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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Rent-a-Cat (Rentaneko)

"Rent-a-Cat" (2012) dirigido por Naoko Ogigami (Entre-Laços - 2017) é um filme carinhoso e que aquece nosso coração, um mimo, especialmente, a quem adora gatos, simplesmente foi feito para esse público, mas com certeza aqueles que se aventurarem não sairão ilesos tamanho a sua ternura, a história aborda a solidão, onde todos estão preocupados apenas em trabalhar e ganhar dinheiro, no japão especificamente essa sensação de solidão é bastante aguda e como numa fábula a protagonista tem a linda missão de proporcionar aconchego e preencher os "buracos" dessas pessoas tristes e solitárias alugando seus gatos, herança de sua querida avó. Claro que os gatos aos poucos dominam a nossa atenção e fica até difícil acompanhar o andar da história que passeia entre a melancolia e um humor surreal. Com certeza mais um achado para integrar a lista "Gatos em Filmes".
Sayoko (Mikako Ichikawa) é diferente e sempre teve um estranho magnetismo com os gatos, que foi por causa de sua avó que a vida toda os teve por perto, após a morte da avó uma imensa solidão a invade, porém com a companhia dos gatinhos o buraco do seu coração foi sendo preenchido, assim ela decide ajudar outras pessoas a se sentirem menos sós alugando seus gatos, ela sai pra rua carregando os gatos numa espécie de carroça e com um megafone oferece o estranho serviço: "Rentaaaaaa neko, neko neko". Ela sempre visualiza os possíveis solitários e anuncia insistentemente até a pessoa se interessar, a primeira é uma senhora que se alegra ao visualizar uma gatinha também idosa que se assemelha com uma ruivinha que tinha, Sayoko vai até a casa inspecionar o ambiente e ter certeza que o gato será bem tratado, a senhora fala um pouco de sua vida e de sua solidão e com a companhia do gato tem a certeza de que sua partida será mais amena, consentido o aluguel Sayoko lhe dá um papel para informações do felino e até quando deseja ficar com ele, no caso da senhora, até a sua morte. Com tudo certo se despedem e Sayoko volta para casa feliz. O filme vai repetindo as mesmas coisas, Sayoko alugando os gatos, inspecionando, falando as mesmas frases, como quando diz o valor do aluguel e chocados com o preço ínfimo indagam se não vai fazer falta e ela pergunta se tem cara de quem passa fome, são situações bem engraçadas e que retratam simplicidade e compaixão, além das metáforas envolvendo os buracos, outro ponto é o ar de encantamento que permeia o longa, como os devaneios e os sonhos de Sayoko e até a presença de uma vizinha, um homem vestido de mulher que sempre vai a sua cerca e lhe diz o quanto é estranha e que dessa forma nunca arranjará um marido, o que é uma preocupação grande pra ela, mas o único esforço que faz é escrever em um papel esse desejo e pendurar na parede. O humor que a história tem é muito peculiar e é adorável o clima com sua musiquinha doce e melancólica, por mais que a narrativa seja solta não perde a intenção em colocar o como as pessoas estão cada vez mais sozinhas e sem expectativas de amor.

Os gatos estão por todas as partes, dormindo no sofá, em cestas, no tapete, brincando ao fundo, comendo seus petiscos, miando e ronronando por todos os cantos, inclusive no altar da avó de Sayoko, ela conversa com eles, conta suas memórias, seus desejos e com apenas a presença deles ali sua sensação de solidão se ameniza. O filme é claro que se o problema é solidão basta um gatinho para solucionar. 
A personalidade de Sayoko é cativante, seu espírito livre e sensível ao outro, toda vez que aluga um gato faz questão de conhecer a pessoa e lhe incentivar a receber o amor do gato, pois tem certeza que será suficiente para preencher os buracos do coração, ela escuta bastante e isso também acaba sendo de grande valor.

Os personagens que alugam os gatinhos são bem aleatórios e diferentes entre si, todos tem as suas solidões e buscam por carinho, mas certamente uma das que mais se sobressaem é a secretária de uma loja de aluguel de carros, cujo trabalho entendiante acabou transferindo o hábito de dividir tudo em classes, e daí surge algumas questões interessantes, como categorizar os gatos de raças como classe A e os vira-latas como classe C, sugerindo que eles não seriam tão especiais quanto, como todas as outras coisas na vida que também são divididas por classes, desde a roupa que usamos, o perfume, o carro, etc. É uma boa discussão e que faz esmorecer esse pensamento fechado e bobo, como Sayoko diz, é bom ter carros e gatos de marca, mas mesmo nas coisas mais caras dá pra perceber quando não amadas. 

"Rent-a-Cat" é desses filmes que nos coloca um sorriso no rosto e nos traz sentimentos bons, a solidão que a sociedade produz, as relações superficiais e técnicas do dia a dia acabam desmotivando e cada vez mais o desejo de ficar só aumenta, porém chega um momento que a necessidade de afeto vem à tona e o filme com delicadeza e bom humor coloca os gatos como um poderoso meio de aliviar a solidão e a tristeza. E quem tem gatos sabe que é a mais pura verdade! Um filme gentil, adorável e feito sob medida para os amantes de gatos.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

I Am a Ghost

"I Am a Ghost" (2012) é um filme independente dirigido pelo estreante H.P. Mendoza, ele explora uma perspectiva nova dentro do gênero terror, ao invés de mostrar a família sendo perturbada por um fantasma, retrata absolutamente tudo sob a ótica do fantasma, que preso a uma rotina repetitiva, não consegue encontrar o caminho que o levará para uma outra etapa. Original, instigante, tenso, inteligente, sem utilizar grandes artifícios ou elementos batidos consegue ser sinistro e ao mesmo tempo dramático.
Emily (Anna Ishida), um espírito problemático, assombra sua própria casa todos os dias, perguntando-se porque não pode seguir em frente. Com a ajuda de Sylvia, uma vidente contratada para livrar casas de espíritos, Emily entra em um relacionamento de paciente e terapeuta, descobrindo mistérios perturbadores sobre seu passado que podem ajudá-la a seguir para "o próximo lugar".
Acompanhamos Emily e sua incessante rotina, mas ela não sabe que está morta, as cenas se repetem inúmeras vezes e a partir do momento em que a conhecemos, vão tomando novas formas, ela está numa espécie de prisão feita de memórias, Sylvia entra em contato com Emily, ela lhe diz sobre sua condição e pelas conversas não é a primeira vez que entra em contato, pelo jeito ela fica atormentada pelo fato de estar morta. Só escutamos a voz de Sylvia, já que a história é sob o olhar da fantasma. A família contratou a vidente, pois barulhos são ouvidos constantemente na casa. Emily acorda, prepara o café da manhã, sai para fazer compras, olha para a fotografia da família, são situações que se repetem e nos deixam atônitos, desesperados, essa sua condição é sufocante e a direção soube perfeitamente incutir o desconforto.
Sylvia entra em contato sempre no quarto, ela lhe diz que precisa aceitar que está morta e enfim fazer a passagem, mas antes Emily necessita descobrir como morreu, ela fala que foi assassinada bem no tapete daquele quarto, porém existe uma consciência a ser despertada, e quando esta começa a surgir não é nada agradável, descobrimos a vida anterior da fantasma e o quanto ela foi perturbada. As conversas entre Sylvia e Emily são interessantes e gera um certo pavor, o mistério, o desconhecido gera o medo e traz questionamentos sobre a morte.
A ambientação retrô, antiquada juntamente com a montagem e edição de cenas aumentam a aura medonha, a trilha sonora também é um grande componente, e a lentidão com a qual a narrativa é conduzida amplifica o suspense, a explicação para as repetições é muito bem elaborada e com o passar das sessões com Sylvia, parece que o descanso para Emily fica cada vez mais longe.

