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terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Close

"Close" (2022) dirigido por Lukas Dhont (Girl - 2018) é um filme muito sensível, um golpe que nos pega desprevenidos, um retrato das complexidades do amadurecimento, das descobertas da adolescência, o machismo entranhado nas relações, o preconceito e, sobretudo, o luto.
Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) são amigos inseparáveis, vivem livres correndo pelas plantações da região, um amor protegido das garras infecciosas da sociedade, a inocência e o despertar soa sutil, bonito e o ambiente familiar ajuda nessa despreocupação com pensamentos conservadores. É algo natural acontecendo. Mas tudo muda quando começam a frequentar uma nova escola e à medida que questionamentos maliciosos e preconceituosos surgem, como a rotulação desse amor, os dois vão se distanciando, principalmente Léo que tem a necessidade de se inserir num grupo, Remi é mais introspectivo e se fecha quando essa distância de seu parceiro de vida se dá. Os quadros do filme que antes aproximavam e focavam neles juntos, agora se tornam escassos e melancólicos, os olhares contam muito sobre as emoções que os transcorrem, aliás essa proximidade nos afeta, somos parte dessa potente história de amizade/amor que se transforma em peso, desilusão, e então o golpe trágico; haja coragem e delicadeza para suportar.
O diretor compôs com muita acuidade e transborda pela tela as emoções, os traumas vividos na adolescência carrega-se para o resto da vida, amadurecer já é complicado e somando tragédias que levam a sentimentos como culpa não tem como mensurar a dor, além das particularidades que cada um tem para encarar tudo isso. Léo vai digerindo aos poucos os acontecimentos, o que vemos são fragmentos, ele se fecha, sente culpa, raiva, tristeza, vazio, seus olhares vão nos conduzindo.

"Close" tem cenas belíssimas e tristes, enchem os olhos e sentimos nosso coração se despedaçar, a narrativa contorna com amor a intimidade desses meninos; toda a estupidez de rotular e querer simplificar a relação de duas crianças que não freiam impulsos afetivos por normas e preconceitos vêm sempre com o olhar de fora e Léo sente o peso dessa imposição, afinal os "colegas" querem saber qual é a deles. Isso acarreta num mal-estar e a ruptura brusca machuca Rémi que já traz traços de uma melancolia. Um ponto a se destacar do filme é a seriedade com que se trata as emoções, o que na realidade parece que os adultos não fazem muita questão de enxergar, como a tristeza na infância/adolescência, traços de personalidade que se acentuam, desejos, etc.
 
Lindo, intenso, dolorido, sutil, sua linha narrativa engrandece e aponta para reflexões necessárias acerca do amadurecimento, o machismo encravado nas relações, o peso de carregar emoções que a sociedade incute através do medo. Léo vai se embrutecendo, enquanto Rémi se alia aos excluídos, o afastamento nevrálgico leva subitamente Léo a encontrar sentimentos pesados como culpa, vergonha, raiva e saudade. Um drama potente que é elevado pela complexidade das atuações, fascina pela inocência, mas logo tudo se quebra pela perda desta. Observamos com dor o desespero contido nos olhos de Léo. Grandioso!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Melhores Séries Vistas de 2022

  

Segue uma singela lista das melhores séries vistas de 2022, são obras de imensa qualidade e com certeza inesquecíveis.

07- "Amor e Anarquia" (Kärlek & Anarki - Suécia) 2 Temporadas - 2020/2022

Amor e Anarquia conta a história de Sofie Rydman (Ida Engvoll), uma consultora bem-sucedida, casada e mãe de dois filhos. Quando Sofie é contratada para modernizar uma antiga editora, ela conhece o jovem técnico de TI Max Järvi (Björn Mosten), iniciando um arriscado jogo de flerte com ele. Secretamente, Sofie e Max se desafiam a tomar atitudes e decisões que contradigam as normas sociais. A brincadeira parece inofensiva, mas, à medida que os desafios aumentam, os dois precisam lidar com as perigosas consequências de sua relação. 

06- "Terra à Venda" (Grond - Bélgica) 1 Temporada - 2022

Em Soil, quando um imigrante muçulmano morre na Bélgica, a família enfrenta o dilema de enterrar o corpo no país em que se encontram, ou realizar o desejo do falecido e retornarem para sua terra natal. Isso desperta no jovem Ishmael “Smile” Boulasmoum o desejo de começar um novo empreendimento. Ele e sua irmã acabaram de herdar os negócios do pai, e Smile acredita que exista uma oportunidade incrível para eles se começarem a trazer terra do Marrocos para que os imigrantes possam enterrar seus familiares no solo de sua nação. A partir disso, a família começa um negócio funerário que, apesar de lucrativo, irá se mostrar cheio de obstáculos e imprevisibilidades no caminho ao sucesso. 

05- "As Vidas Secretas da Família Uysal" (Uysallar - Turquia) 1 temporada - 2022

Oktay Uysal (Öner Erkan), um arquiteto de 44 anos está passando por uma séria crise de meia-idade. Oktay está tentando superar a ansiedade desse momento importante vivendo uma vida dupla. A primeira vista, ele aparenta ser apenas mais um pai de família, com um carro, uma casa e um trabalho que paga as contas. Por trás dessa fachada condicionada, ele é um punk como sempre foi quando era jovem. Dessa forma, Oktay decide retornar às suas raízes: usar roupas rasgadas, moicano e ouvir música barulhenta. Contudo, Oktay não é o único passando por um momento difícil. Em casa, cada pessoa de sua família passa por suas próprias crises de identidade e, eventualmente, suas jornadas individuais irão se chocar com o lado punk escondido de Oktay. Só elogios para essa série que potencializa seu roteiro a cada episódio, que tem uma trilha sonora pontual, atores excepcionais e uma forma de filmar muito original, além dos cenários ao ar livre serem deslumbrantes. Não há desperdício de falas, de cenas, tudo tem uma função que ao final se integra perfeitamente. Esses são alguns pontos positivos apenas, pois a narrativa ainda contém altas doses de sarcasmo e críticas, como o machismo nas empresas denunciando casos de abuso e estupro, o encobrimento da mídia acerca da neblina que toma o país, mas que serve de metáfora para as vidas que são mascaradas diante a sociedade. O peso dessas situações são amenizadas com esperteza, mas não deixa de causar desconforto.

