sexta-feira, 29 de junho de 2012

Hanami - Cerejeiras em Flor (Kirschblüten - Hanami)

"Hanami" (2008) dirigido por Doris Dörrie é um filme que trata em sua essência da cultura japonesa, com uma trama simples, delicada e emocionante, nos traz um leque de simbolismos.
Rudi Angermeier (Elmar Wepper) e Trudi Angermeier (Hanellore Elsner) é um lindo casal da terceira idade que leva uma vida rotineira e tranquila. Porém, ao receber a notícia de que seu marido está com uma doença que lhe dá poucos meses de vida, os médicos aconselham a Trudi que tenha cuidado ao contar sobre a enfermidade e sugere que o casal aproveite os últimos momentos para viajar ou realizar alguns de seus sonhos. Sem contar ao marido da doença, Trudi o convence a saírem do interior da Alemanha e irem a Berlim visitarem os filhos. Sem tempo para os pais, o casal vê o quanto eles se transformaram a ponto de considerar a breve visita um verdadeiro incômodo. A situação se agrava quando, ironicamente, Trudi morre, deixando seu marido sozinho em meio ao desprezo dos filhos. Ao voltar para sua cidade, Rudi decide se aprofundar nos pertences de sua mulher, e assim descobre que a vida toda ela alimentou o sonho de conhecer o Monte Fuji, no Japão.
Na capital, Tóquio vive um dos filhos do casal, Karl Angermeier (Maximilian Bruckner). Da mesma forma que os seus irmãos, Karl também não tem tempo e muito menos disposição para tomar conta do seu pai. Como forma de compensar os sonhos da esposa que não pôde realizar, Rudi parte em uma jornada em busca da essência de uma das formas de expressão que sua mulher mais admirava: o butô, uma dança típica oriental.
O butô busca uma forma de expressão que não seja necessariamente coreografada, nem a movimentos estereotipados que remetam a uma técnica específica, preocupa-se em expressar a individualidade, sem máscaras e véus. 
A época de sua visita coincide com o período do Hanami, o festival das cerejeiras. Suas flores simbolizam a beleza, as mudanças e um novo começo.
Os laços familiares muitas vezes não significam absolutamente nada, com o tempo os filhos se distanciam tanto de seus pais que a mínima presença se torna incômoda, Rudi sentiu na pele o desprezo de seus filhos, por isso termina transmitindo todo o seu carinho para Yu (Aya Irizuki), uma garota que conhece na praça, uma dançarina de butô, e por meio dela concretiza o sonho de sua mulher, através de uma desconhecida realiza uma transformação interior.

Trudi queria dar alguma aventura à vida de seu marido antes dele morrer, mas ele não queria fazer nada, apenas seguir como de costume, e de repente a vida toma as rédeas e coloca-o de frente a uma busca, um algo que fizesse ele viver, foi por meio da morte inesperada da esposa, que sem querer, Rudi se abre para a vida e descobre a si mesmo.
Com uma bela fotografia, explora o contraste da correria do dia a dia dos japoneses, e ao mesmo tempo a busca da tranquilidade, onde Rudi encontrará respostas das quais nunca imaginou. A angústia do tempo que passou, pelo fato de Trudi não ter realizado o sonho, de se tornar dançarina de butô cai sobre ele de forma pesada, mas como o festival Hanami (o desabrochar das flores), há sempre tempo enquanto há vida, então ele vai em busca da transformação e realização.
O filme nos mostra de um modo singelo o quão é importante nos conhecer para que o outro possa entrar na nossa vida, o valor de uma amizade no sentido mais puro baseada no amor sem querer nada em troca, pode ser o momento mais magnífico que o ser humano pode atingir. Assim como as flores da cerejeira, é a nossa vida, breve. A qualquer momento se desprende da árvore, voa para longe, e desaparece.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A Vida Secreta das Palavras (La Vida Secreta de las Palabras)

"Tudo no fundo não passa de um acidente."

