sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Out of Nature (Mot Naturen)

“Mot Naturen” (2014) dirigido e protagonizado por Ole Giæver (Fjellet – 2011) é um filme introspectivo do qual retrata a viagem existencial de Martin, que desesperado por causa de seu cotidiano vai para às montanhas passar um fim de semana essencial e quase pueril. Mergulhamos dentro de seus pensamentos e partilhamos de seus sentimentos e fantasias.
O filme retrata de forma incrível o ser humano e o como pensamos. Martin é o clássico modelo de homem na sociedade, trabalhador, casado e pai de um menino, ele está claramente sufocado com sua vida e olha para seus colegas e esposa de modo distante, ele parece não se encaixar em nada. Martin não deseja sair para beber com os seus colegas de trabalho e nem passar o fim de semana com a família, então arranja suas coisas e vai para às montanhas, seus questionamentos passeiam por vários aspectos, desde os mais reflexivos, a divertidas, ou imaginativas situações. Martin é um cara comum, não é feito de qualidades apenas, como a maioria aparenta, por isso se sente desesperado e tenta se recuperar de tudo isso sozinho, longe da confusão cotidiana. Mas quando chega se pergunta se esta é a decisão certa, pois ele poderia estar junto de sua família, brincando com seu filho, do qual não é muito próximo, várias vezes seus pensamentos pairam sobre isso e Martin não sabe muito bem como ser pai. Vemos alguns flashbacks de quando era criança e sutilmente exemplifica um pouco de sua personalidade atual.
Seus sentimentos estão aprisionados, e na natureza ele pode dar vazão a eles e tenta compreender quem de fato é. Super interessante acompanhar o fluxo de sua consciência, suas alternâncias e confusões representam o quão o ser humano é complexo ao lidar com a rotina e com que lhe é basicamente programado. Martin nos conta em pensamentos o como conheceu sua esposa, ele fantasia possibilidades, como o divórcio ou até a morte dela. Estar consigo mesmo é algo difícil, quase sempre estamos rodeados de pessoas, de normas a gritar: Isto é assim e siga por aqui. Ir de encontro com que deseja se tornou praticamente impossível, todos estão a postos para lhe impor e te sufocarem com padrões. Martin nem sabe o que ele quer, está absorvido pelo mais do mesmo de sua vida e perdido tenta se localizar em meio as árvores, os rios e as montanhas. Nas palavras do diretor: “Para estar presente no mundo, antes é preciso estar presente em si mesmo”. Essa é a mais pura e essencial verdade.

O longa tem cenas lindíssimas, a câmera busca sempre detalhar não só o personagem como tudo que o circunda. Seus pensamentos entram em harmonia com a natureza. Martin vai em busca de sua própria natureza, um encontro consigo mesmo, avalia suas escolhas para assim poder seguir em frente. Nos identificamos com Martin e podemos observar que assim como ele somos muitos, o dia a dia nos limita a ser só um. Carregamos tantos sentimentos e o sentir-se aprisionado acaba sendo algo que inevitavelmente acontece. Também estamos em constante transformação, a cada experiência mudamos, mas para isso não se tornar confuso precisamos olhar para dentro e se perguntar e, principalmente se enxergar. 
“Mot Naturen” é delicioso de se assistir, tem uma dinâmica interessante, propõe ao espectador um tema reflexivo e traz momentos divertidos. É simples, porém genial!

