segunda-feira, 9 de julho de 2012

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (Medianeras)

"Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada em um país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um em estilo francês, tem um sem estilo. Provavelmente estas irregularidades nos refletem perfeitamente, irregularidades estéticas e éticas. Esses prédios que se sucedem sem lógica, demonstram total falta de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida, que construímos sem saber como queremos que fique... É certeza que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais à cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse, o sedentarismo, são culpa dos arquitetos e incorporadores. Estes males, exceto o suicídio, todos me acometem..."

É com esta narração que "Medianeras" se inicia, feita por um dos personagens centrais, nela já percebemos a forma com que a cidade e sua arquitetura serão usadas no desenvolvimento do filme como metáfora para as questões existenciais. A desorganização da cidade é apresentada não como sintoma, mas como provável causa do caos da vida moderna, a cidade de Buenos Aires se torna quase um personagem, dada sua importância na trama e nos rumos que ela toma. Explora-se a solidão e a melancolia da vida em uma metrópole, onde ao que parece o acaso é a única força determinante.
"Medianeras" mostra a vida de duas pessoas, um homem e uma mulher que vivem nos dias de hoje, quando a internet e a globalização, ao mesmo tempo em que rompem fronteiras e possibilitam um maior acesso a informação, podem aprisionar as pessoas com suas atrações imediatas, como jogos, vídeos e redes sociais. Cenas de Buenos Aires são intercaladas com reflexões sobre a evolução da cidade. A forma não planejada como a cidade cresce é comparada a vida de cada personagem, repleta de muitos acontecimentos fortuitos. Os apartamentos e prédios da cidade são mostrados em uma espécie de análise sociológica.
Martin (Javier Drolas) é um web designer que mora sozinho em uma quitinete intitulada como "caixa de sapatos", no centro de Buenos Aires. Ele passa a maior parte de seu tempo trabalhando ou navegando por sites e chats sobre os mais variados temas, sua fobia social, que está sendo amenizada pelo tratamento psiquiátrico, o impediu durante muito tempo de sair e de se relacionar com pessoas fora do mundo virtual. Ao que tudo indica, sua situação teria se agravado depois que sua noiva viajou para os Estados Unidos, a viagem dela que deveria durar um curto período acabou se tornando definitiva, o relacionamento terminou quando ela entrou em contato e avisou que não voltaria mais. Do envolvimento entre eles só sobrou um cachorro. A vida nas redes sociais se torna uma espécie de fuga para Martin, uma vez que suas manias e preocupações excessivas o tornaram ainda mais antissocial, e portanto incapaz de estabelecer laços duradouros.

Na mesma rua que Martin, em um outro prédio, mora Mariana (Pilar López de Ayala), que tem muito mais em comum com ele do que ambos poderiam imaginar, eles não se conhecem, apesar de frequentemente se esbarrarem na calçada em outros pontos da vizinhança. Mariana se formou em arquitetura, mas nunca exerceu a profissão, ela ganha a vida como decoradora de vitrines. Ela terminou um relacionamento que durou quatro anos depois de descobrir que não conseguia se encontrar nele, e que a pessoa com quem estava lhe era um completo estranho. As expectativas frustradas e a solidão a tornaram arredia e propiciaram o surgimento de fobias, como o medo de elevadores e de estabelecer contato com as pessoas. Os dois solitários, não por uma opção consciente, mas sim, vítimas de um fenômeno social que tem se tornado cada vez mais forte, principalmente nas grandes cidades, envolve a superficialidade e fragilidade dos relacionamentos e o distanciamento afetivo das pessoas. Ironicamente o surgimento e o agravamento deste fenômeno coincide com a chegada da era digital, na qual estamos vivendo.

Com um roteiro inteligente, ágil e moderno, cria-se monólogos bem reflexivos, por vezes dá-se um tom de ironia, e por fim, se torna num longa de altíssima qualidade. O título "Medianeras" se refere àquela parte traseira dos edifícios, onde não há janela e onde às vezes colocam-se anúncios comerciais. Seria quase o lado avesso dos prédios.
O filme é o desdobramento do curta homônimo realizado em 2005 pelo diretor Gustavo Taretto, estreando na direção de longas, com o mesmo ator principal.

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