"A Vida Secreta das Palavras" (2005) dirigido por Isabel Coixet (Minha Vida Sem Mim - 2003) conta a história de Hanna (Sarah Polley), uma jovem que trabalha em uma indústria têxtil. Portadora de deficiência auditiva, ela parece viver em um mundo só seu. Introvertida e solitária, não interage com os outros funcionários. Hanna ainda mantém hábitos comuns a uma pessoa que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo. O sabonete em sua casa é trocado a cada novo uso e seu almoço é sempre o mesmo: arroz, frango e maçã. Um dia, a rotina de Hanna é quebrada quando o diretor da fábrica a convoca para uma reunião. imaginando-se demitida, ela descobre que, na verdade, precisa tirar um mês de férias, já que nunca o fez nesses quatro anos de emprego. Caso contrário, a fábrica poderá ter problemas com o sindicato. Ao invés de descansar, ela acaba indo trabalhar de enfermeira por um breve período numa plataforma petrolífera. Josef (Tim Robbins) é vítima de um acidente na plataforma, onde houve um incêndio que deixou um morto e ele ficou gravemente ferido e temporariamente cego. Hanna decide ir tratá-lo, desconhecidos um do outro e do espectador, feridos por dentro e por fora, encontram-se, talvez para recomeçar.
Hanna tem um segredo, solitária não cria laços com ninguém, há algo naquele lugar, talvez, a semelhança com as pessoas que ali trabalham, faz com que ela veja uma nova perspectiva de sua vida. Conforme Josef conversa com ela, fazendo suas piadinhas, acaba trazendo-a aos poucos mais para perto e fazendo com que até sorria. Devagar os personagens vão sendo revelados, nos mostrando o porquê de seus comportamentos. Hanna compartilha um segredo delicado e trágico para Josef. Torturada e estuprada durante a guerra expõe suas cicatrizes externas e internas com uma certa vergonha, por ter escapado e ter sobrevivido. Ela mantém uma vida regrada, talvez para não ter tempo de pensar, e evita relações para não ter que compartilhar e afundar as pessoas junto a sua tristeza e solidão. Sarah Polley interpreta Hanna de maneira enigmática e cabe ao espectador ter a paciência de esperar os segredos serem revelados, como uma sessão de terapia, onde o profissional espera o tempo de seu paciente, Josef soube esperar o momento exato, não a forçou e isso fez que ela sentisse carinho por ele, e mais para frente amor.
A tragédia ocorrida na plataforma serviu para que Hanna encontrasse um meio de continuar vivendo de forma mais agradável, e o destino fez com que encontrasse Josef, que também estava passando por um momento complicado, e os dois ajudando um ao outro sem perceber, criaram um vínculo que nunca mais se romperia.

Como na vida, tudo tem seu momento certo, nesse longa também é assim, com um ritmo lento e coberto de simbolismos. Não tem como saber o que nos irá acontecer, não sabemos em que ponto iremos mudar nosso modo de pensar e agir, pode ser numa situação em que menos esperamos, um lugar, uma pessoa, uma conversa, um pensamento que surge, ninguém sabe exatamente o ponto em que tudo muda.
A mensagem maior é a esperança, sem esta jamais conseguiremos viver plenamente, e mesmo que não queiramos admitir, ela está embutida em cada um de nós, como uma válvula de escape. Todos estamos sozinhos neste mundo, Hanna sempre terá suas marcas, mas com ajuda de alguém que a ame e a entenda será mais fácil caminhar. O medo desaparece.
"O Segredo das Palavras" é sobre a (in)capacidade de seguir em frente, pois de algum modo continuar faz parte. É um filme sobre a vida e seus difíceis caminhos.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sete Vidas (Curta-Metragem)

"Bom, vamos explicar a coisa assim: Eu morri. E morri convicto de que esse negócio de reencarnação era uma grande bobagem. Hoje, devo ceder aos fatos. Aqui estou. De novo. Agora assim: todo peludo, e articulando as variantes possíveis da palavra...miau. Pois é, aprendam mais esta: escritores reencarnam como gatos."

"Sete Vidas" (2007), curta-metragem brasileiro de 19 minutos gira em torno de sete personagens que acreditam ser donas de um gato, um mesmo gato. São sete solitários, e certamente por seu isolamento social, cada um deles impõe ao felino suas frustrações, expectativas e manias. Por conta disso, dão-lhe nomes e tratamentos diversos. O gato é, na verdade, um escritor reencarnado, que narra, ele mesmo, sua nova condição. E, ao falar das vantagens de variar de dono, acaba por contar também um pouco do cotidiano de cada um deles: as verdadeiras "sete vidas" do título. Sua narrativa obriga também o bichano a tomar uma importante e difícil decisão: escolher a quem ele pertence afinal.
O morto não é um ser humano, mas um gato, a reencarnação de um escritor. A história que vemos é o cotidiano do gato e as sete pessoas que ele adicionou à sua agenda diária para poder relacionar-se. A narração de Selton Mello esbanja criatividade e ironia, o roteiro é espetacular, o gato se torna um personagem sedutor em comparação aos seres humanos que o rodeiam, que são mais estranhos do que o próprio gato. Há no curta participações de Marcelo Mansfield, interpretando um padre que o gato visita só para poder ouvir música, Etty Fraser no papel de uma velha que acha que o gato é fêmea e o chama de Úrsula, inclusive arranja um outro gato para que ele possa acasalar.
A vida de escritor/gato pode ser mais aventureira do que parece. Aliás, com sete vidas, certamente a vida passa mais rápido do que com uma só. 
Com uma maravilhosa narração e um roteiro sensacional, agrada especialmente a todos que amam gatos!

O curta pode ser conferido aqui

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Partida (Okuribito)

