quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
Incompreendida (Incompresa)
"Incompreendida" (2014), terceiro longa de Asia Argento (Transylvania - 2006) é um filme que retrata uma menina em fase de transição em meio a uma família disfuncional, escrito em parceria com Barbara Alberti, talvez o roteiro tenha algo de autobiográfico, já que Asia Argento é filha do mestre do terror Dario Argento e da atriz Daria Nicolodi, certamente algumas memórias inspiraram a sua doce protagonista, Aria. Demonstrando toda a difícil missão de crescer sendo rejeitada e incompreendida pelos próprios pais adentramos num universo perturbador e triste, mas que evoca sensações de ternura e carinho.
Roma, 1984, Aria é uma menina de nove anos de idade. À beira do divórcio, os pais infantis e egoístas de Aria estão muito preocupados com suas carreiras e assuntos extraconjugais para cuidar adequadamente de qualquer uma das necessidades da criança. Enquanto suas duas irmãs mais velhas Lucrezia (Carolina Poccioni) e Donatina (Anna Lou Castoldi) são mimadas, Aria é tratada com indiferença e frieza. Mesmo assim, ela anseia em amar e ser amada pela família. Na escola, a menina se destaca academicamente, mas é considerada desajustada por todos. Ela é incompreendida. Seu conforto resume-se em seu gato Dac e sua melhor amiga, Angelica. Ao ser expulsa da casa dos pais e abandonada por todos, até mesmo por Angelica, Aria finalmente chega ao limite do que pode suportar, e toma uma decisão inesperada em sua vida.
O pai (Gabriel Garko) é um ator narcisista cheio de superstições e que atua em filmes de gosto duvidoso, a mãe (Charlotte Gainsbourg) é uma pianista de sucesso que vive a vida sem limites. Aria (Giulia Salerno) fica entre as duas irmãs, ela diz, a mamãe tem Donatina, papai tem Lucrezia, entre idas e vindas da casa deles, pois diversas vezes é expulsa, sua única fonte de amor é o gato Dac. Aria é uma menina inteligente, esperta e que tenta de todas as maneiras conseguir ser notada por seus pais, ela é alvo dos colegas de escola, que não a identificam como uma garota, Angelica, sua melhor amiga, em determinado momento também a deixa de lado, existe uma inocência em Aria que faz com que ela se isole. Como toda pré-adolescente é apaixonada por um menino popular e rejeita o estranho que gosta dela de verdade. Ela se destaca na escrita, impossível não se emocionar quando ganha o prêmio de melhor redação e lê na frente de todos e imagina seus pais a ouvindo. "Não acho que o anjo da guarda seja um guardião invisível que nos espia. Isso me assustaria como um fantasma porque ele me vê, mas eu não o vejo. Acho que o anjo entra em alguém que está perto de nós e nos protege. O meu entrou num gato preto que se chama Dac. Quando ninguém percebe que quero um carinho, ele percebe. Todos os carinhos que não recebo, eu dou a ele. Um pequeno gesto de amor eu faço durar como um pirulito. Vocês sabem o que é um pirulito? É uma bala redonda que parece não acabar nunca. Mas acaba. É uma bala imaginária, como o amor".
Interessante em uma parte do filme que sua mãe está com um cara mais novo, rebelde e este diferente dos outros adora Aria, é lindo vê-la sentindo-se amada, dói ver o quanto necessita de gestos de carinho, toda vez que a mãe demonstra ela se entrega, mas da parte da mãe não significa nada, isso vai pesando em Aria, que cada vez mais se sente abandonada. Na casa do pai não há lugar para ela, a irmã sempre dá um jeito de colocar a culpa de algo nela, na casa da mãe também sempre diz ou faz coisas que vão contra o sistema caótico. Em muitos momentos vemos a vagar pelas ruas com sua pesada mochila e seu gato Dac.
O pai (Gabriel Garko) é um ator narcisista cheio de superstições e que atua em filmes de gosto duvidoso, a mãe (Charlotte Gainsbourg) é uma pianista de sucesso que vive a vida sem limites. Aria (Giulia Salerno) fica entre as duas irmãs, ela diz, a mamãe tem Donatina, papai tem Lucrezia, entre idas e vindas da casa deles, pois diversas vezes é expulsa, sua única fonte de amor é o gato Dac. Aria é uma menina inteligente, esperta e que tenta de todas as maneiras conseguir ser notada por seus pais, ela é alvo dos colegas de escola, que não a identificam como uma garota, Angelica, sua melhor amiga, em determinado momento também a deixa de lado, existe uma inocência em Aria que faz com que ela se isole. Como toda pré-adolescente é apaixonada por um menino popular e rejeita o estranho que gosta dela de verdade. Ela se destaca na escrita, impossível não se emocionar quando ganha o prêmio de melhor redação e lê na frente de todos e imagina seus pais a ouvindo. "Não acho que o anjo da guarda seja um guardião invisível que nos espia. Isso me assustaria como um fantasma porque ele me vê, mas eu não o vejo. Acho que o anjo entra em alguém que está perto de nós e nos protege. O meu entrou num gato preto que se chama Dac. Quando ninguém percebe que quero um carinho, ele percebe. Todos os carinhos que não recebo, eu dou a ele. Um pequeno gesto de amor eu faço durar como um pirulito. Vocês sabem o que é um pirulito? É uma bala redonda que parece não acabar nunca. Mas acaba. É uma bala imaginária, como o amor".