"I Am a Ghost" é aterrador justamente por nos proporcionar esse olhar para o desconhecido, o que vem depois da morte, será que nossas frustrações e recordações irão conosco prendendo-nos a uma condição cíclica? Quando Emily se dá conta e toma consciência é ainda mais angustiante. 
É um filme que permite pensar pelo viés espiritual, mas também pelo psicanalítico, aflige, perturba, tem um roteiro excelente e interpretação magnífica de Anna Ishida, sua confusão perante seu estado, olhares...
H.P. Mendoza compôs um longa simples, mas de execução impecável, utilizou sua criatividade e produziu um filme de terror atípico.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Somewhere in Palilula (Undeva la Palilula)

"Somewhere in Palilula" (2012) dirigido por Silviu Purcarete é um filme romeno surreal recheado de humor negro, uma experiência e tanto para aqueles que gostam de se enveredar por estilos diferentes.
Em algum lugar no Palilula somos levados a década de 60 na Romênia e apresentados à história de Serafim, um recém graduado da faculdade de medicina, trazido por capricho de um destino sombrio para a cidade de Palilula. Nada é o que parece ser. Palilula é uma cidade fantasma, perdida no meio da planície Vallahian. Uma área de quarentena, um sanatório, um hospital improvável, uma clínica ginecológica em um assentamento onde nenhuma criança nasce, uma comunidade de italianos que esqueceu sua língua, mas não a nostalgia de sua música tradicional. Nesse lugar o jovem médico Serafim não vai conseguir exercer sua profissão como pediatra, nesta cidade sem filhos, terá que se afogar no mel doce e envenenado do lugar, como uma mosca presa por um sapo.
Palilula é um local esquecido e misterioso, as pessoas do local são peculiares e cheias de manias, a bebida, por exemplo é uma constante. Por nada de interessante acontecer tudo é motivo de comemoração; esse conto bizarro contém diversas metáforas, algumas impossíveis de decifrar. Mas é uma baita produção, belíssima fotografia, cenário, trilha sonora hipnotizante e uma narrativa diferenciada que seduz e entorpece. Serafim é um jovem médico pediatra que se vê de repente em Palilula, mas não há crianças no local, não se permite que nenhuma nasça, porque se nascer exige-se que alguém morra e isso é inconcebível lá. Eles próprios mantém suas regras, os médicos que nada têm a fazer dizem que eles são os doentes. Serafim não demora para incorporar o espírito do local, ainda mais depois de começar a brindar em razão disso e daquilo.
Os personagens exibem características curiosas, somos apresentados aos habitantes e logo somos absorvidos pela história que apresenta situações surreais. Ao mesmo tempo que o filme é melancólico, do nada vira um imenso carnaval. As atuações são inspiradas e deveras muito teatral. Fantasioso, mas alegórico, são parodiados por exemplo, o regime soviético, a religião, e tudo que se refere ao país.
"Palilula, Palilula! Doce terrível inferno! Amor e vergonha de minha juventude! Meu depósito de lixo. Jovem, verde, paradisíaco..." Serafim nunca mais conseguiu deixar o lugar, uma espécie de magia, de decadência, a cidade o engoliu. 
Loucuras atrás de loucuras, festas estranhas, como a que um grande número de rãs é servida e uma apresentação de ópera é vista. Diálogos e histórias que se repetem e intensificam a aura do lugar. Tudo vai indo, indo, até chegar o apogeu de insensatez. Sobra apenas Serafim, que nos conta esta história, quer dizer...

"Somewhere in Palilula" é um longa criativo, repleto de personagens interessantes, um clima totalmente absurdo, mas que cativa e diverte, além da fotografia ser lindíssima e a trilha sonora um grande componente.
Interessante, divertido, surreal, misterioso e bizarro, Palilula é um lugar do qual a imaginação corre solta, certamente um filme que ficará num cantinho especial da memória, mas é preciso embarcar na história, aí sim valerá a pena. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O Mirante (Gözetleme Kulesi)

"O Mirante" (2012) dirigido pela turca Pelin Esmer (11'e 10 kala - 2009) é um filme contemplativo que disserta sobre a solidão e o desespero. Dois seres relutantes em sair de uma situação de isolamento, desenvolve uma relação que os permite redescobrir a compaixão em suas vidas e a superar seus traumas.
Nihad (Olgun Şimşek) trabalha em um mirante, vigiando áreas verdes em montanhas de cima de uma torre de onde consegue ver tudo. Seher (Nilay Erdönmez), uma moça que estudava numa boa faculdade e vivia com os pais decide arranjar um emprego como rodomoça. Os dois sofrem por motivos particulares e sozinhos lidam com suas dores, mas em dado momento suas vidas se cruzam. É um filme lento, porém interessante, aos poucos vamos conhecendo os personagens, seus dilemas e o porquê de suas escolhas. Nihad preferiu se abster da vida comum, o seu emprego lhe permite isso, quieto e praticamente enclausurado passa os seus dias a observar e desce até a cidade apenas para comprar suprimentos. E é aí que ele conhece Seher, uma jovem que trabalha no ônibus e que por vezes serve café na estação. Devagar ficamos sabendo do trauma de Nihad e de Seher, inclusive ela é dona de uma cena fortíssima que emociona muito.
O fato é que Seher está grávida, foi estuprada pelo próprio tio enquanto morava em sua casa para fazer faculdade, desnorteada sumiu e arranjou esse emprego, ela esconde até o fim a sua gravidez e Nihad, bom observador que é, sabe que algo aconteceu a ela. Entre silêncios suas solidões se juntam, e com muita dificuldade vai se construindo uma relação.
A fotografia é linda e explora profundamente todos os aspectos, seja o ambiente ou personagens. As cenas estáticas são recorrentes e poucos são os diálogos, é uma bela história que nos diz que quando estamos amparados é muito mais fácil seguir em frente e não enlouquecer com as dores que nos acometem. Quando sentimos na pele o sofrimento, a compaixão pelo outro se aflora e somos capazes de ajudar e compartilhar. E é na dor que nos conhecemos e nos reconhecemos, a dor é universal e nos liga ao sentimento que torna-nos humanos. Tem uma frase de Jean-Jacques Rousseau que exemplifica bem essa questão: "O homem que não conhece a dor, não conhece a ternura da humanidade."