"A Partida" (2008) dirigido por Yôjirô Takita conta uma linda história sobre amores, mortes e ritos de passagem. O tema é a morte e é tratado com muita dignidade e com todo o belo aparato ritualístico típico da cultura oriental. Uma obra singular, ora buscando o humor, ora flertando com um profundo sentimento.
Daigo é um jovem violoncelista desempregado. Sem confiança em seu próprio talento, desiludido e endividado por ter comprado um violoncelo, ele propõe como solução a sua mulher mudarem-se para a cidadezinha do interior do Japão, onde nascera. Com espírito otimista sua esposa é uma Web Designer, aceita e apóia a decisão do marido. Daigo ao contrário do que esperava se sente livre de uma obrigação ao vender seu violoncelo. Aquele poderia não ser seu verdadeiro sonho. Em busca de um emprego qualquer, logo consegue, e meio à contra gosto torna-se um "preparador de cadáveres", ou seja, o profissional que se dedica a maquiar e arrumar defuntos para que sejam enterrados da maneira mais digna possível. Porém, o envergonhado Daigo não consegue contar a verdade à sua esposa Mika, que acredita que o marido trabalha numa espécie de agência de viagens. Daigo se torna um profissional "Noukan" (ritual de acondicionamento dos mortos), preparando-os para o enterro ou cremação.
"Noukan" é a tradicional cerimônia japonesa de colocar o cadáver no caixão. Primeiro o corpo é coberto para que seja retirado o quimono ritual, sem que a pele do morto seja exposta. Procede-se o tamponamento dos orifícios naturais, depois se inicia a limpeza do corpo que simboliza a eliminação do cansaço do mundo, da dor, do desejo e também o primeiro banho para o novo nascimento. A musculatura do rosto é acomodada e a postura das mãos é arrumada. A roupa é novamente colocada com extrema delicadeza e cuidado. Depois dessa preparação o rosto é barbeado no caso dos homens e as mulheres penteadas e maquiadas. Tudo é feito na presença dos familiares, com movimentos precisos e delicados. O ritual é geralmente realizado em um cômodo especial, onde haja um altar com flores e o retrato do morto. Os Noukan trabalham com muito respeito aos mortos e a dedicação torna o rito ainda mais bonito. Eles auxiliam a última viagem e a jornada do morto para a entrada na próxima vida.
O protagonista foi obrigado pelo seu pai a aprender música, fora criado sozinho por sua mãe desde os seis anos, depois que ele os abandonou. Toda vez que lembra de sua história se sente triste e vem à tona a sua criança ferida, da qual não recorda o rosto do pai. Ele jamais poderá perdoá-lo por isso, guarda mágoas e rancores. A música renasce dentro dele quando começa a tocar seu velho instrumento, nesse ínterim encontra a pedra que seu pai lhe dera quando era pequeno. 
A esposa de Daigo acaba descobrindo tudo sobre suas mentiras e despreza seu trabalho pedindo que o deixe; Daigo tem que fazer uma escolha, mas já está envolvido emocionalmente com sua profissão. Ele começa a se orgulhar de si e de seu papel de intermediário entre a vida e a morte, entre o falecido e sua família. Através do contato com a morte ele descobre o significado do viver. Chamado pela morte de seu pai em uma cidade vizinha, demonstra muita raiva e dor, extravasando todo seu pesar. Depois de tantos anos o reencontro acontece com seu pai morto, e assim ele resolve acondicioná-lo. Sua dor se transforma em compaixão e amor, tocando o corpo de seu pai, limpando, purificando e cuidando, pôde reconstruir o seu rosto, dando a ele sua identidade perdida há tantos anos, ressignificando seu passado, curando suas feridas, transformando-as em cicatrizes sagradas. Em sua mão encontrou a pedra que ele ainda menino o havia dado, descobrindo que afinal o pai nunca o esquecera. Quando no final sua esposa lhe entrega a pedra ele a devolve entre as mãos e a coloca sobre a sua barriga em um lindo gesto simbólico.

"A Partida" é um filme completamente poético, a morte representa transformação, além de ser inevitável, é necessária para que haja espaço para o novo. A ideia de morte nos traz para a espiritualidade, deixando que nos desprendamos do materialismo, e assim chegando mais próximos da natureza humana. O desapego pelas coisas é o primeiro passo para a aceitação da morte, desapego ao nosso ego (desejos) e enfim, à carne. O ser humano vive ignorando a morte achando que nunca virá para si, vive como se fosse eterno, o que não passa de medo do desconhecido, esse distanciamento faz com que não entendamos seu verdadeiro propósito, talvez, a morte seja uma passagem para um novo estágio, um portal do qual todos iremos passar um dia, a morte é o fim do desapego do ego, e tudo que acumulamos em vida, simplesmente se vai.
A trilha sonora casa com um roteiro cuja beleza é imensurável, lidar com os mortos pode parecer para muitos algo impuro, mas Daigo nos mostra o quão digno e reconfortante é. Incrível como um gesto delicado e dedicado pode mudar um modo de pensar.

A história é sincera e nos faz sentir uma torrente de emoções em duas horas de projeção. Todos deveriam assisti-lo para que pudessem ter uma noção mais bonita do conceito da morte, já que muitos desconhecem, ignoram, e outros apenas vivem sem se questionar. É uma bela forma de chegarmos mais próximos de algo que temos tanto medo. A morte é tratada de modo natural e com uma sensibilidade única. A sequência na qual Daigo toca seu violoncelo em meio a paisagens bucólicas numa série de cortes temporais da trama, sem dúvida, é uma das cenas mais lindas. Sufocante e melancolicamente sublime.
Em sinal de respeito como nos hábitos dos japoneses, me curvo diante a este longa. 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Raiva (Kalevet)

