quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Como Nossos Pais

"Como Nossos Pais" (2017) dirigido por Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças - 2001) é uma obra brasileira excelente que disserta com grande naturalidade questões cotidianas e familiares com viés feminista, os embates, as responsabilidades, as frustrações, uma série de coisas que tanto a criação como a sociedade vai impondo e que aos poucos a personagem vai se desvencilhando, ela se redescobre como mulher e permite a mudança.
Rosa (Maria Ribeiro), 38 anos, é uma mulher que se encontra em uma fase peculiar de sua vida, marcada por conflitos pessoais e geracionais: ao mesmo tempo em que precisa desenvolver sua habilidade como mãe de suas filhas, manter seus sonhos, seus objetivos profissionais e enfrentar as dificuldades do casamento, Rosa também continua sendo filha de sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), com quem possui uma relação cheia de conflitos.
A necessidade de se mostrar como capaz é enorme, a supermulher, que trabalha, cuida das filhas enquanto o marido corre atrás do sonho, repleta de afazeres e estressada com tudo, o convívio familiar é conflituoso e tudo desmorona de fato quando a mãe diz que ela não é filha de Homero (Jorge Mautner), mas sim de outro homem, essa informação dada de um jeito estranho foi um agente para a cabeça de Rosa começar a questionar diversas outras, não só em querer saber quem é o cara que é o seu verdadeiro pai, mas quem é a Rosa nisto tudo. Por mais difícil que seja a relação entre Rosa e Clarice existe um laço afetivo bem forte e é inegável a semelhança das atitudes entre uma e outra, Rosa não percebe que está traçando o mesmo caminho que sua mãe até um ponto específico da trama.
Clarice é uma mulher autêntica que viveu um grande e fugaz amor em Cuba, ela sempre foi forte, dona de tudo e que sustentou o ex, Homero, figura excêntrica da qual Rosa ama e nutre grande carinho, Clarice não se priva do prazer de fumar ao saber que tem câncer e Rosa de início fica brava, mas no decorrer há aproximação e diálogos ótimos que denotam suas personalidades e o rumo que Rosa irá tomar. A questão da liberdade da mulher, de se desfazer de obrigações e mesmo com responsabilidades, como as filhas, encontrar um caminho mais leve para seguir, Rosa em diversos momentos julga a mãe, mas não percebe que age igual, como quando inicia um caso com Pedro (Felipe Rocha), que se faz de descolado longe da esposa, Rosa é admirada por ele e como está em atrito com o marido a chama da paixão acende, só que há algo que ela repensa em determinado ponto que é crucial para sua decisão de liberdade. E a liberdade está apenas em si mesma, deixar tópicos de lado e apenas viver, recuperar o entusiamo pelos sonhos, como a escrita, da qual tem paixão. 

Os momentos que compartilha com sua mãe são recheados de mágoa e amor, uma confusão atordoante que gera diálogos exasperantes e reflexivos, o desenvolvimento de Rosa é lento e ambíguo, e não é à toa que o filme tenha o mesmo título da canção de Belquior, o trecho: "Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos. E vivemos como os nossos pais", exemplifica perfeitamente. Rosa é cobrada pelas gerações, sente o peso da responsabilidade, amargura-se, mas depois surge uma nova consciência e começa a se libertar, mas sem precisar sair do lugar de onde está. O filme também faz uma analogia entre Rosa e Nora, personagem do livro "Casa de Bonecas", de Ibsen, ela monta um roteiro inspirado no fim da história, quando Nora cansada de se sentir inferior na sociedade, revolta-se e abandona deixando marido e filhos.

"Como Nossos Pais" possui camadas pertinentes e quanto mais se pensa nele mais coisas surgem, exibe discussões necessárias sobre transformações dentro das relações e no comportamento em sociedade, como romper obrigações destinadas às mulheres. Maria Ribeiro está natural na pele de Rosa, uma mulher repleta de nuances que aos poucos e duramente se redescobre, e enfim busca se desvencilhar de tudo aquilo que a prende e a sufoca. 

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