Não é um filme que nos tira lágrimas, e o ponto a se acrescentar é o seu desenvolvimento, sem pressa ele vai ganhando força. 
"O Mirante" é um belo filme que apesar de trazer a solidão e o desespero como tema, também nos faz pensar na compaixão, em recuperar a sensibilidade de compreender o outro. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A Coleção Invisível

"A Coleção Invisível" (2012) dirigido pelo francês radicado no Brasil Bernard Attal é baseado num conto homônimo de Stefan Zweig, a história é transportada para o interior da Bahia num período após a "vassoura da bruxa" (doença dos cacaueiros causada por um fungo). É um filme extremamente simples e sensível, as atuações carregadas de emoção dão o tom exato e faz parecer crível. Vladimir Brichta está confortável em seu personagem, ele é contido, guarda suas emoções, sem dúvidas, até agora a melhor atuação de sua carreira. Na trama também tem a última aparição de Walmor Chagas, como o apaixonado colecionador. 
O início já nos fisga, um grupo de jovens conversando sobre o que gostaria de ser em outra vida, todos animados passam a noite bebendo e dançando, mas um acidente acaba com a vida de todos após saírem com o carro de Beto (Vladimir Brichta). Triste e sem rumo Beto passa seus dias silencioso, não derruba uma lágrima sequer, mas percebe-se que a culpa o corrói. No decorrer ele se envolve com a loja de antiguidades de sua mãe e vai em busca de uma coleção de gravuras raras que seu pai havia vendido tempos atrás. Então, ele viaja até o interior da Bahia e se depara com uma família em decadência e uma fazenda arruinada. Tudo que se vê por lá é a destruição por conta da praga e a agressividade da esposa (Clarisse Abujamra) e da filha (Ludimila Rosa) de Samir (Walmor Chagas). Elas fazem de tudo para que Beto não encontre Samir, ele é posto pra fora em todas as suas tentativas, o que o faz ficar ainda mais curioso. Samir já debilitado e cego, como o próprio Walmor, é protegido por sua rígida mulher. Enquanto Beto está no local ele pensa em tudo que lhe aconteceu e começa a enxergar a vida de uma outra forma.
Não há grandes acontecimentos, apesar de ser um road movie incluindo a autodescoberta, o filme é mais contemplativo e a mudança do personagem acontece apenas no final, os detalhes são importantes e a cada minuto que passa algo acrescenta à trama. "A Coleção Invisível" é um filme especial, sutil e muito bem desenvolvido.

Vladimir Brichta mostrou toda a sua potencialidade, incrível sua entrega e como é natural a sua introspecção e seu progresso. Imenso em sua simplicidade imergimos na história que ao final nos brinda com belíssimos diálogos de Samir e Beto e revelações que acabam por mudar a visão de mundo e de si mesmo.
A canção tema "Teus Olhos Cansados" interpretada por Tiê encanta e hipnotiza, realmente a delicadeza está absolutamente em tudo neste longa. A aura melancólica instiga a reflexão. Há muitas cenas tocantes em que sentimos todas as emoções junto com o protagonista.
"A Coleção invisível" é daqueles filmes memoráveis, pois tudo nele é agradável, mesmo com toda a dor e devastação. Beto conseguiu extrair beleza e pureza em meio a destruição e ao final saiu renovado e quem sabe pronto para continuar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A Quinta Estação (La Cinquième Saison)

 "A Quinta Estação" é a última parte de uma trilogia sobre o embate do ser humano e a natureza, sendo as duas primeiras "Khadak" (2006) e "Altiplano" (2009), dirigido por Jessica Hope Woodworth e Peter Brosens.
O drama explora uma grande catástrofe natural, quando o inverno se instala definitivamente, impedindo a chegada da primavera. A natureza não renasce, os insetos desaparecem, as vacas não dão mais leite e a fome começa a tomar conta das cidades. Enquanto isso, os habitantes de um vilarejo buscam um culpado para esta situação.
O longa é apocalíptico, peculiar, imagético e bastante reflexivo. Não é uma obra fácil, ele exige o máximo de atenção do espectador. Os quadros deste filme são sublimes e são eles que nos contam a história, pois os diálogos são escassos. No início vemos um homem tentando fazer um galo cantar, o animal se recusa a tal ato e acaba defecando em cima da mesa, a câmera se move muito sutilmente e demonstra que ali já não há mais jeito.
A história se desenrola a partir daí num vilarejo no interior da Bélgica, as famílias vivem do que plantam, além de produzirem leite e mel, o fim do inverno está sendo comemorado, porém acontece algo estranho, o inverno continua, as vacas não dão mais leite, as abelhas somem e nada mais germina. As pessoas começam a sofrer as consequências e logo o instinto de sobrevivência aparece, nisso se dá uma busca absurda por algum culpado, o ser humano demonstra grande vulnerabilidade, tudo esvai, valores são perdidos. Reflete-se o quão dependente somos da natureza, não existe autossuficiência, se um dia nada mais nos prover começaremos a matar uns aos outros e logo estaremos todos mortos.
É um filme de grande densidade emocional, os acontecimentos dão indícios confusos e peculiares, as abelhas desaparecem, são ouvidos ruídos estranhos na floresta, uma imensa árvore cai, peixes ficam presos na encosta, flores já não brotam mais, as vacas se recusam a dar leite e a terra fica infértil. Fica um tanto claro que a proposta do filme é colocar em pauta os maus tratos dos seres humanos com a natureza, a preocupação com as mudanças climáticas e a necessidade que se tem em encontrar um culpado, principalmente em situações inexplicáveis. Existe um personagem, Pol (Sam Louwyck), que se difere dos outros nessa comunidade, ele se diz poeta e filósofo, seus diálogos são interessantes e estranhos, por exemplo: "Eu prefiro ser um homem de paradoxo que um homem de preconceitos", isso faz a população desconfiar dele, assim se inicia uma caçada e o filme termina demonstrando até onde vai o caráter das pessoas.

Assustador e místico, "A Quinta Estação" é um longa magnífico repleto de detalhes, cujo poder da imagem é imenso. Dá pra pensar muito sobre o como somos pequenos diante à natureza, na lei da sobrevivência, na ignorância, violência e a busca por um culpado pensando assim ter alguma solução. É uma obra instigante que merece ser apreciada!

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Meteora

"O único pecado sem perdão é o desespero"

"Meteora" (2012) de Spiros Stathoulopoulos é uma história minimalista e silenciosa sobre o amor proibido. É a devoção versus o desejo.
Nas planícies aquecidas da Grécia central, monastérios ortodoxos elevam-se acima de pilares de arenito, suspensos entre o céu e a terra. O jovem monge Theodoros e a freira Urania dedicaram suas vidas aos estritos rituais e costumes de sua comunidade. Um afeto que cresce entre eles coloca suas vidas monásticas em risco. Divididos entre a devoção espiritual e o desejo humano, eles devem decidir que caminho seguir.
Meteora é daqueles lugares únicos no mundo, onde no topo de picos rochosos esculpidos pelo tempo existe um complexo de monastérios da igreja ortodoxa, cujo acesso é muito difícil, inclusive vemos no longa que a freira é içada por uma rede até o topo, já no do monge é uma escadaria gigantesca. Uma paisagem bem particular e que contribui imensamente para a história contada. O diretor optou por algo diferente do que se anda fazendo no cinema grego, filmes críticos sobre a crise que cada vez mais se agrava no país, o romance retratado é de um silêncio profundo e desesperador, a freira Urania (Tamila Koulieva-Karantinaki) e o monge Theodoros (Theo Alexander) vivem em mosteiros diferentes, um de frente pro outro, mas separados pelo abismo que divide as montanhas, no entanto a paixão entre eles acontece, a cena do piquenique por exemplo é uma das mais bonitas, onde riem das diferenças e do sotaque russo de Urania ao pronunciar palavras como, mar, liberdade e desespero.
Entre rituais religiosos e a natureza encantadora, o amor vai acontecendo em silêncio. Simbolismos são inseridos em forma de animação, é o divino e o humano se entrelaçando, além de ser muito bem feita, a estética e os traços da animação remetem a este universo religioso, alguns são muito difíceis de decifrar, outros curiosos, mas nada mais é do que a libertação do desespero que tanto um como o outro sente. É preciso saber apreciar esta obra, pois além de ter uma cadência lenta, as cenas são demasiadamente estáticas, mas é poético em relação ao tema do desejo carnal.

