sexta-feira, 27 de abril de 2018

Esplendor (Hikari)

"Esplendor" (2017) dirigido por Naomi Kawase (Sabor da Vida - 2015) é uma poesia sobre o sentir, reflete o como e o quanto as imagens modelam o indivíduo formando memórias e saudades e influindo na percepção das belezas e das tristezas que as pessoas e as coisas possuem. Somos inseridos de maneira gentil ao mundo da protagonista que se dedica a escrever e esmiuçar as imagens dos filmes para deficientes visuais, dando a eles a possibilidade não apenas de compreensão, mas o da subjetividade dessas imagens e de imergir dentro das histórias. A emoção, a contemplação, a empatia e a natureza, características tão pulsantes da diretora estão presentes e encantam a cada cena.
Misako (Misaki Ayame) escreve versões de filmes para deficientes visuais. Durante uma exibição, ela conhece Nakamori (Masatoshi Nagase), um fotógrafo mais velho que, lentamente, está perdendo a visão. Quando Misako descobre as fotografias de Nakamori, essas imagens irão, estranhamente, levá-la de volta ao seu passado. Juntos, os dois vão aprender a enxergar o mundo radiante que, antes, estava invisível aos olhos dela.
A audiodescrição é o coração da trama, Misako vive para seu trabalho e nas horas que observamos ela caminhando ou se relacionando percebe-se que esse universo a dominou por completo, a cada sessão de teste com o grupo ela tenta se superar, ouve as críticas e está determinada a transformar imagens em palavras e passar os sentimentos para eles sem qualquer interferência pessoal. Cada um deve ativar sua imaginação e sentir de um modo próprio as imagens narradas. Misako é solitária e toda vez que visita a mãe sofre com as lembranças de seu pai, esse sentimento de perda também faz parte da vida de Nakamori, que precisa lidar com a drástica perda de visão e por conta disso abdicar de sua profissão, antes um renomado fotógrafo Nakamori agora necessita aceitar sua condição. Nas sessões Nakamori é um duro crítico do trabalho de Misako e isso a faz querer conhecê-lo melhor, aos poucos essa relação vai se formando e um vai aprendendo com o outro a perceber a vida de um jeito diferente.
Nakamori está endurecido com a vida, se ressente por cada vez menos enxergar, acompanhamos o processo, por muitas vezes as cenas embaçam retratando o como ele vê as coisas, em uma delas há apenas uma fresta de luz, ele está sentado no jardim e tenta captar as crianças que olham para a sua câmera fotográfica, a luz o ajuda a ter o mínimo de visão, porém a sua angústia só aumenta com o passar dos dias, desse embaçamento resta apenas um borrão para então se apagar de vez, Misako se aproxima dele também ao se encantar por uma fotografia em especial, uma paisagem ensolarada que a remete à infância com o pai. Com o desenrolar depois de muito entravamento os dois se conectam e se percebem e juntos descobrem outros caminhos, a delicadeza da relação é imensa, as sensações transbordam da tela. 

"O cinema 'vive' em um mundo vasto. E frente a essa vastidão nossas palavras são pequenas"

O cinema é muito mais que imagens, assim como a vida, e quando o grupo de deficientes visuais estão debatendo sobre a sessão podemos compreender a amplitude dessas sensações que para quem enxerga acabam se perdendo, em situações cotidianas, por exemplo, apenas enxergamos, mas não vemos de fato. 
Misako é uma escritora, desenvolve a partir das imagens narrações maravilhosas, ela possui gentileza e empatia, ouve de verdade e sente de verdade. O filme transcende a história, a subjetividade é trabalhada de forma única, tanto para os personagens como para o espectador, reflete-se o quanto estamos condicionados à imagem, nossas lembranças são exemplos disso, mas as melhores memórias nem sempre se compõem delas e sim de outros sentidos, dos quais palavras são incapazes de descrever.

A natureza é sempre algo muito marcante nos filmes de Kawase, somos parte dela e há um deslumbre no como a câmera a capta, neste a luz do sol é protagonista e se mescla com todo o contexto, além de nos presentear com momentos de puro esplendor. 
"Esplendor" conversa com todos os nossos sentidos, nos faz reavivá-los, sentimos a dor, a ausência daquilo que existiu, mas também o magnetismo e as novas percepções que a vida proporciona. 

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Os Garotos nas Árvores (Boys in the Trees)

