terça-feira, 23 de outubro de 2018

Daphne

"Daphne" (2017) dirigido por Peter Mackie Burns retrata a crise que beira os 30 anos, mas não necessariamente com os clichês, e sim abraça a vida de uma personagem que por vários motivos prefere se esquivar das pessoas, mantém uma vida independente, não cria laços e se recusa a ficar muito perto da mãe, com os amigos do trabalho é fria e sempre esta agindo de forma cínica. O filme foca nessa personagem e não pede que sintamos empatia, ela acontece ou não, não força em momento algum, ao longo com certos acontecimentos ela própria vai se perguntar no que acabou se tornando e, talvez, compreender que exista muita humanidade em si. 
Londres, Inglaterra. Aos 31 anos, Daphne (Emily Beecham) constantemente tem a sensação assustadora de que sua vida está parada, pois se sente jovem demais para se estabelecer e velha demais para ficar zoando por aí. Para distrair, ela mantém os dias e as noites ocupada com pessoas, amigos e amantes. Certa noite, um assalto violento a força a confrontar esse limbo existencial, analisando de perto a pessoa que se tornou.
Daphne é descolada e por vezes inconveniente com seu sarcasmo, suas conversas filosóficas acerca de que amor não existe assusta os possíveis casos amorosos e então segue a maior parte do tempo andando a noite sozinha e bêbada, ela trabalha em um restaurante, não se dá com os colegas, com seu chefe consegue dialogar, mas sem qualquer tipo de apego, a solidão e a rotina permeiam sua vida e ela vai criando uma casca para não se machucar, evita o sofrimento, como com a mãe que enfrenta um câncer e prefere não estar por perto, e assim passa seus dias, dormindo, bebendo, trabalhando no restaurante e fazendo sexo casual, até que numa noite presencia um ato violento contra o dono de um mercadinho, sua reação na hora foi ajudá-lo e chamar a ambulância, mas parece que na cabeça dela esse instante ficou um pouco vago, o trauma pode ter embaçado seus sentimentos e conforme os dias vão passando isso a atormenta, só que o filme não revela seus sentimentos de forma explícita, seus modos é que escancaram a dor, pois Daphne prefere mascarar, não quer enfrentar nada e isso só vai aumentando sua frieza em relação aos demais e consigo mesma. Muitas coisas incomodam Daphne e a maneira que demonstra é sendo cínica e, por consequência, perturbando e afetando bastante não só quem convive com ela, mas a si mesma, negando e desconhecendo a sua própria natureza.

Daphne tem um certo magnetismo e seu cinismo às vezes é inteligente e bem humorado, ela analisa tudo e não confia em ninguém, mas na maior parte do tempo o usa para se defender e esconder o que não gostaria de encarar. O ato violento que presenciou com certeza deixou marcas, mas como podemos ver ela segue sem dizer uma palavra sobre isso, mas suas atitudes cada vez mais secas revelam que a está incomodando. As suas idas ao psicanalista, fornecidas pela polícia por causa que ela presenciou o ocorrido, são compostas por afiadas e ácidas frases, mas a sua última ida nos aproxima mais do que sente verdadeiramente e nos faz finalmente enxergar que por baixo de uma mulher durona e independente há muitas dúvidas, tristezas e que por mais pessimista que seja, há camadas de fragilidade e humanidade.

"Daphne" é feito de momentos, em sua maioria lentos e sem aprofundamentos, mas que demonstra uma personagem real, que incomodada se fecha em si mesma para não ter que lidar com os possíveis sofrimentos das relações, mas querendo ou não esse confronto uma hora acontece e é necessário passar por ele, como o psicanalista diz: "Nossas ações contam. Mesmo se não as acharmos grande coisa, talvez mais tarde acharemos, mas não precisamos esperar por isso para fazer as coisas". E ao final é isso, ela faz mesmo achando que não sente nada e que não fez muito pelo dono do mercado que sofreu o ato violento, mas ouvindo o relato dele percebeu o quão escondida estava em si mesma, se negando e negando a todos. É um retrato fiel e atual de uma grande parcela da juventude que se agarra ao cinismo como forma de defesa.

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