quarta-feira, 27 de maio de 2015

Samba

"Samba" (2014) dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache (Intocáveis - 2011) diz sobre a imigração na França, e apesar do teor dramático é impossível tirar o sorriso do rosto durante o filme todo.
Samba (Omar Sy) é um imigrante do Senegal que vive há 10 anos na França e, desde então, tem se mantido no novo país às custas de empregos pequenos. Alice (Charlotte Gainsbourg), por sua vez, é uma executiva experiente que tem sofrido com estafa devido ao seu trabalho estressante. Enquanto ele faz o possível para conseguir os documentos necessários para arrumar um emprego digno, ela tenta recolocar a saúde e a vida pessoal no trilho, cabendo ao destino determinar se eles estarão juntos nessa busca em comum.
Acompanhamos Samba e a sua rotina, a luta pela dignidade em um país que pouco se importa, a realidade é triste e todos os dias vai em busca de pequenos trabalhos afim de conseguir sobreviver, onde a mudança de nome é algo recorrente. Omar Sy brilha em seu personagem, é extremamente carismático, seus olhos exprimem tanta sensibilidade que nos apaixonamos pela sua história. É um filme que sabe extrair beleza de um tema difícil e o melhor do ser humano, como a vontade, o amor, a alegria, e a coragem.
Charlotte Gainsbourg é Alice, uma mulher que sofreu um stress (burn out) muito grande no trabalho e acabou sendo afastada e tenta se recolocar na sociedade, ela conhece Samba trabalhando como voluntária numa ONG, lá seus mundos distintos se encontram e se gostam. Cada um está quebrado à sua maneira. Em um dado momento Samba diz a ela que tem medo de um dia esquecer quem ele é por causa de tantas mudanças e a necessidade de não demonstrar que é um imigrante, aí Alice diz que é só gritar seu nome, pois todos vão pensar que quer dançar. São esses momentos por exemplo que o filme nos fisga, são recheados de emoção e tanto o choro como o sorriso aparece.
Não é uma situação agradável de ver, os centros de empregos atulhados, todos desesperados pra conseguir um bico que contratam ilegais e pagam salários baixos, os esteriótipos criados, como senegaleses só servem para obras, não para lavar janelas, a perda de identidade, de vida. Em solo europeu são invisíveis, desprezados, mas fazem todo tipo de trabalho pesado que muitos lá não fazem e enquanto isso convém para o governo fingem não ver, até que decidem por algum motivo fazer uma limpeza e devolvê-los.

Outro personagem que se destaca na trama é Wilson (Tahar Rahim), que assume o papel de brasileiro, ele rouba a cena toda vez que surge com o seu jeitinho à la brasileira, sempre com um sorriso no rosto e um "tudo bem". Surpreende em vários momentos ao declarar que os brasileiros são aceitos com mais facilidade, mas o que vemos é uma extrema força de vontade desses imigrantes que preferem ficar num país ilegalmente do que voltar para seus lugares de origem e enfrentarem o triplo de miséria e desemprego.
Vale destacar a trilha sonora que dá mais vida ao filme e para fazer jus ao título contém músicas brasileiras, como "Palco", de Gilberto Gil, e "Take It Easy My Brother Charles", de Jorge Ben Jor, também tem Tom Odell, o reggae de Bob Marley e os acordes melancólicos do pianista e compositor italiano Ludovico Einaudi.

"Samba" é um filme leve, mas não deixa de ser crítico, tem atuações impecáveis, um roteiro despretensioso e traz principalmente à tona o ser humano que não desiste, a sua busca pela dignidade sempre com brilho nos olhos e a esperança que nunca cessa independente dos momentos tristes e desesperadores.
Uma bela obra dessa dupla de diretores que mais uma vez soube extrair sentimentos bons de situações desagradáveis. É um filme pra sorrir e chorar ao mesmo tempo!

terça-feira, 26 de maio de 2015

Pessoas-Pássaro (Bird People)