"Os Garotos nas Árvores" (2016) dirigido por Nicholas Verso é um filme que utiliza elementos sombrios para metaforizar a difícil passagem para a fase adulta, apesar da fantasia que o envolve não há floreios ou qualquer mera justificativa para o tédio, o bullying, os traumas e o desejo de aceitação. É o universo adolescente que pulsa e que desperta como um animal selvagem.
É Halloween em 1997, e também a última noite na escola para dois adolescentes skatistas, que vão deixar para trás a fase escolar e adentrar na famosa fase adulta. Mas, para um deles, Corey (Toby Wallace), alguns assuntos do passado ainda precisam ser resolvidos envolvendo Jonah (Gulliver McGrath), um velho conhecido da infância. Para isso, os dois vão embarcar em uma viagem apavorante através de suas memórias, sonhos e medos.
Inicialmente a história causa estranhamento, oscila entre gêneros e confunde por não entregar o que está de fato acontecendo, vamos aos poucos criando empatia pelos personagens centrais e entrando nas camadas que sugere, o terror está presente o tempo todo, mas de formas diversas, não só com os elementos que fazem parte da festa de Halloween e seu clima soturno, mas também por conta das atitudes dos meninos e seus monstros interiores, o tédio é a explicação da violência cometida contra Jonah, o diferente, o garoto sensível, o bullying é severo e ele é completamente excluído da turma da escola. Sozinho ele caminha na noite, enquanto os demais pregam a foto do momento em que foi humilhado. Corey entra no jogo porque precisa, é a lei da selva, ou você faz parte da matilha ou corre para não ser pego, só que ele está amadurecendo e repensando suas atitudes, mas é pressionado constantemente por seu amigo Jango (Justin Holborow), o líder do bando. Corey está insatisfeito com as atitudes do amigo e prefere se distanciar na noite de Halloween, onde todos estão bebendo e zoando dentro do cemitério, ele se afasta e acaba encontrando Jonah na pista de skate, assustado o garoto cai e Corey vai socorrê-lo, daí em diante seguem juntos noite adentro, passam por lugares obscuros que trazem reminiscências, Jonah conta histórias, jogam um jogo chamado cócito e a realidade vai se confundindo liberando um amontoado de memórias traumáticas. A amizade de infância perdida entre os meninos, as suas causas e então as consequências.

O aspecto sinistro vai ficando cada vez mais forte à medida que os personagens revelam seus traumas e medos, é um conto triste de amadurecimento, um lembrete de que crescemos apenas quando lidamos com nossos erros e encaramos nossos monstros, no filme todos os adolescentes estão vagando, sem saber aonde pertencem, estão no meio termo, nem crianças e nem adultos, daí surge a necessidade de formar um grupo e se estabelecer como parte de algo, como a perseguição ao que supõem ser o mais fraco. Conforme vão despertando sentem necessidade de aceitação e para aquele que não deseja fazer parte do bando é extremamente doloroso, Jonah cita uma frase a Corey em determinada parte que exemplifica: "O homem é por natureza um animal social. Qualquer um que não faça parte da sociedade ou é uma fera selvagem ou um Deus."

"Os Garotos nas Árvores" capta o espírito juvenil com originalidade, os elementos sobrenaturais só intensificam os sentimentos e metaforizam as dificuldades das quais passam, além do visual que carrega nostalgia, os jovens perambulando pelas ruas sem muito o que fazer reflete bem à época que a história se passa, assim como a trilha sonora que contribui com todo o desenvolvimento, vai desde Marilyn Manson, Garbage, The Offspring, Metallica, Rammstein à belíssima "Hollow" composta e interpretada por Wendy Rule. 

terça-feira, 24 de abril de 2018

O Monstro de Martfüi/Estrangulado (A Martfüi Rém)

"O Monstro de Martfüi" (2016) dirigido por Árpád Sopsits (Torzók - 2001) é um filme  inspirado em uma história real perturbadora e indigesta sobre um serial killer de uma pequena cidade da Hungria, no período socialista entre 1957 a 1964. A atmosfera sombria e a abordagem crua cria sensações angustiantes e o desenvolvimento por mais que não crie tensão causa mal-estar, pois não esconde a violência e a agonia vivenciada.
Hungria, 1960. A pequena cidade de Martfü está sofrendo com os horrores que tomaram conta da região: um assassino sanguinário está à solta tirando a vida de várias mulheres. Obcecado em encontrar o culpado, o detetive designado para o caso está sendo fortemente pressionado pelo promotor a condenar alguém e, isso fará com que um homem que nunca poderia ter cometido tais crimes seja acusado.
Logo de cara conhecemos o local onde tudo acontece, uma fábrica de sapatos da qual muitas mulheres trabalham, numa noite Réti (Gábor Jászberényi) vai lá encontrar a mulher que gosta e acompanhá-la até sua casa, porém durante este trajeto ela é atacada e assassinada e Réti termina sendo acusado e sentenciado à prisão perpétua. Passa-se sete anos e os crimes continuam acontecendo e a polícia abafando, mas quando um jovem policial Szirmai (Péter Bárnai) é designado para investigar ele liga os novos assassinatos com o caso Réti. A história segue três linhas narrativas: o inocente sofrendo na cadeia e suas apelações sendo negadas, o real assassino em ação e a investigação que se torna pontual quando Szirmai assume, como filme policial carece de suspense e tensão, as tramas não se conectam e quebram a apreensão, mas como filme de serial killer é impressionante por focar na frieza e crueldade de Bognár Pál (Károly Hajduk), que escolhe as mulheres aleatoriamente, as estrangula e depois as estupra largando-as nuas e machucadas no lago ou nos trilhos de trem, ele é doentio e realmente causa asco. 