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Advantageous

“Advantageous” (2015) dirigido por Jennifer Phang é um filme melancólico que passeia por muitas questões existenciais. Em uma cidade no futuro próximo onde a opulência ofusca dificuldades econômicas, Gwen e sua filha, Jules, fazem tudo o que podem para manter a alegria, apesar de toda a instabilidade em volta do seu mundo.
Gwen (Jacqueline Kim – também roteirista) é mãe de Jules (Samantha Kim), uma menina de 13 anos muito inteligente. As duas tentam sobreviver em um mundo extremamente luxuoso e tecnológico. Somos apresentados a um futuro clean, mas mascarado, telefonemas e conferências são feitos através de hologramas e a estética nunca esteve tão em alta. Gwen trabalha em uma empresa que prima pela beleza e que antes de tudo ataca o psicológico das pessoas. Gwen já não representa mais o conceito da empresa, está envelhecida e não se encaixa nos padrões atuais. E, portanto o futuro de sua filha está em risco ao perder esse emprego. Interessante o conteúdo do longa, ainda mais por ter sido feito por mulheres, a visão em torno das pressões, seja elas estéticas ou morais. Gwen é mãe solteira, precisa trabalhar duro e lidar com o meio que diz que não há espaço pra ela, Jules é sua vida e é capaz de tudo para dar um futuro garantido a sua filha.
O futuro retratado não está muito longe de nossa atualidade, cada vez mais os trabalhos estão sendo automatizados e restrito a padrões, deixando muitas pessoas desempregadas e à margem. Invisíveis, a sociedade os engole com sua riqueza e tecnologia. Gwen acaba se sujeitando a um novo método, ainda em fase de experimentação, algo que a mudará completamente. Imensamente triste observar o quão dispostas as pessoas estão a se submeter a qualquer custo pela sobrevivência.
“Advantageous” pode parecer complicado de início, mas é uma crítica muito clara ao futuro que estamos a caminho. Um futuro em que seu valor será medido por características exteriores e que será possível apagar seu eu para poder ser outro. Os diálogos são lindos e reflexivos, o ritmo é lento, mas atrai a atenção, seu clima melancólico e angustiante exige que pensemos o meio em que vivemos, e as atuações coroam esse drama existencial. É um filme claro, apesar das metáforas. Uma bela surpresa, e para quem curte ficção científica é um exemplar diferenciado e sensível.

Em vários momentos Jules questiona porque e pra quê existe, a questão da reprodução é colocada em pauta sutilmente. Os seres humanos se baseiam em sentimentos egoístas em relação ao assunto, "eu quero porque cuidará de mim", "porque eu desejo ser melhor", "isso irá mudar minha vida", mas não se dão conta que se está colocando um ser humano no mundo que sentirá por si só as coisas. Engravidar é uma falsa obrigação moral para a mulher, desde criança cuidamos de bonecas e entendemos isso como instintivo, quando na verdade não é. Para mim é um crime colocar um ser neste planeta cada vez mais desigual, violento e repleto de ignorância. O filme entra nesta questão social, mas como já disse sutilmente, Gwen ama tanto sua filha e teme tanto por seu futuro que se submete a algo que não melhorará, mas piorará a situação da menina. O filme pode ser encarado de forma depressiva e até pessimista, mas serve para levantar questões que a todo o tempo somos confrontados, especialmente às mulheres. 
“Advantageous” é silencioso e incrível ao passar amplamente pontos tão significativos. Ao encarar esse futuro que o filme nos oferece vemos como num espelho nossa atualidade. Tudo que merece valor é subjugado. A pobreza é invisível enquanto os meios de comunicação exaltam padrões criando assim infelicidade e insatisfação. A sociedade acaba doente e o mundo se torna trágico. É um filme independente muito bem realizado que suscita discussões importantes. 

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Somewhere in Palilula (Undeva la Palilula)