04- "Ollie, o Coelhinho Perdido" (Lost Ollie - EUA) 1 Temporada - 2022


A minissérie mistura duas narrativas complementares para compor uma bonita história de amizade. De um lado, acompanhamos a épica jornada de um brinquedo, que precisa enfrentar alguns desafios para reencontrar o menino que o perdeu. Ao mesmo tempo, conhecemos também a história dessa criança, que no processo acabou perdendo muito mais do que seu melhor amigo. A produção nos convida a olhar para o passado e lembrar daqueles companheiros que já deixamos para trás, mas que foram tão importantes em nossas vidas.

03- "Dahmer: Um Canibal Americano" (Monster: The Jeffrey Dahmer Story - EUA) 1 Temporada - 2022

Dahmer: Um Canibal Americano, minissérie de Ryan Murphy, acompanha a trajetória do infame serial killer Jeffrey Dahmer (Evan Peters). A produção explora a juventude do assassino até sua vida adulta e traz um retrato complexo da mente por trás do monstro que tirou a vida de 17 homens e meninos. Nascido na cidade de Milwaukee, Dahmer aterrorizou o estado de Wisconsin na década de 1980. Além dos brutais assassinatos, Jeffrey também cometia violência sexual e tortura contra sua vítimas. Seus crimes hediondos o tornaram um dos serial killers mais conhecidos e temidos dos Estados Unidos. Mesmo sua vizinha, Glenda Cleveland (Niecy Nash), tentando de várias maneiras denunciar o comportamento suspeito de Dahmer durante anos, a polícia a ignorou, facilitando os atos do serial killer. Tendo como alvo principalmente homens gays negros, Dahmer saiu impune por anos pelo simples fato das autoridades ignorarem o desaparecimento da vítimas. 

02- "O Urso" (The Bear - EUA) 1 Temporada - 2022

Na série de comédia dramática The Bear, Carmen Berzatto (Jeremy Allen White) é um jovem chef que herda um restaurante e tenta transformar o lugar em um grande negócio. No entanto, Carmy enfrenta várias dificuldades e busca ajuda nos diversos funcionários para tentar melhorar e transformar o The Beef em um dos maiores e melhores restaurantes de Chicago. A trama explora como cada personagem lida com suas vidas pessoais enquanto tentam alavancar suas carreiras na indústria alimentícia. Além das ambições profissionais e a rotina estressante do restaurante, a relação de Carmy com a família é cheia de tensão, especialmente depois do suicídio do irmão que impactou a todos. A produção discute comida, família e a rotina insana dos restaurantes. Carmy batalha para elevar seu estabelecimento e a si mesmo ao lado da equipe de cozinha carrancuda que aos poucos se transforma em uma nova família. 

01- "Better Call Saul" (EUA) 6 Temporadas - 2015/2022

Gus Fring (Giancarlo Esposito) está firme em sua decisão de acabar com os Salamanca, o que deixa Nacho (Michael Mando) em uma posição cada vez mais desconfortável, trabalhando para os dois lados. Enquanto isso, Saul (Bob Odenkirk) e Kim (Rhea Seehorn) se esforçam para desacreditar Howard (Patrick Fabian) na tentativa de concluir o caso Sandpiper. Paralelamente, através de vislumbres do futuro, acompanhamos a nova vida de Saul e os percalços por ele enfrentados após seu envolvimento nos negócios de Walter White (Bryan Cranston). História fechada com chave de ouro, uma obra-prima e sem dúvida, a melhor spin-off da história das séries de TV. Personagens icônicos!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Melhores Filmes Vistos de 2022

Selecionei 13 filmes por puro gosto e experiência pessoal, ao longo do ano assisti poucos filmes, mas esses merecem muito entrar na lista.

13- "Lamb" (Cordeiro - 2021) Islândia

María (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason), um casal que vive isolado em sua fazenda na Islândia, fazem o parto de um misterioso recém-nascido entre as ovelhas de seu celeiro. A inesperada perspectiva de uma vida familiar lhes traz muita alegria e eles resolvem criar o bebê como se fosse sua própria filha. "Lamb" (2021) dirigido por Valdimar Jóhannsson é um filme que mescla fantasia e horror a uma narrativa que convida o espectador a exercer sua reflexão e permite uma criatividade sem igual, o desenrolar vai no oposto das histórias imediatistas que não criam vínculos com suas personagens e não produzem sensações mais profundas e que apenas visam saciar a expectativa do público. Muito se compara "Lamb" ao longa de Robert Eggers, "A Bruxa" (2015), acredito que tenha algo em comum em seu cerne, como a ancestralidade que o ser humano é incapaz de entender, sobre sua relação de egocentrismo, desconhecimento e menosprezo com a natureza que acaba gerando atitudes de poder e que mais tarde serão cobradas.

12- "Os Inocentes" (The Innocents/De Uskyldige) 2021 - Dinamarca/Suécia/Finlândia/Noruega/França/Reino Unido

Acompanhamos Ida, uma menina de nove anos que se muda com a família para os arredores de Oslo, Noruega, durante o verão. Junto com sua irmã Anna, que possui autismo, a menina tenta se ajustar ao novo ambiente e faz amizade com duas outras crianças. Quando estão longe dos adultos, esses quatro amigos descobrem que possuem poderes sobrenaturais. O que começa como uma inocente brincadeira, logo se transforma em um jogo sombrio e perigoso. "The Innocents" (2021) dirigido por Eskil Vogt (Blind - 2014) é um filme profundo repleto de nuances que retrata a maldade entrando aos poucos na vida de algumas crianças, entre a ociosidade e a solidão do dia a dia, elas descobrem que possuem poderes e isso é retratado com potência e sem ponderações, não há limites quando o mal é permeado pela inocência, e por isso é tão assustador e perturbador. Vale ressaltar o brilhantismo do elenco infantil, os sentimentos estão à flor da pele, os olhares lançados, os silêncios, as descobertas. Visceral define. Também vale dizer que Eskil Vogt é um exímio roteirista, sua criatividade explode na tela, lembrando sua parceria com Joachim Trier, entre eles: "Oslo, 31 de Agosto" - 2011 e "Thelma" - 2017.