A fotografia escura ajuda na inserção do thriller mesmo que o mistério seja pouco trabalhado, o estuprador assassino é revelado logo e acompanhamos uma série de mortes provocadas de forma brutal, enquanto isso a polícia se desdobra para esclarecer o caso e reverter a situação de Réti com alguma desculpa plausível. A correria da polícia contrasta com o ritmo vagaroso do maníaco e as partes na prisão retratando Réti na maioria das vezes é depressiva e inerte. Por mais que as partes não se conectem perfeitamente é um filme que não segue um caminho óbvio e comum do gênero policial, ele prefere ser fiel ao horror que foi o caso real e o quanto a polícia foi relapsa ao encontrar um culpado rapidamente para mostrar competência ao Estado. O principal era manter a segurança mesmo que fosse tudo uma mentira.

"O Monstro de Martfüi" é pesado e se mantém firme nas cenas em que retrata o assassino em ação, vemos seu semblante, o seu modo de agir, toda a sua obsessão depravada em possuir essas mulheres mortas, e no fim quando é pego e interrogado nos causa um gelo na espinha, é terrivelmente cruel e vazio. Apesar de arrastado e quebrar a tensão em muitos momentos é um noir elegante que choca e ainda critica com peso o quanto a incompetência da polícia juntamente com as burocracias do Estado podem acabar gerando histórias terríveis a fim de mascarar a realidade. 

sexta-feira, 20 de abril de 2018

10 Filmes de Estrada (10 Road Movies)

Segue uma lista de filmes de estrada: liberdade, buscas, autoconhecimento, amizade e amores, seja de carro, caminhão, ônibus, bicicleta ou a pé, esse gênero é sempre inspirador e satisfatório. Selecionei dez obras apaixonantes e inesquecíveis.

10- "Zurique" (Zurich - 2015) Alemanha/Bélgica/Holanda
Um roadmovie musical sobre Nina, que descobre após a morte de seu grande amor Boris, um caminhoneiro carismático, que mantinha uma vida dupla. Tentando lidar com seus sentimentos, ela comete um ato quase imperdoável e foge, adentrando a cena caminhoneira - incapaz de se expressar, a não ser cantando.
"Zurique" é uma história densa e que ao final deixa uma sensação desoladora, mas é bonito, requintado e maravilhosamente bem atuado por Wende Snijders, que além de ser uma excelente cantora se mostra uma atriz surpreendente. Saiba+

09- "Neste Mundo" (In This World - 2002) UK
Jamal (Jamal Udin Torabi) e Enayat (Enayatullah) são dois primos que vivem na cidade de Peshawar, na fronteira do Paquistão, e que são enviados à Inglaterra para ter uma vida melhor. O roteiro da viagem é feito por traficantes de ópio, cigarros e peças de carro roubadas, sendo longo e perigoso. Eles entram no Irã escondidos em caminhões e vão a pé pelas montanhas do Curdistão até chegarem à Turquia. Em Istambul a dupla consegue emprego, com o objetivo de conseguir dinheiro para pagar a próxima etapa da viagem: uma viagem de navio até a Itália.

08- "O Rei dos Belgas" (King of the Belgians - 2016) Bélgica/Bulgária/Holanda

Nicolas III está em uma visita de estado a Istambul quando Valônia, a metade do sul da Bélgica declara a sua independência. O rei deve retornar para salvar o seu reino. Mas uma poderosa tempestade solar bloqueia todo o tráfego de telecomunicações e do ar. O rei e sua comitiva estão agora presos em Istambul. Com a ajuda de um cineasta britânico eles conseguem escapar da Turquia, incógnitos entre um grupo de cantores búlgaros. Assim começa uma odisseia através dos Bálcãs em que o rei descobre vida real e ele próprio.
"O Rei dos Belgas" é uma sátira poética em forma de mockumentary sobre o despir da nobreza, um conto divertido, reflexivo e imensamente lindo. Saiba+

07- "Cinema, Aspirinas e Urubus" (2005) Brasil
Em 1942, no meio do sertão nordestino, dois homens vindos de mundos diferentes se encontram. Um deles é Johann (Peter Ketnath), alemão fugido da 2ª Guerra Mundial, que dirige um caminhão e vende aspirinas pelo interior do país. O outro é Ranulpho (João Miguel), um homem simples que sempre viveu no sertão e que, após ganhar uma carona de Johann, passa a trabalhar para ele como ajudante. Viajando de povoado em povoado, a dupla exibe filmes promocionais sobre o remédio "milagroso" para pessoas que jamais tiveram a oportunidade de ir ao cinema. Aos poucos surge entre eles uma forte amizade.

06- "A Deusa de 1967" (The Goddess of 1967) Austrália
Tóquio. J.M. (Rikiya Kurokawa) leva uma vida de consumo, tendo como grande sonho a compra de um Citroën DS 1967. O carro é popularmente conhecido como "deusa". Ele fecha a compra através da internet, com um australiano, e ao chegar para pegá-lo apenas encontra B.G. (Rose Byrne), uma jovem cega. Ela lhe conta que o dono do carro atirou na esposa e, em seguida, se matou. Como J.M. ainda está interessado em fechar negócio, B.G. o convida para dirigir o carro até seu verdadeiro dono, que está a cinco dias do local. 
Um road movie excêntrico que mistura vários elementos e que tem como fio condutor o carro-fetiche da Citröen, o modelo Déesse. Alternando entre cenas delicadas, poéticas, simbólicas e outras difíceis e tristes de encarar somos completamente absorvidos por uma oscilante e cativante trama. Saiba+