"Pessoas-Pássaro" (2014) dirigido por Pascale Ferran (Lady Chatterley - 2006) é um filme que disserta sobre a liberdade e no como este conceito se diferencia de indivíduo para indivíduo. Interessante e diferenciado é preciso embarcar na ideia, principalmente quando envolve a personagem Audrey, que tem a necessidade de experimentar, de entrar e descobrir as pessoas, é a parte mais subjetiva do filme.
A história começa com um prólogo que ganha o espectador de imediato, pessoas indo e vindo dentro do metrô, onde apenas os pensamentos são captados, algo tão rotineiro exposto de um jeito simples, mas que diz muitas coisas. As pessoas se preocupam, olham umas para as outras, escutam música, conversam no celular, todas em seus próprios mundos. Dá pra fazer diversas análises só com esse começo, por exemplo no que diz respeito ao distanciamento entre os seres humanos.
Acompanhamos dois personagens, Gary (Josh Charles), um executivo americano que vai à França a trabalho e submetido a pressões tanto profissionais quanto familiares decide abandonar tudo e mudar radicalmente sua vida, Audrey (Anaïs Demoustier), uma jovem camareira de hotel que vive entre o devaneio e a depressão. Dois seres díspares, cada um sofre à sua maneira, mas ambos sentem-se enclausurados. Gary já não aguenta mais sua vida de viagens e prazos e a sua decisão de mudar inclui deixar sua família, é uma necessidade egocêntrica, mas legítima. A liberdade para Gary é mais concreta, não temos dificuldade em entendê-la, ele é um homem de uma classe social privilegiada que não usufruía e apenas viajava a trabalho, o abandono de tudo é compreensível, inclusive de sua esposa controladora, o término acontece via Skype, uma amostra de que valores e sentimentos são esmagados pela praticidade que nos rodeia e que dá uma sensação ilusória de liberdade. Já Audrey é sufocada pelas horas extras e pelos hóspedes que nunca respondem o seu bom dia, ela anseia por descobrir as pessoas, os seus olhos sempre estão curiosos, a imagem dela entrando nos quartos para limpar e abrindo um pouquinho a janela fica marcado, assim como a vista para o aeroporto e os aviões indo ao encontro das nuvens.
A narrativa é fragmentada e crítica, não há nada nesse filme que seja desperdiçado, é minucioso em seus detalhes, cada gesto e olhar permite que o espectador reflita sobre o meio em que vive e aonde é que sua liberdade se encaixa.
Apesar de conter elementos que não agradem o grande público, como a inserção de algo fantasioso em meio ao drama, não é um cinema totalmente experimental, ele é bastante explicativo até, e o que parece ser surreal é uma grande reflexão sobre nossa existência, a vontade de alçar voos verdadeiros, construir relações com valores reais ao invés de virtuais, respirar não só por uma fresta, e principalmente nos permitir olhar com mais afinco nossas atitudes e para onde a vida está nos levando.

"Pessoas-Pássaro" aborda temas como solidão, insatisfação, a realidade claustrofóbica e sem graça e a liberdade que cada um almeja. É um filme que chega diferente para cada pessoa, mas sem dúvidas uma obra curiosa e excelente ao que se propõe, embarque na atmosfera e fique atento aos detalhes, metáforas e situações corriqueiras, há muitas coisas escondidas e que podem ter diversas interpretações.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Coração Mudo (Stille Hjerte)

"Coração Mudo" (2014) do dinamarquês Billie August (Marie Krøyer - 2012, Trem Noturno para Lisboa - 2013) é um filme que reflete sobre a eutanásia, diversos aspectos são apontados na trama, como a aceitação, o sofrimento e incertezas da família diante a tal fato. Emocionante em vários momentos é preciso assistir sem julgar as atitudes dos personagens, pois não é uma situação fácil.
Três gerações de uma família se encontram na casa da matriarca para um fim de semana. Doente terminal, ela está decidida a acabar com sua vida naquele domingo e, por isso, deseja dar o adeus final a seus entes queridos. Sanne e Heidi, suas filhas, já concordaram em acatar a decisão da mãe de partir antes da doença se agravar, mas a proximidade com o fim faz da decisão algo cada vez mais difícil de lidar. Enquanto o fim de semana progride, antigos conflitos voltam a atormentá-los. Esther (Ghita Norby) sofre de esclerose lateral amiotrófica, Poul (Morten Grunwald), seu marido, que é médico informa sobre o como a doença irá acabar com ela em questão de pouco tempo, não terá mais os movimentos do corpo, perderá a consciência e no fim precisará de ajuda até para respirar. Diante disso, ela toma a difícil decisão do suicídio assistido. Com o consentimento de todos da família farão uma despedida num fim de semana e quando o momento chegar Poul fará que a morte pareça natural, já que a eutanásia é proibida na Dinamarca, aliás poucos países a permitem, dentre eles está a Holanda, Bélgica, Suíça, Alemanha, e alguns estados americanos.
Acompanhamos a chegada de Heidi (Paprika Steen) com o marido Michael (Jens Albinus), e o filho (Oskar Saelan Halskov), Sanne (Danica Curcic), com o namorado Dennis (Pilou Asbæk), além de uma grande amiga (Vigga Bro) da família. Cada um lida à sua maneira, mas respeitam o desejo de Esther, Sanne, a filha mais nova que sofre de depressão é dona de um dos momentos mais tensos e emocionantes do filme, ela se arrepende de não ter convivido muito com a mãe, Heidi é aparentemente mais forte, só que ela acaba descobrindo algo sobre a família que jamais poderia imaginar, vai ligando os pontos, e de repente desaba. As pessoas dentro da casa vão sofrendo um tipo de metamorfose ao longo, quem parecia forte fica frágil e vice-versa.
Algumas cenas chegam a ser bem tocantes, como a do neto explicando para a avó o que é facebook e ela lhe ensinando o como convidar uma menina pra sair, mas é um filme contido, e apesar de tratar de um assunto sensível é bastante frio. Emociona em poucas partes e outras consegue nos fazer rir, como a cena em que todos fumam maconha na sala com Dennis, onde muitas coisas são esclarecidas, esse personagem propõe ao espectador um olhar diferenciado da história.

