quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O Garoto que Come Alpiste (To Agori Troei To Fagito Tou Pouliou)

"O Garoto que Come Alpiste" (2012) do diretor grego estreante Ektoras Lygizos é baseado livremente na obra-prima de Knut Hamsun, "Fome", que retrata a história de um jovem escritor sem teto que mesmo tendo dificuldades de arranjar emprego, andar em farrapos e passar muita fome consegue manter sua dignidade e altivez, é um livro que gera bastante desconforto, é caótico e por vezes confuso, o personagem alucina mas mantém a sua consciência, claustrofóbico é a palavra que o define.
O filme de Ektoras é também uma obra-prima, o diretor consegue já em sua estreia compor algo de imensa valia. Yorgos é um jovem artista, cantor lírico, de 22 anos, mora num apartamento no subúrbio de Atenas, desempregado e sem muitas oportunidades vive de forma miserável, passando fome ele encontra como fonte de alimento o alpiste do qual dá a seu passarinho e única companhia.
O interessante é que Yorgos não é um mendigo, mas uma pessoa como qualquer outra em busca de suas vontades, a cena em que ele fracassa por não saber cantar alemão direito, ou as tentativas de emprego comuns demonstram a sua dificuldade de se integrar. É impactante por ele ser um jovem que tem todos os quesitos para se estabelecer na sociedade, mas o que vemos é a decadência e a fome que cada vez mais aumenta. Não há diferença entre ele com as pessoas que cruzam seu caminho, é como se qualquer um pudesse estar passando por isso, a dignidade é a única que resta.
Mais uma vez o cinema grego acerta em cheio ao expor o drama que a crise da Grécia provocou nas pessoas deixando-as na miséria, há vários filmes com esse enfoque, como o perturbador "Miss Violence", de Alexandros Avranas.
O longa causa muito desconforto, a câmera é praticamente colada ao personagem, o que nos faz chegar bem perto de sua sufocante situação. Yiannis Papadopoulos se entregou a um personagem difícil com maestria, ele passa sentimentos intensos para quem assiste a sua trajetória. Em certo momento ele prova de seu próprio sêmen, a cena é considerada polêmica, mas não foge do contexto, é um ato desesperado, assim como ao entrar no apartamento de um senhor já à beira da morte e comer açúcar, o único alimento da casa. Qualquer coisa se torna comestível quando se está com o estômago vazio, no livro de Hamsun o protagonista vive a mastigar pedaços de madeira.
As coisas só pioram para Yorgos, despejado ele se refugia em uma construção da qual esconde seu passarinho a fim de ir procurar alimento, há também uma moça que ele se interessa, espia ela quase sempre e até chegam a se aproximar, não há diálogos, ela o leva até sua casa, oferece comida e começam a se beijar, mas a cena que se segue é assustadora, ao passar a mão nos cabelos de Yorgos sai um tufo, a garota questiona o que acontece, daí ele fala sobre o quanto tempo está sem comer e as sensações que sente. Entristece vê-lo saindo com uma marmita a ponto de chorar, então ele se senta em um local cheio de jovens e come, grita, come e grita...

"O Garoto que Come Alpiste" é filme para poucos, retrata a miséria e a busca pelo último resquício de dignidade, apesar de se passar na Grécia com toda a crise que a cerca, essa história pode acontecer em qualquer parte do mundo, existem muitas pessoas assim como Yorgos que estão sofrendo com a fome e a decadência, e elas podem estar bem perto de nós sem ao menos nos darmos conta.
É uma obra reflexiva, o sistema aprisiona os nossos anseios, quem fica alheio a "realidade" para tentar vivenciar o seu sonho tende a sofrer as duras consequências, pois a fome não é somente saciar as lamúrias do estômago, mas também as da alma.

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