sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Pântano (La Ciénaga)

Uma das coisas que o cinema arte nos ensina é que há muito para se analisar num filme, como a ideia, a narrativa, os personagens, trilha sonora ou a falta dela, ambientação, e mais uma porção de detalhes, o que faz um filme ser bom é a ideia que ele quer passar e, principalmente, que após seu término não nos abandone. O diferencial está no depois, no que ele vai provocar no seu íntimo.
"O Pântano" (2001) de Lucrecia Martel (A Menina Santa - 2004) não causa sensações boas a quem o assiste, porém a abordagem de uma história aparentemente banal é transformada com originalidade dando um aspecto reflexivo enorme. É uma experiência riquíssima pra quem gosta de cinema, o som é utilizado de forma genial, como por exemplo, o ranger de cadeiras sendo puxadas, tilintar de copos, a chuva, os tiros, etc. É algo desconfortável, assim como as personagens em total letargia, esvaziadas de vida.
A história segue duas famílias de classe média no interior da Argentina, La Ciénaga, conhecida por suas extensões de terra que se alagam com as fortes chuvas repentinas, formando pântanos que são armadilhas mortais para os animais da região. Perto da cidade fica o povoado de Rey Muerto, em que está localizado o sítio La Mandrágora, onde são cultivados pimentões vermelhos. Para ele vão as duas famílias, lideradas por Mecha (Graciela Borges) e Tali (Mercedes Morán). Mecha é uma mulher em torno de 50 anos, que tem 4 filhos e um marido que procura ignorar bebendo cada vez mais. Já Tali é prima de Mecha e também tem 4 filhos, sendo que ama seu marido e sua família. Em meio a um verão infernal, as duas famílias entram em conflito quando a tensão entre elas aumenta. Não há poesia no filme de Lucrecia, sem emoção alguma ela procura mostrar o estado de inércia do ser humano, assim como o título diz, o pântano.
Vemos situações um tanto quanto bizarras, no início todos estão bêbados sentados à beira de uma piscina suja, daí Mecha acaba caindo e quem vai lá acolher é as filhas e a empregada, ninguém se levanta, e ainda uma das meninas que nem carteira de motorista tem é que leva Mecha ao hospital, depois dessa situação nos é mostrado fragmentos de um estranho verão, onde crianças não são crianças, os meninos andam com armas, caçam, o barulho dos tiros acontece o filme todo, a única criança nesta história é o filho de Tali, o último resquício de pureza, mas será que em meio ao caos há espaço para ele?

Mesmo que a família de Tali seja totalmente diferente da de Mecha na questão de dar atenção aos filhos, existem problemas pessoais que não são expostos, está tudo nos olhares e gestos, é a família que aparenta ser "normal", mas não é. Já a de Mecha está explícito o quão sujos eles são.
A narrativa tem uma tensão que nos aflige e os personagens incomodam e muito, na maioria das vezes não acontece nada, eles se esticam e se amontoam o tempo todo, o calor é intenso e a sujeira é uma constante, não tomam banho, rolam na lama, não há preocupações apesar dos conflitos estarem presentes continuamente.
É um longa lento, cansativo e incômodo, mas que proporciona um novo olhar para o cinema em que podemos determinar o que faz um filme ser realmente bom, ele traz tudo o que não é legal de ver, é o retrato do ser humano num estado decadente e sem esperança, assim como a piscina lá do quintal que sempre estará da mesma forma, suja.

"O Pântano" consegue falar por meio das imagens e as sensações causadas são quase táteis, pode parecer bizarro certas situações, mas é a realidade que é mostrada. Lucrecia Martel em sua estreia compôs um filme único que explora recursos narrativos e esteticamente também bastante interessantes, a tensão permeia toda a estagnação dos personagens, fica-se esperando alguma tragédia devido a tanto descaso. É um filme incrível mas que certamente deixa um gosto amargo em seu final.

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