quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Triângulo Amoroso (Drei)

"Drei" (três em alemão) conta sobre Hanna e Simon, um casal de meia idade que vive junto em Berlim. Sem querer os dois se envolvem com o mesmo homem sem que o outro saiba. Tom Tykwer (Perfume - 2006) nos traz a história do engenheiro de arte Simon (Sebastian Schipper), que acaba de perder a mãe para um câncer e que logo depois, descobre que também tem um tumor e precisa operá-lo imediatamente para a retirada de um testículo. Hanna (Sophie Rois) vive com Simon há 20 anos e acaba se envolvendo com outro homem, Adam (Devid Striesow), um cientista que conhece em um debate sobre bioética. Simon acaba por conhecer Adam também em um clube de natação, e fica muito confuso com os seus sentimentos, e questiona sobre sua sexualidade. Os encontros esporádicos e puramente sexuais de Adam com Hanna e Simon tornam-se mais frequentes e termina surgindo afeto e amor, e para complicar ainda mais as coisas, Hanna descobre que está grávida e não sabe quem é o pai. A culpa que Simon e Hanna sentem começa a dominá-los. A personalidade dos três se complementam nas diferenças, enquanto Hanna é extrovertida, Simon é introspectivo, já Adam é um homem aberto para novas experiências, atraente e culto.
O filme traz à tona um novo modelo de relacionamento, mais dinâmico e eficaz para que um casamento não se desgaste. Com um ótimo roteiro, o desenvolvimento dos personagens é agradável, e a maneira como tudo acontece soa natural. Algumas cenas são estranhas, como a aparição da mãe de Simon como um anjo, ou como aquela em preto e branco que mostra Simon caminhando atrás de uma carruagem. São imagens simbólicas que não seguem a linha da narrativa.

No entanto, tomando uma decisão bastante arriscada, o diretor acerta em cheio ao mudar o tom do filme quase no final, passando do melodrama à comédia de modo equilibrado, assim representando a positiva mudança na vida de Adam, Hanna e Simon. Sophie Rois no papel de Hanna é uma mulher de fortes opiniões, mas também é uma pessoa egoísta e desagradável. Adam aparenta ser um sujeito tranquilo e bem resolvido, mas com um sutil vazio interior. O filme evidencia em Simon e Adam o quão natural é a pluralidade sexual humana, mas os clichês sobre homossexualidade e bissexualidade passam longe. A terceira pessoa entra não para destruir o casal, mas sim, para dar um novo fôlego a algo que estava desmoronando. E o final mostra claramente isso.
O filme se desenvolve de forma bem suave e vai nos apresentando os personagens aos poucos, na verdade, o que importa não são os dramas de cada um, e sim, o relacionamento que se constrói entre eles. É mostrado todo o sentimento e o prazer que envolve cada um. O casal que no início estava distante, sem ritmo, quando se envolvem com Adam, lembrando que tanto um como o outro não sabia dessa relação, os dois acabam por se aproximar e retornam a se amar e sentir tesão um pelo outro.

O número três equivale a uma complementação, infelizmente o filme não desenvolve bem esses simbolismos, como a questão das células-tronco que permeia as cenas iniciais, inclusive o último plano termina dando alusão a isso, ou o simbolismo do número três, que é o título original e que é mostrado na hora em que a mãe de Simon morre, e o número começa a aparecer frequentemente. Nenhum dos três são iguais, mas são complementares, semelhantes e importantes. São três pessoas que se amam. Um amor livre de convenções, que aliás ao final das contas não servem de nada, porque cada um tem a sua própria maneira de amar e expor esse sentimento, não há classificações, simplesmente amam-se. O filme nos lembra o quanto somos amplos e que sempre estamos nos redescobrindo e aprendendo com nós mesmos.