"Raiva" (2010) dirigido por Ahron Keshales e Navot Papushado é um terror israelense que conta a história de um irmão e uma irmã que fogem de casa e encontram refúgio em uma reserva natural deserta. Quando a irmã cai numa armadilha de um assassino psicopata, o irmão sai em uma corrida contra o tempo para encontrar ajuda. Em uma reviravolta do destino o resgate da irmã torna-se, inadvertidamente, entrelaçada com a vida de um grupo de tenistas jovens, um guarda florestal e seu cão, bem como uma equipe de policiais.
Em "Raiva" as coisas correm terrivelmente mal para um grupo de pessoas que, por uma razão ou outra, se encontram na mesma floresta, no pior momento. Os acontecimentos e os maus entendidos são tantos que chega uma hora em que nos perguntamos aonde isso tudo vai parar. As pessoas simplesmente sentem desejo de sobreviver e para isso são capazes de tudo. O desespero, a raiva, a revolta, tudo contribui para que este longa se torne no mínimo criativo e original. É visto a condição humana no seu estado mais selvagem.
Não se pode negar as influências americanas contidas no filme, as atuações são medianas, mas conforme vai passando nem nos damos mais conta destes detalhes, as mortes vão ficando mais bizarras e tomando proporções gigantescas, é morte por estaca, machado, minas terrestres, etc. O que não falta é gente mutilada. Há espaço para o humor também, mas aquele que cabe bem ao gênero, claro que por ser de Israel a curiosidade se aguça mais, é um filme bem produzido, a história prende e os personagens são interessantes, é uma ótima pedida para quem quer se desvencilhar do mais do mesmo.
O engraçado é quem deveria ter morrido não morreu e a figura do psicopata é quase inexistente, é um verdadeiro caos que se forma por um bocado de maus entendidos.
Estamos fartos de assistir filmes de terror e se deparar com os velhos clichês e sustos tão esperados, não sei se classificaria "Raiva" como terror, pende mais pelo lado psicológico. 

A dupla de jovens diretores que o produziu pega a fórmula clássica: jovens perdidos na floresta, mas destrói todas as obviedades construindo um roteiro inteligente e surpreendente. É um retrato sarcástico da condição humana sem retoques. A sequência onde uma vítima é enterrada ao som do celular e recebe uma mensagem dizendo que vai ser pai, é uma amostra excelente do amargo humor negro que permeia o filme.
Nada é exatamente o que aparenta ser!

terça-feira, 19 de junho de 2012

Drive

Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, este longa nos traz um personagem silencioso, solitário, que sempre está fuçando no motor de um carro ou dirigindo um. Trabalha na oficina de um mecânico e ex-dublê (Bryan Cranston), ligado a mafiosos em Los Angeles, às vezes serve de piloto de fuga para pequenos assaltos. Quando tenta ajudar o marido da vizinha (Carey Mulligan) a pagar uma dívida, claro que muito mais interessado na vizinha do que em ajudar o marido, se vê numa roubada de proporções gigantescas. Intitulado apenas como Driver, Ryan Gosling faz de maneira fria, porém cativante um homem que pode ser considerado herói. Dividindo seu tempo entre pilotar e trabalhar como mecânico na oficina onde vários negócios escusos acontecem, ele não se envolve no plano, não quer saber a carga e não carrega armas. Tudo o que ele precisa saber é o dia, hora e local, para onde vai e onde deve deixar o passageiro, também garante cinco minutos para quem o contrata.
A escolha do figurino e trilha sonora à la anos 80 dá um toque especial, Ryan Gosling encanta com seu personagem misterioso, contido e travado, no entanto, seus traços exibem delicadeza. Em vários momentos da trama é sedutor, a sua jaqueta com o escorpião dourado estampado nas costas lhe dá um ar durão, mas se mostra afetuoso e preocupado com Irene e seu filho. Depois que o plano em ajudar o marido de Irene vai por água abaixo, ele se envolve numa teia muito complexa, com pessoas perigosas e sujas, tudo isso para proteger Irene, mas será que ele fez tudo aquilo só por amor? Nada sabemos daquele personagem, e isso é o que mais chama a atenção, nos prende, nos fascina naquele personagem repleto de mistérios, e quando as coisas mudam de figura ele mostra o seu lado violento, com direito a tiroteios, cabeças esmagadas e muita velocidade.
Neste longa não foi preciso diálogos extensos, com poucas palavras, expressões faciais, olhares, e principalmente a postura com qual interpretou, Ryan Gosling mostrou que foi feito para o personagem. Em uma cena que está sentado no bar, vem um homem e o reconhece de algum trabalho que tenha feito pra ele, discretamente e de modo seguro, o piloto diz: "Cala sua boca ou enfio seus dentes pela sua garganta", essa é uma das performances que torna seu personagem memorável.

