro, pois sua situação é péssima. Claro, uma senhora branca europeia e sozinha na praia, na certa tem grana e esses rapazes aproveitam a chance para arrancar o máximo possível através do sexo fácil. De paraíso não há nada, é triste ver esta mulher em busca de satisfação. Teresa procura afeição, a cena em que ela ensina o africano acariciar seus seios diz muito sobre sua personalidade frágil. Teresa está procurando amor no lugar errado, há ali um conflito de interesses, enquanto ela busca amantes, esses homens apenas enxergam perspectivas para melhorar de vida. Diante disto, quem explora ou é explorado?
Nesse lugar paradisíaco criou-se uma espécie de turismo sexual, várias mulheres na faixa de idade de Teresa vão lá em busca de sexo, mas há algo diferente nela, que é o desejo de ter amor, por isso suas tentativas são completamente frustradas. Os contrastes apresentados demonstram uma imensa carência afetiva e uma patente solidão. Quando os jovens negros saem com ela a fim de explorá-la, o sentimento gerado é de confusão, pois quem está certo? Esses jovens também são carentes, mas de estrutura em relação à vida, portanto veem nesta mulher um meio de ganhar dinheiro fácil, e ela por sua vez, se afunda numa tristeza absoluta.

Na busca pelo amor Teresa se decepciona, os rapazes são automáticos em seus movimentos. A primeira vez em que ela sai e vai para o quarto com um deles, nega e chega a se desesperar, a pegam como se fosse um animal. Tudo o que ela precisa é de um toque mais carinhoso e ser olhada nos olhos, sexo por sexo só gera a ilusão de satisfação.
Ulrich Seidl tem uma maneira própria de abordar o universo feminino, a solidão e a busca pela felicidade é o que move as mulheres de sua trilogia.
"Paraíso: Fé" (2012), talvez seja o mais forte e crítico, "Paraíso: Amor" contém bastante nudez, mas ela não vista sob o ângulo do prazer, e "Paraíso: Esperança" (2013), conta a história da filha de Teresa, uma menina de 13 anos que é mandada para passar férias em um acampamento para gordinhas, lá acaba se apaixonando pelo médico 40 anos mais velho. A trilogia pode ser vista aleatoriamente, todos discutem a realidade de forma cru, não há floreios e a câmera quase sempre estática enfatiza vários sentimentos desconfortáveis.
"Paraíso: Amor" é delicado na abordagem, mas bastante dolorido. É um filme imensamente real e decadente.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Movimento Browniano (Brownian Movement)

"Movimento Browniano" (2010) dirigido pela holandesa Nanouk Leopold retrata a médica Charlotte, que tem encontros amorosos com alguns de seus pacientes, quando seu marido descobre a obriga a fazer terapia. Logo após, o casal muda-se para a Índia e tudo parece ter voltado ao normal, mas as coisas nem sempre são o que parecem. O filme é dividido em três partes, o início se concentra em mostrar o vício em sexo de Charlotte, ela escolhe aleatoriamente os homens que deseja ter relação, mas não há nenhuma satisfação nisso. Os homens são dos mais variados: peludos, velhos, gordos, magros, feios. Ela cria um mundo a parte do seu e chega até alugar um apartamento para esses estranhos encontros. Não dá para saber o porquê Charlotte faz isso, pois aparentemente tem uma vida maravilhosa, emprego estável, marido bonito e compreensivo, filho educado e inteligente, a mente humana é uma incógnita.
A ideia é extremamente interessante, o título dá a dica, mas não revela. Como no movimento browniano, Charlotte é movida ou puxada pela aleatoriedade. A segunda parte nos mostra o quanto Charlotte não sabe a motivação de seus atos, depois de ser abordada por um homem que fez sexo com ela, se choca e o agride, para ela aquele mundo paralelo jamais se encontraria com o real. Desse modo seu marido descobre suas puladas de cerca, inclusive sobre o apartamento alugado, e muito compreensivo por saber ser uma doença a acompanha na terapia. As revelações desta mulher são ousadas e não dá para saber o porquê do marido se submeter a tanto, seria por amor, baixa auto-estima, ou apego à família?
Não há explicações para o que Charlotte faz, a terapeuta faz perguntas e ela simplesmente fala sobre os fatos, não o que a impulsiona e o que a faz escolher aqueles homens. Diante a tantas perguntas sem respostas é afastada do seu cargo de médica por apresentar perigo aos pacientes. Aí surge a terceira parte, uma espécie de consequências de seus atos. Ela, o marido e o filho se mudam para a Índia, nesta fase Charlotte tem mais dois filhos, talvez com o intuito de recomeço familiar, mas a confiança já não é a mesma, nada que aconteça faz com que o ocorrido se perca no tempo. O casamento vai se deteriorando, Charlotte se reserva cada vez mais e com isso vem mais desconfiança. Ambos precisam encontrar uma maneira para continuar vivendo, mas será que existe um caminho?
Toda essa história é muito interessante, mas apenas no conceito, na ideia; o filme peca demais em seu desenrolar, são planos estáticos demasiadamente longos, como que para refletir acerca desta personagem tão complexa. Os dramas do casal nunca são discutidos de forma convencional, aos gritos ou em discussões infindáveis, eles são expostos no silêncio, mas isso não significa que não tenha sentido. Charlotte é uma pessoa ausente da vida, fria nas suas emoções, ela está em conflito com sua natureza. O filme não nos dá respostas, apenas dúvidas em cima de dúvidas.