Interessante em uma parte do filme que sua mãe está com um cara mais novo, rebelde e este diferente dos outros adora Aria, é lindo vê-la sentindo-se amada, dói ver o quanto necessita de gestos de carinho, toda vez que a mãe demonstra ela se entrega, mas da parte da mãe não significa nada, isso vai pesando em Aria, que cada vez mais se sente abandonada. Na casa do pai não há lugar para ela, a irmã sempre dá um jeito de colocar a culpa de algo nela, na casa da mãe também sempre diz ou faz coisas que vão contra o sistema caótico. Em muitos momentos vemos a vagar pelas ruas com sua pesada mochila e seu gato Dac.
A estética do filme contribui para o sentimento de deslocamento, as cores, o estilo kitsch do ambiente traduz a confusão do lar e da falta de aconchego, outro ponto é a trilha sonora que complementa para aura dos anos 80.
Giulia Salerno se agiganta na tela, uma menina excêntrica e com fortes valores contrapondo com sua figura frágil, ela resiste em meio a tanto egoísmo e individualismo, ela floresce em meio a um ambiente hostil e decadente, sua inocência resplandece. É uma atuação delicada, mas com muito vigor. O filme é pessimista e coloca em questão toda a sordidez com personagens caricatos, aliás, é muito bem colocado este exagero para explicitar a tamanha vaidade da mãe e do pai de Aria.
"Incompreendida" é melancólico, excêntrico, doce e encantador ao expor a mais completa ausência de afeto, Aria é uma menina que lida com inúmeros fatores e descobertas, ela é ousada e está sempre em busca de um pouco de amor, como ela diz ao final, "não contei isso para me fazer de vítima, mas para que me conheçam melhor. E talvez, sejam um pouco mais gentis."
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
O Presidente (The President)
"O Presidente" (2014) do sublime diretor e ativista Mohsen Makhmalbaf (Gabbeh - 1996, O Silêncio - 1998) retrata com imensa sensibilidade uma fábula sobre a destituição de um ditador e a substituição de uma violência por outra gerada a partir do ódio, da desordem e do desejo de vingança. Mohsen com um olhar inteligente e amplo nos oferece um ponto de vista difícil, porém essencial de que a violência seja qual for nunca será o caminho, a vingança contra o seu opressor é tão cruel quanto aquela sofrida.
Numa aldeia fictícia do Cáucaso, o Presidente (Mikheil Gomiashvili) em fuga tem apenas a companhia do neto (Dachi Orvelashvili) de cinco anos. Um golpe de Estado aconteceu e o ditador agora circula pelas terras que um dia governou disfarçado de músico. Pela primeira vez ele se aproxima realmente da gente que por tanto tempo liderou, finalmente conhecendo aquele que era seu povo.
Numa aldeia fictícia do Cáucaso, o Presidente (Mikheil Gomiashvili) em fuga tem apenas a companhia do neto (Dachi Orvelashvili) de cinco anos. Um golpe de Estado aconteceu e o ditador agora circula pelas terras que um dia governou disfarçado de músico. Pela primeira vez ele se aproxima realmente da gente que por tanto tempo liderou, finalmente conhecendo aquele que era seu povo.
O filme é todo composto por belas cenas de imenso impacto, ele já se inicia mostrando o poder concentrado na figura de um homem cruel, mas que exibe carinho por seu neto, a humanização do personagem, com um simples telefonema ordena que as luzes da cidade se apaguem, o menino brinca com o poder que lhe é oferecido e a repete até que de repente a ordem de acender não seja concedida, é o início da revolução. A família do governante pega um avião para outro país e o menino aos prantos não deseja ir, como ainda o Presidente não tinha noção da proporção dos acontecimentos fica com o neto, a situação se agrava rapidamente com os cidadãos em fúria e é obrigado a fugir, se disfarçando de músico. A jornada é humanista, mas não permite a redenção ao tirano, ele se vê diante do povo que sofreu com a suas maldades, antes a opulência o afastava da realidade, apenas ordenava, não via o sofrimento, agora relegado à miséria sente medo rodeado por uma população com sangue nos olhos para matá-lo, sua sensibilidade é ativada, mas principalmente por conta da convivência com seu neto. O medo o domina, ele vai fugindo e cada canto que se esconde continua oprimindo as pessoas, por exemplo, na casa do senhor que corta sua barba e cabelo. Interessante observar a gradativa despersonalização do garoto, antes um menino mimado que se exibia com títulos e honras, em sua inocência vai deixando de lado esses costumes, por muitas vezes comete deslizes ao se dirigir ao avô com pompa e elegância e fazer continências.
Por se passar em um lugar fictício essa fábula pode ser encaixada em qualquer sociedade, a mensagem é de como o poder transforma os seres humanos, e que é preciso tomar cuidado com políticos que exibem falácias agradáveis, que dizem o que queremos ouvir diante de situações críticas, onde nada mais parece funcionar o desejo de um líder cresce, se a população der poder suficiente, é certo que não acabará bem.
Por se passar em um lugar fictício essa fábula pode ser encaixada em qualquer sociedade, a mensagem é de como o poder transforma os seres humanos, e que é preciso tomar cuidado com políticos que exibem falácias agradáveis, que dizem o que queremos ouvir diante de situações críticas, onde nada mais parece funcionar o desejo de um líder cresce, se a população der poder suficiente, é certo que não acabará bem.
A reflexão sobre o poder e a violência é pertinente e causa um mal-estar, apesar da sensibilidade que o diretor imprime, a história é pesada e os alívios cômicos que perpassam algumas cenas é algo como um riso desesperado. Lidar com um personagem mal que não poupa a população da fome, trabalhos infantis, estupros e muita violência enquanto esbanja em seu palácio e logo após a derrocada se infiltrar disfarçado e conviver com essas pessoas dilaceradas e ainda tentando salvar seu pequeno neto - a inocência em meio a tanta odiosidade, é deveras muito complexo. Aproximamo-nos dele e à medida que a história avança e as pessoas compartilham as suas misérias que foram causadas por esse ditador, gera estranheza perante essa situação de humanização, mas percebemos que o ódio nunca é o caminho, é preciso refletir para percorrer de outra maneira, a violência que essa população quer cometer contra ele é também perversa, é um ciclo interminável de crueldades, é necessário parar para questionar. O filme propõe que pensemos nestes limites.