"Somewhere in Palilula" (2012) dirigido por Silviu Purcarete é um filme romeno surreal recheado de humor negro, uma experiência e tanto para aqueles que gostam de se enveredar por estilos diferentes.
Em algum lugar no Palilula somos levados a década de 60 na Romênia e apresentados à história de Serafim, um recém graduado da faculdade de medicina, trazido por capricho de um destino sombrio para a cidade de Palilula. Nada é o que parece ser. Palilula é uma cidade fantasma, perdida no meio da planície Vallahian. Uma área de quarentena, um sanatório, um hospital improvável, uma clínica ginecológica em um assentamento onde nenhuma criança nasce, uma comunidade de italianos que esqueceu sua língua, mas não a nostalgia de sua música tradicional. Nesse lugar o jovem médico Serafim não vai conseguir exercer sua profissão como pediatra, nesta cidade sem filhos, terá que se afogar no mel doce e envenenado do lugar, como uma mosca presa por um sapo.
Palilula é um local esquecido e misterioso, as pessoas do local são peculiares e cheias de manias, a bebida, por exemplo é uma constante. Por nada de interessante acontecer tudo é motivo de comemoração; esse conto bizarro contém diversas metáforas, algumas impossíveis de decifrar. Mas é uma baita produção, belíssima fotografia, cenário, trilha sonora hipnotizante e uma narrativa diferenciada que seduz e entorpece. Serafim é um jovem médico pediatra que se vê de repente em Palilula, mas não há crianças no local, não se permite que nenhuma nasça, porque se nascer exige-se que alguém morra e isso é inconcebível lá. Eles próprios mantém suas regras, os médicos que nada têm a fazer dizem que eles são os doentes. Serafim não demora para incorporar o espírito do local, ainda mais depois de começar a brindar em razão disso e daquilo.
Os personagens exibem características curiosas, somos apresentados aos habitantes e logo somos absorvidos pela história que apresenta situações surreais. Ao mesmo tempo que o filme é melancólico, do nada vira um imenso carnaval. As atuações são inspiradas e deveras muito teatral. Fantasioso, mas alegórico, são parodiados por exemplo, o regime soviético, a religião, e tudo que se refere ao país.
"Palilula, Palilula! Doce terrível inferno! Amor e vergonha de minha juventude! Meu depósito de lixo. Jovem, verde, paradisíaco..." Serafim nunca mais conseguiu deixar o lugar, uma espécie de magia, de decadência, a cidade o engoliu. 
Loucuras atrás de loucuras, festas estranhas, como a que um grande número de rãs é servida e uma apresentação de ópera é vista. Diálogos e histórias que se repetem e intensificam a aura do lugar. Tudo vai indo, indo, até chegar o apogeu de insensatez. Sobra apenas Serafim, que nos conta esta história, quer dizer...

"Somewhere in Palilula" é um longa criativo, repleto de personagens interessantes, um clima totalmente absurdo, mas que cativa e diverte, além da fotografia ser lindíssima e a trilha sonora um grande componente.
Interessante, divertido, surreal, misterioso e bizarro, Palilula é um lugar do qual a imaginação corre solta, certamente um filme que ficará num cantinho especial da memória, mas é preciso embarcar na história, aí sim valerá a pena. 

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Mia Madre

"Mia Madre" (2015) dirigido por Nanni Moretti (Caos Calmo - 2008) retrata o cotidiano de uma cineasta e o processo de aceitação diante da proximidade da morte de sua mãe. Margherita (Margherita Buy) é uma diretora de cinema que está rodando seu novo filme com o famoso e peculiar ator americano Barry Huggins (John Turturro). Longe do set, Margherita tenta manter sua vida inteira enquanto sente-se impotente ao enfrentar a doença de sua mãe e a adolescência da filha.
Nanni Moretti é um diretor sensível que sabe dar leveza a seus filmes que geralmente tratam de assuntos doloridos, seu jeito doce de contar a história nos dá ao mesmo tempo uma sensação de angústia e alívio. Margherita é uma mulher hiper independente, cheia de trabalho e pessoas para guiar, acompanhamos o caos nos sets de filmagens e o como requer paciência e ânimo para compor uma obra cinematográfica, as cenas são repetidas exaustivamente e suas manias deixam os atores confusos. Barry Huggins, um ator americano vaidoso e loroteiro, sem dúvidas, uma interpretação inspirada de John Turturro, ele é o lado cômico e ameniza a personalidade turrona e egoísta de Margherita. Nanni Moretti faz Giovanni, o irmão dela, sempre sereno, pronto para acalmar e esclarecer Margherita sobre a realidade.
A mãe (Giulia Lazzarini) está doente e pouco a pouco vai sucumbindo, antes uma mulher cheia de energias, professora de latim, se vê acamada e sem sinais de melhoras. No início, tanto ela como Margherita não se dão conta que o fim está próximo, a lucidez acompanha apenas Giovanni. Desesperada, Margherita acaba levando isso pro trabalho e sua vida se transforma numa imensa bagunça. Ela relembra momentos em que foi áspera com a mãe, ou ausente, assim como é com sua filha, mas tudo isso muda quando a compreensão chega.
"Mia Madre" passeia por vários assuntos, um filme metalinguístico que discute a ficção e a realidade, o pessoal e o profissional, e outras tantas coisas. É delicado, engraçado, dolorido, aconchegante, difícil definir esta obra de Moretti, mas é um filme que merece atenção e que certamente enriquece o espectador com questões que deixamos de lado. A dor é inevitável, perdas todos temos, e a aceitação é um processo que ao final nos torna pessoas melhores e mais capazes.