O longa tem uma linguagem interessante e moderna, algumas cenas são tensas, como a que Hanna descobre que seu marido está se envolvendo com o mesmo homem que ela. A mudança vem no momento em que Hanna engravida. E a dúvida de quem é o pai surge. Adam ou Simon? Neste momento é Hanna quem deve decidir qual caminho deve trilhar, qual destes homens manter ao seu lado, ou nenhum deles, ou ambos. O que ela decide, de fato é transgressor e explora todas as formas de amar. Que aliás, vão muito além das convenções criadas.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Valerie e sua Semana de Deslumbramentos (Valerie a Týden Divu) +Coisas Insignificantes (Cosas Insignificantes) + O Foguete (The Rocket)

Valerie, uma jovem adolescente que vive com sua avó, começa a ter os primeiros contatos com sua consciência sexual quando um grupo circense chega a sua cidade e é presenteada com um par de brincos mágicos. A linha entre sonhos e realidade é tênue nesta fantasia psicológica surrealista. Uma história que trata de amor, medo, sexo e religião. O filme "Valerie e sua Semana de Deslumbramentos" do diretor Jaromil Jires faz parte da New Wave Tcheca que se iniciou em 1960, as obras iam contra todo o realismo da época apresentando características de surrealismo e onirismo. "Valerie..." faz parte do surrealismo estético, onde os sonhos e pesadelos com qualquer tipo de criatura se externalizam.
Valerie é uma garota inocente que vive com sua avó, mas logo uma nova fase surgirá para ela, quando no início ganha um par de brincos que caracterizam a sua mudança. A narrativa carrega simbolismos muito bonitos, como o sangue pingando nas margaridas mostrando que a menina terá pela frente várias descobertas. De repente, ela começa a enxergar todos ao seu redor de outra forma e demoniza os adultos, a volúpia é a grande protagonista do filme. O amadurecimento sexual é o foco, a mistura de realidade e sonhos caracterizam diversos sentimentos, dos quais se fazem presentes nesta fase tão confusa. O despertar é trabalhado de maneira completamente onírica, onde o paganismo naturalista junta-se aos ícones, símbolos e rituais cristãos.
Vale dar uma conferida neste exemplar maravilhoso da New Wave Tcheca e se deslumbrar com todos os elementos do filme.

Esmeralda é uma adolescente com uma obsessão incomum: ela coleciona objetos perdidos, esquecidos ou descartados e os guarda em uma caixa embaixo de sua cama. É a história dessas coisas insignificantes e das pessoas por trás delas, todos de alguma maneira incapazes de se conectar com quem mais amam. Esses objetos, dentro de uma caixa, representam tanto a ausência da comunicação como sua possibilidade.
O filme entrelaça diversas pessoas que fazem parte do cotidiano de Esmeralda através dos objetos que ela encontra e guarda para si, em capítulos vamos conhecendo-os, assim como os seus respectivos donos, e a história delicadamente nos apresenta uma gama de possibilidades. É leve ao abordar o como certas coisas que julgamos pequenas dizem muito sobre nós. 
Dirigido por Andrea Martínez, "Coisas Insignificantes" tem uma aura de esperança, o roteiro simples e suave, juntamente com as atuações naturais cativa e nos faz pensar na nossa própria vida e suas insignificâncias.

Um menino acreditando trazer má sorte para todos em torno dele leva a sua família e dois novos amigos através de Laos para encontrar um novo lar. Depois de uma viagem cheia de calamidade por uma terra marcada pelo legado da guerra, para provar que ele não traz má sorte, ele constrói um foguete gigante para entrar na competição mais emocionante e perigosa do ano: O Festival de Rocket.
"The Rocket" filme de estreia do diretor australiano Kim Mardaunt é despretensioso ao mostrar a história de um menino marcado pela crença de seu povo e os desastres envoltos do local. Ambientada no Laos, Ahlo é um garotinho nascido em uma tribo que possui a crença de que quando se nasce gêmeos, um é abençoado e outro é amaldiçoado, seu irmão nasce morto, portanto não se sabe o que Ahlo será, mas conforme cresce devido a algumas coisas ruins que vão acontecendo ele é considerado amaldiçoado. Ao encontrar Kia e Tio Roxo no campo de refugiados em que se mudaram por causa da construção de uma hidrelétrica onde moravam, ele decide quebrar esse esteriótipo que criaram para ele.
A narrativa pode ser considerada clichê, mas isso não tira a beleza, ao contrário, dá magia à história tão cheia de sofrimento. Não há mal nenhum em utilizar meios para colorir algo tão terrível, e o diretor soube enfatizar detalhes importantes do povo, mesmo que exagerando é um belo filme de final feliz, não poderia ser diferente, você torce para Ahlo a cada segundo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Metalhead (Málmhaus) + Calvário (Calvary)

