sábado, 5 de novembro de 2016

Trabalhar Cansa

"Trabalhar Cansa" (2011) dirigido pela dupla Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole - 2014) e Marco Dutra (Quando Eu Era Vivo - 2014) é um filme que explora no sobrenatural o horror que o cotidiano estressante causa, a trama segue com metáforas explícitas o quanto o trabalho e a rotina incessante acaba influenciando o psicológico das pessoas. Afinal, o trabalho dignifica o homem?
Helena (Helena Albergaria), jovem doméstica, decide montar o seu primeiro negócio: uma mercearia de bairro. Ela contrata Paula (Naloana Lima) para tratar da filha e da casa. Mas quando Otávio (Marat Descartes), o marido de Helena, fica desempregado, as relações entre as três personagens mudam de repente. Acontecimentos inquietantes começam então a ameaçar o comércio de Helena.
Inicialmente a história mostra o sonho de Helena prestes a se concretizar, o minimercado situado num ótimo bairro, ela dá prosseguimento na papelada, visita o local que antigamente já tinha sido um mercado e que ainda guarda as prateleiras e freezers do antigo dono que sumiu misteriosamente. Mesmo que o marido tenha perdido o emprego ela persiste na ideia e finaliza o acordo. Observamos todo o processo antes e depois da inauguração, exige-se muita determinação e vontade, Helena contrata um ajudante, um açougueiro e uma moça que fica no caixa, já logo de cara dá problemas no estoque, faltam produtos, além de que volta e meia surge um cheiro podre que invade os corredores e afugentam os clientes. Esses imprevistos começam a preocupar Helena, todos os dias conta a quantidade de produtos e sempre dá por falta, até que desconfia do ajudante e o despede, a moça do caixa também é fiscalizada corriqueiramente, uma certa obsessão toma conta de Helena, ela não é mais capaz de descansar, em sua casa a filha está mais apegada a empregada e se irrita por tudo estar fora do lugar, pois não é mais ela que limpa e arruma, também sente ciúmes da relação da filha com Paula, esta que trabalha de forma irregular e recebe um salário incompleto, fora que dorme no próprio serviço num quartinho apertado e sem ventilação. 
Nesse meio tempo Otávio procura emprego, em uma das entrevistas marcada com um amigo, é pego de surpresa ao integrar uma entrevista coletiva e desiste por não querer se submeter a uma dinâmica ridícula. Ele leva o currículo em variadas empresas, mas nada acontece. O que resta é trabalhar por comissão em casa como vendedor de seguro de vida. Ele não é muito presente na rotina de Helena, mas o vemos esporadicamente ajudá-la. A tensão aumenta quando a parede que foi recentemente pintada mofa depois do episódio do cheiro ter sido resolvido, Helena tenta disfarçar por algum tempo, mas a curiosidade do porquê a parede estar daquele jeito é maior, daí ela pega uma marreta e a destrói, o que sai de dentro é algo inimaginável. 

É uma enorme metáfora sobre o como o trabalho em excesso transforma o ser humano em animal selvagem, o deixando insatisfeito, frustrado, pois como se vê Helena nunca está feliz, apesar de ter realizado o sonho de trabalhar para ela mesma, os problemas só aumentam, quando não é a contabilidade, é a estrutura, e por aí vai. Helena se sacrificou pelo trabalho e só perdeu, o cansaço físico e psicológico a detonou.
O suspense dá o tom à história, estranhos acontecimentos permeiam o cotidiano, é criada uma atmosfera obsessiva onde eventos sobrenaturais se materializam, o filme mescla essas passagens com uma densa crítica social sobre a competitividade do mercado de trabalho, o desfecho ao contrário da aura sinistra, dá um choque de realidade.

"Trabalhar Cansa" é um exemplar interessante do cinema nacional, começando pelo gênero, o terror é inserido com destreza e assemelha-se com um pesadelo, o drama vivido pelos personagens é angustiante, as incertezas e as frustrações em torno dessa busca por encontrar soluções para ter uma vida melhor.
Tudo o que rodeia a esfera do mercado de trabalho está representado no filme, assusta de verdade analisar a transformação do ser humano por conta de conseguir e manter um emprego. Perde-se boa parte de si nessa caminhada. Triste e cruel!

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