terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Roma

"Roma" (2018) dirigido por Alfonso Cuarón (Gravidade - 2013) é um filme íntimo, pessoal e de um apuro técnico fabuloso. Cuarón faz um registro do México dos anos 70 em que quase tudo foi inspirado em sua infância e em suas memórias de quando vivia no bairro Roma. A obra arrebata ao retratar o cotidiano, as desigualdades sociais e momentos críticos do país de maneira cru e fluida sem qualquer interferência ou crítica, completamente sensorial propõe um exercício de observação.
Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher (Yalitza Aparicio), que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais.
Cleo, descendente de tribos indígenas mesoamericanas, trabalha como doméstica e babá para uma família de classe média e seu mundo se resume a servi-los, aos poucos vamos criando empatia ao observar o quão invisível é tanto dentro da casa, como na sociedade, Cleo cuida das quatro crianças com carinho, desde o momento em que as acorda de manhã até o momento de colocá-las na cama à noite. O filme se inicia com um belo quadro em que água e sabão se misturam e caem finalmente no ralo, a câmera então abre e vemos Cleo esfregando a garagem, que mais tarde o patrão guarda o carro com todo o rigor possível, a câmera faz questão de exibir e passear pelos detalhes, o Galaxie precisa ser manobrado com cuidado, pois quase não cabe no corredor, a roda passa por cima das fezes do cachorro, o que depois gera reclamações para a esposa e esta desconta em Cleo. Sofía (Marina de Tavira) entra em colapso quando o marido não volta mais para casa, sozinha precisa se virar para dar conta de sustentar os filhos e esconder deles o sumiço do pai, isso reflete em Cleo e Adela (Nancy García Garcia), sua colega de trabalho, as duas dividem um quartinho nos fundos e por mais que sejam ativas na vida social da casa não deixam de ser as empregadas, que necessitam de um lar e comida. Diante da situação em que o país passa elas de algum modo estão protegidas, quando vemos os arredores, o lado pobre e a crise se instalando percebemos a vulnerabilidade, a enorme desigualdade. Em dado momento Cleo sai com Adela e aí conhece um rapaz (Jorge Antonio Guerrero), praticante de artes marciais, mais tarde esse romance se revela uma cilada para Cleo, que se vê grávida e abandonada em uma passagem triste e revoltante que acontece dentro de um cinema. 
O filme marca por seus instantes sutis, não há grandes eventos, é o cotidiano se revelando e suas diversas pequenas tramas se instalando, é a dificuldade de Cleo suportar sozinha a carga de estar grávida, de compreender seus conflitos internos, sua invisibilidade na sociedade, o afeto da família que vai até determinado ponto, são inúmeras cenas que fazem esse recorte, de que a barreira nunca será transposta, e tudo isso o filme faz de um jeito ameno, até pelo fato da personagem ter uma personalidade ingênua e observadora,  há uma gama de problemáticas, mas em nenhum momento aponta e julga, fica apenas a reflexão diante das imagens que se desnovelam. 

Cada plano exala beleza, poesia e melancolia, consegue nos inserir à época e nos fazer olhar pelo ângulo da recordação, as tragédias, os conflitos políticos, momentos de dor e sofrimento; Cleo tem uma força imensa mesmo não a transparecendo, existe uma enorme complexidade na relação com as crianças que cuida e com a patroa que lhe trata bem, pois apesar do amor ela está ali para servir, os momentos de carinho são quebrados quando pedem para ela pegar um copo da água, fazer uma vitamina e mais grave ainda não saberem absolutamente nada sobre ela a não ser seu nome. Yalitza Aparicio em seu primeiro papel brilha em cena mesmo contida e é justamente por isso que encanta, Cleo nada mais é que uma espectadora.

Alfonso Cuarón concebeu uma bela obra a partir de suas memórias, além de ser uma rica experiência cinematográfica, seu esmero técnico e a fotografia também feita por ele nos enche os olhos, o preto e branco só ressalta a sensação de estar olhando para o passado, para fotografias antigas. Muitas das situações retratadas ainda sombreiam nosso presente, principalmente na América Latina, não tem como não associar certas passagens com o filme brasileiro "Que Horas Ela Volta?", especialmente da relação patrão/empregado. Em "Roma" o registro é sutil e propõe a apreciação das imagens, sem dúvidas um dos melhores do ano!

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