O Black Sabbath lança seu primeiro álbum e marca o nascimento do Heavy Metal em 1970. Hera Karlsdottir nasce no chão do estábulo da fazenda de seus pais, na área rural da Islândia. Os anos de sua juventude são totalmente despreocupados até uma tragédia grave. Seu irmão mais velho é morto em um acidente e Hera se culpa por sua morte. Em sua dor, ela encontra consolo no Heavy Metal e em seu sonho de se tornar uma estrela do rock. A trilha sonora é composta por músicas lançadas entre 1970 e 1992.
Ragnar Bragason compôs um filme extremamente intimista em que a dor é a grande protagonista, mas é preciso entender que este longa não é sobre o crescente movimento Heavy Metal na década de 70, ele é apenas o pano de fundo e o bode expiatório da personagem. Uma das coisas mais interessantes do filme é o contraste do mundo exterior e interior de Hera. Dilacerada pela morte do irmão ela se fecha, guarda todas as dores e mergulha fundo no universo dele, que era caracterizado pelo metal. Os anos passam e Hera já adulta continua a mesma, os pais não veem (ou fingem) que ela também sofre pela morte. Os atos de rebeldia pontuam o filme juntamente com a trilha sonora composta por Judas Priest, Savatage, Megadeath, Iron Maiden, Def Leppard, Slayer, AC/DC, entre outras maravilhas.
É um filme sensível e vale ser visto apesar de algumas coisas chatas do roteiro que por vezes força, como a cena em que Hera se apresenta junto com os três caras (Mayhem) que vieram só para conhecê-la na frente de todos daquele pequeno povoado, e o final feliz que pode incomodar alguns e outros não. Para deixar claro, este não é um filme que conta a história do Black Metal como tem se achado, é um retrato do vazio, do luto, da falta de diálogos, mas também é sobre superação e amadurecimento.

O filme conta a história de um padre com boas intenções e o desejo de tornar o mundo um lugar melhor, mas encontra-se continuamente chocado e entristecido com os habitantes rancorosos e os confrontos que ocorrem em sua cidade. Um dia, ele é ameaçado durante uma confissão, e se vê cercado de perigos a todo momento.
"Calvary" traz questionamentos bastante interessantes e que beiram o existencialismo, são diálogos que ficam guardados na memória. A história do padre interpretado pelo ótimo Brendan Gleeson, coloca em xeque as nuances da moral. Ele é um homem bom que tenta ajudar a todos da comunidade, e constantemente lida com o preconceito que algumas pessoas têm em relação à igreja, como por exemplo, a pedofilia. Logo no início nos deparamos com uma confissão, e por trás dela há um homem repleto de mágoas por ter sido abusado no passado por um padre, ele ainda diz que o matará no domingo, então vemos o desenrolar de alguns dias e o calvário não só do padre como de outras pessoas.
Em uma das tantas cenas memoráveis está o diálogo que ele tem com uma mulher que acabara de perder o marido, o padre disserta sobre a fé e o morrer, pois todos sentem medo da morte e se apegam na fé como se esta os livrasse dela, mas quando alguém muito próximo morre a fé se esvai, e a revolta contra Deus e inclusive por aquele que morreu aparece. Todos nós sabemos que ela chegará, e mesmo assim vivemos como se não fosse acontecer. Em outra cena um idoso diz: "Sabe como você se dá conta de que realmente está velho? Quando ninguém pronuncia a palavra morte perto de você."
O filme segue permeado de pensamentos valiosos, mas não chega a dar o tom de ensinamento ou moral religiosa, é algo mais amplo. Vale ver "Calvary" porque trata do tema religião de uma forma despretensiosa, e o principal, mostra todos os lados, tanto o do padre, como das pessoas ao redor.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

XXY + O Lar (Home)

"A escolha é do indivíduo e ninguém tem o direito de impor o que você é, tendo horas de vida ou 80 anos de idade." 