O filme é feito de imagens e elas são mais que suficientes. Um exemplo disso é que a inocência e a delicadeza de Irene é a única possibilidade de tirar o personagem de seu mundo particular, e ele se expressa de maneira muito forte quando olha e sorri para ela. Em vários momentos essas cenas são longas, e de fato muito minuciosas. A trama é simples, mas original, à medida que as coisas acontecem nos pegamos boquiabertos. Uma grata surpresa ter assistido a este longa brilhantemente interpretado por Ryan Gosling. É um filme moderno com estilo clássico!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Michael

"Michael" (2011) dirigido por Markus Schleinzer traz um assunto polêmico sob um olhar frio e sóbrio. Michael é um corretor de seguros que aparentemente leva uma vida normal, a não ser por manter preso no porão de sua casa um garoto de 10 anos, Wolfgang, do qual abusa periodicamente. O filme centra toda a sua força narrativa no monstruoso protagonista e não no fato em si. O andamento do longa é extremamente lento e com total ausência de trilha sonora, os planos basicamente são fixos e o tema é abordado do ponto de vista do agressor, assim o diretor cria uma obra autêntica e que mesmo sem ser explícita em qualquer sentido, choca profundamente.
O longa não pretende humanizar o agressor, que o tempo todo é acompanhado pela câmera, seja no trabalho, comendo, escovando os dentes, ou vendo televisão. Nunca vemos efetivamente ele sequer encostar maliciosamente no menino, as cenas de abuso em si não são mostradas, mas a maneira como o diretor vai revelando o comportamento de Michael, interpretado por Michael Fuith, é suficiente para caracterizar o personagem como uma pessoa doentia.
O garoto, vivido por David Rauchenberg, passa quase todo o filme em silêncio, obedecendo às ordens de Michael. Mas sua dor é visível nos seus gestos, nas suas reações e na sua expressão sempre triste, ele desenha e escreve cartas que nunca chegarão até seus pais verdadeiros, participa de sessões maníacas de limpeza, e é capaz de demonstrar apatia diante a uma repetição de um diálogo chocante de um filme de terror proferido pelo seu algoz, além de participar passivamente de rotinas e passeios que sugerem uma relação paternal e natural.
O tempo todo torcia para que o garoto gritasse, chutasse, ou mordesse aquele ser, é odioso pensar que aquele homem nutria desejo sexual pelo menino.
O filme passou a sensação de que qualquer pessoa pode ter um segredo desse calibre, não sabemos até que ponto o nosso vizinho é "normal", e isso é o que mais perturba, até onde uma pessoa pode chegar para saciar seus desejos? O filme tenta traçar o perfil de um pedófilo, em suas atitudes e na frieza como lida com tudo ao redor, mas é impossível compreender uma personalidade pedófila, não há explicações do porquê de um ser humano cometer tal atrocidade.

"Michael", talvez seja o melhor filme sobre pedofilia até hoje, por abordar o tema de forma fria e distanciada, sem simpatizar nem condenar o personagem.
Em 2008 houve um maníaco chamado Joseph Fritzl, que foi preso na Áustria por manter a filha encarcerada por 24 anos no porão de sua casa e da qual engravidou sete vezes. O diretor Markus Schleinzer nega ter se inspirado neste caso. "Michael" é um filme frio e retrata perfeitamente que histórias escabrosas deste tipo existem mais do que imaginamos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Agnosia

"Agnosia" (2010) dirigido por Eugenio Mira, conta a história de Joana Prats (Bárbara Goenaga), uma bela jovem com uma doença que atrapalha a sua percepção e a impede de reconhecer alguns sons e imagens. Quando seu pai morre, ela vira vítima de um plano. Ela é a única que guarda os segredos de seu falecido pai, um famoso industrial, e passa a ser alvo de pessoas que querem ter acesso a esses segredos. A história se passa na Espanha de 1899 e é regada a mistérios, mas também romance, assim dois homens passam a ser cruciais na vida de Joana: Carles (Eduardo Noriega), noivo de Joana e braço direito do seu falecido pai, e Vincent (Félix Gómez), um jovem e impulsivo empregado da mansão Prats.
A agnosia de Joana é uma doença neuropsicológica que afeta sua percepção. Apesar de seus olhos e ouvidos estarem em perfeito estado, seu cérebro não consegue interpretar os estímulos que recebe através deles, tornando-se assim vulnerável a quem quiser usá-la. A agnosia (perda de conhecimento) consiste na deterioração da capacidade para reconhecer ou identificar objetos, pessoas, sons, formas. Uma pessoa com agnosia pode, por exemplo, ter acuidade visual normal e não ter capacidade de reconhecer objetos, pessoas familiares ou a própria imagem no espelho. Está normalmente associada a danos cerebrais ou doenças neurológicas, particularmente a lesões do lobo temporal.
Há cenas em que Joana faz amor com o empregado pensando ser o noivo e nessa bagunça toda acaba descobrindo que o empregado é melhor.
O ritmo é lento, por vezes, enrolado e com um final que poderia ter sido diferente, mas mesmo assim vale ser assistido, é uma trama que mistura gêneros, como thriller, suspense, romance e drama bem ao estilo latino. A cena inicial é uma das mais bem feitas de todo o filme, porém não muito explicada, e o desenrolar requer um pouco da paciência do espectador. Definitivamente é um filme para poucos, a maioria deverá o achar enfadonho e desistirá no meio do caminho.