O filme reflete bastante o sentimento de desespero e culpa, toda vez que os dois descem lá de cima é para se amar, se tornam humanos e se despem de dogmas, apenas o amor é que rege os seus caminhos, mas após voltarem se devoram pela culpa. De clima austero, o arrebatamento é interno e se esconde nos silêncios, uma luta entre seguir os caminhos de Deus, ou se deixar levar pelos instintos carnais, por isso é um romance peculiar dotado de delicadeza.

Vale ressaltar os cânticos bizantinos inseridos à trama que auxiliam nessa aura de retidão em que emoções não são demonstradas. E claro, os atores estão maravilhosos e passam os sentimentos de angústia e desespero com muita clareza, apesar dos diálogos escassos. E também a fotografia, que é esplêndida e a animação que entra para dar mais subjetividade. Esse atípico romance é de uma beleza rara e merece ser descoberto.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Bekas - Para o Alto e Avante (Bekas)

"Bekas" (2012) de Karzan Kader é um filme iraquiano extremamente belo, simples e puro. 
Dois irmãos desabrigados, Zana de 7 anos e Dana de 10 anos, vivem no limite da sobrevivência. Eles tem um deslumbre do Superman através de um buraco na parede no cinema local, daí decidem sair de sua aldeia curda e ir para a América acreditando que, uma vez lá, o super-herói poderá resolver todos os seus problemas. Zana começa a fazer uma lista de pessoas que ele vai pedir para o Superman punir (uma delas é Saddam Hussein). Dana, por outro lado, pensa no que eles precisam para chegar lá: dinheiro, passaportes, transporte e uma maneira de atravessar a fronteira. Infelizmente, eles não têm nada disso. Graças ao seu trabalho árduo como engraxates conseguem juntar dinheiro suficiente para comprar um burro (que eles chamam de Michael Jackson) e com o qual eles decidem partir para realizar seu sonho. Por trás desta cativante odisseia encontra-se um retrato íntimo do conflito curdo no Iraque.
O diretor Karzan Kader explica a intenção de seu filme: "O Curdistão está em guerra há tanto tempo que se tornou o estado normal lá. Eu quero que esta história seja uma voz do povo curdo para o resto do mundo."
A trama se passa na década de 1990, o auge da perseguição de Saddam Hussein aos curdos. Os irmãos órfãos Zana e Dana passam por muitas dificuldades e tentam sobreviver em meio ao caos. A imaginação é uma grande aliada, Zana se encanta com o Superman quando o vê através de um buraco no cinema, e depois daí deseja ir atrás dele na América (EUA) e fazer alguns pedidos, como ressuscitar seus pais e se livrar de Saddam Hussein. Zana convence o irmão de que tudo pode melhorar ao chegarem lá. Conseguem algum dinheiro engraxando sapatos e compram um burro que os levará para o tão sonhado lugar, porém precisarão de muita sorte e o caminho fará com que percebam que o amor entre eles é o maior poder que existe, além da determinação e sensibilidade.
As cenas são dotadas de simplicidade e ingenuidade, Zana fala gritando o filme todo, o que acaba irritando, mas é completamente autêntico e natural, o menino segura o filme todo, sua imaginação e inocência misturada a miséria e ignorância gera sentimentos diversos, já Dana tem um jeito mais sereno, por ser maior é difícil crer que também embarcaria nessa viagem, mas os dois não tem nada a perder, e por mais que tudo seja impossível e irreal buscam e vão sem medo, nunca são retratados como coitadinhos, há firmeza, decisões e uma cumplicidade que emociona.

Com atores amadores, o filme é inspirado nas experiências vividas pelo próprio cineasta quando fugiu com sua família nos anos 90 para a Suécia.
Cativante, triste e inspirador, "Bekas" nos faz relembrar de valores essenciais e do que realmente importa na vida. Sozinhos somos frágeis e é fácil nos quebrar, mas quando estamos juntos de alguém que nos ama somos mais fortes, e o caminho para os sonhos se tornam mais especiais.
É um retrato emocionante e por vezes bem-humorado da inocência, da amizade, e do elo formado por essas duas crianças que vivem em um local marcado pela guerra e pela pobreza.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Amor Bandido (Mud)

"Mud" do diretor Jeff Nichols (O Abrigo - 2011) é um filme simples que disserta sobre amizade, amor, descobertas e desilusões de forma muito naturalista.
Mud (Matthew McConaughey) está fugindo da justiça quando encontra dois adolescentes que resolvem ajudá-lo a escapar da polícia e dos caçadores de recompensa. O jovem Ellis (Tye Sheridan), de 14 anos, vai fazer de tudo para garantir que o novo amigo consiga encontrar sua alma gêmea.
Matthew McConaughey compõe um personagem envolvente e faz jus ao nome, com o aspecto sempre sujo ele é estranho, cheio de manias e guarda um segredo. Vivendo num barco preso em cima de uma árvore de uma ilha inabitada ele espera que consiga fugir com seu grande amor. Ellis e Neckbone descobrem esse barco e acabam encontrando Mud, e assim eles vão construindo uma amizade que cada vez mais vai ganhando belos contornos. Mud não é um cara mau, ele foge da polícia, mas isso não quer dizer que seja um criminoso. Mud é passional, ama desde menino Juniper (Reese Witherspoon), uma mulher que corre para os braços dele quando se mete em encrencas.
Os meninos são corajosos e exploram a vida, são interpretações emocionantes e vivas, Tye Sheridan tem uma segurança absurda ao atuar, e junto ao seu companheiro Jacob Lofland firmam uma amizade repleta de valores. McConaughey é um texano legítimo, assim como os outros atores, portanto o longa ganhou um perfeito realismo, o sotaque, o modo de vida, a tranquilidade, tudo está retratado de forma precisa, a natureza também ganha destaque, proporcionando ótimos momentos de reflexão. O ritmo segue lento, mas se sustenta com interpretações incríveis e plenas, diálogos que agregam e fazem com que os personagens evoluam. 

Ellis vai se descobrindo enquanto ajuda Mud, principalmente sobre o amor, aliás ele só aceita ajudar Mud porque tudo o que ele fez foi por amor, em sua casa as coisas não vão bem, seu pai (Ray McKinnon) e sua mãe (Sarah Paulson) estão se separando e ele não entende, também se apaixona por uma menina mais velha e acredita estar namorando, o que o decepciona bastante mais tarde.
A linda amizade de Ellis com Neckbone é um dos pontos mais fortes, inocentes porém espertos esses dois garantem as melhores passagens do filme com humor e sensibilidade. Seja nas qualidades ou defeitos, os personagens cativam cada um à sua maneira, a desconfiança que o filme nos gera no início em relação aquele homem de aspecto estranho dá lugar a sentimentos simples.

