quarta-feira, 5 de abril de 2017

Toni Erdmann

 
"Toni Erdmann" (2016) dirigido por Maren Ade (Todos os Outros - 2009) é um filme de diversas camadas psicológicas, o que parece ser apenas sobre a reconexão entre pai e filha, uma espécie de redenção, na verdade, trata de tantas outras coisas cotidianas, tristezas, além de pensamentos sobre a vida, há muitas abordagens e é preciso estar atento para se dar conta delas, as situações e as decisões dos personagens acontecem do nada e também vão para o nada.
Winfried (Peter Simonischek) é um senhor que gosta de levar a vida com bom humor, fazendo brincadeiras que proporcionem o riso nas pessoas. Seu jeito extrovertido fez com que se afastasse de sua filha, Ines (Sandra Hüller), sempre sisuda e extremamente dedicada ao trabalho. Percebendo o afastamento, Winfried decide visitar a filha na cidade em que ela mora, Bucareste. A iniciativa não dá certo, resultando em vários enfrentamentos entre pai e filha, o que faz com que ele volte para casa. Tempos depois, Winfried ressurge na vida de Ines sob o alter ego de Toni Erdmann, especialista em contar mentiras bem-intencionadas a todos que ela conhece.
Winfried é um homem que gosta de fazer graça, é a sua maneira de escapar da dura realidade, do caos interno que o devora, ele é professor de música e no início o vemos fantasiado de zumbi cantando com crianças, ele encontra a filha na casa da ex-mulher, aparentemente uma relação amistosa, o conflito está mais na relação com a filha, um ser humano que parece não ter sentimentos, ela é totalmente focada no trabalho, afogada pela competição e a pressão de vencer. Atualmente vive na Romênia e tem uma relação absurdamente distante da família. Isso tudo muda após Winfried perder seu cão, então ele decide viajar até onde está sua filha e tentar uma reconexão.
É um drama disfarçado de comédia, o humor acompanha basicamente toda a trama e traz uma sensação de constrangimento à medida que Toni Erdmann entra em cena e começa a seguir sua filha e mentir sobre sua vida à inúmeras pessoas. É engraçado que em nenhum momento acredita-se nas bobagens ditas por aquele ser que usa uma peruca e uma dentadura escrota, ele incomoda e é de propósito, talvez, para dar um pouco de humanidade a todo o contexto de competição, dinheiro e poder em que a filha está inserida. O que faz deste filme algo original é a maneira com que as situações se desenrolam, o como este personagem surreal se encaixa na realidade da filha, desconcertando todos ao redor com suas piadas e mentiras.

É deveras impressionante a qualidade da narrativa que se desenvolve praticamente aleatoriamente com suas estranhas e constrangedoras situações, o como o realismo se encaixa no contexto de devaneio dominado pela figura de Toni Erdmann, e também a relação que temos com os personagens no decorrer, a percepção muda praticamente a cada cena, ora sentimos tristeza, vergonha alheia, raiva e empatia, certamente uma obra complexa que trabalha com camadas, são muitos os temas abordados, em cada momento retratado há uma gama de ideias.
"Toni Erdmann" é um grande filme que passeia pelo existencialismo, sobre o que é estar vivo e para quê, para exemplificar essas questões carrega uma infinidade de cenas peculiares, o humor funciona como válvula de escape para o personagem e também para colidir com o mundo cheio de regras e, principalmente, hipócrita e injusto que a sua filha habita.

A desconstrução dos personagens acontece aos poucos, mas o momento crucial é na festa que Ines dá em sua casa com o dilema de fechar o vestido sozinha e logo depois o tirar e decidir que só entra quem estiver pelado, uma cena repleta de significados e que demonstra a ruptura, a remoção da casca dura de Ines para enxergar seu pai, que se dá curiosamente quando está completamente fantasiado de um gigante todo peludo. É um indício para um recomeço com certeza mais leve e um resgate de sentimentos e valores.

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