A segunda parte é mais interessante e prende a atenção, justamente por causa do confronto com a obscuridade de sua mente, é incompreensível até para ela, pois é um movimento de que ela precisa, apesar de não satisfazer.
É um tipo de cinema para trabalhar a nossa observação, um dos motivos de se tornar enfadonho. A grande propulsão do ser humano é a dúvida, sem ela as possibilidades não existiriam. E assim se dá o final, repleto de dúvidas, das quais muitas delas permanecerão sem respostas.
"Movimento Browniano" retrata a condição de se entregar a algo aleatoriamente sem necessariamente ter alguma relação, mas, que por fim, pode gerar reações caóticas.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Faroeste Caboclo

A epopeia de João de Santo Cristo foi adaptada pelo diretor estreante René Sampaio, que conseguiu captar todos os aspectos da música, porém também tomou a liberdade de criação. René merece aplausos, pois mesmo não sendo totalmente fiel à canção fez um filme bonito e realista.
João deixa Santo Cristo em busca de uma vida melhor em Brasília. Ele quer deixar o passado repleto de tragédias para trás. Lá, conta com apoio do primo traficante Pablo, com quem passa a trabalhar. Já conhecido como João de Santo Cristo, o jovem se envolve com o tráfico de drogas, ao mesmo tempo em que mantém um emprego como carpinteiro. Em meio a tudo isso, conhece a bela e inquieta Maria Lúcia, filha de um senador, por quem se apaixona loucamente. Os dois começam uma relação marcada pela paixão e pelo romance, mas logo se verá em meio a uma guerra com o playboy e traficante Jeremias, que coloca tudo a perder.
O início é rapidamente mostrado, não há perda de tempo, a passagem se dá de forma sutil, como a bela cena em que João busca água no poço com a mãe e quando retira o balde já está mais velho, ou a entrada e saída do reformatório e sua chegada a Brasília. A história começa de fato quando ele encontra Pablo (César Troncoso), seu primo distante, um peruano que vivia na Bolívia e que muitas coisas trazia de lá, João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) começa a trabalhar em uma carpintaria, mas faz serviços para Pablo e um dia em que vai entregar a droga termina fugindo da polícia e encontra Maria Lúcia (Ísis Valverde), uma menina rica e enfadada com a vida que leva. João e Maria tem mais destaque no filme, seus personagens são muito bem explorados, apesar de não seguir à risca a música. Com o relacionamento muitos problemas surgem, Jeremias (Felipe Abib), o traficante playboy apaixonado por Maria Lúcia vê em João seu rival no mundo das drogas, no que desencadeia a grande cena final, o duelo.
Todo o contexto está presente, mas a liberdade de criar em cima de uma letra tão amada faz de "Faroeste Caboclo" uma obra ousada e acertada.
Fabrício Boliveira dá vida a João de Santo Cristo e o faz com maestria, seu personagem é humano e real, pois ele é tanto movido pelo ódio como pelo amor. Seus olhos mesmo que a maioria das vezes expressem ódio, no fundo há uma certa inocência, o que nos aproxima muito dele. Os outros atores também são ótimos, Ísis Valverde faz uma Maria Lúcia silenciosa, apaixonada e perdida. Felipe Abib como Jeremias soma bastante, seu personagem poderia soar caricato, mas ao contrário, ele exibe exatamente o perfil de traficante playboy que por se sentir fraco é viciado em cocaína. César Troncoso (ator uruguaio) como Pablo é um personagem carismático mesmo sendo um traficante que não perdoa. Antonio Calloni, o  policial corrupto consegue dosar perversidade e humor. Todos esses personagens são bem explorados sem ser exagerados.