"Mud" é uma jornada incerta, há muita tensão e as possibilidades são amplas, e o final retrata essa extensão quando Mud visualiza o horizonte do rio Mississipi. Às vezes por mais que seja difícil é preciso aceitar.
O que fica desta história é a emocionante amizade entre os meninos e um cara desconhecido, as descobertas e o amadurecimento de Ellis, e as complexidades do amor. Simples e natural, "Mud" é um enorme suspiro de satisfação!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Qual é o Nome do Bebê (Le Prénom)

"Qual é o Nome do Bebê" adaptado de uma peça homônima e dirigido pela dupla de franceses Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte (autor da peça original), é uma comédia inteligente e com diálogos afiadíssimos, impossível desgrudar os olhos da tela e não se surpreender com a trama que brinca com situações aparentemente bobas. Não se deixe enganar, tudo o que acontece dentro daquele apartamento nos faz refletir e muito.
Vincent (Patrick Bruel) tem 40 anos e está prestes a se tornar pai. Ele é convidado para jantar na casa de sua irmã Elisabeth (Valérie Benguigui) e Pierre (Charles Berling), seu cunhado, e lá encontra Claude (Guillaume de Tonquedec), um amigo de infância. Vincent aguarda sua sempre atrasada esposa Anna chegar. A ausência da mãe parece a situação ideal para que os três bombardeiem Vincent com perguntas e piadas sobre sua futura paternidade. Mas quando lhe perguntam sobre a escolha de um nome para o bebê, sua resposta semeia discórdia entre o grupo, transformando um simples jantar em um verdadeiro caos.
O clima do filme é delicioso, ágil, verborrágico e com atuações de primeira. Tudo começa quando Vincent diz qual vai ser o nome de seu filho, isso gera um enorme desconforto no cunhado principalmente, que discute veementemente sobre tal escolha, a irmã também fica desconcertada, assim como o amigo Claude, então se inicia uma batalha para que Vincent pense no que irá fazer com o futuro de seu filho. Claude acaba percebendo que o amigo estava fazendo uma brincadeira, mas não diz a ninguém, as coisas saem do controle quando Anna (Judith El Zein), a esposa de Vincent chega, a mentirinha vai ganhando contornos tensos e verdades são jogadas na cara uns dos outros. Perguntado sobre o que pensa sobre o nome que irá colocar em seu filho, ela diz que é uma bela homenagem, aí desencadeia-se indignações e insultos, Anna não se segura e ofende dizendo sobre os nomes dos filhos de Elisabeth e Pierre. A partir daí verdades vão aparecendo e as situações vão se embolando.
A intensidade do filme é enorme e isso se dá por ser filmado em uma única sala, são cinco pessoas num pequeno espaço desfiando sem dó tudo o que lhes incomoda, o que lembra bastante o filme de Roman Polanski, "Carnage" - 2011.
O foco está nos diálogos e expressões, bem fiel ao estilo teatral. O entrosamento entre os atores é incrível, passa do cômico ao trágico e do trágico ao cômico em poucos segundos. Cada um dos personagens nos apresenta uma personalidade. Vincent é o bem-sucedido com mulheres e com a carreira e cujo senso de humor é bem incomum. Pierre é o professor de universidade, culto, rodeado de livros e pronto para argumentar. Elisabeth também é professora, mas de educação infantil, é destrambelhada e carente. Claude é o amigo de infância dela, ele é músico e muito sensível, e por isso os amigos pensam que ele é gay. Anna, esposa de Vincent, é independente e a mais chata de todos.

É um filme que flui e que nos tira risos de situações completamente desconfortantes. Retrata perfeitamente como um mal entendido pode fazer um estrago e uma brincadeirinha se tornar algo sério gerando discussões com trocas de ofensas.
"Qual é o Nome do Bebê" é uma comédia francesa espetacular, uma sátira à classe média parisiense. Recheado de diálogos inteligentes e atuações deliciosas, o filme segue num ritmo estimulante com situações que surpreendem a cada cena. Para quem procura algo no gênero que valha a pena não pense duas vezes, assista!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O Sonho de Wadjda (Wadjda)

"Wadjda" da diretora Haifaa Al Mansour é o primeiro filme produzido por uma mulher na Arábia Saudita. Muito belo, mostra uma menina que foge à regra e consegue conquistar o que quer num país completamente fincado numa cultura machista. Coloca em pauta que mesmo a passos lentos algo está sendo mudado, um novo mundo está se abrindo. E a prova disso é exatamente o filme existir.
A história é bem simples, acompanhamos Wadjda (Waad Monhammed), uma garota que destoa do ambiente em que vive, percebemos isso logo no início quando a câmera foca o seu tênis descolado, enquanto o restante das meninas da escola usam sapatilhas idênticas. Na sua casa veste jeans e camiseta, além de não utilizar o véu sempre que sai. Ela é esperta e gosta de brincar com seu amigo Abdullah, certo dia ela se encanta por uma linda bicicleta e promete a seu amigo que quando a tiver disputará uma corrida para ver quem ganha. Sua primeira estratégia é pedir a mãe, mas ao ouvir um não começa a juntar dinheiro, seja com as pulseiras que vende na escola ou com algumas situações que ela capta de longe e tira proveito. Mas tem um porém, na Arábia Saudita as mulheres não podem andar de bicicleta, é algo vergonhoso devido a exposição.
Wadjda mora com a mãe (a deslumbrante Reem Abdulah) que vive um conflito com seu marido, pois este deseja uma segunda esposa. A figura da mãe é bastante forte, mas exibe características de uma mulher oprimida no decorrer, como tentar agradar o marido de todas as maneiras, chegando a negar um trabalho mais cômodo por medo de ciúmes.
A esperança de conseguir a bicicleta surge quando se inscreve num concurso para leitura do Alcorão, Wadjda vê uma boa oportunidade, com o prêmio ela iria comprá-la e assim teria seu sonho realizado. Wadjda não tem o jeito, tropeça nas palavras, mas é determinada e vai aprendendo a recitar com o coração, do jeitinho que sua mãe lhe explicou.
É uma trama previsível, sem grandes acontecimentos, mas super importante, linda, cativante e inspiradora. Não tem como não se apaixonar pela personagem que não se importa com os costumes do país. E é isso mesmo que as novas gerações precisam, de coragem para mudar as coisas dessa cultura opressora em relação as mulheres.

O filme faz crítica à opressão causada pela cultura e abre a discussão sobre os abusos que se escondem dentro dos costumes, mas não ofende em momento algum, a diretora coloca de forma singela na tela e consequentemente vamos analisando, como uma menina não poder andar de bicicleta ou mulheres serem mau vistas por trabalhar ao lado de homens, entre tantas outras coisas que são banais aos olhos ocidentais.
Um marco na história do cinema saudita, "Wadjda" retrata que há muitas oportunidades para as mulheres, basta ter coragem e enfrentar, assim como Haifaa Al Mansour fez ao dirigir este filme. 
A bicicleta é a metáfora para a liberdade, Wadjda ao final exemplifica bem essa questão ao disputar e ganhar a corrida com seu amigo. É um filme que merece atenção para vislumbrar possibilidades, a vontade de quebrar regras impostas e a felicidade de se conseguir algo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Uma Vida Inteira (Curta-Metragem)

O curta "Uma Vida Inteira" (2012) dirigido por Bel Ribeiro e Ricardo Santini com Alice Braga e Bruno Autran no elenco, mostra que, entre a primeira noite de um casal e a premonição do fim do relacionamento, pode caber uma vida inteira. Baseado na crônica "O Salto", de Antônio Prata. 

