quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Ida
"Ida" (2013) de Pawel Pawlikowski é um filme que foge do comum, seja em sua narrativa ou em sua estética. Com um enquadramento de formato quadrado junto a uma fotografia lindíssima em preto e branco, sua duração é de apenas 82 min, a cadência é lenta e não há grandes eventos, mas toca em assuntos sensíveis, como o holocausto e a religião. O tema do filme é tratado de modo delicado e promove sentimentos únicos em cada um que o assiste.
A história se passa na Polônia de 1960 e segue a noviça Anna (Agata Trzebuchowska), uma jovem que desde criança mora num convento, ela está prestes a fazer seus votos para se tornar freira, mas a madre a obriga a ver sua única parente viva, sua tia Wanda (Agata Kulesza), que até então Anna nem sabia que existia. Ao se encontrarem se dá um choque de personalidades, Wanda é uma juíza do partido comunista e alcoólatra e não titubeia ao revelar segredos do passado para a sobrinha. Ela lhe conta que seu nome verdadeiro é Ida e que na verdade tem origem judaica, e cujos pais foram mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Após receber a notícia Anna decide ir em busca de informações para saber o local onde foram enterrados.
A convivência entre essas duas mulheres completamente diferentes é o que dá uma certa dinâmica ao filme, pois o ritmo é bem lento, a câmera não tem pressa e os diálogos são escassos, Wanda protagoniza pequenos diálogos incríveis, são críticos e ácidos. Já Anna é uma moça calada, tímida e que não sabe absolutamente nada, portanto é compreensível a confusão que a toma, demoramos para entendê-la, porém nessa busca pelo seu passado junto com a tia, acontece uma mudança e mesmo que não seja explicitada em diálogos a entendemos no fim das contas.
A ausência de trilha sonora também faz parte da aura do filme, só escutamos algo quando Ida e a tia estão num hotel. O rapaz que toca saxofone na banda se interessa pela freira, e nessa parte conseguimos reparar em nuances, seu rosto pensativo dá lugar para a curiosidade.
"Ida" é um filme pesado, seco, porém muito bonito, simples e profundo. Pode até parecer que nada acontece, mas é porque ele precisa ser olhado com uma certa precisão, são gestos, olhares e o silêncio que predomina em Ida nos diz muito, ela não sabe quem é, está em busca com muitas dúvidas, sua autodescoberta é difícil, incerta e dolorosa. O que se sobressai é a fotografia, mas o conjunto faz desse longa uma espécie rara dentro do cinema e que deve ser visto com mais carinho e atenção.
Ida não é só o nome verdadeiro de Anna, mas também é a busca, a ida rumo a sua verdadeira identidade. Ao longo do filme a amargura e a dor vai tomando conta da personagem de Wanda, enquanto sabemos o que se passa com ela, pois sempre deixa seus pensamentos as claras, Ida segue como um enigma. Em dado momento Ida decide viver de fato, conhecer o mundo lá fora, se deixar levar pelo amor do saxofonista, mas ela não quer a confusão do mundo externo, ela deseja algo concreto, como as regras do convento, isso de algum modo faz parte de si. A cena final é brusca, com um diálogo mínimo, mas que acaba traduzindo a personagem.
"Ida" retrata o silêncio de personagens marcados por um episódio drástico da História e também reflete a vocação da religião. Ida depois de uma noite de amor com o saxofonista lhe pergunta o que virá depois, ele por sua vez responde: o que quiser, casamos, temos filhos, brigamos e fim, afinal é a vida! Esse diálogo faz Ida perceber que não é nesse mundo caótico que deseja viver e parte rumo ao convento, aonde seu coração percebe que se sentirá bem.
Sem dúvidas um filme que chegará diferente a cada pessoa, para alguns enfadonho, já para outros de uma beleza sem tamanho, uma obra reflexiva, austera e silenciosa. Com personagens complexos em uma história que se desenrola de maneira simples, o longa merece mais de uma assistida e deve ser guardado num cantinho especial da memória.
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