O filme de Lucia Puenzo (O Médico Alemão - 2013) tem uma ideia interessante e considerada tabu, pois dificilmente vemos ser discutida a intersexualidade em nossa sociedade. Apesar da narrativa permanecer quase sempre no mesmo lugar faz com que pensemos na questão de gêneros.
Alex (Inés Efron) nasceu com ambas as características sexuais. Tentando fugir dos médicos que desejam corrigir a ambiguidade genital da criança, seus pais a levam para um vilarejo no Uruguai. Eles estão convencidos de que uma cirurgia deste tipo seria uma violência ao corpo de Alex e, com isso, vivem isolados numa casa nas dunas. Até que, um dia, a família recebe a visita de um casal de amigos, que leva consigo o filho adolescente. É quando Alex, que está com 15 anos, e o jovem 16, sentem-se atraídos um pelo outro.
O que o filme coloca em questão é o olhar preconceituoso das pessoas que a veem como uma aberração, mas no seu mundo interior Alex não quer escolher entre ser feminino ou masculino, até porque não há necessidade de rotular e definir. A opção do pai em decidir a não fazer a cirurgia e deixar que Alex escolhesse é o grande ponto do filme, é uma abertura da qual não estamos acostumados e por isso choca, mas quer amor maior do que dar a liberdade de escolha a quem se ama? E se este decidir permanecer do jeito que é, que assim seja!
O fato é que a sociedade não sabe lidar com o diferente, aquele que foge dos padrões, a decisão do pai em afastar e deixar Alex livre das opiniões e olhares foi incrível, pois deu a ela uma melhor maneira de se conhecer, ainda mais na fase da adolescência em que os hormônios borbulham. O filme não é conclusivo, mas foi muito acertado ao colocar em pauta um tema tão complexo. É para pensar e rever conceitos!

Marthe, Michel e seus três filhos moram tranquilamente em uma casa isolada no meio do nada, em frente à qual uma larga estrada permanece vazia, fechada desde sua construção. No início do verão, ela é finalmente inaugurada. A família tenta manter sua rotina, mesmo com o estresse causado pelo barulho incessante de centenas de carros. Mas os efeitos a longo prazo do incômodo com a constante perturbação instauram um clima crescente de tensão familiar. Ainda assim, eles se recusam a deixar o lar construído com tanta dedicação.
Dirigido por Ursula Meier (Minha Irmã - 2012), "O Lar" é um filme rico em significados, apesar de monótono, mas é para se analisar as situações que vão ocorrendo, o pouco de sossego que nós temos no nosso cotidiano é um dos pontos. O porquê da família ter se mudado em um lugar isolado não é explicado, mas fica óbvio que é por conta do estresse da cidade e a convivência forçada diária, isso é principalmente retratado na personagem de Isabelle Huppert. De início tudo está tranquilo, mas quando inauguram a rodovia que fica bem em frente à casa, as coisas vão se complicando, tanto no dia a dia que muda completamente, quanto ao estado físico e psicológico da família, porém mesmo com as dificuldades eles não se mudam, ficam e acabam vedando inteiramente a casa.
É um filme intrigante e com uma narrativa que beira o bizarro, na verdade é uma fábula contemporânea que diz: Não há para onde escapar das chatices da sociedade, sempre haverá algo para atrapalhar e nos afundar.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Moebius (Moebiuseu)

