terça-feira, 13 de novembro de 2018

Ward nº6 (Palata N°6)

"Ward nº 6" (2009) dirigido por Aleksandr Gornovsky e Karen Shakhnazarov (Tigre Branco -2012), baseado em um conto de Chekhov, "Enfermaria nº6", conta a história de um psiquiatra que se torna paciente do asilo que antes comandava. Adaptado para a Rússia dos dias atuais, o filme é uma mistura de ansiedade e mistério, mostrando como é fácil nos tornarmos o que mais tememos. A adaptação moderna de um conto de Chekhov para a Rússia contemporânea em que um médico psiquiatra se torna paciente é sem dúvidas interessante e angustiante, as conversas entre Gromov e Ragin são regadas a ansiedade e seus pontos de vista levantam questões importantes. O começo do filme em que conta-se a história do local é algo maravilhoso, assim como a união da ficção e realidade na utilização de pacientes reais. 
É um filme que serve para a reflexão sobre um tema atemporal, a corrupção institucional e o como os indivíduos categorizados loucos são marginalizados e sofrem nas mãos daqueles que obtêm algum poder, a crise existencial pulsa e diálogos filosóficos coroam a obra. Filmado em um hospital psiquiátrico em funcionamento, o local, um antigo mosteiro, mistura ficção e realidade, onde instaura-se de forma documental uma investigação acerca do médico que se tornou paciente. Além da bela e terrível apresentação sobre o lugar, alguns pacientes são entrevistados e respondem perguntas sobre fé e sonhos, em seguinte acompanhamos um jovem médico, Khobotov (Evgeniy Stychkin), que assumiu o lugar de Ragin (Vladimir Ilin), aos poucos somos introduzidos à história e as entrevistas que tentam extrair de todos no local, pacientes, funcionários e médicos, o que teria levado o homem àquele estado? Claro, tudo fica mais interessante quando Ragin estabelece vínculo com Gromov (Aleksey Vertkov), um homem inteligente, mas que sofre da síndrome de perseguição, quando Ragin o descobre começa a trocar ideias o tempo todo e isso leva os outros médicos a perguntar sobre sua sanidade.
O fato é que para Ragin ninguém é interessante, não consegue estabelecer uma conversa a não ser com seu amigo Mikhail, só que com Gromov as discussões inspiradas levam Ragin ao abismo, ele é um homem sossegado sem grandes aflições, nunca experimentou o sofrimento e por isso o despreza, seu pessimismo é tanto que nada do que venha a fazer tem valor, já que no final a única coisa que o espera é a morte, ele diz que a felicidade está dentro e independe do ambiente, mas fecha os olhos para o mundo dos outros, suas ideias começam a chacoalhar à medida que Gromov o desperta e numa cena brilhante pergunta ao médico que razões ele tem para pregar sobre o significado da vida, já que ignora o sofrimento e nunca viveu de fato. A partir daí tudo que acreditava desmorona e nada é capaz de impedir sua derrocada, enquanto isso os médicos conspiram por visualizar Ragin cada vez mais deprimido e bêbado.

Gromov propõe em seus diálogos pontos de vista que até então o médico não havia pensado, já que estava mergulhado em suas próprias ideias niilistas e apenas sentado em sua cadeira sem viver de fato a vida. Quando se passa pelo sofrimento e a ação se faz necessária algo muda e as percepções da vida se tornam diferentes. Depois dessa conversa Ragin não foi mais o mesmo e se entregou à bebida o levando a um estado apoplético. 

A atmosfera de angústia, desespero e ansiedade predomina a maior parte do tempo, discorre com maestria sobre o como os transtornos mentais surgem em sua maioria a partir da hipersensibilidade das pessoas em razão de sofrimentos, rejeições, traumas, etc. É um exemplar importante para afastar o preconceito contra os doentes mentais e ter mais compaixão e, principalmente, retratar essas instituições que os aprisionam e os sedam o tempo todo, algo extremamente desumano que só faz eliminar a personalidade do doente.
"Ward nº6" traz grandes questionamentos e faz uma ótima adaptação do conto para a Rússia contemporânea, mas que de algum modo se faz universal, até porque as dores e os sofrimentos humanos são semelhantes.

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