sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Glory (Slava)

"Glory" (2016) dirigido pelos búlgaros Kristina Grozeva e Petar Valchanov (A Lição - 2014) é o segundo filme da dupla que tem como tema o realismo social, um pulsante retrato das articulações do sistema, os esquemas de corrupção, a manipulação midiática, as burocracias e o cidadão sendo explorado, sugado e descaracterizado como indivíduo. Em tom tragicômico acompanhamos uma série de situações que acaba tirando a dignidade do protagonista e que nos faz questionar até onde pode-se aguentar.
Tsanko Petrov (Stefan Denolyubov), um trabalhador ferroviário, encontra uma enorme quantia de dinheiro nos trilhos do trem. Ele entrega todo o montante para a polícia, que o recompensa com um novo relógio de pulso, que logo para de funcionar. Enquanto isso, Julia Staikova (Margita Gosheva), chefe do departamento de relações públicas do Ministério dos Transportes, perde o antigo relógio de Petrov. Ele começa então uma luta desesperada para obter seu velho relógio de volta, assim como sua dignidade.
Tsanko é um trabalhador que se desgasta em um trabalho pesado, num dia como todos os outros o executando encontra algumas notas espalhadas pelo trilho, guarda-as no bolso e mais adiante se dá conta de um montante de dinheiro, ele simplesmente para toma água e a seguir descobrimos que ele é um homem de caráter irretocável, devolve o dinheiro às autoridades e por causa de sua atitude é transformado em um herói, Tsanko passa por momentos constrangedores, é ridicularizado por conta de sua gagueira e daí por diante tudo que o envolve é podridão, sua honestidade parece intacta, na sessão de fotos com o chefe acaba dizendo sobre o roubo de combustíveis e que é por isso que o salário está atrasado há dois meses, mas o chefe desconversa, um jogo muito sujo está sendo feito a partir da atitude de Tsanko, a atenção dada a ele é falsa e com intenções de tirar o foco de outras, Julia é uma workaholic que dá a alma para o que faz, não mede consequências para atingir seus objetivos, só que ela não passa também de um marionete do sistema, mas, claro, com inúmeros privilégios. Julia é egocêntrica e não demonstra nenhum tipo de sentimento, observamos o marido sempre atrás dela lembrando das injeções que precisa tomar para poder engravidar, é arrogante, fria, robotizada e imersa no sistema que também a devora, ela tira o relógio do pulso de Tsanko antes da homenagem, pois ele ganhará um novo, ele fica preocupado e pede para que depois o devolva, acontece a tediosa celebração, a festa, e nada do relógio. Passa-se os dias e Tsanko percebe que o relógio que ganhou parou e tenta encontrar Julia de qualquer jeito, ela faz pouco caso e nem sabe onde está o tal relógio, até tenta enganá-lo devolvendo uma cópia, mas o de Tsanko tem uma inscrição, pois foi um presente de seu pai. As coisas começam a ficar desesperadoras, dá agonia acompanhar tantos momentos de descaso e ver Tsanko sendo tratado como lixo. 

Margita Gosheva domina as cenas e encarna perfeitamente o tipo de pessoa que se devota ao trabalho, que tem sede de poder e atropela as pessoas com sua falta de empatia, Stefan Denolyubov como Tsanko é sublime e sentimos junto dele todas as agruras, seu sembante cabisbaixo diante dos acontecimentos e a sua gagueira representando o desespero e a falta de voz que as pessoas comuns têm perante quem comanda, a intensidade desse desespero aumenta com o desenrolar e cada vez mais sua dignidade vai sendo escoada, até que chega um ponto que ela é eliminada e o personagem reage, daí as consequências se tornam trágicas.
Um exemplar sensacional do como o indivíduo é engolido, descaracterizado e injustiçado transformando-se irremediavelmente. Difícil, pesado, mas essencial para refletir no como funcionamos na sociedade e que tipo de peça somos.

"Glory" é uma obra que retrata dilemas morais e questões sociopolíticas com destreza, realidade e um humor trágico. Como permanecer honesto diante de um sistema corrupto que se beneficia justamente em cima do mais pobre? Ridicularizam e massacram até não sobrar mais nada, o indivíduo é reduzido, além de todas as burocracias e acrobacias midiáticas que ludibriam e invertem a atenção. Tsanko aguentou até não poder mais e o final exemplifica toda a sua revolta, a injustiça da qual foi alvo. Filmaço!

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