Kim Ki-Duk (Pietá - 2012) é um gênio provocador e no seu mais novo filme "Moebius" ele traz uma conturbada crônica familiar, uma mistura de thriller psicológico, comédia grotesca e uma perversa ode ao sadomasoquismo. Essa bizarra comédia de humor negro nada mais é do que uma alegoria animalesca da sociedade.
Nesta metáfora sobre a obsessão contemporânea com a própria sexualidade, conduzida por personagens sem nomes e narrada sem auxílio de diálogos, acompanhamos a briga entre um casal que, observado pelo filho adolescente, discute sobre a infidelidade do marido. O conflito se desdobra em uma cadeia de eventos violentos, culminando em um epílogo dramático de destruição. Em declaração o diretor disse que seus filmes são a interpretação do mundo que vê, e em "Moebius" é levado ao extremo sentimentos como culpa e obsessão pelo sexo, as cenas são fortes e dificilmente agradará o público que está acostumado mais com suas obras sutis.
O interessante é que o humor está sempre presente no longa, mas de forma grotesca, dentro do âmbito familiar é comum situações risíveis se tornarem num gigante a esmagar. É necessário uma boa dose de coragem e interesse para assisti-lo, em "Moebius" amplia-se situações e tudo fica mais em evidência, já que o filme se comunica através de expressões, gestos e gemidos, não há sequer um diálogo na história.
A mãe (Lee Eun-Woo) após descobrir o caso extraconjugal do pai (Cho Jae-Hyun), trama uma vingança a altura: puni-lo amputando seu pênis. A tentativa acaba frustrada e a raiva ricocheteia no filho (Seo Young-Joo). Isso não afeta unicamente o psicológico do garoto, que tem de lidar com a zombaria dos colegas, mas atinge igualmente o pai em uma terrível crise de culpa em que termina retirando o próprio pênis para logo em seguida tentar encontrar alternativas de obter prazer para si e seu filho.
E é pela dor que tanto o pai e o filho começam a sentir prazer, a técnica é esfregar uma pedra em determinadas zonas erógenas do corpo, é bem bizarro, adiante o filho começa a se envolver com a ex-amante do pai, e esta aceita a lhe dar prazer através da dor, a cena em que ela lhe finca uma faca nas costas é uma das mais estranhas. O filme também não mostra tudo, a sugestividade faz sua parte nos deixando tensos. Vale ressaltar a maravilhosa interpretação do garoto Seo Youn-Joo, e principalmente de Lee Eun-Woo, que se desdobra em cena como a mãe e a amante.

O filme faz críticas, nada ali é gratuito, ele mostra de forma cruel uma sociedade doente, insana e estereotipada capaz de coisas surreais e bestiais. Kim Ki-Duk retira todo o embelezamento dos ditos seres humanos. Para aqueles que gostam de desafios cinematográficos é mais que válido!

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Casamento Silencioso (Nunta Muta)

"Casamento Silencioso" (2008) do diretor romeno Horatiu Malaele é um filme baseado em fatos reais que mistura o lúdico e o cruel de maneira particular. Retratando os efeitos do comunismo numa pequena aldeia romena, ele prima por seguir os moldes do realismo fantástico trazendo de forma diferenciada um fato histórico denso, mas sem nunca deixar de lado a comicidade enfatizando a cultura e a alegria do povo local.
O filme se inicia com uma equipe de TV indo até uma antiga aldeia povoada apenas por mulheres e que atualmente acreditam ser habitada por fantasmas, os repórteres perguntam a história para um senhor, o único homem do lugar, e este com um semblante triste começa a contar. Voltamos então ao passado, precisamente no ano de 1953, num pequeno vilarejo habitado por pessoas alegres.
Maria e Iancu são dois jovens apaixonados que estão prestes a se casar, os habitantes da vila ficam ansiosos pela festa, mas para espanto de todos o prefeito da cidade juntamente com dois soldados anunciam uma semana de luto pela morte de Stalin. Durante essa semana fica proibido qualquer tipo de comemoração. O pai de Maria fica entristecido, pois os familiares vieram de longe e estava tudo pronto para a festa, e é aí que ele tem uma grande ideia. Nas cenas seguintes o que vemos é de uma teatralidade exuberante. O pai da moça reúne todos os convidados dentro de sua casa, arruma uma bela mesa com diversas comidas, bebidas, e seguem comemorando em silêncio. Tudo muito contido, a comunicação se dá puramente por expressões faciais, gestos e sussurros. Primeiro eliminam os talheres e comem com as mãos, depois o brinde sem tocarem os copos, os músicos fingem tocar, as crianças ficam num canto amordaçadas, e a dança dos noivos que é o ponto que nos dá aquela noção de que o que estamos vendo não é uma comédia. A exata sensação que este longa passa é de um riso seguido de silêncio, de quando rimos no momento errado e ficamos constrangidos.