A crítica sobre o preconceito social e racial é discutido e o romance é ampliado, há bastante cenas de paixão com direito a muito sexo. O filme é ambientado na década de 80, fica evidente pela caracterização dos personagens, carros, cenários e pela trilha sonora que mescla punk rock, rock nacional, música disco, além das músicas tradicionais de faroeste. O clima de faroeste é evidenciado quando Jeremias e João se estranham, o close nos olhos, a andada e a parada, o clima todo foi bem trabalhado. Um dos méritos é não poupar a violência, a cena em que João mata o policial sem hesitar é incrível. É a violência real e não coreografada.
Um belo exemplo de criatividade e cinema autoral, também não deixa de ser um bom entretenimento a todos que gostam de prestigiar o cinema nacional. O filme tem diversas qualidades.

"Faroeste Caboclo" é uma adaptação, portanto é necessário se desprender do conceito fidelidade. O diretor tomou liberdade poética, enxugou a trama e também acrescentou ou evidenciou outras coisas, como a cena final, por exemplo, que ao contrário da música ninguém estava lá para assistir. Um desfecho coerente para o filme. A canção tema está sempre presente, seja na melodia ou na música em si nos créditos finais.
É o cinema nacional mostrando que tem capacidade de ser elaborado e conduzido sem cair em clichês que surgem aos montes nos filmes mais comerciais.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Branca de Neve (Blancanieves)

Releitura espanhola numa versão muda e em preto e branco para o clássico da Disney e do conto dos irmãos Grimm, "Branca de Neve". Esta nova versão traz a heroína no mundo das touradas. No filme, o conto de fadas é transposto para Sevilha, num tempo de touradas, por volta dos anos 20. A trama começa com uma tripla tragédia: o toureiro superstar Antonio Villalta é atingido por um animal, fica tetraplégico e ainda perde sua mulher no parto. Dali nascem sua filha, Carmen, e também seu casamento com uma enfermeira que se aproveita da situação para seduzi-lo. A órfã de mãe, Carmen, claro, é a Branca de Neve, restando para Encarna o papel da maior vilã da cultura pop, a Madrasta.
A essência do conto é a mesma, mas o longa de Pablo Berger vai além, é criativo e muito original. Ele traz o conto em versão muda e em P&B, o universo das touradas seduz o espectador. Antonio Villalta é um famoso e rico toureiro, mas em uma apresentação comete um erro terrível do qual acaba sendo ferido, o deixando tetraplégico, ao mesmo tempo sua mulher desesperada entra em trabalho de parto e morre assim que a criança nasce, Carmencita fica aos cuidados da avó, pois o pai a rejeita. A enfermeira Encarna se aproveita da situação e Antonio por fim acaba se casando com ela. O tempo passa e a avó de Carmencita morre, a garota vai para a casa do pai, mas Encarna a coloca num lugar horrível para dormir e a faz de empregada da casa. A madrasta quer ver a menina longe e quando descobre que ela anda frequentando o quarto do pai começa articular seus planos malignos. Nestas visitas Carmencita aprende o ritual das touradas e vive momentos de muito carinho com seu pai.
Maribel Verdú faz uma madrasta muito má e cheia de fetiches, sua personagem passeia pelo sexy e o humor negro. A trilha sonora é fantástica, o flamenco dá um tom quente ao filme, assim como as danças que o permeiam. Até a "dança" feita com os touros na arena é estupenda.
A aparição dos anões toureiros é interessante, nem todos são bons e confiáveis, e nessa versão quem se apaixona por Branca de Neve é um anão. Na trama há muita maldade, vingança, e por fim, morte.

É um belo exemplar do quanto o cinema pode nos inebriar contando uma história tão conhecida sob um outro aspecto. "Blancanieves" tem uma fotografia belíssima, é envolvente, hipnótico e original.
Carmencita apelidada de Branca de Neve pelos anões depois de ser achada e ter perdido a memória é uma moça que esbanja inocência, continua sendo bela e com a pele alva, mas sem ares infantis. A madrasta tem um olhar cortante, é fissurada na ostentação e movida pela vaidade, ela passa por cima de todos para conseguir o que quer.
"Blancanieves" é até agora a melhor versão que vi do conto, a crítica rasgou elogios e o filme teve diversas premiações, incluindo o Goya, a maior premiação do cinema espanhol, levou 10 prêmios de 18 indicações. Por fim, é uma obra para se surpreender!