A fotografia é linda e prima por tomadas fechadas que valorizam pequenos detalhes, os dedos de Esther passando pelos móveis, seus olhos se despedindo do ambiente, e a cena mais bonita que é quando chega o domingo e ela acorda e decide cochilar de novo para ter novamente a sensação de despertar.
Todos iremos morrer, a única diferença é que eu sei o dia exato, fala Esther num momento de apreensão daqueles que ama. Alguns conflitos se dão entre eles, inseguranças, medos, mas sobretudo o que fica é o respeito à dignidade de Esther, dela poder escolher morrer bem.
"Coração Mudo" é um filme que não apela e mostra-nos de maneira sutil o como temos dificuldade em lidar com a finitude da vida, mas quando confrontados por uma doença que tirará tudo de nós sem que algo possa ser revertido, sem dúvidas, a morte é a melhor escolha.

sábado, 23 de maio de 2015

A Pequena Morte (The Little Death)

 
"A Pequena Morte" (2014) dirigido por Josh Lawson é um filme muito bem elaborado e retrata com bom humor as estranhezas da vida sexual de vários casais que moram em Sydney. Pequena Morte é um termo que significa orgasmo, essa é uma ótima definição para traduzir o que acontece nesse instante inexplicável e transcendental. É um filme que exibe fetiches esquisitos e até difíceis de acreditar que existam, mas o ser humano é realmente uma caixinha de surpresas e quando envolve o sexo pode ser ainda mais surpreendente.
O longa dá início quando Maeve (Bojana Novakovic) diz a seu namorado Paul (Josh Lawson) que quer ser estuprada, uma fantasia que o pega desprevenido, mas como é um cara legal e amoroso começa a elaborar meios de que o estupro aconteça como ela deseja, só que isso tudo vai ganhando contornos estranhos e Paul começa a não enxergar limites. A segunda história traz Daniel (Daniel Malcolm) e Evie (Kate Mulvani), que estão passando por um momento complicado no relacionamento e buscam na terapia alguma solução, o terapeuta sugere que eles saiam da rotina e tentem ousar mais na hora do sexo, como por exemplo, interpretar personagens, no começo tudo vai bem, mas no fim das contas nada mais tem a ver com sexo.
Em seguida vem a mais bizarra, Richard (Patrick Brammall) e Rowena (Kate Box) estão tentando ter um filho há muito tempo, em uma consulta à médica lhe pergunta se ela está tendo prazer, pois assim as chances de engravidar aumentam, a questão é que após descobrir uma tara (dracofilia) em que consiste em se excitar ao ver seu marido chorando, ela entra numa teia de mentiras para poder vê-lo triste e assim usufruir da pequena morte

A quarta segue o casal Phil (Alan Dukes) e Maureen (Lisa McCune), que vivem um casamento aos pedaços, ela nem sequer olha para o marido e ele acaba tendo que se satisfazer a seu modo, aproveitando os momentos noturnos enquanto a esposa dorme para poder ficar mais perto e acariciá-la, mas por causa disso sempre dorme no trabalho, o chefe lhe dá um remédio para que ele durma tranquilo, mas sem querer quem o toma é a sua esposa, e então toda noite Phil oferece um chá contendo o tal remédio e completamente desmaiada a curte romanticamente.
E a última e mais interessante é sobre Monica (Erin James), que trabalha sendo a intermediária de ligações de pessoas surdas através do Skype. Em uma noite Sam (T.J. Power), um solitário, pede para que ela faça uma ligação para o telessexo e que traduza a conversa, mas o que de início parecia estranho vai se transformando num agradável momento, esta é a história mais singela. Também há um personagem que passeia pela trama, recém-saído da cadeia por abuso sexual ele tenta conquistar esses casais através de um doce que os remete à infância.
Apesar de toda a ironia que faz com que a abordagem seja engraçada, não deixa de discutir seriamente sobre o sexo e o quanto ele significa e varia de casal pra casal, além de expor o quão único e individual é a sensação de se ter um orgasmo.