11- "Benedetta" (2022) França/Bélgica/Holanda

No século XVII, uma freira italiana faz parte de um convento na Toscana desde quando era criança. Ela sofre de um distúrbio e tem perturbações e visões religiosas e eróticas. Assistida por uma companheira, a relação entre as duas acabam se tornando um romance amoroso.

 10- "Red Rocket" (2021) EUA


Mikey é um astro decadente de filmes adultos cuja carreira terminou. Enfrentando problemas financeiros em Los Angeles, ele decide rastejar de volta para sua pequena cidade natal, no Texas, para viver com a ex-esposa e a sogra. Quando essa família disfuncional parece estar fazendo as coisas funcionarem, Mikey conhece uma jovem chamada Strawberry trabalhando na caixa registradora de uma loja de donuts local e imagina que a garota pode ser a solução para seus problemas – e a volta por cima em sua carreira.

09- "Men" (2022) Reino Unido 

Após uma tragédia pessoal, Harper (Jessie Buckley) decide ir sozinha para um retiro no meio de um belo campo inglês, na esperança de encontrar um lugar para se curar. Mas alguém ou algo da floresta ao redor parece estar perseguindo ela. O que começa como um pavor se torna um pesadelo, habitado por suas memórias e medos mais sombrios.

08- "Resurrection" (2022) EUA 

"Resurrection" (2022) dirigido por Andrew Semans é um filme magnético e desconfortante, a decaída psicológica da protagonista, sua paranoia persistente e o desenrolar surreal causam um misto de terror e ansiedade. Rebecca Hall (Christine - 2016, The Night House - 2020) está esplêndida ao ir de uma mulher altiva e segura para um total desequilíbrio que a alavanca para fora da realidade. Somos apresentados a Margaret, bem-sucedida, ocupada com sua carreira e maternidade, superprotetora com sua filha adolescente Abbie (Gracie Kaufman) que logo irá embora para a faculdade, sua rotina consiste nisso, além de se relacionar com um cara casado e dar conselhos sobre relacionamento tóxico a uma estagiária. O desencadear dos eventos acontecem sem mais nem menos, um sonho estranho em que ela encontra um bebê dentro do forno e em outro dia eventualmente numa palestra vislumbra um rosto que lhe causa pânico instantâneo. Ela sai correndo imediatamente do local e a partir disso sua derrocada psicológica acontece. David (Tim Roth), o homem que assombra Margaret faz parte de um passado traumático que descobrimos aos poucos e bizarramente ser bem profundo, as insanidades ditas por ele, o joguinho psicológico medonho que cresce à medida que os encontros ocasionais se dão, e isso é uma das coisas mais estranhas do filme, ele simplesmente aparece em todo canto, em um banco na praça, encostado em alguma parede, então não fica muito claro se isso é apenas algo da cabeça de Margaret, como um pesadelo horrível do qual não há como acordar, essa perturbação de não sabermos se é real ou não gera ansiedade e desconforto, ainda mais quando ela perde totalmente o equilíbrio e vive apenas em função de seguir David.

07- "Não Fale o Mal" (Speak No Evil - 2022) Dinamarca/Holanda 

Após conhecerem uma família holandesa durante suas férias na Tosca, uma família dinamarquesa recebe o convite de passar o fim de semana na casa de seus novos amigos. Mas não demora muito para que mal-entendidos revelem que a família holandesa não é quem diziam ser.

06- "Nada de Novo no Front" (Im Westen Nichts Neues - 2022) Alemanha/EUA

Paul Baumer e seus amigos Albert e Muller se alistam voluntariamente no exército alemão, movidos por uma onda de fervor patriótico. Mas isso é rapidamente dissipado quando enfrentam a realidade brutal da vida no front. Em meio à contagem regressiva, Paul deve continuar lutando até o fim, com nenhum objetivo além de satisfazer o desejo do alto escalão de acabar com a guerra com uma ofensiva alemã.

05- "Não! Não Olhe!" (Nope) 2022 - EUA

Na zona rural da Califórnia, os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) administram uma grande fazenda de treinamento de cavalos. Mas tudo muda quando seu pai Otis (Keith David) morre de forma misteriosa sob uma nuvem sinistra. A partir desse momento, moradores de toda a vizinhança passam a testemunhar um mal terrível se aproximando pelo céu e deixando um rastro de morte e destruição.

04- "Pleasure" (2021) França/Holanda/Suécia

Uma garota sueca de 20 anos tenta ser uma estrela pornô em Los Angeles. Trabalhando na categoria "amador adolescente" e compartilhando um apartamento com outras atrizes, Jessica pretende escalar todos os degraus e se tornar uma verdadeira estrela pornô, tornando-se um mito e trabalhando seu corpo como uma atleta.

03- "O Milagre" (The Wonder - 2022) USA/Reino Unido/Irlanda

Em 1859 uma enfermeira inglesa é chamada a uma pequena vila na Irlanda para investigar o que alguns afirmam ser uma anomalia médica ou um milagre. Lá, ela encontra uma garota de 11 anos que parou de comer há meses e continua viva.