05- "A Coleção Invisível" (2012) Brasil
Para resolver a crise financeira da loja de antiguidades de sua família, Beto se aventura ao interior da Bahia em busca de uma coleção de gravuras raras. Lá ele encontra Samir, o colecionador, e a sua família arruinada pela decadência das plantações de cacau. Este encontro o fará mergulhar na sua própria história familiar e mudar sua visão do mundo.
"A Coleção invisível" é daqueles filmes memoráveis, pois tudo nele é agradável, mesmo com toda a dor e devastação. Beto conseguiu extrair beleza e pureza em meio a destruição e ao final saiu renovado e quem sabe pronto para continuar. Saiba+

04- "Viver é Fácil com os Olhos Fechados" (Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados - 2013) Espanha
Em plena década de 60, Antonio (Javier Cámara), um modesto professor de inglês, é fã incondicional dos Beatles e sonha em conhecer seu ídolo, John Lennon. Para encontrar o seu "herói", o professor irá viajar até Almeria e no meio do caminho irá esbarrar com dois jovens: Belén (Natalia de Molina), uma moça de vinte anos e Juanjo (Francesc Colomer), um garoto de dezesseis que está fugindo de seu pai autoritário. O encontro destas três pessoas fará a vida de cada uma tomar rumos imprevisíveis.
"Viver é Fácil Com os Olhos Fechados" tem uma história agradável e você nem sente o tempo passar. É uma linda surpresa coroada pela atuação singela de Javier Cámara. É uma viagem sonhadora que faz florescer a alegria. Saiba+

03- "Limonata" (2015) Turquia
Sakip (Ertan Saban) atende o último pedido de seu pai moribundo ao mesmo tempo que recebe uma revelação, ele tem um irmão e precisa encontrá-lo e trazê-lo para que seu pai morra em paz. Assim começa uma história divertida na estrada onde nós testemunhamos dois irmãos com diferentes origens culturais, que nem sequer se conhecem, têm semelhanças, diferenças e até mesmo suas lutas.
"Limonata" encanta pela naturalidade da narrativa e pelos personagens diferentes entre si, além das situações inesperadas que acontecem e o modo desajeitado que cada um lida, tem ótimos diálogos e reflexões sobre a diversidade cultural de países tão próximos, família e guerra, temas complexos, mas expostos com gentileza e humanidade. Saiba+

02- "Indo para Casa" (Luo Ye Gui Gen - 2007) China/Hong Kong
A história segue Zhao (Benshan Zhao), um operário que decide levar o corpo do amigo que morre repentinamente numa mesa de bar de volta à sua terra natal, para que assim ele seja enterrado segundo as tradições do local. Sem dinheiro para transporta-lo da forma devida, tenta conduzi-lo até a cidadezinha, ele percorre quilômetros e mais quilômetros com seu amigo nas costas, no caminho passa por varias cidades do interior da China e acompanhamos diversas situações engraçadas e cheias de detalhes.
O filme reaviva em nós o sentimento de compaixão e solidariedade. Assim como Zhao também aprendemos, e essa lição é daquelas que jamais esqueceremos. Assistir "Indo Para Casa" é um bem que fazemos a nós mesmos! Saiba+

01- "As Viagens do Vento" (Los Viajes del Viento - 2009) Colômbia
Após a morte da mulher, o ex-menestrel Ignacio Carrillo decide viajar para o norte da Colômbia uma última vez para devolver o acordeão que lhe foi dado pelo seu antigo mentor, e nunca mais tocá-lo. No caminho conhece Fermín, menino que sonha em rodar o país tocando acordeão como fez Ignacio um dia. O velho músico aceita sua companhia, mas tenta convencê-lo a escolher outra coisa, pois a vida de menestrel é marcada pela solidão. Juntos, os dois cruzam a região norte da Colômbia, atravessando o deserto e encontrando a diversidade da cultura caribenha.
É lindo ver a cultura, os ritos e tradições por cada lugar que passam, as músicas, as festas, tudo muito cativante. Um filme com identidade. É minucioso, detalhista, e é muito gratificante poder contemplar cinema de qualidade. A magnitude das imagens, a procura de si mesmo sem saber o que vai encontrar. Saiba+

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Jovem Mulher (Jeune Femme)

