terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A Bela e os Cães (Aala Kaf Ifrit)

"A Bela e os Cães" (2017) dirigido por Kaouther Ben Hania (O Navalha de Tunis - 2013) toca em um tema pertinente e necessário ainda que seja difícil assisti-lo, o sentimento de revolta cresce à medida que acompanhamos a saga da protagonista por justiça, em um meio totalmente machista, fechado e insensível ficamos paralisados diante o horror do sistema que possui prioridades voltadas a si próprios e atitudes que deslegitimam a vítima.
Durante uma festa, Mariam (Mariam Alferjani) conhece um estranho chamado Youssef (Ghanem Zrelli) e sai com ele dali. Ela é estuprada e tentará provar o crime. Mas o problema é que os criminosos trabalham na polícia.
Filmado em nove tomadas ininterruptas a ação predomina enervando e revoltando, pois as tentativas de conseguir ser consultada e provar o estupro retratam o quão boçal e despreparado é o sistema sempre colocando a vítima numa situação constrangedora, seja com olhares reprovadores, frases desnecessárias, medidas ineficazes e nesse caso dando privilégio à instituição policial. A jornada da protagonista durante a madrugada é incessante e a cada nova tentativa e desenrolar só fazem a destruir mais e mais. Cruel e real, um importante retrato do como a mulher é desrespeitada e humilhada, e é escabroso ainda perceber que por mais que se passe na Tunísia, um país muçulmano em que a honra é de importância extrema e o machismo é gritante, não difere de nenhum outro local, os procedimentos, as burocracias e o despreparo são semelhantes. 
Os minutos iniciais do filme são os únicos leves e descontraídos, onde mostra Mariam, uma jovem estudante que se produz para curtir uma festa fechada da faculdade, a amiga lhe empresta um vestido que não faz seu estilo, mas entra na vibe e prontamente saem tirando fotos e dançando, logo seus olhos encontram Youssef, um desconhecido que é apresentado por uma amiga, não escutamos a conversa deles e somente os acompanhamos saindo da festa, no ato seguinte Mariam corre desesperadamente pela rua e Youssef vem atrás, ele tenta acalmá-la e diz que precisa ir ao médico, então entram numa clínica particular que se recusa, pois Mariam perdeu os documentos no carro dos policiais que a estupraram, aconselhados vão para um hospital público abarrotado de pessoas e que também se recusa a fazer qualquer exame nela, a médica quando a atende a trata rispidamente e só fala para tomar a pílula do dia seguinte, inconformado Youssef diz que precisa ter esse atestado para provar que Mariam foi estuprada e muito vagamente eles são auxiliados por uma enfermeira curiosa, que diz que somente um médico forense pode fornecer um atestado, este se recusa antes da polícia começar uma investigação, mas como o abuso foi cometido por policiais abrir um boletim de ocorrência sem uma prova é praticamente inútil. Mariam sob olhares de reprovação por causa de seu vestido é submetida a uma série de observações escrotas, ela vai de uma estação policial a outra sem nenhum tipo de auxílio digno, é alvo de piadas e intimidação ao dar seu depoimento que se torna uma acusação, e por isso tentam silenciá-la sob grave pressão psicológica. Articulam meios para que isso não se prolongue e não venha a se tornar público.

Em determinado ponto Youssef é afastado de Mariam, tido como suspeito e também por ser conhecido por participar das manifestações é preso, sozinha e assustada segue sendo coagida e humilhada, chega um ponto que os policiais começam a apelar para seu patriotismo e como o ocorrido poderia desonrar sua família, Mariam tenta apelar para a policial feminina, mas não escapa da dureza e da incapacidade dela ajudar além do que pode, seu desespero também não compadece e a deixa sozinha em meio a policiais que estão dispostos a tudo para limpar a reputação.

"A Bela e os Cães" tem um ritmo movimentado e sua estrutura em nove capítulos sequenciais capturam nossa atenção, descarrega muita adrenalina e possui uma mensagem política importante para as mulheres, nunca se deixe abater e defenda sempre seus direitos, e ao fim mesmo quebrada em mil pedaços ela se ergue e decide prosseguir com o processo. Realista e angustiante é um filme que sufoca, mas necessário em retratar o quão cruel é o tratamento que uma mulher vítima de violação sofre quando procura ajuda, e não é porque se passa na Tunísia que é diferente, o machismo e a indiferença seja no âmbito da saúde, da segurança e das leis ineficazes que priorizam somente suas instituições são vistos em casos diariamente ao redor de todo o mundo.

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