quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O Conto (The Tale)

"O Conto" (2018) dirigido pela estreante em longas-metragens Jennifer Fox (Flying: Confessions of a Free Woman - 2006) é um filme que aborda um tema espinhoso, o abuso infantil, é angustiante e repulsivo, mas a sensibilidade faz parte de todo o desenrolar e é de uma importância gigantesca. Por ser baseado na própria vida da diretora faz ser ainda mais pesado, porém enxergamos exatamente a visão de alguém que passou pelo abuso e o como a mente mascarou e a blindou para que pudesse seguir em frente, Jennifer se mistura a sua personagem, que faz o resgate quando sua mãe encontra um conto que escreveu quando garota, um começo e um ressurgir de memórias e do como a negação fez parte de toda a sua vida. É um drama potente e necessário para a compreensão de todos os fatores envolvendo o abuso infantil pelo próprio olhar da vítima. Jennifer Fox retrata com muita transparência e não deixa de lado momentos do mais puro horror.
Jennifer (Laura Dern) tem uma ótima carreira como documentarista e professora e um relacionamento repleto de carinho e respeito mútuo com seu noivo, Martin (Common). Porém, quando sua mãe (Ellen Burstyn), encontra uma história que ela escreveu para escola quando tinha 13 anos contando sobre um relacionamento que teve com dois adultos, ela é obrigada a revisitar um passado traumático e reconciliar suas lembranças com o que de fato aconteceu com ela.
O filme retrata com muita precisão o como as memórias enganam ou como nós mesmos moldamos elas para que certas coisas não nos machuquem e assim seguir em frente, Jennifer é uma mulher por volta dos 48 anos, muito bem-sucedida e independente, sua vida se transforma quando começa a vasculhar seu passado através de um conto que escreveu quando criança, daí memórias ocultas ressurgem fazendo com que compreenda de fato o que aconteceu naquela época, de início é interessante notar que ela se recorda  de uma Jenny de 17 anos, quando na verdade ela tinha apenas 13 anos. Somos absorvidos pela trama, a cada memória ativada é uma descoberta perturbadora. Durante o verão Jenny passava fins de semana no campo, onde aprendia hipismo com o auxílio de Jane (Elizabeth Debicki) e praticava corrida com o auxílio do treinador Bill (Jason Ritter), Jane  e Bill eram amantes e encantaram a menina, Jenny foi acolhida e passava muito tempo junto deles, ela admirava Jane e tinha na companhia de Bill um alívio para sua carência, já que em casa era invisível, recebia elogios e se sentia livre para poder ser quem era, a confiança foi depositada e os dois a tinham nas mãos, ela foi atraída para aquele mundo e não se dava conta de que estava se submetendo a coisas traumáticas, Jenny acreditava que tinha um relacionamento com Bill, um homem de 40 anos, só que suas memórias quando vasculhadas e quando vai atrás de pessoas que conviveram com ela mergulha em algo mais profundo e decide encarar e compreender. Os acontecimentos foram distorcidos em sua mente, ela não enxergou que estava sendo abusada, pois estava apaixonada pelos adultos, ali ela supria sua necessidade de carinho, o que é um alerta vermelho intenso que o filme dá, pois não se discute muito sobre a paixão pelo abusador, nem toda criança se sente mal, elas mascaram a tristeza e o vazio e acreditam que o que recebem é atenção. Jenny adulta quando vai pesquisar e entrevista as pessoas que estavam com ela naquela época sempre diz que teve um relacionamento com Bill, só que ela não imaginava o quão sórdido era o que os adultos faziam não só com ela, mas com outras que ali passavam.

"Eu gostaria de começar essa história contando algo tão bonito. Conheci duas pessoas muito especiais que passei a amar muito. Imagine uma mulher casada e um homem divorciado. E imagine só, eu faço parte dos dois. E sou sortuda o suficiente para ser capaz de compartilhar desse amor."

Quanto mais ela avança em seu conto mais memórias vão lhe surgindo e depois de tanto tempo vai aos poucos arrumando e tendo a compreensão exata da complexidade dos sentimentos que vivenciou, outro ponto crucial que ela encara é a figura da mãe, o que ela representava e o como ela se comportava, e dessa forma também se confronta com ela mesma, com a Jenny de treze anos, olhando para si mesma tenta preencher as lacunas, trazer à tona memórias que se espalharam e que se esconderam para não torná-la frágil, é incrível o poder da mente em distorcer acontecimentos por medo de traumas, quantos relatos de abuso ultimamente têm sido expostos, depois de anos mulheres têm se confrontado e entendendo que não se pode guardar e disfarçar, é preciso falar para conseguir se livrar e ter paz, e desse modo ajudar outras pessoas a se libertarem também.

"O Conto" é um filme delicado, mas não se esquiva dos momentos terríveis, quando as memórias chegam as cenas se tornam difíceis de encarar, a sensação de incômodo dessas cenas advém de todo o contexto e da personalidade de Bill, corajosamente bem interpretado por Jason Ritter, sempre sorridente e solícito, por mais estranho que possa parecer Jenny mesmo assim cedia, pois acreditava que era especial pra ele, mas quando adulta entrando e encarando como pensava, no fundo de tudo ela estava sofrendo. A cena final é dilacerante e não poderia retratar melhor a gama de sentimentos que a envolveram, a negação, a distorção de memórias, realmente muito honesto e poderoso.  

2 comentários:

  1. É um filme corajoso, que incomoda e causa mais revolta por ser baseado numa terrível história real.

    Grande atuação de Laura Dern.

    Abraço

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  2. a pancada desse filme dá no estomago é incrpivel!

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