"Jovem Mulher" (2017) dirigido por Léonor Serraille é um filme que vai te puxando aos poucos para a vida da protagonista, de início egoísta, imatura e dependente para depois uma mulher que descobre-se em meio a desafios cotidianos, amadurece e empondera-se. A cena inicial nos revela uma mulher desesperada que grita e bate a cabeça numa porta, logo a vemos tagarelar para o médico sobre o rompimento do namoro enquanto ele faz o curativo e a questiona sobre seu psicológico, abandonada numa cidade que não tem intimidade é obrigada a se manter, encontrar um local para se abrigar, um trabalho e ainda cuidar do gato do ex-namorado. A história pode até enganar ao colocar uma mulher sem perspectivas que ficou anos dependente de um homem e que não há nada de interessante além de sua beleza, mas quando percebemos que a personagem quer ganhar a vida para si, conquistar as suas coisas e criar novas percepções nos arrebata, ela agarra a chance da mudança e segue adiante.
Paula (Laetitia Dosch) decidiu seguir seu companheiro até Paris, após longa ausência. No local, ela acaba sendo deixada por ele após 10 anos de relacionamento. Apesar de tudo, ela não é uma mulher melancólica e nostálgica. Ela decide permanecer nesta cidade desconhecida e ser engolida por ela, aproveitar tudo que for possível. Mas sua solidão e encontros fugazes acaba fazendo ela repensar as certezas que possuía.
Após muito tempo no México ao lado do namorado fotógrafo Joachim Deloche (Grégoire Monsaingeon), um homem mais velho que foi seu professor e ela sua musa, voltam para Paris, mas do nada ele não quer mais saber dela, tranca a porta e a abandona, sem ter para onde ir Paula vaga por Paris em busca de abrigo, sem muitas opções, como a amiga que a expulsa por não suportar seu jeito e a mãe da qual está brigada há anos, ela também não se esforça e acaba ficando à mercê das consequências. Para conseguir algumas coisas mente sobre sua identidade e oculta ou aumenta sobre sua condição social, financeira e etc. São momentos engraçados, mas que na realidade carregam uma profunda angústia em estar à deriva. Paris tem papel importante como cenário, a vemos circular muito nas linhas de metrô, ruas, bares, shopping, e sempre acompanhada pelo seu característico casaco cor de cenoura, Paula não passa despercebida, além de uma beleza arrebatadora, ruiva de olhos bicolor, sua personalidade espontânea ganha a atenção, com o tempo criamos empatia e desejamos que ela saia da bolha e expanda suas ideias por si mesma.

Durante suas andanças assume outra identidade ao ser parada por uma suposta antiga colega de escola, tenta se aproximar da mãe que a evita por guardar mágoas, encontra um emprego de babá onde dorme também, consegue um trabalho num quiosque de calcinhas num shopping, se aproxima do segurança Ousmane (Souleymane Seye Ndiaye), um imigrante africano formado em economia e que luta para viver com dignidade, este personagem que aos poucos incute sua perspectiva em Paula e lindamente formam um laço. Nesta jornada ela vai descobrindo do que realmente gosta e quem ela é, passa por situações em que o amadurecimento é inevitável, escolhas precisam ser tomadas sem qualquer influência, mesmo que para isso seja necessário bater a cabeça, às vezes até literalmente.

"Jovem Mulher" é um maravilhoso retrato da mulher que se desvincula da ilusória proteção masculina, do relacionamento dependente e reage ao mundo por si mesma, Paula de início fica doida atrás do ex e despreza o emprego no shopping, mas depois que o consegue percebe que ali é uma maneira de recomeçar a cultivar seus antigos sonhos, é imensamente aliviante seu desfecho, a desconstrução de Paula é incrível, um lindo trabalho da atriz Laetitia Dosch, que mescla delicadeza e inquietude, loucura e afetividade. Uma obra feminista fascinante que captura com estilo a busca pela independência e liberdade.  

terça-feira, 17 de abril de 2018

Girls Lost (Pojkarna)

"Girls Lost" (2015) dirigido por Alexandra Therese Keining (Kyss Mig - 2011) é uma adaptação do romance sueco homônimo de Jessica Schiefuer, que traz o despertar da adolescência de uma forma inusitada e poética, a fantasia é uma bela aliada para nos inserir em variados temas que rodeiam o universo das três garotas que passam por transformações e autoconhecimento, o amadurecimento surge com pitadas de deslumbramento e o clima sombrio caracteriza a dor que cada uma sente para se encontrar e se aceitar. A obra enche os olhos tanto visualmente como em sua narrativa que capta a essência de todas as questões do desabrochar.
Kim (Tuva Jagell), Bella (Wilma Holmén) e Momo (Louise Nyvall) são três amigas inseparáveis muito incomodadas pelos seus colegas de classe. Uma noite, após outro dia ruim na escola, elas ficam bêbadas e decidem provar do misterioso néctar que escorre de uma flor. Após passarem mal logo ao inserirem o líquido, elas acordam horas depois como meninos. Intrigadas com a mudança de seus corpos elas decidem explorar o mundo dos homens e desenvolvem autoconfiança. Porém, as emoções se transformam em perigo à medida que uma das três desenvolve uma forte ligação com sua nova identidade e inesperados sentimentos surgem.
Numa pacata cidade da Suécia três meninas estão se descobrindo enquanto lidam com o bullying na escola porque seus colegas acreditam que elas sejam lésbicas, são alvos de chacota e violência todos os dias e isso faz com que cada vez mais se unam, um dia Bella recebe uma planta, ela possui um lindo jardim em sua casa e adora estudá-las, mas essa é especial e floresce do dia para a noite, encantadas bebem do néctar que as fazem se transformarem em meninos. Em corpos masculinos usufruem da liberdade e saem, se juntam a outros garotos, jogam bola, e Kim, especialmente, se sente atraído por Tony (Mandus Berg), que é totalmente desconectado e vive de modo perigoso. Esse acontecimento mágico deu a Kim uma nova percepção de si e quando passou o efeito da planta percebeu que precisava voltar a sentir aquilo, ao contrário de Momo e Bella que encarou somente como uma aventura, a situação de Kim fica bastante preocupante, pois além de lidar com a confusão de não saber o que se passa consigo mesma, parte para uma vida sombria e arriscada perto de Tony, que ao lado de Kim percebe algo diferente e como não consegue encarar age com desprezo e violência. São variados os temas que o longa aborda, abarca o universo juvenil perfeitamente e expõe os conflitos de uma forma pontual, a amizade, o bullying, o despertar sexual, a identidade de gênero, o amadurecimento e a aceitação de si próprio.

