terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Tempos de Lobo (Le Temps du Loup)

Antes de expor minhas observações acerca do filme "Tempos de Lobo" (2003), é preciso dissertar um pouco sobre um dos meus diretores preferidos. Michael Haneke tem um estilo incrivelmente seco, ele aborda os temas de seus filmes de maneira cru, expondo o ser humano até os últimos limites sem máscaras cotidianas e sociais. A violência está sempre presente em suas obras, sempre tem algo para impressionar e mexer conosco, dar aquela virada no estômago para que saíamos da nossa zona de conforto. Não há meios termos em seu jeito de filmar, são cortes secos, silêncios que perturbam, diálogos ferozes, é o horror, mas não daqueles que conhecemos pelos filmes de terror, o horror está nas situações e nas imagens que nos provocam. Seus filmes são cruéis e duros de encarar porque são realistas, mas são indiscutivelmente necessários.
"Tempos de Lobo" começa com uma família indo para sua casa de campo, chegando lá encontram uma outra família, cujo homem aponta uma espingarda para eles, é rápido, cruel e sem rodeios, ele mata o chefe da família e a mulher com os dois filhos são obrigados a fugirem dali sem nada, apenas com uma bicicleta. Ana, a filha adolescente e o filho de 12 anos procuram ajuda com os vizinhos, mas eles não podem confiar em mais ninguém: toda a sociedade, de uma hora para outra, perdeu os valores da civilização, viraram nômades e podem atacá-los a qualquer momento. Sem comida e nem água, no meio da noite, mãe e filhos tentam encontrar abrigo e acabam por se deparar com um rapaz que sobrevive de restos de cadáveres. Continuando a jornada tétrica, eles seguem por uma linha de trem e chegam a uma estação onde um grupo espera por um hipotético trem. Mesmo com a dignidade perdida, algumas pessoas têm sensibilidade para a poesia e o amor.

Apesar do filme não explicar a situação, vemos que a sociedade está um caos, as regras básicas de boa vizinhança já não existem mais, Ana perambula com os filhos em busca de ajuda, mas não há mais espaço para isso, o que reina é o bem-estar próprio, a lei da sobrevivência. No desenrolar encontram um garoto completamente solitário que os leva para uma estação de trem, onde há outras pessoas que nutrem a esperança que o trem irá passar por ali. A agonia predomina, a catástrofe silenciosa é desesperadora. O ser humano está acostumado com tudo na mão, dá valor excessivo a coisas insignificantes, extrapola e prejudica sem ao menos se perguntar se isso acarretará um desastre. O caos pode estar até acontecendo já, na encolha, com poderosos governando, o consumismo, a violência de todos os dias, as ofensas, a inveja, a ganância, entre tantas outras coisas.

O filme de Haneke expõe o ser humano no seu estado mais primitivo, o livra da máscara da convencionalidade e o coloca na necessidade, implorando por água, trocando coisas aparentemente valiosas como um relógio, por comida. "Tempos de Lobo" pode parecer tedioso e lento à primeira vista, é compreensível, pois não são todos que estão dispostos a ver a verdade do ser humano demonstrada no filme de Haneke. Somos lobos prontos para dar o bote e prontos para abater a própria espécie se for preciso. Não ficamos indiferentes com a situação exposta, muitos filmes exploram o caos da humanidade, mas "Tempos de Lobo" é realista em demonstrar a crueza humana, ele nos faz a seguinte pergunta: qual seria nossa reação diante a desordem do mundo? E será que você ou seu vizinho seria capaz de oferecer ajuda? Quando estivermos na lei da sobrevivência, no natural, o instinto predominará e então o homem é o lobo do próprio homem.

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