É preciso salientar que este é um trabalho como poucos, pois saber dosar a comédia e o drama com o tema sexo é algo que não vemos muito por aí. De forma inteligente e irônica retrata que quando o fetiche se torna o único meio para se ter prazer há alguma coisa errada, na verdade já não importa o parceiro, mas sim apenas a realização do fetiche, o caso de Daniel é bem explícito neste ponto.
As histórias vão se entrecruzando ao longo e o desfecho se dá de forma inesperada, uma boa sacada e que foge de todas as nossas especulações em torno de alguns personagens. Vale destacar a trilha sonora que conta com "Mr. Sandman", de The Chordettes, "Beautiful Dreamer", de Roy Orbison, "Nagasaki", de Mills Brothers, "The Air That I Breathe", de The Hollies, etc...
"A Pequena Morte" é um filme diferenciado e que garante boas risadas e uma reflexão sobre as estranhezas sexuais que existem e o como elas podem colaborar ou destruir relacionamentos.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

3 Idiotas (3 Idiots)

"3 Idiotas" (2009) dirigido por Rajkumar Hirani está entre os melhores filmes indianos sem dúvidas. Como é de se esperar de uma produção Bollywoodiana a duração tem quase 3 horas e a mistura de gêneros se faz presente, há boas doses de comédia, drama, e claro as partes musicais que se encaixam perfeitamente e que são impossíveis de tirar da cabeça. O roteiro é elaborado e não deixa nada sobrando e olha que a história dá muitas voltas, também não deixa a desejar quanto à crítica sobre a competição entre os seres humanos e às instituições de ensino e seus métodos.
Aamir Khan é a grande estrela, e mais uma vez nos dá o prazer de ver um personagem construtivo. No recente "PK" (2014), ele reflete sobre as mais diversas religiões de maneira ampla e pura. Em "3 Idiotas", Farhan (R. Madhavan) e Raju (Sharman Joshi), embarcam numa jornada em busca de seu amigo desaparecido, Rancho (Aamir Khan). Durante a viagem, eles se deparam com uma antiga aposta, um casamento que precisam arruinar e um velório que foge do controle. Em meio a tais peripécias, outra viagem se inicia, uma jornada através do tempo e da história do amigo desaparecido, Rancho, que com seu jeito único mudou completamente a vida dos dois; o amigo que os inspirou a pensar com criatividade e independência, mesmo quando o resto do mundo os chamava de idiotas, mas onde estaria o idiota original agora? Quem seria ele? Por que ele partiu? Para onde ele foi?
Uma coisa deve ser dita, não se engane pelo título, é uma crítica inteligente e por muitas vezes emociona nos fazendo pensar sobre a nossa vida e nossas prioridades. O enredo mescla um road movie com flashbacks explicando-nos quem é Rancho e o porquê estão atrás dele. Rancho é diferente, inteligente, gosta muito de aprender e é questionador, principalmente aos métodos de ensino da faculdade. Os três amigos, os idiotas da história cursam engenharia e o rígido professor não dá tréguas, tem um discurso certeiro sobre competição e o como a faculdade em que estão é a melhor. A história vai seguindo mostrando detalhes do período da faculdade e também a busca por esse amigo tão querido que sumiu após se formar. O fato é que a narrativa prende o espectador e surpreende por ter tantas cartas na manga.

O cinema indiano se difere dos outros, é vivo, e isso se dá pela importância das cores utilizadas e das músicas inseridas que fazem parte do contexto. Você chora e ri de um minuto a outro. Essa característica tão marcante permite que o espectador experimente diversas sensações no decorrer do filme.
O diretor e professor Viru Sahastrabudhhe (Boman Irani), apelidado de ViruS é caricato, mas representa bem o perfil de professor que repudia qualquer pensamento que fuja de seus métodos rígidos e limitados. Ele amedronta e causa danos nos alunos devido ao seu caráter. Ele vive dizendo que a vida é uma corrida e trata-os como máquinas complicando o fácil e dificultando o aprendizado. Outro personagem recorrente é Chatur (Omi Vaidya), o típico aluno que passa de ano decorando e que nada aprende, ele é irritante e é óbvio que não gosta de Rancho que vai contra a tudo isso. E se Rancho não é bem visto, a situação dele piora quando se envolve com Pia (Kareena Kapoor), a filha de Viru.
A amizade retratada é encantadora, os três sempre se ajudam independente de qualquer coisa, a crítica é imensamente válida e com certeza é um filme que deve ser visto pelos educadores e os alunos, pois disserta sobre os métodos de ensino, como o decoreba que não acrescenta nada e apenas garante um diploma e o desperdício do potencial de cada indivíduo, além da pressão da escolha da profissão sem pensar no que gosta.