O longa não é nada previsível e soa muito como um romance poético, é uma opção para quem gosta de experimentar e se deslumbrar com as possibilidades narrativas que a sétima arte pode proporcionar!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Palhaço

"O Palhaço" (2011) dirigido, roteirizado e protagonizado por Selton Mello é uma produção nacional que esbanja graciosidade, poesia e melancolia. 
Puro Sangue é o codinome de Valdemar (Paulo José), pai de Benjamim (Selton Mello), que nas noites de espetáculo assume a identidade do palhaço Pangaré. O roteiro do longa propõe atravessar do riso ao choro, explicitando em diálogos e observações o que se tem feito da vida naquela transitividade sem grandes laços. Benjamim, por exemplo, não carrega mais do que uma certidão de nascimento e é quase uma figura inexistente dentro da sociedade, rodando o Brasil sem identidade e ressentido-se pela crença da ilusão de seus feitos, almejando diariamente fugas. Essa busca por respostas do protagonista acarreta também uma relação curiosa com um objeto: um ventilador. É como se ele precisasse do produto como completude de um vazio, seria a solução da falta que sente de coisas a qual é privado. Tal sugestão é dada em um ato por um personagem ao referir-se sobre o calor assolador. Remete apego a algo, a qualquer coisa que faça sentido, sem temer o absurdo que pareça. Bons personagens complementam a obra, cujas atuações dignificam. Além de Paulo José em estado de graça, o elenco ainda conta com Moacyr Franco, Emílio Orciollo Neto, Jackson Antunes, Jorge Loredo e Danton Mello em breves e ótimas aparições.
Benjamim se encontra numa época complicada da vida, em que se pergunta se sua real vocação está mesmo no circo. Um dia, ele decide largar sua trupe para se resolver e buscar o que tanto falta em sua vida. Ao mesmo tempo, acompanhamos a história através dos olhos de uma menina, filha de um dos casais da trupe, chamada Guilhermina (Larissa Manoela). A beleza de "O Palhaço" se encontra nos seus personagens, seja no protagonista e sua emocionante busca pessoal, a menina Guilhermina, dona do arco dramático mais lindo do filme, ou mesmo os divertidos coadjuvantes. Todos são igualmente importantes para o filme funcionar. Antes de tudo, a trama fala de família, portanto, não é de se espantar que todas as figuras do simpático circo Esperança demonstrem tamanha alegria de trabalhar, principalmente, quando estão todos juntos. E assim, conseguem enfrentar todas as outras criaturas grotescas e engraçadas que habitam o filme, desde os prefeitos das cidades que visitam, até o hilário delegado apaixonado pelo seu gato. Portanto, fica impossível não sentir uma pontinha de tristeza quando vemos Pangaré abandonar sua trupe. Vagando sozinho como uma sombra, essa jornada se faz importante para se autoafirmar. São momentos dotados de delicadeza, Benjamim então descobre que sua vocação foi encontrada, ele é e sempre será o palhaço Pangaré.

"O Palhaço" é um belo filme que é capaz de tirar lágrimas e ao mesmo tempo risos, afinal quem nunca se sentiu perdido diante a vida e precisou experimentá-la de uma outra forma, até que percebe que estava tudo no seu devido lugar, e que tudo não passou de um desconforto interior.
Benjamim precisava sair de seu mundo para encontrar a si mesmo, pois como o pai dizia: "Gato bebe leite, rato come queijo e eu sou palhaço". Devemos fazer o que sabemos, o que está dentro de nós e fazê-lo com amor.
É um filme bem amarrado e um exemplar nacional raro. É como o principal objeto ao longo da história: um ventilador, que traz uma nova brisa refrescante num mar quente e monótono. Sempre é hora de redescobrir-se.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Flor da Neve e o Leque Secreto (Snow Flower and the Secret Fan)

Dirigido pelo chinês radicado nos EUA Wayne Wang, "Flor da Neve e o Leque Secreto" (2011), nos conta uma linda história de amizade repleta de tradições. O filme abre mostrando a bem-sucedida executiva Nina, prestes a assumir um importante cargo em um escritório que será aberto em NY. Ao saber do acidente de sua amiga Sophia, atropelada por um táxi e que agora se encontra hospitalizada, Nina começa a relembrar o período em que se conheceram, e em que se tornaram irmãs juradas para sempre por meio do Laotong, uma espécie de contrato tradicional selado entre as amigas.
Sophia veio da Coréia e sempre teve a vida conturbada por morar longe de sua terra, fala chinês com dificuldade e tem poucas ambições na vida, já Nina é uma jovem esforçada que vem de família humilde, e almeja um futuro brilhante. Juntas enfrentam todos os obstáculos da difícil vida na China.
Ao ler os manuscritos de Sophia que está em coma, Nina conhece duas personagens também unidas pelo Laotong, cuja história começa no longínquo ano de 1829. À medida que avança na história de Flor da Neve e Lírio, Nina compreende que muito do que passou com Sophia tem relação direta com os fatos ocorridos no passado, uma oportunidade para recuperar a amizade perdida e se redimir dos erros cometidos.
No século XIX, na China, duas meninas passam pelo ritual do enfaixamento torturante dos pés para no futuro próximo terem bons casamentos, e serem aceitas pela sociedade. Trocando confidências numa língua secreta (nu shu) e, estabelecendo um elo inquebrantável mesmo diante da distância geográfica ou de pressões familiares, elas são o melhor exemplo de uma amizade verdadeira.
Costumes, crenças locais, o filme toca em pontos culturais da região mostrada sempre com uma dose de ficção. Mas é incrivelmente marcante, pois trata-se de lealdade entre duas mulheres, que independente de estarem juntas ou não, o sentimento permanece, a preocupação do bem-estar da outra, o querer bem, tudo isso encanta profundamente. Envoltas em um mundo totalmente machista em que mulheres nem se quer podiam falar, submissas e entregue aos males da vida, as diferenças entre Lírio e Flor da Neve acabam pesando demais, e por fim, separando-as. Mas o registro de todos estes sentimentos, temores e dúvidas ficam registrados em leques artesanais, inclusive o que conta os reais motivos do afastamento entre elas. Esse leque servirá, muitos anos depois, para justificar o que aconteceu entre Nina e Sophia.