"O Presidente" é uma obra impactante que prima pelo debate e consciência, o regime extremista é sempre uma má escolha, o diretor sabe do que está falando, viveu na pele torturas e atentados, os filmes de Mohsen Makhmalbaf precisam ser vistos, são essenciais.
Destaque para a emocionante interpretação do pequeno Dachi Orvelashvili, é pra aplaudir de pé, suas inocentes ações causam tensão e toda a sua composição, olhares e gestuais são incríveis. O filme gera angustia e é delicadamente aflitivo.
"Reações violentas geram violência e, portanto, paz gera paz. Nossa responsabilidade, como artistas, é difundir o conhecimento. Só a cultura nos salva." (Mohsen Makhmalbaf)
Destaque para a emocionante interpretação do pequeno Dachi Orvelashvili, é pra aplaudir de pé, suas inocentes ações causam tensão e toda a sua composição, olhares e gestuais são incríveis. O filme gera angustia e é delicadamente aflitivo.
"Reações violentas geram violência e, portanto, paz gera paz. Nossa responsabilidade, como artistas, é difundir o conhecimento. Só a cultura nos salva." (Mohsen Makhmalbaf)
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Demônio de Neon (The Neon Demon)
"Demônio de Neon" (2016) dirigido por Nicolas Winding Refn (Drive - 2011) é um filme que conta de maneira bizarra a obsessão pela beleza e a busca pela perfeição que o mercado da moda impõe.
Jesse (Elle Fanning) é uma jovem de 18 anos que acaba de chegar a Los Angeles. Dona de uma beleza natural impressionante, ela tenta a sorte como modelo profissional. Após tirar algumas fotos mórbidas para um jovem fotógrafo, é contratada por uma conceituada agência de modelos. Bastante ingênua, ela passa a lidar com o ego sempre inflado das demais modelos e também com a maquiadora Ruby (Jena Malone), que possui intenções ocultas com a jovem.
Jesse (Elle Fanning) é uma jovem de 18 anos que acaba de chegar a Los Angeles. Dona de uma beleza natural impressionante, ela tenta a sorte como modelo profissional. Após tirar algumas fotos mórbidas para um jovem fotógrafo, é contratada por uma conceituada agência de modelos. Bastante ingênua, ela passa a lidar com o ego sempre inflado das demais modelos e também com a maquiadora Ruby (Jena Malone), que possui intenções ocultas com a jovem.
O filme prima pela estética visual, somos hipnotizados pelas cores e os enquadramentos caprichados passam a exata superficialidade do culto à beleza, não há profundidade no tema, ele vai por um caminho diferente, prefere demonstrar em tons obscuros o como essa loucura toma conta das mentes de meninas que trabalham no ramo da moda e beleza, o vazio que tudo isso provoca reflete no desenvolvimento do filme, por isso pode aparentar que nada está sendo discutido na trama, são apenas belas imagens e diálogos rasos. E, é isso afinal das contas que faz o filme ser tão incomum, a sua superficialidade é intrínseca. Outro ponto a se destacar é a trilha sonora eletro-pop - característica do diretor - que conversa com a atmosfera do longa.
Elle Fanning personifica precisamente o padrão que se diz ideal e perfeito, tem consciência de sua beleza e já em seu primeiro desfile a inocência que emanava dá lugar ao narcisismo e arrogância, ela vê reflexos de si mesma e os beija. As outras modelos a invejam e tudo o que querem é atingir a perfeição, Bella Heathcote e Abbey Lee estão ótimas em suas personagens estranhas e obcecadas, uma delas não poupa em cirurgias plásticas, elas veem suas carreiras estagnarem quando o foco se volta em Jesse que encanta a todos do meio. Jena Malone como Ruby é multifacetada e vagueia entre inveja e desejo, ela por vezes maquia defuntos e é dona de uma cena que envolve necrofilia. As situações que se desencadeiam depois que Jesse ganha outras cores e assume a doce presunção de que todos querem ser ela, são recheadas de simbolismos e a aura sombria aumenta.
Elle Fanning personifica precisamente o padrão que se diz ideal e perfeito, tem consciência de sua beleza e já em seu primeiro desfile a inocência que emanava dá lugar ao narcisismo e arrogância, ela vê reflexos de si mesma e os beija. As outras modelos a invejam e tudo o que querem é atingir a perfeição, Bella Heathcote e Abbey Lee estão ótimas em suas personagens estranhas e obcecadas, uma delas não poupa em cirurgias plásticas, elas veem suas carreiras estagnarem quando o foco se volta em Jesse que encanta a todos do meio. Jena Malone como Ruby é multifacetada e vagueia entre inveja e desejo, ela por vezes maquia defuntos e é dona de uma cena que envolve necrofilia. As situações que se desencadeiam depois que Jesse ganha outras cores e assume a doce presunção de que todos querem ser ela, são recheadas de simbolismos e a aura sombria aumenta.