A trilha sonora é maravilhosa e agrega bastante à trama, especialmente a que diz: "Está tudo bem". 
"3 Idiotas" reflete vários assuntos, como a importância da amizade, a não desistência de seus sonhos apesar das dificuldades, valores que precisam ser resgatados, como a gentileza, lealdade e amor pelo próximo, o não deixar-se influenciar pelas opiniões e não permitir que regras impostas determinem o que você vai ser. 
É um filme leve, empolgante e crítico na medida exata, é mais um belíssimo exemplar do cinema indiano. Recomendadíssimo!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Faults

"Faults" (2014) dirigido por Riley Stearns tem uma premissa bastante interessante e consegue fazer com que mergulhemos no universo dos personagens. Na trama, Ansel Roth (Leland Orser) é um homem que ganha a vida tratando de pessoas que sofreram algum tipo de lavagem cerebral, mas que se encontra em decadência. Quando um casal de idosos pede o seu auxílio para ajudar sua filha (Mary Elizabeth Winstead), que entrou para um culto, ele vê uma oportunidade para reerguer sua carreira.
Ansel é um sujeito que resgata mentes que sofreram lavagem cerebral, mas sua reputação não é das melhores desde um caso malsucedido, além também de dever muito dinheiro. Ninguém se interessa por suas palestras, livros e ele precisa criar meios até para comer. Certo dia, um casal de idosos pede ajuda para sua filha, que sofreu uma lavagem cerebral de um grupo denominado "Faults". Desesperado e otimista ele aceita o trabalho e articula um plano para "sequestrar" a moça e começar então o processo.
Criativo e chamativo, o roteiro segue de forma estranha, mas impressiona justamente por nos enganar. É preciso embarcar na história, o protagonista ansioso por ter sua vida de volta, respeito e dinheiro não percebe o que acontece a sua volta, e isso é pela importância que dá ao seu suposto conhecimento.
O charlatanismo religioso está por aí e é preciso ficar atento, já que todos nós uma hora ou outra se sente frágil, inútil e sozinho, uma pessoa com uma lábia afiada afim de se dar bem em cima disso é capaz de ludibriar, há exemplos infinitos, como promessas de milagres, o reino de Deus em troca do dinheiro, previsões de futuro, etc. Incrível como a palavra tem o poder de mudar tudo tirando proveito em cima da fraqueza alheia. Claro, o filme não pretende julgar nenhuma religião, mas sim a essas práticas que muitos desenvolvem.
Ansel causa repulsa logo no início, mas nossas emoções vão mudando ao desenrolar, ele realmente quer ajudar a moça, mas a sua situação não é das melhores para dar apoio a alguém, e aí é que o roteiro brinca e surpreende em seu final.

O longa se disfarça de thriller, mas em sua essência é muito crítico e inteligente, nos elucida sobre o como o charlatão se utiliza das falhas e fraquezas dos outros para poder se dar bem sem que nada soe falso. Basta algumas palavras certeiras e o estrago está feito, por isso é necessário que nos conheçamos, que olhemos para dentro e saibamos dos nossos defeitos e qualidades, para que nas situações de extrema sensibilidade não deixemo-nos levar.
"Faults" brinca com o espectador e ao final nos abre os olhos e diz o quanto é fácil enganar. Um filme que merece atenção e que sem dúvidas deve ser revisto.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ele Tirou Sua Pele Por Mim (He Took His Skin Off For Me)

"He Took His Skin Off For Me" (2014), curta-metragem dirigido por Ben Aston foi um trabalho de conclusão para a faculdade London Film School, demorou cerca de 2 anos para ficar pronto e recebeu apoio financeiro coletivo para a criação.
Baseado no conto de Mary Hummer, a história acompanha um homem que decide tirar toda a sua pele achando que é isso que sua esposa deseja que ele faça. E é isso mesmo que ela quer. Mas sua atitude logo prova que as consequências não serão boas para os dois. A relação do casal não será nunca mais a mesma.
O interessante é que todos os efeitos visuais foram feitos manualmente, não há nada digital. É um trabalho caprichado. Tem um vídeo que explica todo o processo, o ator Sebastian Armesto ficou cerca de oito horas sentado para ficar pronto.
A sensação que o curta promove é de agonia e perturba bastante, ele retira sua pele pela amada e no início ela adora, o acha mais bonito, mas essa transformação vai tornando-se complicada de lidar, ela precisa conviver com as consequências desse novo homem, a sujeira constante pela casa e nos lençóis brancos, os clientes que não aparecem e as contas aumentando, enfim...
O que acontece é que o relacionamento vai minguando, as situações constrangedoras só aumentam e a única maneira de salvá-lo é ela se transformar também, mas isso exige um bom tanto de coragem.

