quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Aquarius

"Aquarius" (2016) dirigido pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor - 2012) e estrelado por Sônia Braga traz uma narrativa com diversos temas que se entrelaçam, mas, sobretudo, diz sobre memórias e resistência. É uma obra de arte poética.
Clara (Sônia Braga), 65 anos de idade, é uma escritora e crítica de música aposentada. Ela é viúva, mãe de três filhos adultos, e moradora de um apartamento repleto de livros e discos no Bairro de Boa Viagem, num edifício chamado Aquarius. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia.
Sônia Braga é uma fortaleza em cena, mulher que já passou por inúmeros desafios e que carrega cicatrizes, uma delas, literalmente. Ela faz parte da classe média alta, não tem problemas financeiros, é dona de vários apartamentos, mas prefere morar onde foi criada e criou seus filhos, no Bairro de Boa Viagem, no edifício Aquarius que fica de frente para o mar, um lugar repleto de memórias e que abraça a personagem com lembranças. Sozinha, revive momentos escutando seus Lps, esse prédio já não faz parte da paisagem da Recife atual, assim como os móveis que a cercam e a própria protagonista, tem uma frase que diz muito sobre isso, "se você gosta é vintage, seu eu gosto é velho". Com toda a especulação imobiliária que existe e perante os assédios da construtora que anseia vorazmente dar fim ao Aquarius e erguer um moderno e luxuoso edifício, Clara resiste, é a única moradora e com o passar dos dias vai enfrentando a impertinência do jovem empreendedor Diego (Humberto Carrão), que não poupa artifícios para tirar Clara do seu lar. Este personagem é nojento, representa a arrogância, a sujeira e os males que trazem consigo ao empregar falsas ideologias humanistas com ideais de empreendedorismo, para, na verdade, obter reconhecimento e muito dinheiro. Clara enfrenta olhos nos olhos, serena, ouvindo e respondendo à altura, são diálogos críticos que colocam em evidência o poder concentrado nas mãos de apenas alguns e que é passado de geração em geração, Clara combate com maestria o jovem com sangue nos olhos que fez curso de Business.

"É impressionante o que se diz, que falta educação. E sempre se referem a gente pobre. Mas falta de educação não tá em gente pobre não, tá em gente rica e abastada como você, sabe? Gente de elite, que se fala "de elite", que se acha privilegiada, que não entra em fila. Gente como você, que fez "curso de Business" nos Estados Unidos, mas não tem formação humana, não criou caráter, sabe? Quer dizer... O seu caráter é o dinheiro. Portanto, meu amor, você não tem caráter. Só o que você tem é essa carinha de merda."

Clara não é perfeita, é contraditória e prepotente, ela também faz parte desta elite que a está atrapalhando a viver em paz seu cotidiano, a tensão dos conflitos de classes está evidenciado, tem algumas sequências, por exemplo, sobre a empregada ser "quase" da família, de Clara ultrapassar o esgoto que separa a parte rica da pobre para ir à festa de aniversário dela, ou quando surge a lembrança de uma antiga empregada que roubou joias da família, e aí soltam a frase: "Elas roubam e a gente explora. Justo".
"Aquarius" é um filme de contrastes e cheio de camadas, é rico em detalhes e com diálogos pertinentes, além da bela trilha sonora que conversa o tempo todo com a trama. Dividido em três capítulos, "O Cabelo de Clara", "O Amor de Clara" e "O Câncer de Clara", o filme possui cenas sutis, mas de imenso significado, como quando a filha de Clara reclama da ausência da mãe e menospreza sua profissão, o irmão sem dizer uma palavra abre um livro escrito pela mãe e mostra a dedicatória feita. São momentos introspectivos e poéticos, uma gama de temas que vão sendo lançados e amarrados conforme o desenrolar.

É preciso deixar de lado todas as polêmicas extrafílmicas, a política está presente no contexto, claro, a crítica social é forte, mas assisti-lo somente por este viés é sufocar uma obra que mostra inúmeras facetas, é uma pena todo o binarismo, radicalismo em torno, pois a obra é sutil e marcada por uma protagonista complexa que resiste e conserva seu direito de viver como quiser, não é apenas pelo apartamento, também é sobre empoderamento feminino. Leituras é que não faltam, portanto, na essência não é um filme político, mas um filme que abarca uma série de questões importantes com sensibilidade e arte. 

3 comentários:

  1. O "protesto" em Cannes pegou muito mal. Na época terrível em que o país passa, defender políticos corruptos em troca de verba estatal é vergonhoso. Isso tirou muito da vontade de assistir o filme.

    Também não sou a favor do governo que está aí agora, acredito que teria de começar do zero, mas isso é apenas opinião pessoal.

    Abraço

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  2. Olá Marília tudo bem?
    Eu ainda não assisti esse filme.
    Conhece pessoas que assistiu e as opiniões a respeito estão empatadas...uns gostaram e outros não rsrs
    Vou assistir.

    Beijinhos,
    *Blog Resenhas da Pam*

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