Dentro deste universo da moda em que a beleza é a única qualidade várias artimanhas são utilizadas para conseguir estar nos holofotes, o filme leva ao extremo e retrata este mundo efêmero e cruel. A frieza com que a trama é conduzida evidencia mais ainda o vazio, por exemplo, na cena em que Jesse é exposta ao fotógrafo que a olha clinicamente dentro daquele ambiente que exala impessoalidade. Há uma parte em que um estilista diz sobre a diferença entre a beleza construída por cirurgia plástica e a beleza natural, e que a única coisa que importa para todos é o visual, a história de que a personalidade, a beleza interior se faz essencial, é pura hipocrisia. Principalmente para a mulher é uma luta interna constante, pois a mídia pressiona com padrões ditos certos, para aquelas que trabalham com a beleza e que são olhadas como um mero enfeite que pode ser substituído a qualquer momento é milhões de vezes pior.
"Demônio de Neon" é um terror psicológico bizarro que provoca e impressiona, coloca em questão a obsessão pela beleza e tudo o que a rodeia de forma surreal e perversa. O filme não é agradável e isso não é somente por causa das cenas desconfortantes que envolvem necrofilia e antropofagia, por exemplo, mas precisamente por retratar o quão doentio é viver buscando a perfeição estética, e por mostrar apenas a superfície e nada mais.
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
Amor, Plástico e Barulho
"Amor, Plástico e Barulho" (2013) dirigido por Renata Pinheiro (Estradeiros - 2011) é um filme pernambucano que traça um recorte cultural do efervescente e descartável cenário musical, especificamente, o brega. É também uma ótima amostra do quão difícil é percorrer esse caminho artístico com tanta competição e variedade, onde hoje é sucesso e amanhã já está velho, os sonhos e a esperança pelo glamour conduzem duas mulheres a diversos sentimentos.
Shelly (Nash Laila), uma jovem que sonha em se tornar cantora de brega, inicia sua carreira como dançarina de uma banda se apresentando em casas noturnas e programas de TV locais do Recife. Jaqueline (Maeve Jinkings), a cantora veterana da banda Amor com Veneno, é a sua inspiração e um possível espelho do seu destino. Inseridas em um mundo onde tudo é descartável, como o sucesso, o amor e a própria cidade na qual habitam, elas vivem a difícil trajetória em busca da sobrevivência pela arte que parece ser seu último recurso na vida.
Shelly (Nash Laila), uma jovem que sonha em se tornar cantora de brega, inicia sua carreira como dançarina de uma banda se apresentando em casas noturnas e programas de TV locais do Recife. Jaqueline (Maeve Jinkings), a cantora veterana da banda Amor com Veneno, é a sua inspiração e um possível espelho do seu destino. Inseridas em um mundo onde tudo é descartável, como o sucesso, o amor e a própria cidade na qual habitam, elas vivem a difícil trajetória em busca da sobrevivência pela arte que parece ser seu último recurso na vida.
O relacionamento entre Shelly e Jaqueline vai da admiração à rivalidade, pois a carreira de Jaqueline está em decadência, como ela própria diz: "O sucesso é um copinho de plástico bem vagabundo", e o dela está todo rasgado e prestes a ser jogado fora, já Shelly vislumbra um futuro promissor, empolgada tenta mostrar o seu talento em toda e qualquer oportunidade, o que irrita Jaqueline e a afasta da menina. Ela descolore o cabelo, se insinua mais nos shows e ao achar que é musa de um cantor em ascensão cria a ilusão que seu momento pode estar próximo, mas existem tantos empecilhos que as dificuldades aparecem logo no começo. Jaqueline é sensual, intensa e sofre com o seu declínio, ela vive dizendo que faz o que bem quer e que é louca mesmo, isso é porque preferiu seguir seu sonho e deixou a filha aos cuidados da mãe. O mercado fonográfico quer rostos novos e para ela resta apenas se apresentar em lugares deprimentes. A cena em que testa o som cantando "Chupa que é de uva" é extremamente melancólica e uma das melhores do filme. Ela se afoga na bebida e dificilmente a vemos sem um copinho na mão.
O longa é realista, insere um cotidiano comum e a simplicidade de artistas que tentam se manter na ativa com hits grudentos e danças envolventes. O cenário brega é mostrado com naturalidade, é verdadeiro e sem pudor, mas o roteiro não deixa de fazer crítica à obsessão pela fama e a conquista de um espaço por mais mínimo que seja, também ao mercado que promete mundos num dia e os descarta no outro, e assim promovendo o mesmo ciclo.
O longa é realista, insere um cotidiano comum e a simplicidade de artistas que tentam se manter na ativa com hits grudentos e danças envolventes. O cenário brega é mostrado com naturalidade, é verdadeiro e sem pudor, mas o roteiro não deixa de fazer crítica à obsessão pela fama e a conquista de um espaço por mais mínimo que seja, também ao mercado que promete mundos num dia e os descarta no outro, e assim promovendo o mesmo ciclo.
A entrega das atrizes a suas personagens impressiona, Maeve Jinkings brilha, traz garra, personalidade e ao mesmo tempo desgosto por saber que perderá seu lugar, já Nash Laila é sonhadora e apesar dos percalços certamente persistirá por ser jovem, a cena final retrata essa questão. As cores excessivas, o figurino, a linguagem, tudo é bem trabalhado e conquista por capturar exatamente essa realidade. É um filme com identidade, a sua alma é brega.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
Capitão Fantástico (Captain Fantastic)
"Capitão Fantástico" (2016) dirigido pelo ator Matt Ross é um belo filme que traz reflexões acerca da vida, o que realmente tem importância e agrega, questiona as regras da sociedade, o modus operandi, e também a criação dos filhos sem qualquer vínculo com o meio.
Ben (Viggo Mortensen) é o pai de seis crianças, que decide fugir da civilização e criar os filhos nas florestas selvagens do Pacífico Norte. Ele passa os seus dias dando lições às crianças, ensinando-os a praticar esportes e a combater inimigos. Um dia, no entanto, Ben é forçado a deixar o local e retornar à vida na cidade. Começa o aprendizado do pai, que deve se acostumar à vida moderna.