De forma bizarra e metafórica o curta permite que o espectador reflita sobre o doar-se ao outro completamente, e o poder que o companheiro exerce sobre você lhe pedindo coisas que acabam destruindo sua própria identidade, e que na verdade nada tem de amor.
A pergunta que o curta deixa é: Será que ela faria o mesmo por ele?

"He Took His Skin Off For Me" está disponível no Vimeo, ative as legendas e surpreenda-se com este incrível trabalho capaz de promover as mais diversas sensações.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Uma Notícia Inesperada (Obvious Child)

"Obvious Child" (2014) dirigido por Gillian Robespierre é uma comédia romântica como poucas, o drama e a comédia se dá muito bem trazendo o tema aborto de uma maneira diferente, madura e sem qualquer espécie de dogmas. 
Somos apresentados a jovem Donna Stern (Jenny Slate), uma irreverente comediante stand-up, ela costuma levar os problemas da vida pessoal aos palcos, o que causa desconforto em seu namorado, que não demora-se a descobrir que a trai com uma mulher mais dentro dos padrões. Desolada e sem rumo se afunda, mas numa noite acaba conhecendo Max (Jake Lacy), um rapaz gentil, com bons modos e tímido, o completo oposto de Donna, que fala o que dá na telha sem pudor algum, suas piadas geralmente são escatológicas e seu visual é sempre desleixado, o fato é que os dois se dão bem e bebem a noite toda, dançam e fazem sexo, o resultado de tudo isso é uma gravidez indesejada, o que a deixa mais ainda na fossa.
Todo o drama envolvendo a protagonista nos é mostrado em detalhes e a forma como reage a eles é especialmente cativante, criamos uma empatia justamente por ela ser tão autêntica. A ideia do aborto aparece naturalmente e consegue fazer com que analisemos a situação, em todos os quesitos Donna está despreparada e o aborto se torna a alternativa certa. Interessante o jeito simples, honesto e inteligente com que o tema foi inserido.
O aborto é logo a alternativa pensada, mas isso não quer dizer que Donna não se sinta confusa, mas como dito, todos os seus pensamentos nos são expostos e compreendemos que é melhor assim. Ela tem o apoio da mãe, da amiga e ao final até de Max, que descobre sobre a gravidez ao ver Donna falar em seu show. O ponto forte da trama é a maravilhosa interpretação de Jenny Slate, sempre com diálogos pontuais e divertidos, ela faz graça da sua desgraça. A personagem foi feita na medida exata para a atriz.
"Obvious Child" é um filme que dá a possibilidade do espectador olhar por outra perspectiva, sem dogmas, esteriótipos ou outros tantos empecilhos que envolvem esse assunto tão condenável. 

O filme é uma comédia romântica subversiva, a fórmula tão comumente utilizada é quebrada e vemos um início de romance mais real, e o que efetivamente ajuda é que tudo é exposto sob o ponto de vista feminino, mostrando que a escolha é da mulher. Não existe julgamento por parte de nenhum personagem, mas isso não quer dizer também que é um filme pró-aborto, ele é corajoso e simplesmente levanta a questão permitindo que o espectador pare para pensar. É um ótimo exemplar do cinema independente norte-americano!