Despretensioso e poético retrata as possibilidades do amor e o como é importante fazer acontecer, afinal - "O verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão... porque a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto."
O texto é belíssimo, tem uma fotografia linda e uma trilha sonora apaixonante. É daqueles curtas que nos pegam de jeito, que nos faz querer arriscar para viver o amor sem medos. Real e inspirador, vale dar uma conferida nesta linda obra. 

"A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato — pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente — você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas."

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Ato de Matar (The Act of Killing)

"Quem realiza sonhos a qualquer custo deveria apenas tê-los quando dorme. Pois alguns destes sonhos foram os maiores genocídios da humanidade."

"O Ato de Matar" (2012) é um documentário dirigido por Joshua Oppenheimer, e se há algum adjetivo que o classifique é aterrorizante, conforme a história vai sendo revelada ficamos boquiabertos com tanta maldade sendo exaltada.
A obra traz a entrevista com o líder paramilitar Anwar Congo e seus comparsas, incluindo o dono de um jornal, todos assassinos confessos vivendo livremente na Indonésia, orgulhosos de todos os seus crimes. Os diretores convencem Congo e sua gangue, que chegaram ao poder após o golpe militar de 1965, a encenar suas táticas de tortura e matança, como se fosse um filme de verdade, incluindo figurinos e efeitos especiais.
Em 1965, na Indonésia, Anwar e seu esquadrão da morte iam atrás de pessoas consideradas comunistas, líderes sindicais, artistas e opositores do regime indonésio, as técnicas que eles usavam para aniquilar o máximo de pessoas possível nos são mostradas neste filme chocante. Anwar é um homem adorado, seu jeito calmo esconde coisas terríveis, a frieza acompanha esse ser humano que não demonstra arrependimento, só em algumas cenas ele diz que tem pesadelos, mas nada que mude o orgulho que sente de si mesmo. A palavra gângster é usada constantemente, pois assim é que designavam-se. Ao lado de seus colegas Anwar vai reconstruindo episódios chocantes, atos cruéis, como a técnica em que ele enforca com arame, ou esmaga a garganta com o pé da mesa, enquanto isso é mostrado vemos gargalhadas, imponência e apreço pelo que estão fazendo. Num dos momentos mais angustiantes, reconstroem a cena em que um vilarejo é queimado, onde todos os habitantes morrem, as memórias são reavivadas e podemos ver o horror nos olhos daquelas pessoas que se ofereceram como voluntárias, crianças chorando sem parar, um clima pesado paira no ar. Paralelamente vemos jovens seguindo o caminho totalitário sob a denominação Juventude Pancasila. 

"O Ato de Matar" é um documentário difícil de se assistir, por várias vezes parece inacreditável a brutalidade sendo retratada com tanta facilidade. O diferencial deste filme está em mostrar personagens reais, assassinos que continuam impunes, vivendo como heróis. Sem dúvida o diretor teve muita coragem ao decidir retratar o genocídio indonésio, e os protagonistas ao aceitarem expor seus rostos contando coisas horríveis, demonstrá-las só ressalta o quão orgulhosos são de si, porém numa das cenas finais Anwar ao assistir uma de suas encenações diz: "As pessoas que eu torturei se sentiram como eu me senti nessa cena?", e chora. Uma ponta de humanidade é revelada aí, mas não é o suficiente para nos convencer, a frieza e a maldade nunca foi tão presente em um filme.

Totalmente rodado na Indonésia, na cidade de Medan, "Ato De Matar" carrega uma narrativa perturbadora e provocativa ao exibir pessoas que cometeram crimes em situações líricas, como a cena das dançarinas, alguns trechos se repetem e a duração é um pouco excessiva, mas com certeza conseguiu atingir seu objetivo, mostrar a crueldade personificada.
Há uma continuação chamada "Look of Silence" (2014). Neste uma família que sobreviveu ao genocídio na Indonésia confronta os homens que mataram um de seus irmãos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A Pedra de Paciência (Syngué Sabour, Pierre de Patience)

"Sobre uma pedra mágica e legendária: "Se encontrar esta pedra, ponha diante de ti, fale dos seus segredos, dos seus sofrimentos. A pedra te escuta. Tudo o que jamais contaria a outra pessoa, você conta à pedra. Você fala com ela, ela te escuta. E um dia, a pedra arrebenta, desfaz-se em pedacinhos. E nesse dia será livre, libertada de todas as suas dores."

"A Pedra de Paciência" do afegão Atiq Rahimi (Terras e Cinzas - 2005) é a adaptação de seu próprio livro homônimo. É uma obra delicada e intensa.
Um herói de guerra (Hamidreza Javdan) é abandonado por seus companheiros do Jihad e pela mãe e irmãos após levar um tiro no pescoço. Em estado vegetativo, ele fica sob os cuidados de sua esposa (Golshifteh Farahani) que vai, aos poucos, confessando seus segredos e impressões ao marido em coma, fazendo dele sua pedra de paciência e seu caminho para uma nova vida.
O ambiente em que essa personagem vive é marcado por violência, repressão e sofrimento, à beira da miséria ela segue os dias cuidando de seu marido. O papel da mulher em sua cultura é algo realmente triste, não há direitos, oportunidades, e tudo é motivo para julgamentos. Os personagens não têm nomes e o filme é marcado pelos monólogos desta mulher. O ritmo da narrativa é envolvente, acompanhamos a trajetória rumo ao seu descobrimento e libertação.
Inabitável é o local que mora, há bombardeios, a água é insuficiente, o farmacêutico já não lhe vende mais remédios pela falta de dinheiro, além de que precisa alimentar suas filhas. Depois de ver seus vizinhos mortos desesperada sai em busca da única que pode lhe ajudar, ela encontra sua tia (Hassina Burgan) e acaba por permanecer no lugar, uma espécie de bordel, mas todos os dias retorna para cuidar de seu marido. Há momentos em que ela precisa escondê-lo, e numa invasão a casa diz ser prostituta para que não abusem dela, afinal esses homens que dizem lutar por uma causa em nome de Deus adoram jovens virgens e meninos órfãos, prostituas são consideradas impuras, e desse modo o homem cospe nela e vai embora, só que o moço que estava junto começa a ir frequentemente em sua casa e a pagar por seus serviços, ele tem problemas de fala e inesperadamente essa mulher se encanta.
Ao revelar sobre si ao marido começa a sentir algo como a liberdade, isso cresce quando a tia conta a história sobre a pedra de paciência. Ela faz de seu marido, a sua pedra. Um ser que nunca a conheceu e que nem no casamento esteve presente por causa da guerra. Aos poucos descobrimos verdades e situações de desespero que pediam uma saída.

No pequeno quarto, angústias, segredos e ressentimentos que foram guardados por tanto tempo são expostos àquele moribundo. Confissões surpreendentes e libertadoras. Bela interpretação de Golshifte Farahani, delicada, expressiva e que se liberta através da fala. O filme é uma crítica/denúncia à opressão que as mulheres muçulmanas são submetidas, mas não deixa de ter seu caráter universal.
Essa realidade é distante de nós e absurda aos nossos olhos, a mulher é vista como um ser inferior, são proibidas de trabalhar, estudar, andar sozinhas, cobrem o corpo e o rosto com a burca em razão da modéstia, a voz é silenciada. Existem muitos casos de viúvas que se tornam pedintes e outros que por suposições são presas, açoitadas ou mortas. Esse retrato terrível também pode ser visto no dilacerante filme "Osama".

