terça-feira, 21 de março de 2017

O Apartamento (Forushande)

"O Apartamento" (2016) dirigido pelo iraniano Asghar Farhadi (A Separação - 2011, O Passado - 2013) é um filme que aborda com sensibilidade e também firmeza aspectos culturais e sociais do Irã, mas sem deixar de imprimir um olhar universal. 
Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) se mudam para um novo apartamento no centro de Teerã, devido a trabalhos perigosos em um prédio vizinho. Mas, um incidente ligado ao anterior inquilino vai mudar drasticamente a vida do jovem casal.
Emad é professor de literatura e também ator de teatro, atualmente ensaia junto de sua esposa, Rana, a peça "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller. As cenas do filme se mesclam com as do teatro no desenrolar e forma uma interessante intertextualidade, o fato é que Rana e Emad precisam se mudar, pois o prédio em que moram está prestes a desabar - uma metáfora para o que está por vir - com ajuda de um amigo encontram um apartamento, mas a antiga moradora deixou todas as suas coisas lá e muitas perguntas, o casal arruma o local e se estabelece até que um dia Rana deixa a porta aberta e é atacada por um estranho enquanto tomava banho, os vizinhos a socorrem e daí para frente dilemas morais entram em pauta, Emad se preocupa em saber quem é que cometeu o crime e o filme ganha contornos de suspense e uma grande tensão se instaura. Rana está completamente traumatizada e não consegue falar sobre o ocorrido, perceba que em nenhum momento a palavra estupro é mencionada, além de que Emad decide fazer justiça à sua honra, ou seja, a mulher em pedaços e que sofre em silêncio e é o marido, que sem nem sequer saber da amplitude do ato criminoso cometido contra ela e que fortalece a decisão de não dar queixa, se impõe e quer vingança. Uma ação egoísta e insensível, uma complexidade de sentimentos invade a tela e são os olhares que dizem a maior parte das coisas. 
Taraneh e Shahab interpretam de maneira naturalista e fazem com que penetremos na história, sentimos a dor de Rana e ao longo dos acontecimentos um grande mal-estar toma conta. Apesar de colocar em evidência aspectos culturais e sociais fortes do Irã, principalmente, no que concerne à religião, é absolutamente universal, pois muitas mulheres sentem medo, vergonha e até culpa em denunciar, o machismo está entranhado em todas as culturas, e em países como o Irã é ainda pior e devastador, por isso obras como esta são essenciais para refletir e quebrar paradigmas antigos.

As reações de Emad diante ao acontecido muda o como Rana o enxergava, de repente, ela não encontra mais seu marido amoroso, mas um homem perdido, sem saber como agir com ela e apenas preocupado com o julgamento das pessoas. Por conta da cultura, por exemplo, denunciar à polícia seria uma vergonha, agora enfrentar e expor o agressor diante a sua família seria um ato honroso, mas dá-se um emaranhado de situações que geram decisões espinhosas e tensas. 
Asghar Farhadi é mestre em elaborar histórias de conflitos de relação, ele tem um olhar apurado e promove reflexões contundentes de modo sutil, é realista e por isso impressiona.

O filme é fluído e muito desconcertante, especialmente em seu arco final, os olhares e mais ainda o silêncio fazem parte desta instigante história.
"O Apartamento" é uma obra que evidencia o ruir de um relacionamento, sentimentos confusos, decisões e suas consequências; o machismo, a insensibilidade e as hipocrisias. Não é fácil ser mulher no Irã, ou em qualquer outro ponto do mundo, como exposto no filme a mulher que sofre a violência sempre fica em segundo plano e praticamente encurralada.

Um comentário:

  1. Por mais que seja uma história forte e eu goste dos trabalhos de Farhadi, coloco este longa um degrau abaixo de seus filmes anteriores.

    Considero "A Separação" o melhor de sua carreira.

    É interessante que em todos seus filmes, Farhadi insira na trama os contrastes do Irã, principalmente a "disputa" entre as tradições religiosas e o estilo de vida ocidental.

    Abraço

    ResponderExcluir

SE FOR COMENTAR, LEIA ANTES!

NÃO ACEITO APENAS DIVULGAÇÃO.