O filme chega muito próximo de nós e, portanto, percebemos o quão confusos somos observando Margherita, lidar com o pessoal em momentos de dor e ainda ter que estar inspirada para um trabalho dar certo é complicado. Levamos tudo conosco e os sentimentos afetam todos os setores de nossa vida. Não somos perfeitos, não há divisórias em que colocamos as dores em um compartimento e seguimos normalmente, tudo que nos tira do chão, principalmente a morte de alguém que amamos acaba por modificar nossa consciência. Somos seres mutáveis e a todo instante afetados por sensações e situações.  
Interessante ao final com a morte da mãe ver que Margherita não conhecia ela, os alunos contando histórias revelam isso, mas ela escuta com alegria e nada mais lindo do que aceitar e sentir a paz. A cena final é lindíssima!

"Mia Madre" conta com lindas atuações, destaque para Turturro que é um show a parte e nos presenteia com suas loucuras ao tentar interpretar o personagem no filme de Margherita. A maravilhosa Margherita Buy está grandiosa e refletimos muito sobre sua personagem. Nanni Moretti é uma presença acalentadora e dirige esta obra com total maestria e personalidade.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Slow West

"Slow West" (2015) dirigido por John Maclean é um filme de faroeste atípico, começando pela sua beleza, a locação verdejante é extremamente linda, apesar da história se passar na América, tudo foi gravado na Nova Zelândia. A narrativa segue de forma lenta e a ação vem aos poucos, além do tom poético que permeia toda a trama.
Situada no século XIX, o misterioso cowboy Silas Selleck (Michael Fassbender), é contratado para proteger Jay (Kodi Smit-McPhee), membro da realeza escocesa, durante uma imprevisível jornada aos Estados Unidos em busca da amada do jovem. Jay é um apaixonado que se lança a um perigoso trajeto para encontrar Rose (Caren Pistorius), que fugiu da Europa para o Oeste Americano junto de seu pai (Rory McCann). No caminho Jay encontra diversos tipos e quase sempre com intenções duvidosas. Selleck aparece e Jay oferece dinheiro com a condição de que o leve até Rose, mas a verdade é que ele é um caçador de recompensas e sabe que Rose e seu pai estão sendo procurados. Ao longo seus sentimentos em relação ao garoto vão mudando, talvez por ele ter uma certa inocência e pureza sobre o amor. No percurso eles encontram bandidos, índios e outros caçadores de recompensa, dos quais Selleck conhece muito bem, Payne (Ben Mendelsohn) e seu bando começam a segui-los por saber que eles os levarão ao pote de ouro.
O filme tem um quê de poesia, Jay é aqueles românticos que não veem obstáculos e sem medo e por ingenuidade, segue percalços até o grande amor. É um longa que refresca o gênero e propõe ao espectador uma experiência ao mesmo tempo que dramática também bem-humorada, vários momentos são recheados de humor negro. John Maclean estreou brilhantemente e apesar da trama simples imprime personalidade ao gênero faroeste. As atuações estão perfeitas, Michael Fassbender é um sujeito solitário, seco, mas muito charmoso, Kodi Smit-McPhee interpreta um jovem perdido de amor e que aos poucos se infiltra no meio bang bang.
"Slow West" não tem grandes cenas de ação, tiroteios e perseguições, elas aparecem quando necessárias e carregam uma abordagem diferente, o clímax acontece ao final e fecha muito bem a história. Surpreende e agrada bastante.