Um aspecto muito interessante e que nos esclarece a relação entre essas personagens de épocas tão diferentes, é que elas são vividas pelas mesmas atrizes: Gianna Jun que interpreta Sophia e Flor da Neve, e Bingbing Li, que faz Nina e Lírio.
O ator Hugh Jackman faz uma aparição surpreendente cantando em inglês e em chinês, na pele de Arthur, um empresário australiano do ramo de casas noturnas, que é apaixonado por Sophia e o suposto causador de sua tristeza.
A montagem do filme é baseada em fashbacks e é datada constantemente para nos situar, uma vez que o filme é cronologicamente picotado, às vezes esse vai e vem da linha do tempo nos faz perder o fio da meada, e se torna um pouco cansativo.
"Flor da Neve e o Leque Secreto" é um filme muito bem cuidado, nada muito profundo, mas imensamente bonito. Retrata uma cultura diferente e envolve-nos de maneira muito delicada entre as duas histórias que se cruzam. É uma forma de nos lembrar os verdadeiros sentimentos de uma amizade, o amor puro, a sinceridade, e a lealdade.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Shame

"Shame" (2011) dirigido por Steve McQueen (Fome - 2008) é ousado e explícito. Sobre os lençóis que envolvem o protagonista totalmente nu logo no início, já percebe-se o diferencial deste longa, mas ao desenrolar da trama, vemos e sentimos muito sobre o angustiado Brandon (Michael Fassbender), que está muito além do que é dito ou exposto em cena, dando espaço para interpretações múltiplas para as causas e os efeitos de sua compulsão sexual. Brandon é um sujeito bem-sucedido, boa pinta e sozinho por opção. Tal escolha já seria bem delineada e justificável por seu estilo de vida: um inveterado sexual em todos os aspectos, ao ponto de alimentar seu vício mesmo em ambiente de trabalho. A chegada de sua irresponsável irmã, Sissy (Carey Mulligan) só acentua a já notável patologia dele, já que este também demonstra extrema dificuldade de envolvimento emocional com todos a sua volta, e a impossibilidade de definirmos o que veio antes, a doença ou a introspecção de Brandon, é um dos pontos mais intrigantes desse interessante roteiro.
Impressionante como o protagonista de "Shame" não tem apego por nada. Ele vai para o trabalho, mas não gosta do que faz, ou não se interessa o suficiente pela profissão. Não tem relacionamentos verdadeiros, e sai com o chefe David somente porque este vê em Brandon a isca perfeita para despertar o interesse das mulheres. "Shame" segue em bom ritmo e não demora muito para a personagem Sissy invadir a rotina de Brandon. E ela desestabiliza aquela rotina segura e previsível dele que parece se resumir a chegar no trabalho atrasado, sair com o chefe para "caçar" e terminar a noite sempre com uma mulher diferente. Sissy é um risco para essa segurança vazia de Brandon. Ela grita, e de forma insistente por atenção e carinho, tentando resgatar laços e manter uma relação. Tudo que ele parece incapaz de conseguir. É notável que todo o problema de Brandon em se isolar venha de um trauma familiar.
Não há economia nas cenas de masturbação, destacadamente mecânicas e nada sensuais. Os personagens são pessoas cheias de angústias, Brandon é frio, vazio e nada supre suas necessidades, chegando a exaustão de tanto fazer sexo. Quando as coisas vão para um lado mais sério, por exemplo, quando sai com uma colega de trabalho para jantar, e quando o mínimo de carinho surge, já o faz se afastar. O desconforto aparece de modo sutil e com ele vem um sorriso aliviado ao final deste malsucedido encontro. Já Sissy busca atenção e carinho no irmão, tudo o que ele não quer e não consegue compartilhar. Uma cena linda destaca toda a ausência de afeto na vida de Sissy, quando canta "New York, New York", numa versão que transborda melancolia em sua voz.

Em nenhum momento o sexo é ligado ao prazer, mas sim a dor. Brandon realiza todas as suas fantasias sexuais, porém não há um segundo de alegria em seu rosto. Ele é um ser humano perdido em suas mágoas passadas, seja lá quais foram, e ele descarrega tudo no sexo. O filme tem uma cadência lenta, mas consegue com maestria deixar a narrativa atraente do começo ao fim, fazendo de sua câmera quase como um objeto cênico em boa parte do longa, mudando somente nos momentos de tensão causadas pela angústia perante a necessidade do sexo.
Os diálogos são secos e diretos, deixando bem explícito que toda a atual situação dos irmãos é fruto de um passado não muito bom, além de mostrar de forma contundente como é viver em uma condição de dependência sexual. Impossível não sentir pena diante de um homem fragilizado pela sua compulsão, e principalmente pelas consequências que traz. Michael Fassbender construiu um personagem refinado e de hábitos polidos, mas que só encontra no sexo o verdadeiro conforto para sua solidão existencial. Não é agradável acompanhar a sua autodestruição.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Arte do Pensamento Negativo (Kunsten å Tenke Negativt)