Os personagens têm ares fabulescos, há os beberrões, o louco, a menina duende, o anão, o anjo, entre outros, todos interpretados com total irreverência. A grande cena do filme sem dúvidas é a comilança que acontece no mais absoluto silêncio, os ruídos inevitáveis não demoram a acontecer, o que deixa tudo muito divertido. O que dizer do momento em que o noivo levanta e murmura: "um brinde à nossa amizade", como ninguém entende nada, a ideia de passarem o que ele disse de ouvido a ouvido surge, o chamado "telefone sem fio", assim a frase inicial vai se transformando em coisas surreais e super engraçadas.
A ironia que permeia o longa é uma crítica inteligente, a passividade que é quebrada em determinado momento mostra que mesmo tendo duras consequências, principalmente para as mulheres, eles tiveram a força de interromper o silêncio e dar vazão ao que eles eram de verdade, um povo feliz.

O filme retrata sofrimento, mas de maneira leve e com um humor bem peculiar, a alegria mesmo sendo silenciada é muito evidenciada, e o final é a grande apunhalada, voltando aos tempos atuais, enquanto os repórteres riem ao entrevistar a senhora na aldeia toda destruída, ela repete: "O que mais vocês querem tirar de nós?" A torrente de sentimentos é inevitável e é impossível não nos fazer pensar na quantidade de vidas que foram caladas.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Pântano (La Ciénaga)

Uma das coisas que o cinema arte nos ensina é que há muito para se analisar num filme, como a ideia, a narrativa, os personagens, trilha sonora ou a falta dela, ambientação, e mais uma porção de detalhes, o que faz um filme ser bom é a ideia que ele quer passar e, principalmente, que após seu término não nos abandone. O diferencial está no depois, no que ele vai provocar no seu íntimo.
"O Pântano" (2001) de Lucrecia Martel (A Menina Santa - 2004) não causa sensações boas a quem o assiste, porém a abordagem de uma história aparentemente banal é transformada com originalidade dando um aspecto reflexivo enorme. É uma experiência riquíssima pra quem gosta de cinema, o som é utilizado de forma genial, como por exemplo, o ranger de cadeiras sendo puxadas, tilintar de copos, a chuva, os tiros, etc. É algo desconfortável, assim como as personagens em total letargia, esvaziadas de vida.
A história segue duas famílias de classe média no interior da Argentina, La Ciénaga, conhecida por suas extensões de terra que se alagam com as fortes chuvas repentinas, formando pântanos que são armadilhas mortais para os animais da região. Perto da cidade fica o povoado de Rey Muerto, em que está localizado o sítio La Mandrágora, onde são cultivados pimentões vermelhos. Para ele vão as duas famílias, lideradas por Mecha (Graciela Borges) e Tali (Mercedes Morán). Mecha é uma mulher em torno de 50 anos, que tem 4 filhos e um marido que procura ignorar bebendo cada vez mais. Já Tali é prima de Mecha e também tem 4 filhos, sendo que ama seu marido e sua família. Em meio a um verão infernal, as duas famílias entram em conflito quando a tensão entre elas aumenta. Não há poesia no filme de Lucrecia, sem emoção alguma ela procura mostrar o estado de inércia do ser humano, assim como o título diz, o pântano.
Vemos situações um tanto quanto bizarras, no início todos estão bêbados sentados à beira de uma piscina suja, daí Mecha acaba caindo e quem vai lá acolher é as filhas e a empregada, ninguém se levanta, e ainda uma das meninas que nem carteira de motorista tem é que leva Mecha ao hospital, depois dessa situação nos é mostrado fragmentos de um estranho verão, onde crianças não são crianças, os meninos andam com armas, caçam, o barulho dos tiros acontece o filme todo, a única criança nesta história é o filho de Tali, o último resquício de pureza, mas será que em meio ao caos há espaço para ele?

Mesmo que a família de Tali seja totalmente diferente da de Mecha na questão de dar atenção aos filhos, existem problemas pessoais que não são expostos, está tudo nos olhares e gestos, é a família que aparenta ser "normal", mas não é. Já a de Mecha está explícito o quão sujos eles são.
A narrativa tem uma tensão que nos aflige e os personagens incomodam e muito, na maioria das vezes não acontece nada, eles se esticam e se amontoam o tempo todo, o calor é intenso e a sujeira é uma constante, não tomam banho, rolam na lama, não há preocupações apesar dos conflitos estarem presentes continuamente.
É um longa lento, cansativo e incômodo, mas que proporciona um novo olhar para o cinema em que podemos determinar o que faz um filme ser realmente bom, ele traz tudo o que não é legal de ver, é o retrato do ser humano num estado decadente e sem esperança, assim como a piscina lá do quintal que sempre estará da mesma forma, suja.