Ben e sua esposa decidiram criar seus filhos longe das normas e besteiras do cotidiano, as crianças são fortes e sabem de tudo, desde trabalhos pesados, como plantar, caçar, escalar, mas sem deixar de trabalhar a mente também com literatura, política e física quântica, são todos inteligentes, questionadores e muito dedicados. A figura da qual eles celebram é a do ativista político norte-americano Noam Chomsky. Tudo muda quando a esposa de Ben acometida por uma doença acaba falecendo, os filhos querem ir ao enterro, mas Ben sabe que não serão bem recebidos pelos pais dela por causa do formato de vida que escolheram, por fim eles vão e tentarão impedir a cerimônia, já que ela era budista e desejava ser cremada e as cinzas jogadas na descarga de um banheiro público. A educação que Ben passa a seus filhos é a mais clara possível, não há tabus, não há hipocrisias, tudo é ensinado nos mínimos detalhes, a disciplina é a ordem, mas permeada com harmonia e alegria. O personagem de Viggo Mortensen exagera em alguns aspectos quase os tornando verdadeiramente em selvagens, ele é rígido sobre a alimentação e não há futilidades que tirem o foco. Mas em determinado momento confrontado pelo pai de sua esposa começa repensar em alguns conceitos, decide então que seus filhos tenham uma vida comum e aprendam a viver de acordo com a sociedade, triste ele vai embora e os deixa na casa dos avós. Os filhos, por sua vez, não o abandonam e o ajuda a se reerguer, juntos concretizam o desejo da mãe e seguem com amor, bom humor e música.
Vespyr (Annalise Basso), Bodevan (George MacKay), Rellian (Nicholas Hamilton), Zaja (Shree Crooks), Kielyr (Samantha Isler) e Nai (Charlie Shotwell) são excelentes e cada um com sua personalidade cativa, representa um lado doce e mais suave da vida, de viver com o suficiente e respeito à natureza. Porém, o interessante é que em nenhum momento o filme coloca que o lado de Ben é o certo, pois há pontos negativos, querendo ou não impondo também regras. O que o filme propõe é repensar a sociedade em que vivemos, o suposto roteiro que devemos seguir e se caso decidirmos não segui-lo, com certeza seremos criticados, pressionados e taxados de loucos e alienados.
Pertinente quando posto em evidência a educação, para viver socialmente talvez eles não sejam tão espertos, foram criados em outra fôrma, ainda mais se colocados num sistema de ensino quadrado e limitado cheio de repetições que focam em valores distorcidos. Ambos os lados têm defeitos, buscar um equilíbrio entre esses dois universos é algo que sempre pode ser trabalhado em nós, por exemplo, reduzir o consumismo, ter uma conexão com a natureza, questionar padrões, ser quem se é verdadeiramente.
Destaque para a paleta de cores vivas e vibrantes que deixa a fotografia estonteante, a trilha sonora é marcada pela ótima canção "Varðeldur", de Sigur Rós, e ainda encanta com uma versão de "Sweet Child O' Mine" cantada por Samantha Isler, e outras, como "I Shall Be Released" de Bob Dylan.
"Capitão Fantástico" é leve, divertido e pontuado por ótimos diálogos e cenas hipnotizantes, mas não se aprofunda nas complexidades do tema, é uma boa e palatável história que deixa a seguinte pergunta: Você vive, ou apenas sobrevive?
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Krisha
"Krisha" (2015) dirigido pelo estreante Trey Edward Shults é um filme extremamente bem filmado, ele utiliza três formatos de filmagem que mudam de acordo com os sentimentos da protagonista, a tela começa dando o tom de realidade, passa pelo delírio, e por fim a sensação de desordem e sufocamento. A trilha sonora é outra aliada e condiz com a paranoia crescente de Krisha, aliás, a interpretação de Krisha Fairchild é merecedora de prêmios, intensa, enigmática e desajustada. Tendo apenas sua perspectiva da situação acabamos por adentrar em sua mente e acompanhamos seu caos interno se exteriorizar.
Este filme caseiro ganhou notabilidade, recebeu prêmios e se tornou uma surpresa indie, foi gravado em nove dias na casa da mãe de Trey, este que acumulou funções como diretor, roteirista, editor e também ator, interpretou o filho de Krisha. O elenco amador é composto por membros de sua família, Krisha na vida real é tia de Trey.
Este filme caseiro ganhou notabilidade, recebeu prêmios e se tornou uma surpresa indie, foi gravado em nove dias na casa da mãe de Trey, este que acumulou funções como diretor, roteirista, editor e também ator, interpretou o filho de Krisha. O elenco amador é composto por membros de sua família, Krisha na vida real é tia de Trey.
Depois de anos ausente, Krisha (Krisha Fairchild), uma alcoólatra em reabilitação, se reúne com sua família nas férias. Ela percebe que diante dela está a oportunidade de consertar os erros do passado. Porém, os delírios de Krisha conduzem o feriado para uma experiência atordoante que ninguém vai esquecer.
