sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Manderlay

"Manderlay" (2005) é o segundo filme da trilogia inacabada sobre a América de Lars von Trier, e assim como no primeiro filme intitulado "Dogville" (2003), "Manderlay" é o nome de uma cidade fictícia dos Estados Unidos da década de 30, no estado do Alabama. O filme continua exatamente do ponto onde parou, a partir do momento em que a protagonista Grace deixa a cidade de Dogville acompanhado do pai e dos gangsteres. Grace e o pai descobrem uma antiga fazenda ainda sustentada à base do sistema escravista, que na realidade foi abolida nos Estados Unidos 70 anos antes. A história de fato tem início quando Grace, contra a vontade do pai, resolve tomar a fazenda e implantar a democracia, a liberdade e a justiça no local.
O cenário acompanha a forma que foi feito em "Dogville", também não tem muros, é demarcado por desenhos no chão e só apresenta alguns objetos essenciais na composição dos ambientes. Entretanto, não causa tanta estranheza. A narrativa é feita por capítulos, com um narrador onisciente e irônico. Uma novidade é o deslocamento de Dogville até Manderlay, mostrado através de carrinhos andando sobre um mapa dos Estados Unidos. Grace não é mais vivida por Nicole Kidman, mas por Bryce Dallas Howard. A mudança causa um certo desconforto no início, mas Bryce não fica devendo em nada na interpretação. O que mais choca é a mudança brusca da personagem, que se torna benevolente logo após sua vingança ao final de Dogville.
A personalidade de Grace incomoda, sua bondade no fundo é pura vaidade, e que é alimentada quando faz boas ações, isso nos deixa atordoados, sem saber o que ela é realmente, mas Lars von Trier mostra exatamente isso, o ser humano, e como somos instáveis. Diferente de "Dogville" em que se tem diversas interpretações, neste a crítica aos Estados Unidos é mais direta, porém complexa. O tema é o fim da escravidão, a liberdade que é concedida aos escravos sem que possa ser usufruída, pois está desassociada de condições econômicas igualitárias. A liberdade é apenas ilusória, não tem uma política de integração de fato, através de empregos e salários justos. A liberdade era obtida, mas os fazendeiros se encarregavam de aprisionar os negros novamente, através de dívidas. O sistema de escravidão de Manderlay também se baseia numa filosofia interessante, de classificar os escravos por tipos. A ex-senhora da fazenda tinha um livro em que cada escravo era tipificado, seja como orgulhoso, submisso, ou adaptável, para que a forma de explorá-los fosse direcionada e suas reações fossem previstas. Não é preciso dizer que Grace aproveitou essas dicas. A visão do negro como objeto sexual também está presente no filme. A grande polêmica do filme é a de que a escravidão era aceita pelos negros, de que havia uma submissão destes à exploração, pois assim tinham como viver, sabiam exatamente o que fazer, em vários diálogos fica explícito, por exemplo, a pergunta feita pelo personagem de Danny Glover, em que horas jantam as pessoas livres?, e afirmando que os escravos não estavam preparados para serem livres, pois a sociedade não estaria preparada para recebê-los. E não estaria nem daqui a cem anos. Atenua-se as responsabilidades dos opressores na decisão de cada um daqueles escravos, ao serem passivos. Grace prega a liberdade, levando a democracia, mas na verdade é um outro tipo de opressão.

"Manderlay" trata do tema racismo de maneira cínica, em que na "inocência" Grace quer dar "liberdade" aos escravos, mas ela vê que nem tudo é tão simples de mudar e de que não é nenhuma heroína, e ao final percebe que não tem salvação e foge. Ela queria provar que ainda poderia trazer algum benefício através do poder que seu pai a concedeu, e que algo poderia ser mudado. Mas suas "boas intenções" de nada adiantaram, inserir a democracia goela abaixo sem se preocupar com o como estavam vivendo antes, é sandice.
"Manderlay" é ousado, irônico, polêmico, provocativo e uma ótima sequência de "Dogville".

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