02- "Triângulo da Tristeza" (Triangle of Sadness - 2022) Suécia/Alemanha/Reino Unido/França 

Os modelos Carl e Yaya estão navegando pelo mundo da moda enquanto exploram os limites de seu relacionamento. O casal é convidado para um cruzeiro de luxo com uma galeria de passageiros milionários, um oligarca russo, traficantes de armas britânicos e um capitão de personalidade peculiar, alcoólatra e adorador de Marx. A princípio, tudo parece instagramável. Mas uma tempestade começa a se formar e o cruzeiro termina de forma catastrófica. Carl e Yaya se veem abandonados em uma ilha deserta com um grupo de bilionários e uma das faxineiras do navio. É então que a hierarquia entre eles subitamente se transforma. "Triângulo da Tristeza" (2022) dirigido por Ruben Östlund (Força Maior, 2014 - The Square, 2017), ganhador da Palma de Ouro em Cannes desse ano é um filme que expõe sem metáforas o privilégio da elite, daqueles que não aceitam não e cujo tédio é sanado por situações esdrúxulas. O longa abrange algumas temáticas interessantes que envolvem o capitalismo, como os influencers digitais e a maneira fácil de se ganhar montantes de dinheiro com publicidade, a imagem de perfeição e luxo atraem cada vez mais pessoas para esse mundo e no primeiro capitulo acompanhamos um casal de modelos que, por exemplo, brigam num restaurante sobre quem deveria pagar a conta. As situações exploradas no decorrer são permeadas por muito sarcasmo e o diretor faz questão de provocar o espectador, as pessoas são péssimas e o desenrolar dos acontecimentos só realçam o quão ridículos são.

01- "Pearl" (2022) Canadá/EUA

 
Aprisionada na fazenda isolada de sua família, Pearl (Mia Goth) deve cuidar de seu pai doente sob a vigilância amarga e autoritária de sua mãe devota. Desejando uma vida glamourosa como ela viu nos filmes, todas as ambições, tentações e repressões da personagem colidem, resultando na impressionante história de origem da icônica vilã de ‘X’.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Vivarium / Devorar (Swallow)

Segue a resenha de dois filmes bizarros e muito interessantes que não poderiam estar de fora do catálogo aqui do blog, continuarei fazendo postagens conjuntas, pois assim se torna mais fácil administrar meus pensamentos e continuar na ativa. Confira:

"Vivarium" (2019) dirigido por Lorcan Finnegan (Sem Nome - 2016) é um filme que aborda de maneira peculiar a vida doméstica, os papéis e estereótipos que cada um carrega dentro desse modelo, as responsabilidades da maternidade, os compromissos da paternidade e o truque do tempo que absorve o cotidiano e faz envelhecer. É uma proposta criativa que prende o espectador junto da armadilha montada. 
Aviso: Poderá conter spoilers!
Quando o casal de noivos Tom (Jesse Eisenberg) e Gemma (Imogen Poots), à procura da casa perfeita para começar a vida juntos, conhecem um estranho corretor imobiliário, eles não pensam duas vezes quando são apresentados à Yonder, uma misteriosa vizinhança suburbana de casas idênticas. No entanto, logo eles vão perceber que estão presos em um pesadelo - tendo que criar uma criança de outro mundo.
Acompanhamos o jovem casal Tom e Gemma que pretendem iniciar uma vida juntos, numa visita a um empreendimento chamado Yonder são surpreendidos por Martin, um vendedor robótico e de sorriso contínuo, animados com a proposta vão até esse conjunto habitacional e se deparam com uma imensidão de casas iguais, inicialmente parece um sonho, mas aos poucos percebem não ser bem o que querem, mas Martin sumiu e ao tentarem sair não conseguem, sempre voltam para o mesmo lugar, cansados decidem ficar, mas por fim terminam num loop infinito, ainda mais quando do nada aparece uma caixa com um bebê dentro indicando que precisam criá-lo, daí a repetição se dá e rapidamente o vemos crescido com comportamentos bizarros, como imitar os trejeitos de Gemma e Tom, ele grita ininterruptamente quando quer ser alimentado, um show de horrores que perturbam o casal e os desestruturam psicologicamente. Tom entra numa espiral de que precisa cavar um buraco no quintal para que quem sabe ache uma saída, e Gemma aterrorizada com a criança sempre diz que não é a mãe dele, mas acaba o protegendo em muitos momentos, esse local perfeito é irritantemente falso, desde a grama ao céu com suas nuvens redondinhas, claro que percebemos que estão presos sendo cobaias, talvez de alienígenas que estão estudando e reproduzindo comportamentos, interessante que na superfície tudo parece ser idêntico, mas as emoções são mimetizadas, a história abarca questões sobre o conceito familiar, a estrutura frágil e rotineira, os papéis desempenhados para dar algum sentido, os filhos preenchendo o espaço e tomando toda a energia para no fim envelhecidos e sozinhos morrerem. É um filme estranho que gera agonia pela sua repetição, mas que faz pensar nos padrões estabelecidos, e que por mais que se quebre muitos deles ainda assim sem perceber copia-se e repete-se a grande maioria.