O filme se inicia com um close angustiante de Krisha, logo a câmera a segue chegando no local, ela erra a casa e resmunga, fica claro que não está muito animada. Ela se depara com uma grande casa cheia de pessoas e cachorros, a dificuldade em se estabelecer é visível, sempre nos cantos Krisha só quer arranjar um jeito de ter contato com seu filho, que foi acolhido pela tia devido aos problemas. Na casa o barulho predomina, enquanto Krisha está preparando o enorme peru para comemorar o feriado, sua irmã foi buscar a mãe delas, também com intuito de reconexão. Nesse meio tempo ela conversa com um ou outro, mas sem se sentir inserida de fato na família. É como se ela precisasse demonstrar a todo instante que está recuperada. Ela observa a família o tempo todo. O filho a evita, troca duas palavras e se afasta, o trauma vivido por ele jamais será esquecido e ainda mais por estar num meio que deu estabilidade emocional, talvez nunca mais a queira como mãe. As tentativas de Krisha são em vão, ao falar sobre o como ele gostava de cinema e que ele não precisa seguir a profissão que querem, denota que realmente ali não existe nenhum tipo de envolvimento.
Toda a relação que estava sendo praticamente disfarçada por receio, desaba quando Krisha derruba o enorme peru no chão após saciar-se bebendo, o reencontro e a conversa com a sua mãe não foi das melhores e a deixou desnorteada. A irmã nervosa a coloca de lado e percebe a bebedeira, daí os delírios e o caos tomam conta de sua mente sufocando-a naquele ambiente.
"Krisha" é um furacão de emoções e toca em dolorosas feridas, as relações entre parentes, por exemplo, cada um tem a sua maneira de pensar e quando alguém não se encaixa no núcleo familiar, a primeira coisa que surge é a hipocrisia no tratamento dessa pessoa, outro ponto bastante pertinente é o vício e a destruição que ele causa por onde passa, acentuando ainda mais o desconforto familiar. A tensão que se cria na casa durante esse feriado ganha grandes proporções, é um retrato difícil e realista de que família nem sempre é sinônimo de conforto.
sábado, 10 de dezembro de 2016
A Frente Fria Que a Chuva Traz
"Tem muita gente escrota nesse mundo..."
"A Frente Fria Que a Chuva Traz" (2015) dirigido por Neville de Almeida (Matou a Família e Foi ao Cinema - 1991) é um filme irônico e provocador, coloca em evidência o vazio de uma juventude de elite que busca meios para saciar a solidão e o tédio de suas vidas. Após quase duas décadas longe do cinema, Neville de Almeida, ícone do cinema marginal brasileiro, retorna com uma produção interessante e que aponta para a classe dominante que passa por cima de tudo para terem o que querem.
O filme é baseado no texto de Mário Bortolotto (originalmente uma peça teatral) e mostra o luxo e o lixo, o asfalto e o morro, a miséria e a fartura convivendo lado a lado. Especificamente, o Morro do Vidigal - que tem uma das vistas mais privilegiadas da cidade maravilhosa.
O filme é baseado no texto de Mário Bortolotto (originalmente uma peça teatral) e mostra o luxo e o lixo, o asfalto e o morro, a miséria e a fartura convivendo lado a lado. Especificamente, o Morro do Vidigal - que tem uma das vistas mais privilegiadas da cidade maravilhosa.
Os jovens retratados são ricos, mimados, insolentes e que pensam que podem se apropriar de tudo, não há limites. Eles alugam uma laje na favela com uma vista belíssima para o mar e lá dão festas infindáveis regadas a sexo e drogas, eles pagam o quanto for preciso e ainda levam um segurança junto para impedir que os pobres do morro apareçam. A fetichização da favela é exposta, eles querem o espaço, a droga, mas sem se misturarem.
Os personagens exibem facetas arrogantes, despojadas, ridicularizam o dono da laje, Gru (Flavio Bauraqui) que é chamado de inúmeros xingamentos preconceituosos, existe uma barreira imensa entre eles, apesar de estarem ali no mesmo ambiente fica claro a linha que os separa, por vezes Gru se irrita com a bagunça, mas por outras deseja fazer parte, e por fim explora-os o máximo que pode, afinal ele organiza tudo, desde bebidas à drogas. A interpretação estereotipada cai perfeitamente para o tom do filme, aliás o formato teatral pode irritar em alguns momentos, mas esse diferencial aproxima da realidade, a força está nos diálogos que em sua maioria causam desconforto e repulsa.
O grupo é formado por três garotas e dois garotos, destaque para Chay Suede como Espeto, numa vibe de pegador e, especialmente, Johnny Massaro como Alisson, este encarna o exato retrato do jovem que nunca ouviu um não e acredita que o dinheiro e seu sobrenome lhe garantirá a superioridade. As meninas interpretadas por Juliane Araújo, Nathalia Lima Verde e Juliana Lohmann dão valor para futilidades e só pensam em sexo e drogas. Mas quem rouba a cena é Bruna Linzmeyer e sua Amsterdã, uma viciada em heroína, moradora da favela que precisa se prostituir para conseguir manter seu vício, toda vez que há festas lá se mistura entre eles para poder beber e usar drogas de graça, mas nessa última festa uma série de situações se desenrolam a partir do momento que um cantor sertanejo universitário surge para animar a festa, Amsterdã o desdenha e começa a expor todo o seu nojo e ao mesmo tempo vontade de fazer parte daquele universo.
O grupo é formado por três garotas e dois garotos, destaque para Chay Suede como Espeto, numa vibe de pegador e, especialmente, Johnny Massaro como Alisson, este encarna o exato retrato do jovem que nunca ouviu um não e acredita que o dinheiro e seu sobrenome lhe garantirá a superioridade. As meninas interpretadas por Juliane Araújo, Nathalia Lima Verde e Juliana Lohmann dão valor para futilidades e só pensam em sexo e drogas. Mas quem rouba a cena é Bruna Linzmeyer e sua Amsterdã, uma viciada em heroína, moradora da favela que precisa se prostituir para conseguir manter seu vício, toda vez que há festas lá se mistura entre eles para poder beber e usar drogas de graça, mas nessa última festa uma série de situações se desenrolam a partir do momento que um cantor sertanejo universitário surge para animar a festa, Amsterdã o desdenha e começa a expor todo o seu nojo e ao mesmo tempo vontade de fazer parte daquele universo.
