quinta-feira, 22 de março de 2018

O Filho de Joseph (Le Fils de Joseph)

"O Filho de Joseph" (2016) dirigido por Eugène Green (La Sapienza - 2014) é um drama singular que aborda a questão da ausência paterna e os elos que se formam ao acaso e que transformam os sentimentos em relação no que se entende como família. O modo como tudo se desenvolve é a grande beleza do longa, assim como a sua filmagem peculiar explorando a figura humana de um jeito imensamente intenso e íntimo - ao mesmo tempo em que os atores olham para a câmera também olham para seus interlocutores, outro ponto interessante é a falta de naturalidade, falas e gestuais robóticos que caracterizam a grande carência afetiva, e claro, a arte intermediando, como a pintura "O Sacrifício de Isaac", de Caravaggio simbolizando a revolta do protagonista em relação ao pai.
Verão em Paris. Vincent (Victor Ezenfis) vive com sua mãe solteira Marie (Natacha Régnier) e, finalmente, quer descobrir quem é seu pai. Suas investigações o levam a uma editora famosa com um personagem detestável. Quando ele conhece Joseph (Fabrizio Rongione), o irmão do editor, sua vida muda num piscar de olhos.
Vincent é um garoto quieto, apático e insatisfeito, o convívio com a mãe é bom, mas ele a perturba para descobrir quem é seu pai, ela é uma mulher melancólica que se dedicou ao filho e que esqueceu de si mesma, quando Vincent encontra uma carta com o nome de seu pai fica obcecado em encontrá-lo e enfim tapar o vazio que sente, porém nada é como imaginado e o que ele vê o decepciona, Oscar é um editor renomado que usa de seu poder para usufruir de quem quiser e como bem quer, aos poucos Vincent se aproxima em silêncio, apenas observando, frequenta as festas e até invade o escritório para analisá-lo, sua curiosidade dá lugar à decepção e a raiva se instala. A aura poética do filme se dá pela mescla de arte e religião, os momentos são marcados por grandes doses de reflexão, o enorme quadro de Caravaggio, "O Sacrifício de Isaac", no quarto de Vincent nos revela a sua vontade, que ao contrário do quadro é o filho que deseja sacrificar o pai e que nos minutos derradeiros espera a mensagem de um anjo que diga para não fazê-lo. Nessa confusão que Vincent se encontra acaba se esbarrando em Joseph, o irmão de Oscar, que é totalmente o oposto, ele é sereno, carinhoso e ajuda Vincent no decorrer, saem para passear por museus e trocam ideias, inúmeras vezes de forma didática ampliando a nossa visão sobre a cultura e a arte.

As referências bíblicas e a pomposidade da arte rodeia toda a trama para nos revelar uma história sobre a figura paterna, a ausência que dói e a transformação de Vincent ao encontrar em Joseph o que tanto queria, o filme retrata a construção de um nova família e deixa para nós uma grande reflexão sobre os encaixes constitucionais referentes à família. O vínculo formado entre Joseph e Vincent e logo depois com Marie é belo e único, assim como deve ser para cada um. 
As peculiaridades do longa garantem uma experiência cinematográfica incrível e singular, como os diálogos que carecem de emoções, porém com as imagens suprindo-as, a câmera capturando os olhos dos personagens assegura profundidade e intimidade, e a aura erudita que vai fisgando devagar coroa com perfeição.

Quando menos se espera "O Filho de Joseph" envolve e faz com que reflita as questões sobre as relações, nada no filme acontece naturalmente, mas há algo misterioso que o torna poderoso e é só assistindo pra entender. Cada um sentirá e interpretará a seu modo, os símbolos, as referências e todas as sombras que cercam a vida.

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