"Slow West" tem um clima melancólico, mas também pitoresco e reflexivo, é uma obra de uma beleza plástica incrível. A narrativa é simples, mas totalmente eficaz. Uma boa opção para quem procura por filmes diferentes no gênero faroeste.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O Crítico (El Crítico)

"O Crítico" (2013) dirigido pelo estreante Hernán Guerschuny é um filme inteligente que brinca com a figura do crítico e com os clichês das comédias românticas.
Víctor Tellez (Rafael Spregelburd - O Homem ao Lado, 2009) é um prestigiado crítico de cinema que odeia comédias românticas hollywoodianas e cinema moderno. Ele vê o mundo como um longo filme que não consegue deixar de criticar. Um dia, do nada, ele conhece Sofia (Dolores Fonzi), uma jovem e atraente mulher com quem não tem quase nada em comum, especialmente quando o assunto é cinema. Como o destino insiste em aproximar os dois, Tellez suspeita que o gênero que ele mais odeia está em busca de vingança.
O longa ironiza o esteriótipo do crítico de cinema, Tellez é mal-humorado, seco, vangloria certos diretores e despreza gêneros de entretenimento, ele leva pra vida real a sua mania de avaliação e sua arrogância chega a tanto que prefere pensar em francês, o que denota a sua paixão pelo movimento da Nouvelle Vague. Mas, por mais que o personagem soe chato acaba por nos cativar, aliás uma elogiável interpretação de Rafael Spregelburd. Todos os clichês possíveis estão em "O Crítico", aqueles que permeiam as comédias românticas e que tanto Tellez odeia. Para ele esse gênero é sempre igual, com as mesmas sacadas, e só de ver o poster consegue fazer uma crítica. De repente, Sofia aparece em sua vida e ao se encantar por sua espontaneidade começa a vivenciar esses clichês tão detestáveis. Em dado momento ele se pergunta o porquê de estar vendo as coisas em câmera lenta, inclusive os momentos em que ele compartilha seus pensamentos são os melhores.
Tellez é um homem refinado e cultua o cinema antigo, para ele o bom cinema morreu e a vida nada mais é que uma versão piorada dos filmes ruins. Ao tentar encontrar um apartamento mais espaçoso depara-se com Sofia, a típica mocinha estabanada que vê tudo colorido, seu completo oposto. A ironia e o cinismo dá ao filme uma característica única, por vezes até acreditamos que ele irá virar um imenso clichezão, mas o roteiro não perde a linha e não deixa nenhuma ponta solta, é redondinho e finaliza com surpresas. Inteligentemente o diretor conseguiu usar todos os elementos que se destacam nas comédias românticas e na figura de um crítico e criar um filme divertido e elegante.

"O Crítico" se destaca pela direção de Hernán Guerschuny, que se inspirou em si mesmo, ele é crítico de cinema, então conhece muito bem todos os esteriótipos criados em cima da profissão, além de colocar críticos no elenco, os amigos de Tellez. Sem dúvidas, a atuação de Rafael Spregelburd fez toda a diferença, ele encarnou o personagem e deu credibilidade, ele é extremamente chato, mas um chato agradável. Seus devaneios sobre como a "maladie du cinéma" o fez enxergar os defeitos da vida é outro ponto forte, sem contar as várias referências que o filme proporciona.
As cenas em que ele conversa com sua sobrinha Agatha (Telma Crisanti) também são ótimas, ela trabalha numa locadora de vídeos e adora as comédias mais melosas que existem. E ainda Tellez é perseguido por Arce (Ignacio Rogers), um diretor iniciante que ficou obcecado pelo crítico depois deste ter falado mal de seu filme. Interessante é o como Hernán Guerschuny conseguiu colocar todos esses clichês mesclado a um fino humor e não pender tanto pelo lado da caricatura, quanto da pretensão de criticar. É leve, delicioso e original.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Noite Decisiva / Concrete Night / Betoniyö

