terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A Fera (Beast)

"A Fera" (2017) dirigido pelo estreante Michael Pearce é um excelente filme que abraça sem medo o mistério, a dúvida e as consequências da repressão. Acima de tudo, um romance sombrio contornado por uma aura de fábula adulta. 
Algo mal está corroendo o coração de Jersey. Um assassino em série tem aterrorizado a pitoresca ilha há sete anos. Com a polícia local aparentemente incapaz de detê-lo, a comunidade é dominada pelo medo. Moll Huntford (Jessie Buckley), uma guia que ainda vive na casa de seus pais, tem um fascínio com os assassinatos e sofre de pesadelos perturbadores em que ela representa a vítima. Uma história de amor presa dentro de um filme de terror - um conto de fadas sombrio sobre uma mulher que chega ao poder abraçando a besta dentro dela. 
O título dá a impressão de um filme menor, mas ao assisti-lo surpreende-se pela progressão tensa e imersiva da história e também pelas atuações impressionantes, a composição de Jessie Buckley é repleta de camadas e demora-se a revelar ao espectador, seus olhares e expressão corporal preenchem a tela, Johnny Flynn, que até então o conhecia apenas pela sua música, teve seu destaque e todo o tempo nos incute dúvida e receio, um trabalho minucioso que juntamente com a atmosfera da pequena ilha isolada garante um fascínio. 
Moll é tratada estranhamente pela família, especialmente, pela autoritária mãe, sempre a repreendendo por suas atitudes e por seu jeito de se portar, ela segue a vida guiando turistas pela ilha e no dia de seu aniversário por não suportar os convidados e a irmã que anuncia a gravidez tirando totalmente seu foco, decide fugir e acaba numa boate dançando com um desconhecido, ao amanhecer este tenta agarrá-la, mas surge um outro rapaz que com uma espingarda assusta-o, Moll agradece e ele a leva para casa, de pronta sente-se atraída e o pouco que ele esboça é recíproco. A ilha sofre com os assassinatos de várias garotas e o sentimento de apreensão é enorme, será que Moll será uma vítima? Todo o tempo o filme brinca com essa questão e nossas teorias se modificam diversas vezes. Depois que Moll conhece Pascal começa a sonhar que é pega pelo assassino e isso de certa forma aumenta sua curiosidade em relação a ele, a atração é intensamente sexual. Aos poucos se aproximam e Moll vai saindo do casulo e, claro, a mãe não gosta nada disso, aliás, descobrimos o porquê dela ser praticamente encarcerada em casa desde a adolescência numa conversa que tem com Pascal quando ele pergunta o motivo da irmã dizer que ela é um animal selvagem na mesa do jantar, inclusive uma cena excepcional. A família dela é completamente esnobe e hipócrita. A opressão da qual foi submetida certamente amplificou o que continha no seu ser e quando finalmente conseguiu se libertar a sua natureza se manifestou de forma inflamada.

O suspense se sustenta e o romance tem um formato diferente, a descoberta sexual de Moll se dá junto de Pascal e dessa forma o entendimento de sua personalidade, quando ele é acusado pelos habitantes de ser o assassino continua do seu lado e assume as consequências disso, mas existe uma confusão dentro de si e quando o policial apaixonado por ela diz que encontraram o assassino e que Pascal está liberto, começa a pensar que ele de fato é o serial killer, desse modo o filme trabalha com nossa imaginação e a ambiguidade. As contradições e conflitos internos de Moll são amplamente explorados, sua libertação tanto do meio familiar castrador e preconceituoso, do julgo dos habitantes e da descoberta de si mesma acontecem num ritmo progressivo e interessante, sem dúvidas, um primoroso estudo de personagem, suas camadas multifacetadas encantam e no final ela assume sua personalidade e cabe a cada um interpretar a atitude derradeira. 

"A Fera" é um notável filme de suspense que mescla perfeitamente o drama com um romance que foge dos padrões, além de ter a característica de conto de fadas com abordagem adulta e sombria, insere brilhantemente várias questões, como opressão familiar, preconceitos sociais, hipocrisia e as consequências que tudo isso provoca em personalidades distintas, quem se liberta acaba sendo visto como selvagem e é rejeitado, os contrastes de Moll geram agonia e permanecem até o término causando desconforto deixando inúmeras dúvidas e sentimentos ambíguos.

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