"Devorar" (2019) dirigido por Carlo Mirabella-Davis é uma obra repleta de camadas, um filme aparentemente bizarro, mas que disserta sobre questões femininas, do como a mulher é ainda vista, sobre seu suposto papel dentro da família e suas supostas obrigações, surpreendente o como a história te leva para meandros psicológicos angustiantes e reflexivos. 
Hunter (Haley Bennett) é uma dona de casa que engravidou recentemente e se vê cada vez mais viciada em se alimentar de objetos perigosos. Enquanto o marido e a família reforçam o controle sobre sua vida, Hunter deve enfrentar o segredo sombrio por trás de sua nova obsessão.
Acompanhamos Hunter e sua vida aparentemente perfeita, casada com o rico Richie (Austin Stowell), também convive com os sogros (David Rasche), (Elizabeth Marvel), a imensa casa é cuidada por ela e segue seus dias solitária e invisível, Hunter não possui voz própria nesse meio que está inserida, seus desejos são tolhidos, a expectativa da família é que ela engravide. Hunter é uma mulher infeliz e que por traumas passados conduz sua existência de maneira submissa, aos olhos do marido quer ser prefeita, foi ensinada a agradar, mas chega em um determinado momento que ela adquire uma compulsão em engolir objetos, como agulhas, bolinhas de gude, tachinhas e pilhas, ela gosta de sentir as texturas em sua boca e não o ato em si, como diz para a psicóloga contratada pela família após descobrirem no ultrassom que tinha outras coisas além do bebê em sua barriga. A gravidez indesejada só amplia suas angústias, aumenta a vontade de engolir os objetos e quando expelidos os guarda como um troféu, além disso traumas passados vêm à tona, despertam nela sentimentos perturbadores, ela pensa no como veio ao mundo, na complexidade de sua existência e sua inadequação naquela família que a tem apenas como uma boneca pronta para agradar-lhes.
Melancólico e sensível retrata a opressão que a mulher sofre para realizar as expectativas dos outros, a falta de controle sobre si mesma desencadeou sua compulsão, que não só faz paralelo com a gravidez, mas o ato de engolir e expelir e de guardar o objeto como um troféu seria um tipo de controle secreto, um desejo seu satisfeito, algo só dela. O filme amplia essas questões quando o trauma é inserido no contexto e percebemos que para ela sair dessa prisão é preciso muito mais do que foi retratado, mas com certeza um começo, resolver as pendências e se olhar com mais carinho, deixar o meio que a oprime e seguir livre. Além da originalidade da obra, sua estética e trilha sonora são incríveis e só agregam para gerar o terror vivido pela protagonista. Um ótimo filme que abrange questões femininas com autenticidade e une a tristeza e a beleza em pequenas e intensas dosagens.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Graças a Deus (Grâce à Dieu)

"Graças a Deus" (2018) dirigido por François Ozon (Uma Nova Amiga - 2014) é um drama potente que faz questão de colocar o dedo na ferida, o tema é delicado e espinhoso: a pedofilia na Igreja Católica, mas é retratado com cuidado e com muita importância, observamos a história de três homens que foram vítimas e o como cada um lida com o trauma e o quanto é desgastante a busca pela justiça num sistema que se protege e mascara a verdade. Tenso e enfadonho por vezes, mas imensamente essencial.
Um dia, Alexandre (Melvil Poupaud) toma coragem para escrever uma carta à Igreja Católica, revelando um segredo: quando era criança, foi abusado sexualmente pelo padre Preynat (Bernard Verley). Os psicólogos da Igreja tentam ajudar, mas não conseguem ocultar o fato de que o criminoso jamais foi afastado do cargo, pelo contrário: ele continua atuando junto às crianças. Alexandre toma coragem e publica a sua carta, o que logo faz aparecerem muitas outras denúncias de abuso, feitas pelo mesmo padre, além da conivência do cardeal Barbarin (François Marthouret), que sempre soube dos crimes, mas nunca tomou providências. Juntos, Alexandre, François (Denis Ménochet) e Emmanuel (Swann Arlaud) criam um grupo de apoio para aumentar a pressão na justiça por providências. Mas eles terão que enfrentar todo o poder da cúpula da Igreja.
Tudo se inicia com Alexandre, um homem de 40 anos, católico fervoroso e pai de cinco filhos, sua fé é posta em xeque quando recebe a notícia de que o padre Preynat ainda atua na Igreja e com crianças, indignado decide romper o silêncio e buscar mais pessoas que tenham sofrido o abuso, ele denuncia o caso à Igreja, mas enfrenta uma série de situações estranhas por parte da alta cúpula. O cardeal Barbarin sempre acobertou esses casos e até diz numa coletiva de imprensa que graças a Deus que a maioria dos casos já prescreveu. Decidido a encontrar o máximo de pessoas que sofreram abuso Alexandre inicia uma angustiante jornada e encontra uma grande parcela ainda bastante traumatizada que não consegue nem falar sobre, porém a coragem vem à tona quando François cria um movimento e decide expor tudo na mídia. É interessante ver o como cada um lida à sua maneira com o fardo, Alexandre continuou seguindo a religião e constituiu família, François renunciou a fé completamente e também constituiu família, já Emmanuel vive relacionamentos tóxicos e o abuso foi algo que deixou marcas tanto no seu ser quanto em seu corpo. É realmente triste acompanhar o quanto isso acabou o levando para caminhos violentos. A família de François é bastante presente na associação que criou e a mãe de Emmanuel ajuda com as ligações, certamente a culpa de não ter feito nada no passado, Alexandre aos poucos vai sentindo sua fé sendo murchada, uma decepção e uma tristeza o invade, pois talvez não havia pensado tão claramente sobre o abuso. O padre em momento algum nega, ele é protegido pela instituição e se declara doente, nunca foi afastado e ainda continuou perto das crianças.

O silêncio que corrói enfim é quebrado e a denúncia é amplamente feita, não é um filme fácil de assistir, mas é importante ver que tantos casos de pedofilia cometidos pela Igreja estão sendo expostos e julgados, uma instituição poderosa que dita dogmas e que comete abusos horríveis e esconde e se protege mascarando a verdade, atualmente esse quadro está mudando e sendo muito mais observado. "Graças a Deus" é um filme que denuncia e que retrata a podridão escondida nos meandros da Igreja Católica, baseado em fatos reais Ozon direciona seu longa com uma relevância séria e também delicada provocando reflexões acerca do poder da Igreja.