Kim fica dependente do néctar, ela se identifica como menino e quando volta para a "realidade" como menina se sente fraca e padece com a figura que se mostra ao espelho, Bella cuida da flor que adoece e, Momo, que é apaixonada por Kim faz de tudo para acalmar a amiga, ela vai atrás de Kim quando percebe que está se perdendo ao seguir Tony, um garoto perigoso e que não sabe lidar nem um pouco com os seus desejos e usa da violência como escape. A elucidação sobre identidade de gênero é maravilhosa e recorre a elementos e diálogos belíssimos, que mesmo cercados por uma aura de fantasia são claros e precisos, os efeitos utilizados na transformação corporal das meninas hipnotizam, assim como o clima sombrio e sua trilha sonora que segue esse tom, como as canções de Fever Ray, "Keep The Streets Empty For Me" e "Now's The Only Time I Know".

"Às vezes sinto que tenho um zíper. Se fosse valente o bastante para abrir haveria outra pessoa por baixo. Meu verdadeiro eu."

"Girls Lost" é uma obra sensível que retrata com primor o despertar da adolescência e com originalidade disserta sobre orientação sexual, e principalmente, identidade de gênero - a dificuldade de se aceitar e lidar com a própria imagem, a agonia de se olhar no espelho e não se reconhecer e a árdua tarefa de lidar com as pessoas ao redor. O sofrimento até atingir a autoconfiança e, por conseguinte, a liberdade de si é um caminho longo e doloroso. Criativo na abordagem, é um filme que surpreende em todos os quesitos, essencial a todos!

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Pyewacket

"Pyewacket" (2017) dirigido por Adam MacDonald (Sobreviventes - 2014) é um filme de terror que prima por uma atmosfera sombria e tensa, o ritmo é vagaroso e o medo é incutido através de elementos sugestivos, o som também garante bons sustos e toda a narrativa é marcada por uma apreensão crescente e sutil.
Leah (Nicole Muñoz), uma adolescente frustrada e angustiada desperta algo no bosque quando ela ingenuamente executa um ritual oculto para evocar uma bruxa para matar a mãe (Laurie Holden).
Leah aderiu interesse pelo ocultismo depois da morte do pai e diante do comportamento abusivo de sua mãe que decide sair da casa para escapar das memórias do marido, a garota realiza um ritual para dar um fim na situação, planeja cuidadosamente cada detalhe, adentra a floresta e segue o passo a passo, a raiva lhe dá ainda mais motivação e invoca um ser sobrenatural, ela consegue despertar a criatura maligna que parece observá-la muito antes de agir. O filme tem um ritmo vagaroso e não se preocupa em assustar o espectador, mas sim promover o tempo todo a sensação de pesadelo, a tensão começa de fato quando Leah escuta ruídos dentro da casa e a paranoia se instala depois que se arrepende do ritual. Ela pede ajuda aos amigos, mas as coisas só pioram, ela tem alguma chance quando contata o escritor do livro de ocultismo que estava lendo e ele lhe diz para tomar cuidado com o que se mostra a sua frente, pois a criatura toma várias formas, mas Leah se perde nessa espiral e as consequências de seu desejo inicial se tornam trágicas. 
Uma característica tenebrosa é a utilização de sombras, como no momento do canto da parede, são imagens que induzem ao medo e garantem arrepios, mas não são a todo momento que aparecem, uma vez ou outra e só, o suficiente para marcar e dar pesadelos após a sessão. O black metal rege a trilha sonora e é outra maravilha, Carach Angren, Ministry, I Killed The Prom Queen, Interpol, entre outros. Os ruídos merecem destaque também, por exemplo, na cena em que Leah caminha e parece haver outra pessoa caminhando atrás de si. Aliás, a sensação de estar sendo observada é a grande sacada, a câmera em pontos estratégicos dá essa vibração. E o desespero cresce na garota, sua tentativa de reverter o ritual com outro só a deixa mais pirada, pois a criatura confunde sua realidade. 

Apesar de toda a atmosfera sobrenatural o filme também carrega a sua parte de realidade ao demonstrar a dificuldade do relacionamento entre mãe e filha, a fase complicada que é a adolescência e lidar com mudanças e perdas, toca no ponto do perigo que é acreditar demais em crenças e não conseguir definir o que é imaginação ou não, até porque desejar algo com muito afinco é sempre sinal de obsessão.

"Cuidado com o que você deseja, alguém pode estar ouvindo."