Esteticamente perfeito "A Pedra de Paciência" é um filme bonito, elegante, porém carregado e triste. É importante para que cada vez mais se evidencie e discuta sobre o tema, e as mulheres que sofrem qualquer tipo de repressão possam ganhar voz e dar asas a sua natureza.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O Garoto que Come Alpiste (To Agori Troei To Fagito Tou Pouliou)

"O Garoto que Come Alpiste" (2012) do diretor grego estreante Ektoras Lygizos é baseado livremente na obra-prima de Knut Hamsun, "Fome", que retrata a história de um jovem escritor sem teto que mesmo tendo dificuldades de arranjar emprego, andar em farrapos e passar muita fome consegue manter sua dignidade e altivez, é um livro que gera bastante desconforto, é caótico e por vezes confuso, o personagem alucina mas mantém a sua consciência, claustrofóbico é a palavra que o define.
O filme de Ektoras é também uma obra-prima, o diretor consegue já em sua estreia compor algo de imensa valia. Yorgos é um jovem artista, cantor lírico, de 22 anos, mora num apartamento no subúrbio de Atenas, desempregado e sem muitas oportunidades vive de forma miserável, passando fome ele encontra como fonte de alimento o alpiste do qual dá a seu passarinho e única companhia.
O interessante é que Yorgos não é um mendigo, mas uma pessoa como qualquer outra em busca de suas vontades, a cena em que ele fracassa por não saber cantar alemão direito, ou as tentativas de emprego comuns demonstram a sua dificuldade de se integrar. É impactante por ele ser um jovem que tem todos os quesitos para se estabelecer na sociedade, mas o que vemos é a decadência e a fome que cada vez mais aumenta. Não há diferença entre ele com as pessoas que cruzam seu caminho, é como se qualquer um pudesse estar passando por isso, a dignidade é a única que resta.
Mais uma vez o cinema grego acerta em cheio ao expor o drama que a crise da Grécia provocou nas pessoas deixando-as na miséria, há vários filmes com esse enfoque, como o perturbador "Miss Violence", de Alexandros Avranas.
O longa causa muito desconforto, a câmera é praticamente colada ao personagem, o que nos faz chegar bem perto de sua sufocante situação. Yiannis Papadopoulos se entregou a um personagem difícil com maestria, ele passa sentimentos intensos para quem assiste a sua trajetória. Em certo momento ele prova de seu próprio sêmen, a cena é considerada polêmica, mas não foge do contexto, é um ato desesperado, assim como ao entrar no apartamento de um senhor já à beira da morte e comer açúcar, o único alimento da casa. Qualquer coisa se torna comestível quando se está com o estômago vazio, no livro de Hamsun o protagonista vive a mastigar pedaços de madeira.
As coisas só pioram para Yorgos, despejado ele se refugia em uma construção da qual esconde seu passarinho a fim de ir procurar alimento, há também uma moça que ele se interessa, espia ela quase sempre e até chegam a se aproximar, não há diálogos, ela o leva até sua casa, oferece comida e começam a se beijar, mas a cena que se segue é assustadora, ao passar a mão nos cabelos de Yorgos sai um tufo, a garota questiona o que acontece, daí ele fala sobre o quanto tempo está sem comer e as sensações que sente. Entristece vê-lo saindo com uma marmita a ponto de chorar, então ele se senta em um local cheio de jovens e come, grita, come e grita...

"O Garoto que Come Alpiste" é filme para poucos, retrata a miséria e a busca pelo último resquício de dignidade, apesar de se passar na Grécia com toda a crise que a cerca, essa história pode acontecer em qualquer parte do mundo, existem muitas pessoas assim como Yorgos que estão sofrendo com a fome e a decadência, e elas podem estar bem perto de nós sem ao menos nos darmos conta.
É uma obra reflexiva, o sistema aprisiona os nossos anseios, quem fica alheio a "realidade" para tentar vivenciar o seu sonho tende a sofrer as duras consequências, pois a fome não é somente saciar as lamúrias do estômago, mas também as da alma.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A Fita Azul (Electrick Children)

"A Fita Azul" (2012) é um filme independente da diretora estreante Rebecca Thomas, a história é no mínimo peculiar e baseia-se na sua própria vida que é de origem mórmon, os conceitos, o fundamentalismo, a alienação e o valor da fé são questionados de maneira agradável sem jamais fazer qualquer tipo de crítica, a visão é completamente inocente e por vezes surreal.
Rachel (Julia Garner) é uma adolescente de 15 anos de uma comunidade mórmon em Utah, já no início nos deparamos com ela dando um depoimento para o pastor e também padrasto, ele lhe faz perguntas sobre sua fé e se ainda continua pura, tudo isso é gravado pelo meio-irmão Mr. Will (Liam Aiken). O gravador gera um certo fascínio na garota que deseja ouvir seu depoimento, à noite escondida ela vai procurá-lo e se depara com diversas fitas, ela coloca uma fita azul e se inebria com o seu primeiro contato com a música e o rock'n roll, a canção é um cover de "Hanging on the Telephone", da banda The Nerves, esta que dá o tom ao filme, impossível tirá-la da cabeça após o seu término. Depois desse contato Rachel acredita que está grávida, uma concepção imaculada, o resultado dá positivo e o padrasto e líder Paul (Billy Zane), decide expulsar Mr. Will, pois na noite em que ela foi procurar o gravador Gay Lynn (Cynthia Watros), a mãe, os viu juntos.
O filme não dá respostas ao espectador, ele foge dos clichês e situações fáceis, nós deduzimos ao longo o que de fato aconteceu. Rachel desesperada por não aceitar um casamento arranjado às pressas resolve fugir, rouba a chave da velha caminhonete e acelera o mais que pode, ela crê que encontrará o pai de seu filho (a voz no gravador), o que ela não contava é que Mr. Will estava dormindo na traseira, ao chegar em Las Vegas é que se dá conta. Nessa parte surgem os contrastes, e estes são fortíssimos. Os dois são adolescentes que parecem de uma outra época, as roupas, a maneira de se portar, falar, tudo é novidade, o mundo se abre a eles quando conhecem Clyde (Rory Culkin), um garoto rebelde, livre, que vive numa espécie de comunidade com vários amigos músicos e skatistas, o ambiente é o oposto daquela vida que levavam no campo. Eles experimentam novas sensações e Clyde acaba se apaixonando por Rachel, ele compreende a garota por ser um alguém de certa forma alheio a tudo também.
Rachel busca a voz que a engravidou, mas o destino a leva para uma descoberta maior. De fato o longa se assemelha a um conto de fadas, mas é isso que gera beleza ao filme, o aspecto de inocência em meio a efervescência é algo inacreditável.