O Arcebispo de Lyon, Philippe Barbarin, de 68 anos, foi condenado a seis meses de prisão em 7 de março de 2019 culpado por não denunciar os casos de pedofilia, o filme em 16 de fevereiro ganhou o prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim, ou seja, um filme que cumpre um papel político-social importante ao denunciar e promover a quebra de tabus em relação aos casos de pedofilia cometidos pelos representantes da igreja. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Labirinto Verde (Zone Blanche)

"Labirinto Verde" é uma série francesa de suspense e investigação policial disponível no catálogo da Netflix desde junho de 2019, dirigida por Julien Despaux e Thierry Poiraud conta com 8 episódios recheados de mistério envolvendo mitos celtas e assassinatos. Ótima produção, seu diferencial está no clima, lenta e melancólica prima por explorar a natureza e seus segredos. A história se passa em uma cidadezinha belga, Villefranche, um local isolado em meio a uma labiríntica floresta bucólica, mas algo incomum está acontecendo, pois apesar de aparentar ser pacata a cidade está tomada por assassinatos e desparecimentos, a major Laurène (Suliane Brahim) e o recém-chegado promotor Franck Siriani (Laurent Capelluto) precisam desvendar um novo crime: uma mulher apareceu pendurada em uma árvore na floresta. 
Com o desenrolar entendemos que essa cidade está sob o poderio da família do pai do prefeito Bertrand (Samuel Jouy), que possui um negócio local e que está sendo investigado pelo promotor, Bertrand tem um passado com a Major e sua filha também está desaparecida, a ligação que a maioria dos habitantes possuem com a floresta vai sendo revelada aos poucos, incluindo um grupo rebelde denominados Filhos de Arduina, a filha de Laurène explora esse plot e vemos o desenrolar disso muito mais na segunda temporada, os personagens não cativam, mas isso não é problema e certamente a grande protagonista é a floresta e seus mistérios, aliás a ambientação é seu maior ponto, enche os olhos com tanta beleza, o lugar é maravilhoso e o clima frio e escuro só realça a sensação de que ali realmente existe algo sinistro. Aos poucos somos inseridos na história de Laurène e entendemos sua obsessão com a floresta, seu passado é bizarro e todos os crimes parecem ter relação com algo que vive entre as árvores. São muitas cenas em que ela adentra o labirinto verde e tenta buscar pistas. A cada episódio novos crimes são cometidos, mas não se estendem e logo são concluídos, tudo com o intuito de alimentar o mistério maior. É bastante enigmática e calma mesmo com toda a criminalidade que a envolve.

Um thriller sombrio que te suga para uma imensidão verde e que explora a mitologia celta, a apreciação das imagens garantem a tensão, o que predomina é o clima escuro e melancólico e todos os personagens possuem dramas separados, alguns mais desenvolvidos, outros nem tanto, mas surpreende pelas camadas e as dúvidas que geram, a primeira temporada é ótima, desenreda e fecha perfeitamente para a segunda temporada que surge desvendando mais mistérios e nos envolvendo em outros mais elaborados e interessantes. Outros personagens aparecem e outros são mais explorados. 

"Labirinto Verde" agrada a audiência que busca por séries de investigação mais calmas em que o ambiente faz parte do enredo, a floresta é a protagonista e a verdadeira resposta está contida nela, os personagens estão à disposição dela e, por isso, mesmo sendo chatos ou apáticos não faz diferença, somos absorvidos pela atmosfera e seus segredos obscuros. Por enquanto possui duas ótimas temporadas disponíveis na Netflix!

terça-feira, 23 de julho de 2019

Borgman

"Borgman" (2013) dirigido por Alex van Warmerdam (Schneider vs. Bax - 2015) é um filme que passeia pela surrealidade, pelo sobrenatural, pelo humor negro e pelo mistério, a abordagem dá abertura para várias leituras e a experiência é única a cada um. É um filme que incomoda e que gera agonia, pois disserta sobre o mal, sobre o decair do ser humano.
Certo dia, Camiel Borgman (Jan Bijvoet) anda pelas ruas de um tranquilo bairro burguês, e toca a campainha de uma das casas. Quem é este homem? O que ele quer? Aos poucos, Borgman consegue se introduzir nesta família, transformando para sempre a vida de todos.
No início acompanhamos um padre e mais alguns caçadores indo atrás de algo tido por eles como o mal, então vemos Borgman saindo de um esconderijo debaixo da terra da floresta, também mais outros dois são alertados e fogem, há uma frase bíblica mostrada anteriormente que é importante para entendermos um pouco o contexto: "E eles desceram sobre a terra para fortalecer suas fileiras". As perguntas sobre quem é esse homem martelam o tempo todo, dá a entender que ele é um sem-teto que vaga e de tempos em tempos para em algum local, mas então porquê estão caçando-o? Borgman bate numa porta e pede para que possa tomar um banho, mas é negado, ele vai seguindo observando as grandes mansões e escolhe uma toda branca e enorme, bate e faz o mesmo, também é negado, mas novamente tenta e Richard (Jeroen Perceval), o dono da casa, fica nervoso pela história que Borgman conta sobre sua mulher ter sido sua enfermeira, e pronto, a semente do mal foi plantada, Borgman é agredido e fica desacordado no quintal, Marina (Hadewych Minis) vai socorrê-lo e deixa-o ficar numa casinha aos fundos escondido do marido. Borgman é tratado como um rei, banho, roupão, comida e vinho da melhor qualidade, passa uma noite e ele diz que quer ficar mais alguns dias, quando Marina nega ele diz que é o mínimo já que foi espancado.
Borgman fica espreitando e passeia pela casa sem ser visto, os três filhos do casal o vê, mas nunca dizem nada, aliás uma parte interessante a se notar, as crianças são apáticas, uma questão que o filme aborda com eficácia é essa relação familiar fria e a ambição desmedida de Richard ao se importar somente com a sua ascensão na empresa. A família aparenta ser perfeita e sem maiores problemas, Marina passa os dias no mais completo tédio e de vez em quando pinta quadros, quem cuida das crianças é a babá, uma moça que acena para tudo que lhe dizem. Borgman entra nessa casa e começa desestruturá-la sem de fato tocar em nada, apenas a presença dele acende o mal que já havia dentro desse casal, mas não é tão simples captar as nuances dessa história, ela diz sobre o mal e sobre a pulsante hipocrisia da burguesia que se sente culpada pelo que possuem, mas também há seu lado sobrenatural, como podemos ver na imagem em que Borgman está sentado nu em cima das pernas de Marina enquanto ela dorme, ele parece vigiar ou influenciar os sonhos dela, uma clara referência ao demônio Íncubo. Borgman em dado momento decide deixar a casa, mas Marina não deixa, só que ele não quer ficar mais escondido e para isso articulam um meio para que entre pela porta da frente, o desenrolar é extremamente sinistro e violento. 