"Pyewacket" é um diferencial dentro do gênero, pois sua abordagem lenta e sutil provoca grandes momentos de horror e desespero. Sua crescente de tensão é intensa e é eficaz em produzir medo. Vale a conferida!

terça-feira, 10 de abril de 2018

Terra Selvagem (Wind River)

 "Aqui, ou você sobrevive… ou você se rende".

"Terra Selvagem" (2017) dirigido pelo excelente roteirista Taylor Sheridan é um filme tenso e pesado, somos inseridos no oeste norte-americano, especificamente no estado de Wyoming, um local que possui suas próprias regras e características extremas.
Cory (Jeremy Renner), caçador de coiotes e predadores traumatizado pela morte da filha adolescente, encontra o corpo congelado de uma menina em meio ao nada e decide iniciar uma investigação sobre o crime. Ao lado dele está uma agente novata do FBI (Elizabeth Olsen) que desconhece a região.
Cory é marcado por uma tragédia familiar, quieto e solitário passa os dias tentando lidar com a dor, caçador habilidoso é contratado pelo ex-sogro para matar leões, ao chegar no local se depara com um corpo no meio da neve, ele reconhece a menina, Natalie, filha de um amigo que habita a remota área de preservação indígena americana Wind River, o FBI é contatado e Jane (Elizabeth Olsen) é enviada para investigar o assassinato. Jane é inexperiente, mas precisa se manter forte diante a um ambiente machista e hostil, porém logo entende que Cory pode ser um aliado para desvendar o mistério. São inúmeros empecilhos, desde conversar com as pessoas certas e driblar burocracias, ela tem senso de justiça acima de tudo e Cory é fundamental para que tudo caminhe para isso.
Em nenhum momento o longa cai em soluções fáceis, o roteiro é bem-estruturado e apesar de ser uma trama simples em sua essência mantém tensão o tempo todo, os personagens são interessantes, Cory é um homem silencioso e gentil, ele vê a possibilidade de vingança neste assassinato, uma maneira de amainar tanto os seus sentimentos como de seu amigo. Jane vai aos poucos se enredando na vida dele e dos demais habitantes, de início deslocada é alvo de olhares e comentários atravessados, mas se mantém firme e como única autoridade no local, e assim se desenrola até que tudo se resolva. O ambiente é de fato um personagem e uma enorme barreira para as investigações, as montanhas cobertas de neve, o clima instável, os predadores, tudo contribui para despertar a sensação de entrave.

Baseado em fatos reais o filme toca no assunto para elucidar sobre a falta de reconhecimento ao desaparecimento de mulheres indígenas em suas reservas. "Enquanto estatísticas para desaparecidos são compilados para as outras minorias, elas não existem para as mulheres índias. Ninguém sabe quantas estão desaparecidas". Não existe segurança e nem cuidado a essas reservas, nem estadual ou federal, ou seja, nada tem punição, nada se resolve e a terra se torna um local com suas próprias leis e que acoberta tragédias. Além de toda a gravidade em torno do tema, temos o embate entre homem e natureza, a sobrevivência, o senso de justiça, o desejo de vingança e o como tragédias não solucionadas afetam o ser humano, por isso quando o flashback nos revela o que aconteceu a Natalie desejamos intensamente que tudo se solucione, a dor não será eliminada, mas ameniza o sentimento de impunidade. 

"Terra Selvagem" é uma obra que mexe com os sentimentos, é incisivo na mensagem e cru na abordagem, o misto entre investigação policial, denúncia e algo de western dá o diferencial. É cruel e devastador, mas ainda possui sua camada de sensibilidade. Filmaço!

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Gigante (Handia)

"Gigante" (2017) dirigido pela dupla Aitor Arregi e Jon Garaño (Loreak - 2014) é de um apuro e requinte inenarrável, uma bela e triste história em tom mágico permeada por uma delicadeza ímpar.
A verdadeira história de Mikel Jokin Eleizegi Arteaga, mais conhecido como "O Gigante de Altzo". Este homem, que viveu no século XVII, media mais de dois metros, sofria de gigantismo e não parou de crescer até a sua morte. Mikel alcançou grande popularidade e chegou a viajar pela Europa, sendo exibido para pessoas famosas como a rainha Elizabeth II da Espanha, Luis Felipe da França e a rainha Victoria do Reino Unido.
Somos introduzidos em Altzo, uma província do País Basco no séc. XVII, uma época difícil e cheia de conflitos políticos, o pai, um simples camponês precisa escolher um dos filhos para servir e é Martin (Joseba Usabiaga), o filho mais velho que vai enfrentar a guerra civil, magoado com seu destino tempos depois em combate sofre com a perda dos movimentos de seu braço direito, ao voltar para casa se depara com seu irmão Joaquin (Eneko Sagardoy), que para sua surpresa está imenso, ele sofre de gigantismo e não há nada que o pare de fazer crescer. Martin fica remoendo a escolha do pai, o que lhe tirou grande parte de seus sonhos, como ir embora para a América, a situação precária da família os deixa atados no lugar, a agricultura não está numa fase boa e a única alternativa para ganhar dinheiro termina sendo Joaquin, que aceita ser exposto para a população. A narrativa se desenrola em capítulos nos aprofundando em seus personagens e alternativas que encontram para superar a crise, não demora para que Joaquin ganhe fama e comece a viajar pela Europa, inicialmente não se sente bem, mas não há outro modo para ganhar a vida, já que todos estão impossibilitados com suas deficiências, Martin não diz muito, está sempre contemplando a realidade e sonhando com um possível futuro. Depois de muito viajarem o gigante suspeita do empresário e pede para que o dinheiro seja dividido, Martin sempre manda sua parte para o pai, o que mais adiante acaba salvando a fazenda, já que Joaquin guardava o seu na mala e um dia na estrada foram roubados, era bastante dinheiro e esse foi o início da decaída, pois os tempos também estavam se modificando e pedindo novidades, o gigante não impactava como antes e nenhum número satisfazia o público. A modernidade batia à porta e Martin cada vez mais queria estar longe daquelas terras, mas com a compra da fazenda e o irmão adoecendo se sentia melancólico por ter que ficar. Os personagens possuem variadas camadas e surpreende-nos com o desenrolar, Martin é um homem calado que nos diz tudo com seu olhar, já Joaquin realmente expõe todas as suas agruras, sendo até violento em determinadas partes. 

