quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A Costureira de Sonhos (Sir)

"A Costureira de Sonhos" (2018) dirigido por Rohena Gera é um filme indiano agridoce que retrata os entraves da cultura para uma mulher que corre atrás de seus desejos e sonha em se tornar pelo menos um pouco livre, o roteiro é leve, inteligente e não cai em clichês, tudo acontece de forma progressiva e assim nos dá tempo para conhecer cada personagem e entendê-los, um olhar feminino sobre a Índia contemporânea e as fortes e corajosas mulheres que se arriscam na cidade grande mesmo tendo dificuldades por conta da origem e posição social. Encanta pela beleza das cores, dos sentimentos que se misturam e, principalmente, pela fascinante interpretação de Tillotama Shome.
Ratna (Tillotama Shome) trabalha como empregada doméstica para Ashwin (Vivek Gomber), um homem rico que parece ter tudo, porém vive desesperançoso e perdido pela vida. Enquanto isso, Ratna, que parece ter nada, vive a vida determinada a alcançar seus sonhos. 
Acompanhamos tudo sob o olhar de Ratna, uma jovem viúva que trabalha de doméstica em Mumbai, sua vida é restrita devido as leis para as viúvas, mas mesmo assim sai de sua aldeia para ganhar dinheiro e ajudar sua irmã a se formar na faculdade, no início a vemos arrumando as suas malas e voltando às pressas para a casa do patrão, o casamento não ocorreu, pois ele não conseguiu perdoar a traição da sua companheira, desolado e sem perspectiva Ashwin passa seus dias lamentando o ocorrido com amigos, e Ratna por sua vez, o tratando como um rei, ela lhe serve com muito esmero e se preocupa com seu estado emocional, é dedicada e não se deixa abater por seu trabalho excessivo, até porque tem a vontade a impulsionando, primeiro em tirar sua irmã da aldeia dando a oportunidade de estudar e segundo para se tornar design de moda. Os empecilhos são inúmeros, a sua posição social é o maior e parece que por conta disso nunca vai sair do lugar, o sistema de castas na Índia é triste e realmente as pessoas não se misturam, Ratna segue trabalhando lá depois do ocorrido com o casamento e devagar a relação tímida vai ganhando contornos de amizade, um diálogo aqui, um gesto afetuoso ali, Ashwin percebe o como Ratna é espirituosa e o esforço que faz para realizar seus desejos, além de confortá-lo espontaneamente com belas palavras quando ninguém o fez, assim ele vai a notando e de certa forma uma relação se constrói, um carinho e um sentimento de amor cresce, pode ser que Ashwin abalado tenha se apegado a figura protetora de Ratna e também por admirá-la, o que não deixa de ser amor.

A simplicidade comanda a trama, somos absorvidos completamente pela rotina de Ratna, que está sempre cozinhando, limpando e servindo o "Sir", ouvimos o tempo todo ela o chamando assim e até para fazer o curso de costura necessita da autorização, ela aceita ser aprendiz de um alfaiate, mas acaba sendo explorada pelo comerciante e o aprendizado não acontece, decepcionada faz seu trabalho na casa mais calada e Ashwin percebe, nesse momento já há uma sintonia bonita entre eles, mas não é forçada ou prevista. Outro ponto da trama é a amizade de Ratna com outra doméstica, elas se apoiam e ali vemos uma interação mais tranquila, pois estão entre iguais, o que separa Ashwin e Ratna é uma imensa barreira social e que devido ao sistema nunca será transposta. Há momentos bem ternos e emocionantes, percebe-se a dificuldade no semblante deles e o mais bonito é que o egoísmo é deixado de lado. 

"A Costureira de Sonhos" é singelo e capta a nossa atenção, o aprofundamento nos personagens, na cultura e nas diferenças entre os modos de vida nas vilas e cidade grande, todo o funcionamento do machismo em relação à mulher, desde o casamento como negócio até as restrições quando se torna viúva com seus direitos tolhidos e sendo praticamento invisível. Muito importante retratar que por mais empecilhos a mulher pode ir atrás de seus sonhos nessa sociedade, Ratna foi em busca disso e jamais se abateu por estar ali servindo, ela sabe de suas necessidades e compreende sua posição, ganhar seu dinheiro e estar no curso de costura é uma grande porta se abrindo. Como Ashwin diz em determinado momento, Ratna é audaciosa, e é por essa e outras características que sua personagem encanta e acaba criando uma consciência social no espectador.

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