O interessante é que cada um pode tirar suas próprias conclusões, existem várias pistas sobre quem a deixou grávida, o filme não quebra a aura singela com respostas tristes.
"A Fita Azul" é uma releitura ao milagre de Maria, e disserta de forma sutil sobre questões religiosas, fundamentalismo e o fervor exacerbado que gera a alienação.
É um exemplar original, sem dúvidas uma amostra vigorosa de criatividade. O elenco é ótimo, Júlia Garner como Rachel esbanja delicadeza, a pureza dela é tão linda que desejamos que não seja retirada por alguma verdade devastadora. Rory Culkin como Clyde é rebelde e deslocado, Liam Aiken como Mr. Will faz um papel de mais maduro, quando na verdade ainda nem descobriu-se, suas experiências malsucedidas em Las Vegas demonstram isso. No final cada um faz a sua escolha, algumas coisas são reveladas e outras ficam no ar para nós decidirmos.
O filme é feito de contrastes e descobertas, é preciso embarcar na história, caso contrário não surtirá efeito.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo (Hannah Arendt)

"Hannah Arendt" (2012) de Margarethe von Trotta é um filme admirável e instigante, é uma ótima oportunidade de conhecer um pouco da filósofa que chocou o mundo com suas ideias que fugiam do lugar comum. O filme é muito inspirador a nós espectadores, já que inevitavelmente pesquisamos a respeito após seu término por nos fazer refletir sobre as vertentes do pensamento humano.
A história começa quando Hannah depois de acompanhar o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, ousa escrever sobre o Holocausto como nunca havia sido feito antes. Seu trabalho provoca um escândalo imediato, e Arendt permanece firme enquanto é atacada por amigos e inimigos na mesma medida. Mas enquanto a imigrante judia/alemã luta para romper suas ligações dolorosas com o passado, a sedutora mistura entre arrogância e vulnerabilidade de sua personalidade é exposta, revelando uma mulher lapidada pelo exílio.
O filme foca no episódio marcante no pós-segunda guerra mundial, quando Hannah pede para a revista The New Yorker enviá-la como correspondente a Jerusalém para escrever um artigo sobre o julgamento do nazi Adolf Eichmann, que era encarregado de levar os judeus aos campos de concentração para serem executados. Com o fim da Segunda Guerra, ele escapou para a Argentina com o apoio de religiosos da igreja católica, o governo de Israel por intermédio de Mossad, descobriu o nazista em Buenos Aires, sequestrou-o e levou-o para julgá-lo em Jerusalém, julgado foi enforcado na prisão de Ramlet em 1962. Durante o julgamento Hannah vai compreendendo algo que os outros não viam, o que ela descreveu como a banalidade do mal, não caracterizando o mal em si, mas o ser humano, Eichmann não era um monstro, ele era um homem qualquer, desprovido de pensamento e que simplesmente executava ordens diante a um líder que lhe dava uma direção. Hannah foi muito criticada e suas ideias geraram uma grande controvérsia na comunidade judaica internacional, até os seus amigos viraram as costas, principalmente quando disse que muitos judeus, como o M.C Rumkowski contribuíram para o holocausto.

Barbara Sukowa está magnífica em seu papel, a postura e a precisão das palavras ajudaram muito para a densidade do filme, que consegue abranger tanto a vida pública e pessoal de Hannah, como o processo de escrita do artigo sobre Eichmann, todo o seu pensamento filósofo-político, e a mulher amável com seus amigos e marido, também mostra a relação marcante que teve quando mais nova com o filósofo Heidegger, que acabou se filiando ao regime nazista.
O pensamento mór que o filme expõe é que a banalidade do mal não está nos indivíduos de índole má, mas no homem que abre mão de pensar e refletir sobre seus atos, assim perdendo a noção de humanidade, a moral também se perde. Hannah viu na figura de Eichmann um ser humano normal que se absteve de questionar as ordens, no que tornou o crime do holocausto em algo banal e a morte de milhões de pessoas supérfluas, segundo Hannah ele era uma pessoa medíocre incapaz de ver a enormidade de tal horror. Quando um dos juízes pergunta a Eichmann se nunca vivera uma contradição entre o dever e a consciência, ele responde que o dever sempre estava acima.

"Hannah Arendt" é um ótimo filme que disserta sobre a natureza humana e o como não pensar é nocivo. A obra retrata um episódio interessante e conturbado desta mulher que foi odiada por colocar seus conceitos em voga, é um recorte da História que merece atenção, principalmente para incentivar a reflexão sobre um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.
Os estudos de Hannah são questionáveis por trazer perspectivas diferentes, e isso é bom, a discussão agrega. O filme não te faz tomar partido, apenas mostra ideias virtuosas desta que foi uma grande pensadora do século XX.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pelos Olhos de Maisie (What Maisie Knew)

"Pelos Olhos de Maisie" (2012) adaptado da obra homônima de Henry James é um filme cujo tema é o retrato de uma triste realidade, crianças que são alvos do egoísmo de pais que parecem nunca estarem satisfeitos com a vida. O livro de Henry James foi publicado em 1897, o que demonstra que histórias assim sempre existiram, é algo atemporal, e é necessário expô-las de modo que gerem reflexões. Colocar filhos no mundo é muito fácil, mas ser pai e mãe exige estrutura emocional, tempo, paciência, entre outras coisas. O filme nos faz lembrar daquele velho ditado: "Pai e mãe não é aquele que coloca no mundo, mas sim aquele que dá amor."
A história gira em torno do conturbado divórcio dos pais de Maisie (Onata Aprile), uma garotinha de sete anos que tenta entender o que se passa. De um lado a mãe, Susanna (Julianne Moore), uma estrela do rock. Do outro o pai, Beale (Steve Coogan), um influente galerista. Em meio a tantas brigas e disputas judiciais, Maisie recebe carinho de sua babá Margo (Joanna Vanderham), que inicia um relacionamento com o pai da menina, e de Lincoln (Alexander Skarsgard), o namorado de sua mãe. No decorrer Maisie vai encontrando um novo significado para a palavra família. Enquanto sua mãe completamente desestabilizada segue em turnê, e seu pai workaholic viaja, Maisie fica aos cuidados ora de Margo, ora de Lincoln.
O interessante é justamente que tudo isso é mostrado sob o olhar da pequena Maisie, as cenas em que ela vai pra casa do pai que a trata com frieza, e depois pra da mãe com aqueles ataques histéricos mostra o quanto eles são egocêntricos. Já Margo vai nos encantando aos poucos com toda sua preocupação, e Lincoln que de início parece imaturo conquista por sua delicadeza. É claro que os relacionamentos tanto do pai de Maisie com Margo, e o de Susanna com Lincoln não vão pra frente, então a situação fica mais complicada, pois mesmo assim Margo e Lincoln cuidam da menina. Várias cenas exibem o quanto ela fica perdida, em uma delas uma moça do bar em que Lincoln trabalha a acolhe, é de cortar o coração.

O filme discute o conceito família, que não significa apenas ter o mesmo sangue, mas sim a troca de amor, a sensibilidade, o vínculo. Maisie lindamente interpretada por Onata Aprile é uma criança doce, carinhosa e que se expressa com o olhar, mesmo com o caos ao seu redor ela continua dentro de uma aura inocente, sem jamais demonstrar qualquer tipo de revolta, ela aceita as gotas de amor que vai recebendo. Vale ressaltar essa personalidade que ganha a nossa atenção e nos faz odiar ainda mais esses pais egoístas, pois como pode alguém não gostar de uma criança tão amável como Maisie?

Apesar do drama é um filme leve que nos faz pensar sobre o como uma criança lida com todo esse universo conturbado do adulto. Para quem tem filhos é bom analisar o quão distante tem sido deles, sendo individualista olhando somente pelo próprio ângulo, ou achando-se presente dando apenas bens materiais, também serve para aqueles que desejam ter filhos, pois é necessário se desprender de muitas coisas para dar o que uma criança precisa. Maisie teve sorte em encontrar pessoas tão boas em sua vida, mas quantas outras crianças estão na mesma situação sem ninguém para auxiliá-las?
É muito válido ao trazer um tema que acontece aos montes na sociedade. Delicado, "Pelos Olhos de Maisie" é um filme necessário.