A estética e a narrativa carregam um tom de fábula, uma poesia terna e triste que denota as mudanças que ocorrem nos personagens devido as transformações ao redor, seja política ou social; a solidão impera, por mais que os irmãos estejam juntos há uma névoa que os impede de alcançar qualquer êxito e se sentirem satisfeitos, Martin possui máculas, desde o dia em que seu pai o escolheu, depois a deficiência em seu braço o impedindo de trabalhar, preso a uma vida no campo, os sonhos quebrados, e é assim com Joaquin também, que está preso a sua doença, e que por ironia deu alguma chance de sobrevivência para sua família. Por mais vagaroso que o ritmo possa ser a história traz sentimentos valorosos ao espectador. Outro ponto a se destacar é o respeito às culturas, tanto a basca, como quando eles vão para vários países durante as apresentações e sempre é mantido o idioma local, é um elemento que faz toda a diferença e caracteriza zelo pela produção. 

" - A capacidade de se adaptar é o patrimônio mais importante do ser humano. 
- Bem, eu acho que é o contrário. Que é a nossa qualidade mais deplorável."

"Gigante" mistura o real e o onírico, o belo e o triste, o rude e o afetuoso, traz personagens complexos que se modificam ao longo, e por isso nos instiga a pensar em diferentes questões. Uma obra que carrega uma narrativa emocional e um visual sombrio arrebatador.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Vaqueiro (Vaquero)

"Vaqueiro" (2011) dirigido, roteirizado e protagonizado por Juan Minujín é um filme que capta os anseios de um aspirante a ator e todos os pensamentos que o afastam das possibilidades de conseguir papéis, é deveras interessante acompanhar a jornada do protagonista que ao invés de abocanhar oportunidades, mesmo que mínimas, prefere cultivar inveja e a autodepreciação. Ele passeia entre camarins e coxias de teatro sempre com uma cara amarrada reparando no sucesso dos colegas, e desse jeito amargando não só sua vida profissional, mas também a pessoal.
Julián Lamar (Juan Minujín) é um ator desiludido e amargurado por só conseguir papéis secundários na indústria de cinema e televisão da Argentina. Sente-se desajustado com sua carreira, seu ambiente de trabalho e com seus companheiros de profissão. Quando um consagrado diretor norte-americano decide filmar um faroeste no país, Juan fica obcecado com a ideia de que esse papel pode salvar sua carreira. Aos poucos ele vai perceber que a distância entre seus desejos e a realidade são bem maiores do que ele gostaria. 
Julián está atuando numa peça de teatro e é coadjuvante em uma novela, mas sua ambição é demasiada e negativa, ele desejaria estar estrelando algum filme americano e estar sendo vangloriado por todos, está tão obcecado que quando recebe incentivo e elogios não ouve, em vários momentos a figurinista demonstra adorar seu trabalho e ele nem liga, continua a invejar os outros e contaminar sua mente com pensamentos depreciativos. Enquanto Julián deseja mal aos colegas ou os inveja seu semblante demonstra o oposto, dissimula perfeitamente, aliás, Julián é um ótimo ator, quando se empenha e esquece suas pretensões desmedidas, mas são poucos estes momentos. Quando por intermédio de amigos consegue uma vaga para o teste de um filme de faroeste dirigido por um americano, Julián na entrevista fica nervoso e tropeça no inglês, porém recebe a ligação tão almejada, estará na audição, daí ele começa a entrar no personagem, se imagina já como um cowboy e tem o texto na ponta da língua, nestes instantes até simpatizamos e torcemos para que consiga.

Julián se fechou numa bolha e não consegue enxergar a realidade, fica imaginando, sonhando e nisso acabou se perdendo, anulando as chances que poderia ter em sua carreira, o que acontece na audição gera um misto de sentimentos, vergonha alheia é a palavra.
"Vaqueiro" é um filme interessante por expor o âmago de um ator frustrado, no como é enlouquecedor estar no meio que ama e não conseguir se sobressair e com isso a facilidade em fazer nascer pensamentos ruins e depreciativos, um ótimo trabalho de Juan Minujín!