Borgman é admitido como jardineiro por Richard, que não o reconhece, ele fez a barba e cortou o cabelo, mais adiante chama seus amigos da floresta para ajudá-lo, há um plano macabro sendo colocado em prática, o casal está em extrema crise, as crianças relegadas aos cuidados da babá, tudo está desmoronando e Borgman aproveita para se infiltrar de um jeito sorrateiro com seus colegas e tanto as crianças como a babá são de certo modo protegidas desse meio, fazem um tipo de incisão cirúrgica em suas costas e bebem um liquido estranho, o jardim está um caos e as ações já não são controladas. Vale ressaltar que nenhum deles vibra ou se delicia com as atrocidades, há um ar melancólico e monótono, mas incrivelmente hipnotizante. Marina se apaixona por Borgman, ela não suporta mais o marido e então decide acabar com tudo. A entrada de Borgman alterou a rotina e deu início a essa onda, todos possuem tanto o bem como o mal dentro de si, dependendo das circunstâncias ora aparece um, ora o outro, em cena não há somente o maligno.

"Borgman" é um conto perturbador, intrigante e permeado por uma atmosfera sombria capaz de produzir reflexões diversas e garantir uma experiência memorável, é daqueles que é necessário revisões, pois certamente a cada assistida agregará mais e mais, a leitura que eu tive o outro pode não ter tido e quanto mais se pensa mais interpretações surgem. Filmaço indigesto que propõe mostrar o mal sem estereótipos e de maneira nada convencional.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick)

"O Mistério de Henri Pick" (2019) dirigido por Rémi Bezançon (Nosso Futuro - 2015) é um filme de mistério permeado por uma aura de comédia inteligente que envolve a autoria de um best-seller na linda paisagem da Bretanha. Protagonizado pelo excelente Fabrice Luchini, que adora esse universo literário, vide "Dentro da Casa" (2012), "Pedalando com Molière" (2013), "Gemma Bovary" (2014), acompanhamos uma história deliciosa que se desenrola com elegância e bom humor na medida exata, não há nada tão grandioso, mas surpreende pela bela união de literatura e cinema. 
Daphné Despero (Alice Isaaz) é uma ambiciosa editora em busca de novos romances para publicar. Um dia, enquanto visita seu pai, ela conhece uma livraria de manuscritos rejeitados. Lá, ela se encanta com uma história nunca antes publicada, escrita por um pizzaiolo bretão chamado Henri Pick. Admirada com o talento encontrado, ela começa a pesquisar sobre o autor e acaba descobrindo que ele faleceu há dois anos. Com o apoio da família de Pick, o manuscrito é publicado e imediatamente vira uma febre em toda a França, entrando para a lista de mais vendidos e gerando fascínio sobre a história do autor. Como parte da turnê de divulgação do livro, Daphné e a família de Pick são convidadas para ir ao programa de Jean-Michel Rouche (Fabrice Luchini), um crítico literário pedante e desagradável, que não hesita em questionar todos os pontos da história de Henri Pick. Convencido de que se trata de uma farsa, Jean-Michel inicia uma trajetória em busca da verdade sobre o mais novo best-seller francês.
Somos envolvidos rapidamente pela história que possui um ótimo tom de comédia e o mistério sempre é alimentado, nossa imaginação trabalha bastante e formulamos as possíveis possibilidades durante todo o desenrolar, Jean-Michel é um crítico literário presunçoso, possui um programa na TV em que na maioria das vezes deixa seu convidado desconfortável, ele é um chato arrogante, mas a composição o deixa engraçado e Fabrice Luchini é especialista neste tipo. Daphné é uma jovem que deseja o sucesso de sua editora, porém nunca encontra o livro certo, sabe que para isso é necessário muito mais que a história dentro do livro, Fred (Bastien Bouillon), seu marido, é escritor e sofre por não ter nenhuma reputação e espera que Jean-Michel leia o seu livro e faça uma crítica em seu programa, o que não acontece, Daphné parece não dar importância apesar de incentivá-lo, e o mistério começa mesmo quando ela vai visitar seu pai e lá se interessa por uma biblioteca de livros não publicados e encontra e se apaixona por um manuscrito, sem perder tempo o faz virar um sucesso e sua carreira enfim decola. O autor da obra, Henri Pick, é um pizzaiolo e faleceu há dois anos, a família desacredita que um homem tão comum escreveria algo tão profundo e tão pouco Jean-Michel crê nessa história, no seu programa cria uma cena com a esposa de Henri Pick e promete que irá desvendar e revelar a verdadeira autoria.

Jean-Michel fica obcecado e inicia uma investigação intensa e parte para a cidadezinha onde encontra a pequena e agora famosa biblioteca, tenta contato com a esposa de Henri Pick, mas quem lhe auxilia nessa empreitada é Joséphine (Camille Cottin), filha do pizzaiolo escritor, os dois vão em busca de pistas e cada vez mais Jean-Michel tem certeza que tudo não passa de uma farsa de Daphné. É divertido acompanhar os rompantes antipáticos de Jean-Michel e seus passeios de bicicleta pelo pitoresco local, as referências literárias pipocam nos diálogos e satisfaz muito o espectador que também ama literatura. 