"O Pântano" consegue falar por meio das imagens e as sensações causadas são quase táteis, pode parecer bizarro certas situações, mas é a realidade que é mostrada. Lucrecia Martel em sua estreia compôs um filme único que explora recursos narrativos e esteticamente também bastante interessantes, a tensão permeia toda a estagnação dos personagens, fica-se esperando alguma tragédia devido a tanto descaso. É um filme incrível mas que certamente deixa um gosto amargo em seu final.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Silêncio (Sokout)

"O Silêncio" (1998) de Mohsen Makhmalbaf é um filme de simbolismos e poesia. Simples, mas magnânimo ao mesmo tempo. O cinema iraniano tem essa característica tão linda que faz nos encantar com obras singelas, histórias que aos olhos de pessoas sensíveis tornam-se preciosidades. Mohsen Makhmalbaf tem sensibilidade de sobra, vide sua filmografia com obras como "Gabbeh" - 1996, "A Caminho de Kandahar" - 2001, "O Grito das Formigas" - 2006. "O Silêncio" é filme para se recomendar sem medo, a beleza está em cada palavra, gesto e situação, ele se desenrola de maneira tão sublime que consegue nos fazer sorrir e chorar no mesmo instante.
Numa aldeia na fronteira entre o Irã e o Tadjiquistão, Khorshid, um menino cego desenvolve um ouvido aguçado para construir o mundo que não consegue enxergar. Vivendo apenas com sua mãe que passa o dia pescando, ele fica com a missão de ganhar o dinheiro para casa trabalhando afinando instrumentos. Acompanhamos alguns dias desse garoto que sob pressão para conseguir pagar o aluguel atravessa diversas dificuldades, como o trajeto em que faz de ônibus. Khorshid em razão da cegueira desenvolveu uma audição extraordinária tendo facilidade em transformar barulhos rotineiros em música, no que acaba dando a ele uma outra concepção de mundo. O 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven, em especial, exerce fascínio no garoto, e o "pam-pam-pam-pam" dá o tom à história.
Para chegar ao local do trabalho ele foge dos estímulos auditivos tampando os ouvidos, pois tem medo de descer no ponto errado ao ouvir as músicas que a rotina fornece, em uma das cenas mais lindas vemos Khorshid se perdendo por causa da música que ele ouviu e decidiu seguir, nisso a sua amiga Naderah preocupada o procura, sabendo como seu amigo entende os sons ela tem a ideia de fechar os olhos e seguir se orientando apenas pela audição, e dessa forma acaba o encontrando. O som é algo impressionante neste filme, como as vozes em harmonia, impossível não se encantar toda vez que Naderah diz: "Khorshid". É suave e delicado.
Naderah que sempre acompanha Khorshid mescla inocência com uma dose de sensualidade, a maneira que ela coloca as cerejas nas orelhas as transformando em brincos e as pétalas de flores nas unhas fazendo-as de esmalte são momentos visuais únicos, inclusive a fotografia é de uma delicadeza sem tamanho. As cenas nos embebedam com tantas sutilezas, é sensorial e sinestésico. O menino carrega uma responsabilidade enorme para sua idade e condição, mas ao fim despedido de seu emprego e despejado de sua casa consegue atingir a realização, e dá asas a sua imaginação chegando ao ápice de sua sensibilidade auditiva regendo diversos operários moldando objetos com suas ferramentas ao som da 5ª sinfonia de Beethoven.

Extremamente lindo quando o cinema consegue unir à música de maneira uniforme, o filme é tão visual quanto auditivo, e o mais interessante é que todas as cenas evidenciam essa mescla de forma simples. É como na música, ele vai evoluindo, evoluindo, até se transformar no que se chama apogeu. 
Em declaração Mohsen Makhmalbaf disse que o filme faz referência a sua infância, pois quando criança sua avó dizia que se ouvisse a música iria para o inferno, então sempre saia para rua tampando os ouvidos, sendo que mais tarde a 5ª sinfonia de Beethoven seria a primeira música a escutar. É deveras uma bela obra de arte concebida por esse diretor que merece uma imensa lista de elogios.