"Concrete Night" (2013) dirigido pela finlandesa Pirjo Honkasalo é um filme melancólico que demonstra toda a fragilidade de um garoto a mercê do vazio que o rodeia. Sem esperanças ele vaga pelas ruas de Helsinki e influenciável se apega a qualquer ideia.
Simo (Johannes Brotherus), um garoto de 14 anos que ainda não tem um senso próprio de si e nem a capacidade de se proteger apropriadamente do mundo que o cerca, e seu irmão mais velho, Ilkka (Jari Virman), são filhos de uma mãe (Anneli Karppinen) solteira indefesa e imprevisível. Seu lar caótico é localizado nas profundezas do coração de uma selva de pedra em Helsinki. Ilkka tem um dia de liberdade antes de começar a cumprir sua pena na cadeia, portanto a mãe convence Simo a passar a última noite com o seu irmão. Certas coisas acontecem nesta noite e Simo testemunha incidentes que ele preferia não ver. Simo, que não tem a capacidade de distorcer o que vê ou de se iludir, vê as coisas exatamente como elas são. Quando não filtrado, o mundo parece insuportável.
Um filme urbano e pessimista, chegando mesmo a ser niilista, faz um passeio pela mente de um jovem rapaz que aos poucos perde sua inocência diante aos acontecimentos. Sua vida é um vazio, cercado por uma mãe decadente que pouco se importa com a própria vida e um irmão que está prestes a ir pra cadeia, percebemos o quão influenciável é Simo, sem norte ele vai conforme é conduzido por outros, seu irmão não capta que o menino está em transição e pouco viu da vida e o que observa e escuta é o suficiente para deixá-lo atordoado.

O lugar em que mora é um conjunto habitacional em que figuras das mais variadas moram, um local obscuro, úmido e completamente marginal. Ele vaga pelo ambiente e sempre se depara com um homem do qual acha que é gay. Em dado momento entra na casa dele e entre conversas filosóficas e estranhas, além de tirar fotografias, o homem tenta agarrá-lo, Simo desnorteado começa a bater violentamente nele. Enfim, isso desencadeia uma revolta e um desespero mortificante no garoto, nada será capaz de abrandá-lo.
Simo tem semblante angelical, é puro em relação ao mundo e se impressiona facilmente, principalmente quando o irmão lhe diz sobre os escorpiões dominarem e comerem nós seres humanos. Suas ideias de drogado o atingem em cheio e ele leva tudo a sério, o que culmina em um triste fim.
A aura do filme é pesada e pessimista, repete-se ao longo que a única coisa que se deve ter medo é da esperança, os diálogos beiram ao filosófico e contemplamos cenas belíssimas, onde a fotografia em preto e branco só evidencia essa decadência.

Perturbador ver o quão perdido está Simo, sem boas influências ele vai de encontro a dor. Sua mãe busca ainda ter lampejos de alegria em meio a bebidas e homens, e ele vê no irmão uma possibilidade de laço, só que Ikka acaba sendo o modelo que o levará para a ruína, já que Simo não tem discernimento e a capacidade de se iludir perante a vida.
"Concrete Night" demonstra a fragilidade de uma juventude afogada no vazio, sem visões de futuro e que se apegam a qualquer coisa. Um filme sensível, porém seco e requer um pouco de força para vê-lo até o fim, não é agradável assistir a miséria humana.