terça-feira, 19 de março de 2019

Fronteira/Border (Gräns)

"Border" (2018) dirigido por Ali Abbasi (Shelley - 2016) é um filme bizarro e surpreendente adaptado de um conto homônimo do autor sueco John Ajvide Lindqvist (Deixe Ela Entrar), na trama há uma fusão de gêneros interessantes, como romance, fantasia, suspense investigativo e toques de humor, também envolve temas polêmicos e autodescoberta, o estranhamento é algo contínuo e desabrocha para uma certa fascinação em torno da personagem e suas experiências. Um exemplar único que garante sensações e reflexões diversas. 
Tina (Eva Melander) é uma policial que trabalha na alfândega de um porto fiscalizando bagagens e passageiros. Depois de ser atingida por um raio na infância, ela desenvolveu uma espécie de sexto sentido, fazendo com que seja capaz de "ler as pessoas". Isso sempre representou uma vantagem na sua profissão, mas tudo muda quando ela identifica um criminoso em potencial e não consegue achar provas para justificar sua intuição. Após o episódio, ela passa a questionar seu dom, ao mesmo tempo em que fica obcecada em descobrir qual o verdadeiro segredo de Vore (Eero Milonoff), seu único suspeito não legitimado, essa relação a força a confrontar revelações terríveis sobre si mesma e sobre a humanidade.
A trama começa tranquila e acompanhamos a rotina de Tina, em seu trabalho dispensa o uso de detectores de metal e confia plenamente em seu faro, ela sente o cheiro da raiva, da culpa e do medo nas pessoas e assim executa seu trabalho com todo o rigor, fora do expediente gosta de andar descalça pela floresta, ela mora distante e mantém proximidade com raposas e alces, diferentemente dos cães de seu companheiro que latem incessantemente toda vez que chega, seu aspecto gera curiosidade e por conta de ser diferente acaba se fechando, seu único parente é o pai que está internado numa clínica por estar perdendo a memória. Tina segue seus dias normalmente até que ao parar um homem na alfândega encontra com ele arquivos contendo pornografia infantil, logo por conta de seu dom é convidada a auxiliar na investigação de uma possível rede de pedofilia, a partir daí algo muda nela e se sente útil, mas o ponto que dará a virada em sua vida é quando para o estranho Vore e não consegue identificar exatamente o quê procura, sua aparência semelhante a dela chama a atenção e quando voltam a se encontrar inicia-se uma aproximação que fará Tina se descobrir e experimentar o mundo de outra forma, além de decidir aonde se encaixa nisto tudo. 

Tina e Vore acabam criando um vínculo curioso, pela primeira vez ela se sente bem com alguém e escuta com afinco tudo que seu misterioso amigo lhe conta sobre a natureza deles, a aceitação de si mesma e o enlace com sua essência vai acontecendo sob formas bizarras e sensíveis, Vore a ajuda nesse quesito, lhe dá a direção e a faz acreditar em sua força, só que aos poucos seu personagem vai se revelando e o que não tinha identificado no começo enfim se mostra, ela percebe que o mundo que quer viver não é o mesmo de Vore, ainda que sejam parecidos seus princípios são outros, daí surgem reflexões agudas sobre o que significa ser ou não ser humano e nossa tendência para a destruição, a fantasia se mescla com a realidade e exibe com dor e esperança a dificuldade em se autoaceitar diante um mundo repleto de expectativas sociais, se achar dentro desse contexto é difícil e o filme o faz de maneira bonita, porém estranha, em vários momentos causa repulsa, toda a caracterização dos atores e o trabalho primoroso de maquiagem ajuda a conferir esse enjeitamento e mostra o como nosso olhar é programado para ver beleza somente em padrões preestabelecidos. 

"Humanos são parasitas que usam tudo na Terra para sua própria diversão. Mesmo as próprias crias. Estou dizendo, a raça humana é uma doença."

"Border" é uma obra original e abrange assuntos diversos que eclodem em camadas e mais camadas, reflete sobre a monstruosidade que habita nos seres humanos, mas sem perder a esperança; o medo do diferente, a solidão em estar à margem, a dificuldade da autoaceitação numa sociedade que seleciona, e, principalmente, sobre empatia, de desprender-se do olhar comum e destruir as fronteiras que nos separam, o diretor soube com maestria mesclar os gêneros e instigar o espectador, além de incluir pitadas da cultura nórdica. Um exemplar rico em todos os sentidos. Filmaço!

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