Amsterdã sem freios vai apontando a falsidade, a hipocrisia que os rodeia, em uma das cenas ela diz: "todos querem brincar de povão, mas não querem neguinho de verdade subindo na laje deles". O segurança, outro ser afogado no vazio revela mais tarde a sua angústia e em algumas frases também evidencia que não há nada relevante naqueles jovens, estão à deriva, esbanjando dinheiro, se colocando como donos do pedaço, cometendo preconceitos, tentando preencher a falta de perspectiva com sexo e drogas.
Outro personagem a se destacar é o cantor, interpretado magistralmente por Michel Melamed, que antes morava no Vidigal e que após o sucesso se vangloria como o supremo, a estrela pop, as meninas se insinuam, os meninos o adulam, a cena em que o segurança o ironiza é sublime, a realidade salta na nossa cara, impressionante. É caricato e isso não é um defeito, ao contrário, esse excesso retratado na figura desse cantor é como um espelho das inúmeras figuras "artísticas" que empesteiam a mídia.
Neville de Almeida continua certeiro e sagaz, retorna com um filme sarcástico e insuportável, sim, a crueza pode afastar e assustar. Esses personagens realmente dão enjoo, mas é o retrato atual de jovens que por fora reluzem e que por dentro se perdem na escuridão do vazio e da solidão, que se acham donos do mundo, que se apropriam, humilham e se preenchem com entretenimentos momentâneos e doses cavalares de artificialidades.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
Bridgend
"Bridgend" (2015) dirigido pelo dinamarquês Jeppe Rønde não é um grande filme, mas é curioso e carrega uma atmosfera misteriosa e uma tensão psicológica desconfortante. Uma das belezas do longa é a fotografia que joga com a falta de luz para criar uma aura fantasmagórica, são quadros belíssimos. A ambientação pesada surte efeito, chama a atenção, porém sem se aprofundar nas questões.
A história baseada em fatos reais retrata a chocante onda de suicídios cometida por adolescentes - que começou em 2007 e continua até hoje - na cidade de Bridgend, País de Gales. A causa é desconhecida e várias são as hipóteses, o fato é que nessa cidade o suicídio contagia esses jovens, que parecem ter na morte a solução para os seus problemas.
Sara (Hannah Murray) e seu pai, Dave (Steven Waddington), chegam a uma cidade assustada após uma série de suicídios de adolescentes. Quando ela se apaixona por James (Josh O'Connor), começa a sentir a depressão generalizada do lugar. Dave é policial e investiga os casos, enquanto Sara, inicialmente uma menina alegre, começa a conhecer os jovens desta cidade, ela sai em encontros estranhos, eles tem uma espécie de ritual em um lago, vários amigos já se mataram por enforcamento, ela sente o peso do lugar conforme adentra no universo desses habitantes, principalmente quando começam a tirar suas vidas, ela se apaixona por James, filho do sacerdote local que tenta passar ensinamentos religiosos ao grupo de amigos. Várias estranhezas ocorrem, são colocadas algumas alternativas do porquê dos suicídios, o mais perto da realidade seria um pacto feito através da Internet, uma decisão coletiva motivada por inúmeros fatores, como mídia, tédio, crise econômica, família disfuncional, etc. Há um elo entre eles em que não podem sair da cidade.
Sara vai sendo absorvida pela depressão, pela falta de perspectiva, é sugada pelas festas e programas esquisitos, como nadar com todos pelados em um lago gelado no meio da floresta, e entre rituais para os amigos que já se foram se transforma também, seu semblante se torna obscuro e obsessivo. O pai preocupado tenta tirar Sara de lá e colocá-la num colégio interno, o que só agrava as circunstâncias.
O magnetismo do sentimento de niilismo é algo inexplicável, o diretor foi certeiro na ambientação depressiva e sombria, o tédio que permeia essa pequena cidade com clima chuvoso é sinistro; dentre tantas teorias a respeito, a relação conflituosa entre pais e filhos seria umas das causas do enforcamento de tantos jovens.
"Bridgend" é um filme que se sobressaí mais pela atmosfera criada e a fotografia, é um exemplar curioso e que gera discussões sobre essa afeição e culto pela morte.
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
Chocolate (Chocolat)
"Chocolate" (2015) dirigido pelo ator Roschdy Zem (Omar me Matou - 2011) tem dois atores espetaculares em cena, o consagrado ator de teatro e neto de Chaplin, James Thiérrée e o simpático e grandioso Omar Sy. O filme traz questões pertinentes sobre as relações de poder na sociedade francesa da Bélle Époque, a efervescência da burguesia para as novidades e também para várias teorias preconceituosas, como a eugenia, dentro desse hostil território Rafael Padilha, denominado por seu companheiro Chocolate, tenta sobreviver.
Baseado em fatos reais conta sobre Rafael Padilha, que nasceu em Cuba em 1868 e foi vendido quando ainda era criança. Anos depois ele consegue fugir e é encontrado nas docas por um palhaço que o coloca nas suas apresentações. Em seguida, Padilha passa a ser conhecido como Chocolate, tornando-se o primeiro artista circense negro na França, um grande sucesso no final do século XIX.