"O Mistério de Henri Pick" é um agradável filme de mistério literário, sua boa dose de humor ajuda a acompanhar as diversas reviravoltas mirabolantes e não tem como não se encantar com o visual charmoso dos vilarejos à beira-mar, além de criticar o mercado editorial que está cada vez mais ansioso em busca de novos sucessos e que para aguçar a vontade de compra da população é capaz de criar meios questionáveis. 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Khadak

"Khadak" (2006) dirigido por Jessica Hope Woodworth e Peter Brosens (A Quinta Estação - 2012, O Rei dos Belgas - 2016) é um filme singular, um drama místico hipnotizante e que possui uma boa dose de crítica, esplêndido em suas imagens, magnânimo em sua estrutura, ambientado nas estepes da Mongólia a história gira em torno do conflito do mundo globalizado versus a cultura ancestral, a beleza de repente dá lugar a um cenário devastador e observamos a paisagem sendo agredida e os nômades sendo iludidos e engolidos pelo sistema. Em meio a isso ainda há espaço para tomadas de sonhos e delírios que se misturam a uma revolução juvenil.
Esta é a mística história de Bagi(Batzul Khayankhyarvaa), um jovem de 17 anos que cuida de um rebanho na Mongólia. Ele possui um dom, e seu destino é ser um sacerdote. Quando uma praga ataca sua região, todos os animais são mortos, e os nômades são obrigados a viver em pequenas escavações. Mas Bagi descobre que a praga é uma mentira para erradicar os nômades. Com a ajuda de Zotzaya (Tsetsegee Byamba), uma bonita ladra de carvão, ele provoca uma revolução. 
O filme é poético e detalhista em suas imagens, deslumbrante o cenário desértico e o mistério que carrega, acompanhamos Bagi, um jovem que possui seu destino traçado, um dia será um xamã, ele tem ataques que o deixam desacordado e por isso acreditam que tem um dom, num dia chegam dizendo que existe uma praga que está matando as ovelhas e por isso precisam deixar o local, os animais são confiscados e eles levados para uma vila operária, onde funciona uma terrível mina de carvão. Todos são usados como peões e quem se mete a roubar é castigado, entre visões que dão lucidez ao garoto ele conhece Zotzaya, uma ladra que sabe que a história da praga é mentira e que planejam exterminar os nômades, junto dela Bagi tenta alertar as pessoas, mas ninguém lhe dá ouvidos e é internado em um espaço para loucos, lá a médica diz que tem epilepsia.
Com uma aura enigmática e fascinante vemos tanto a beleza do vasto cenário das estepes com um ou outro objeto solto, como o lenço azul, e por outro lado a destruidora mina de carvão agredindo a paisagem e escravizando os nômades que acreditaram na história da praga e um possível apocalipse, há diálogos que refletem o passado e que premeditam um futuro, reflexões interessantes que acontecem em sonhos e que se misturam à realidade. 

"Houve uma época, quando o homem queria demais, o deserto se moveu e extinguiu a vida. O deserto sempre irá vencer."

A peculiaridade do longa é chamativa e em nenhum momento perde-se o interesse, o mistério envolto e sua narrativa instiga, nos leva para um universo diferente. Impressiona pela poesia das cenas e destaque também para a trilha sonora que denota a cultura, há uma lindíssima cena lá pelo final onde acontece um número musical, uma espécie de manifestação poderosa que antecede a revolução.

"Khadak" é um drama étnico, retrata os nômades da Mongólia e os conflitos entre mundo moderno e cultura ancestral, o despojamento de suas raízes e então o retorno ao espírito impetuoso, a conexão com a terra é realmente algo intenso. O filme abraça questões socioambientais importantes em uma trama carregada de espiritualidade.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Por Trás das Nuvens (Achter de Wolken)

"Por Trás das Nuvens" (2016) dirigido por Cecilia Verheyden é um filme apaixonante que retrata o amor na maturidade, as descobertas, as indecisões, os tabus e as delícias, o romance na velhice é um assunto pouco explorado no cinema e este ganha força pela abordagem aberta e sincera.
Emma (Chris Lomme), após a morte do marido, continua sua vida com a filha e a neta. Logo reencontra um amor antigo, o escritor Gerard (Jo De Meyere), de quem não tinha notícias há 50 anos e volta a se apaixonar. Ela tem que enfrentar a aceitação da filha e da neta, e até dela mesma, se deve ou não, amar novamente.
Acompanhamos Emma, uma senhora que acabara de perder o marido, ela tem a companhia da filha e da neta adolescente, já no velório se depara com um antigo conhecido, o escritor Gerard, passa-se os dias e recebe uma mensagem via Facebook, ele a quer ver, Emma fica um pouco ansiosa, mas termina aceitando. O reencontro não é fácil, eles não se veem há pelo menos 50 anos, porém a chama da paixão continua acesa e agora libertos podem usufruir desse desejo. Surge uma gama confusa de sentimentos em Emma, as incertezas por conta da idade e de se deixar levar pelo amor a essa altura da vida, o que para sua filha seria um absurdo por causa de ter sido recente a morte do pai e por não ver a mãe como uma mulher que tem desejos e que merece ser feliz, mas ela não tem moral para ditar qualquer regra, já que sua vida amorosa segue por um caminho triste e incerto, já a neta se assusta no início, porém segue sendo carinhosa ajudando e trocando ideias maravilhosas com Emma.
O filme toca em assuntos interessantes e aborda pontos de vista abertos, mostra os julgamentos, seja os próprios ou dos outros, ao longo viajamos pela história de Emma, o que Gerard significou e significa para ela, a amizade deles na juventude e sua escolha pelo casamento com outro na época. São camadas fluidas e sinceras de se acompanhar, toda a trajetória da aceitação de seu sentimento por Gerard e de encarar a filha e dizer que tem a chance de amar e ser amada.

Chris Lomme como Emma é esplêndida, tem uma presença fascinante e dá credibilidade, quando começa a se encontrar com Gerard, interpretado por Jo De Meyere, também ótimo em cena, garante sensibilidade e bom humor em suas descobertas como casal. É uma história simples, um romance repleto de problemas e incertezas, e assim o amor é em qualquer fase, o interessante é poder compreender que sempre há tempo para o desejo e não importa a idade, pode ser um pouco mais confuso e desconfortável, mas isso não quer dizer que seja tão diferente de quando se é jovem.

"Por Trás das Nuvens" é um ótimo romance para quem quer sair da zona de clichês e histórias juvenis, todo o processo que Emma passa para entender o que sente e resolver deixar-se levar é bonito e encorajador, além que o filme possui cenas que quebram tabus.