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Hamaca Paraguaya

"Hamaca Paraguaya" (2006) dirigido por Paz Encina é um marco do cinema paraguaio, já que desde 1978 não se produziu nada no país, sendo o último filme feito "Cerro Cora", de Guillermo Vera. É um filme que exige o máximo de atenção do espectador, pois a narrativa e a estética foge completamente dos padrões. Cinema autoral da melhor qualidade e rica experiência para quem aprecia cinema.
Em 1935, num lugar remoto do Paraguai, o casal de idosos Cândida e Ramón espera pelo filho que foi lutar na Guerra do Chaco. Faz muito calor, e eles também anseiam por chuva, que foi anunciada, mas nunca chega, assim como também o vento, que nunca sopra. Ele corta cana, ela cuida da casa, e o cachorro nunca para de latir. Eles continuam esperando por tempos melhores. Ramón é otimista, Cândida acredita que o filho já esteja morto. As cenas repetem-se monotonamente a cada dia.
Falado em guarani "Hamaca Paraguaya" retrata a inércia e a monotonia, são longos planos em câmera fixa e quase sempre distantes e diálogos que nada tem a ver com o que se passa em cena, como quando Ramón corta cana sozinho e o diálogo que acontece é do filho se despedindo para ir à guerra do Chaco (Guerra entre Paraguai e Bolívia). 
O som ambiente ajuda na extrema naturalidade, o ruído dos pássaros que nunca são enxergados por Ramón devido as nuvens carregadas, os trovões que anunciam a chuva que nunca vem e os latidos incessantes do cachorro. A hamaca (rede) foi o símbolo que a diretora usou para metaforizar a paralisia do país e do povo paraguaio, a constante espera de algo e a acomodação por causa medo.
O filme disserta sobre o tempo, a velhice, o amor. Uma obra impressionante e poética. Amargo e doce ao mesmo tempo, assim como a vida. O casal de idosos sofrem pela partida do filho, pela espera, pela quase certeza de não vê-lo mais, mas apesar do tom pessimista do longa, há uma ponta de esperança, como a chuva ao final representando dias melhores. Pouco acontece, quase sempre estão reclamando, seja da rede estar velha, do vento que não sopra, do cachorro que ora late demais, ora está quieto demais, e especialmente do calor.

A repetição das cenas e das conversas dão uma certa angústia, assim como a lentidão com que os personagens exercem suas poucas atividades e no como conduzem as conversas, o cansaço, o tédio, a espera.
É um filme em que o som é tão importante quanto a imagem, e é ele que conta a história, evocando memórias, nos colocando de frente ao presente e deduzindo um futuro. Não é um filme fácil, mas sem dúvidas é daquelas obras que precisamos conhecer, pela sua importância em evidenciar o cinema paraguaio e para saber mais da cultura e História do país. 

Palavras da diretora Paz Encina: "Quando concebi a estética temporal para "Hamaca Paraguaya", decidi que cada imagem duraria todo o tempo que fosse necessário para expressar-se e não o tempo para que os outros o vissem. Em cada plano, os pequenos atos são mostrados de principio a fim: um suspiro que termina, um leque que se abana e acaba por refrescar o ambiente, o canto de uma cigarra, alguém que descasca e come uma laranja em tempo real. O que me interessa é que cada imagem capture não somente a beleza exata das coisas, senão também os momentos precisos que evocam um detalhe perfeito de cada um destes atos, que se observam na totalidade de seu desenvolvimento."
Que o futuro seja generoso e nos traga mais filmes vindos do Paraguai, registrando a realidade do país e do seu povo. Um bom exemplo recente é o "7 Caixas" (2014), criativo e genuíno. 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

O Estranho em Mim (Das Fremde in Mir)

"O Estranho em Mim" (2008) dirigido por Emily Atef é um filme muito angustiante, o drama da personagem vivida pela Susanne Wolff é dificilmente explorado no cinema. Chega a doer de tão real. A depressão pós-parto é um assunto que muitas mulheres evitam, já que amar o ser que sai de suas entranhas é algo intrínseco e natural, e por não conseguir entender a melancolia e a incapacidade que as toma acabam se culpando.
Acompanhamos um jovem casal apaixonado, Rebecca, 32 anos, e seu namorado Julian, 34, estão ansiosamente esperando seu primeiro filho. O mundo deles parece perfeito quando Rebecca dá à luz a um menino saudável. Mas ao invés do amor incondicional que esperava sentir, ela se vê imersa num redemoinho de sensações de impotência e desespero. Seu próprio filho lhe parece um estranho. Com o passar dos dias, fica cada vez mais aparente sua inabilidade para cumprir com as obrigações maternas. Incapaz de admitir seus sentimentos para alguém, nem mesmo para Julian, ela desce ao fundo do poço, a ponto de perceber que está se tornando uma ameaça à criança. Depois de um ataque de nervos, Rebecca é mandada para uma clínica. Lentamente, ela começa a desejar o toque, o cheiro e a risada de seu filho. Talvez um despertar da mãe que há dentro dela.
É um filme particularmente feminino, mas isso não quer dizer que os homens não consigam criar empatia, a direção, a abordagem e a protagonista é de extrema sensibilidade. Rebecca tem um relacionamento e uma vida boa, está feliz pela chegada do bebê, mas após o parto não consegue criar o vínculo esperado, a hora da mamada é o forte indício de que algo está errado, mas como acontece na maioria dos casos a culpa a corroí e não conta para ninguém o que está sentindo, distancia-se do marido, seu semblante se modifica, e de repente sem querer percebe que a criança pode estar em risco na sua presença. Numa caminhada acaba esquecendo o carrinho na rua e pega um ônibus, o estopim para que a internem e daí comecem um tratamento para que se aproxime do filho.