A única chance para Chocolate era trabalhar em um circo como selvagem para colocar medo na plateia, era muito comum na época o circo dos horrores, onde exibiam bizarrices, geralmente pessoas com deficiência física, e foi num desses que o caminho de Rafael como palhaço se iniciou, após Foottit, palhaço de origem inglesa e com fama ter a ideia de uma dupla com ele, sendo ele o palhaço mal-humorado e Chocolate exagerado. Os números não demoram a virar sucesso e logo são contratados por um grande circo, é realmente lindo ver a desenvoltura dos dois em cena, as expressões, as acrobacias e os improvisos. Juntos conseguem prestígio, fama e dinheiro. Chocolate é adorado pelas crianças, também pelas mulheres, ele gasta com luxos e isso não deixa de ser incrível para a época, visto que ele poderia ter tido um destino cruel. Porém, Chocolate toma consciência de que existe muito mais para se conquistar, entra em conflito com o seu companheiro sobre os números, pois não quer mais ser chutado, uma guerra de egos surge e se entristece ao perceber como as coisas ao seu redor verdadeiramente são, ele vê que nunca se nivelará aos brancos, sempre será o exótico e selvagem, mas ainda assim tenta a carreira de ator de teatro, sendo o primeiro negro a interpretar Otelo, de Shakespeare, mas não consegue devido ao preconceito; o que dava certo era reproduzir estereótipos para a burguesia.
"Chocolate" é uma dramédia agradável e além de trazer a aura lúdica e inocente da arte circense, em especial a dos palhaços, inteligentemente reflete sobre o racismo com profundidade. Inevitável não se sentir desconfortável em algumas cenas, as risadas são substituídas por diversas emoções.
É um filme que causa empatia, Chocolate com seu grande sorriso e trejeitos encanta de primeira, Omar Sy sabe compor personagens simpáticos, Foottit, ao contrário, é solitário e triste, vamos nos afeiçoando aos poucos a ele, um grande artista, cheio de ideias, mas que carrega a sina de ser o palhaço triste e do qual guarda um segredo, o filme dá uma dica que poderia ser sobre sua sexualidade. James Thiérrée interpreta com maestria, tem amor pela arte circense e foi ele mesmo que criou os números apresentados.
A dupla Foottit e Chocolat são um marco para a história do circo, o filme tem enorme valor por resgatar a história de Chocolate, essa importante figura esquecida.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2016
Um Deslize Perigoso (Dope)
"Dope" (2015) dirigido por Rick Famuyiwa (Confirmation - 2016) trata com bom humor os estereótipos vigentes, todos os clichês exibidos têm o propósito de reflexão mesmo com um tom de comédia, o filme apresenta questões importantes sobre a sociedade atual.
Malcolm é um nerd que leva a vida em um bairro violento em Los Angeles enquanto se desdobra nas admissões das faculdades, entrevistas acadêmicas e provas de conhecimento. Malcom recebe um convite para ir em uma festa underground que o leva em uma aventura, permitindo que ele se transforme de nerd à narcótico, para, finalmente, ser ele mesmo.
Malcolm é um nerd que leva a vida em um bairro violento em Los Angeles enquanto se desdobra nas admissões das faculdades, entrevistas acadêmicas e provas de conhecimento. Malcom recebe um convite para ir em uma festa underground que o leva em uma aventura, permitindo que ele se transforme de nerd à narcótico, para, finalmente, ser ele mesmo.
Toda a aura do filme faz referência aos anos 90, o visual dos personagens, as músicas, especialmente o rap americano, a aventura faz parte da narrativa e o trio de amigos passam por inúmeras situações negativas, mas tiram proveito e ganham experiência. Eles vivem em um local permeado pela violência e que parece não haver outro caminho a não ser as drogas, Malcom (Shameik Moore), Jib (Tony Revolori) e Diggy (Kiersey Clemons) são geeks e querem um futuro diferente, eles também tocam em uma banda que esporadicamente aparece na trama. A inadequação deles no meio em que vivem é gritante e tudo contribui para que percam o rumo. Quando o traficante do bairro, Dom (A$AP Rocky) os convida para uma festa, Malcom decide ir por causa de Nakia (Zöe Kravitz), namorada de Dom. Nesta festa acontece um tiroteio e no dia seguinte a mochila de Malcom está lotada de drogas. Com Dom preso, eles são perseguidos por traficantes rivais, enquanto isso um amigo os ajuda a vender a droga, e por coincidência o avaliador de faculdade de Malcom está metido nesta história também, o que o faz querer desfazer da droga vendendo pela internet pelo sistema de Bitcoin.
Leve e divertido, "Dope" não se aprofunda politicamente na trama, mas reflete o racismo atualmente e ainda quebra estereótipos, Malcom, por exemplo, apesar de viver em um ambiente pesado deseja ir para Harvard e fará com que isso se concretize.
O figurino é um charme e ajuda na descaracterização, a trilha sonora é outro ponto forte que traz ainda mais a sensação de nostalgia, conversa perfeitamente com as situações e confere originalidade, o filme tem tema atual mas tem espírito de anos 90, existem os clichês, mas são usados a favor e de forma inteligente, fazendo com que o espectador tenha a chance de refletir sobre os julgamentos que se faz somente pela aparência, local de origem, etc.
A linguagem moderna diz o essencial e desconstrói estereótipos. Comédia e crítica social se mescla agradavelmente.
O discurso final de Malcom - que quebra a quarta parede - é excepcional e um belo tapa na cara, exprime com exatidão e bom humor todo o pré-julgamento que as pessoas fazem com as outras. "Na minha vida, sempre me achei entre quem realmente sou... e como sou percebido, entre categorias e definição. Eu não me encaixo. E eu achava que isso era uma maldição, mas... agora começo a ver... talvez seja uma benção. Quando você não se encaixa, é forçado a ver o mundo de vários ângulos e pontos de vista. Ganha conhecimento, lições de vida de muita gente e lugares. E essas lições, para o bem ou para o mal, me moldaram. Então, quem sou eu?"
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