quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A Árvore dos Frutos Selvagens (Ahlat Agaci)

"A Árvore dos Frutos Selvagens" (2018) dirigido por Nuri Bilge Ceylan (Três Macacos - 2008, Sono de Inverno - 2014) exibe sensibilidade e crítica, são planos longos repletos de diálogos e contemplação, a paisagem é essencial e os sentimentos desencadeados em torno são profundos e reflexivos. Inspirado na história real do pai do co-roteirista Akin Aksu e o arco do protagonista é baseado no próprio Akin Aksu.
Sinan (Doğu Demirkol) é um jovem apaixonado por literatura que sempre sonhou em se tornar um grande escritor. Ao retornar para o vilarejo em que nasceu, ele faz de tudo para conseguir juntar dinheiro e investir na sua primeira publicação. O problema é que seu pai deixou uma dívida que atrapalhará os seus planos.
É um filme com um pouco mais de três horas de duração e que passeia por diversos assuntos entre o protagonista e as pessoas que encontra, como um escritor famoso da cidade, líderes religiosos, o prefeito, sua família, em especial seu pai e, claro, ele mesmo. Saído da faculdade recentemente pretende publicar seu livro, mas não será tão fácil, como também não será passar no concurso público e exercer a profissão de professor, Sinan é um jovem inerte e sem perspectiva e que possui um senso crítico ácido, despreza a aldeia e é demasiadamente pedante e presunçoso, apesar de querer obter sucesso com o livro ele é alheio a tudo o que o rodeia. Novamente na casa dos pais precisa lidar com o fato do pai ter afundado as economias da família e estar endividado por conta de apostas, e ainda enfrentar as pessoas que o param para cobrar e dizer sobre a honra quebrada do pai. Sinan vai pedir auxílio ao prefeito para que publiquem seu livro de confissões pessoais baseado em observações cotidianas, mas devido o gênero classificado por ele como "um meta-romance peculiar de auto-ficção livre de qualquer fé, ideologia e lealdade" não é possível, a ajuda não vem de nenhum lugar e é preciso arcar por conta própria. A maneira com que Sinan se relaciona é sempre com um tom de superioridade e questionamentos, em variados momentos cai bem, pois trata de religião, política, literatura, mas em outros soa chato e é difícil ter empatia por ele, não é fácil acompanhar sua jornada e o tempo todo estamos grudados nele, seja em suas longas caminhadas e em paradas recheadas de diálogos longos e desgastantes, mas compensa pelas reflexões em suas diversas camadas, além de proporcionar visualmente sensações ainda mais potentes, a paisagem ampla e seus estágios ajudam na experiência, são cenas poéticas, como o vento ao balançar os galhos dourados pelo sol enquanto há uma conversa sobre passado e futuro, o som dos pássaros, da chuva de verão que cai momentaneamente nas folhas. Um verdadeiro deslumbre!
É imenso na produção de percepções e continua assim por todo o desenrolar, algumas partes tocam mais e outras pendem para um lado crítico ao demonstrar um rapaz que é arrastado para um destino do qual não quer aceitar e estar ao redor de pessoas das quais não lhe interessa, ele é o retrato de uma geração perdida e sem perspectivas.

Aos poucos Idris (Murat Cemcir), o pai de Sinan, vai sendo delineado e ganhando mais formas, ele é professor primário e tem uma personalidade inteligente, mas simples e desligada às regras, infelizmente o personagem não é tão explorado e foca apenas na relação conflituosa e na antipatia que Sinan sente por ele, porém ao fim o diálogo entre eles é magistral e quebra toda a arrogância do filho. Ele percebe que o pai também teve suas expectativas e seus desencantos e que a concepção de tê-lo como perdedor não faz sentido, ainda surge a surpresa de que foi o único a ler seu livro, o que o deixa mexido, vemos isso pelo seu olhar que até então carregava um ar de menosprezo e desinteresse. A comparação que Sinan faz deles, o avô, o pai e ele com a pereira selvagem é ótima e mais linda ainda é a resposta que ouve. Idris é um baita personagem, carismático e brilhante, mas como vemos o filme pelo olhar de Sinan só temos a chance de enxergá-lo melhor ao final.

"A Árvore dos Frutos Selvagens" traz primorosos diálogos críticos, emocionais e reflexivos acerca de variados temas, muitos deles inspirados em Nietzsche e Dostoiévski, não há dúvidas de seu poder narrativo, das palavras que transformam, e não é à toa que os críticos franceses o compararam aos grandes romances de formação.
Concebido com sensibilidade e inteligência é um filme engrandecedor e satisfatório!

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