Tenso, "O Estranho em Mim" consegue nos elucidar sobre o problema sem ser didático, há muitas cenas fortes, desconfortáveis e silenciosas que parecem não terminar, uma bela tour de force da atriz que se entregou à personagem com maestria. Além da depressão pós-parto o filme também disserta sobre a falta de comunicação.
A imagem da mãe segurando feliz seu bebê recém-nascido, o amor incondicional, a dedicação integral é demasiadamente exposta, é algo divino e ponto. Excluem-se todas as problemáticas que envolve a experiência de dar à luz. A diretora coloca em pauta o assunto que é considerado tabu e que não se conversa sobre, um momento delicado e de redescobertas para a mulher. 
"O Estranho em Mim" não é um filme de fácil absorção, é duro e chega a ser cruel o desespero que a personagem sofre. Um ótimo exemplar do cinema alemão, maduro, sensível e real.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

O Primeiro que Disse (Mine Vaganti)

"Amores impossíveis não acabam nunca, são os que duram para sempre"

"O Primeiro que Disse" (2010) dirigido por Ferzan Ozpetek é um filme italiano que reflete sobre preconceitos, é uma história linda, engraçada e real sobre o como é difícil se libertar e ser quem se é realmente.
Tommaso é o membro mais jovem de uma extensa família, donos de uma indústria de massas. A família Cantone é formada pela mãe Stefania, uma doce mulher que é sugada pelos hábitos da classe média, o pai Vincenzo, irritado e sempre preocupado com seus descendentes, a excêntrica tia Luciana, a avó rebelde, que ainda chora pelo amor que há muito se foi, a irmã Elena, dona de casa frustrada e o irmão Antônio, que trabalha na fábrica da família. No dia em que a família se reúne para celebrar a promoção que Antônio recebeu na fábrica, Tommaso decide aproveitar a situação para anunciar que é gay.
Vincenzo (Ennio Fantastichini) é o patriarca da família Cantone e está prestes a passar a fábrica para seus dois filhos, Tommaso (Riccardo Scamarcio) que saíra a algum tempo para estudar administração em Roma e Antonio (Alessandro Preziosi) que já toma conta dos negócios. Tommaso ao voltar para o seio de sua família decide contar que é gay e que na verdade estudou literatura e pretende se tornar escritor. Ele acaba contando o segredo antes para seu irmão que o questiona se isso é realmente necessário, mas Tommaso diz que não aguenta mais e precisa falar. No jantar enquanto todos tagarelam ele vai criando coragem, mas no exato momento que ia desabafar é interrompido por seu irmão que rouba totalmente a cena pra si. Eis que o título "O Primeiro que Disse" faz todo sentido, Antonio revela que é gay e que não deseja seguir o negócio da família. É um grande baque, o pai não acredita, diz para parar com a brincadeira, mas quando percebe que é sério o expulsa de casa, infarta e cai duro no chão. A oportunidade de Tommaso contar seu segredo vai por água abaixo e ele se vê precisando tomar conta da fábrica para não ver o pai piorar. Ele não entende nada de nada, pede conselhos a sua irmã que no fundo sabe que ele é gay e sua amiga e sócia da empresa Alba (Nicole Grimaudo), que mexe com seus sentimentos, ela se torna sua amiga, confidente e uma grande relação se forma. Ela é sozinha e é claramente frágil e ainda tem umas manias estranhas. E no meio desta história tem a avó de Tommaso, uma mulher que no passado sofrera por um amor impossível e que tenta salvar o caminho daqueles que ama.
Interessante a maneira que inseriram o tema homossexualidade na trama, leve e inteligente e por vezes até caricata, como quando os amigos de Tommaso junto a seu namorado vão à casa da família inesperadamente visitá-lo. Engraçado o como reagem, pois não sabem e não percebem os trejeitos, ou então preferem não ver.
O filme traz uma bela mensagem de amor e de respeito. A sensibilidade do protagonista e a sua preocupação são exprimidas com muito cuidado, há diálogos muito bons e cenas silenciosas maravilhosas.

"O Primeiro que Disse" utiliza várias características e costumes italianos, como a grande família sentada à mesa com o humor típico exagerado. A cena em que Antonio revela ser gay é memorável.
O mais legal do filme é que ele foge dos clichês que envolvem o tema e apesar da comédia sustenta bem o drama, além de retratar uma história paralela envolvendo a avó que com o seu bom senso sempre diz sábias palavras. Representando belamente o cinema italiano, o longa acrescenta muito sobre o como é importante respeitar as decisões das pessoas e seguir mais o coração ao invés da razão.