Geirr (Fridtjov Såheim) é um amargurado paralítico com fixação em armas, que gosta de ver filmes de guerra, fumar erva, ouvir Johnny Cash, se automedicar e beber uns copos. Com seu cabelo comprido à la anos 70 e o seu negativismo, Geirr parece um daqueles veteranos de guerra do Vietnã. A cadeira de rodas é um elemento novo em sua vida e na de sua mulher, Ingvild (Kirsti Eline Torhaug), da qual ainda não se adaptaram convenientemente. Numa forma desesperada de salvar a relação, ela convida um grupo de apoio local liderado por Tori (Kjersti Holmen), que juntamente com outros aleijados, vão à casa do casal pregar as regras do positivismo e da boa disposição. Estes dois pensamentos totalmente opostos vão sendo confrontados por um dia inteiro. Geirr se recusa a olhar as coisas com um viés positivo e lentamente tenta trazer os membros do grupo para o seu lado, de forma que aceitem de um jeito diferente e "melhor" as situações. Conseguindo isto, livrando-se de terem que pensar positivamente, teria então ensinado a "a arte do pensamento negativo". Com um fino humor negro, trata-se da condição humana e das diferentes formas de encarar a vida. É um filme singular, verdadeiramente hilariante, que de maneira cômica aposta numa profundidade absoluta.
A presença de algumas músicas do mítico Johnny Cash acrescentam uma maior qualidade ao filme. Com ótimas cenas, o longa não deixa de mostrar o lado ruim das pessoas, principalmente quando estão em uma situação difícil, também mostra que mesmo aquelas pessoas sempre otimistas perdem a linha em situações extremas. A arte de pensar negativamente pode nos ensinar que a parte negativa das pessoas podem trazer muito mais tranquilidade, do que ficar apenas maquiando e mascarando os problemas e as frustrações. Revela-se que o otimismo excessivo não faz tão bem, e o sorriso forçado de Ingvild e das pessoas do grupo de nada adiantam. A arte de pensar negativamente é uma alternativa no mínimo interessante, pois faz refletir em como é estar no fundo do poço. Os personagens, assim como os deficientes na vida real não gostam de se sentirem inúteis e inferiores, e principalmente que as pessoas sintam pena deles. Os personagens são bem céticos, Geirr repete várias vezes para eles encararem a realidade, que são incapazes e que deveriam se conformar. Esse pensamento a princípio dói, pois não querem acreditar em seus problemas, porque a terapeuta com seu otimismo tenta escondê-los, e quando o personagem pessimista os expõe, isso causa um impacto muito forte, deixando um silêncio ensurdecedor a todos. Deveras uma grande obra-prima do diretor Bard Breien.

O pensamento positivo hoje em dia está na moda, seja nos livros de autoajuda, programas de televisão, grupos de apoio, existem diversas maneiras de expôr o tal positivismo, que diz gerar energias boas e de que te levará à uma vida melhor e feliz, mas a questão não é tão simples, esse positivismo às vezes vela ainda mais o problema que deve ser encarado de frente, assim, escondemos imperfeições e abrimos um sorriso falso e irritante. A arte de pensar negativamente faz com que sejamos realistas, e principalmente, faz com que lidemos com os obstáculos de frente, sem medo e sem a insegurança do que os outros irão pensar. Acredite, uma pessoa bem-humorada todo o tempo e que acha que a vida é construída através de bons fluídos, no fundo é uma pessoa amargurada e infeliz consigo mesma, com certeza tem mais problemas do que aquela que reage naturalmente se revoltando diante a um acidente, ou algum imprevisto. Afinal, somos seres falhos e não estamos preparados para tudo que nos acontece. Este filme arrasa com essa filosofia pregada pela sociedade.
Com muita ironia e humor negro, "A Arte do Pensamento Negativo" consegue nos fazer mandar o tal pensamento positivo para aquele lugar. Este é o espírito desse incrível filme norueguês!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Que Traz Boas Novas (Monsieur Lazhar)

A trama se passa em Quebec, no Canadá, e conta a história de um imigrante argelino de meia idade - Sr. Lazhar (Mohamed Said Fellag) - que se apresenta para substituir uma jovem professora de ensino fundamental que decidiu dar um fim à sua vida na sala de aula da escola. Baseado na peça Bachir Lazhar de Evelyne de la Chénelière, "Monsieur Lazhar" é um filme sensível, tocante e comovente.
O Sr. Lazhar entra,  abruptamente na vida de um grupo de crianças, que encara um período extremamente delicado para elas, em que a maioria, ao se deparar pela primeira vez com a morte, tenta encontrar respostas, explicações e culpados para o acontecido. Cada um à sua maneira. Uns sofrendo mais, outros menos, mas todos de certa forma tocados pelo sentimento de perda. Enquanto isso, sem que as crianças nem ninguém saiba, o próprio professor Lazhar passa, ele também, por uma experiência semelhante de perda e de busca por respostas e culpados, vivendo um tão dolorido ou ainda maior período de luto. Assim, sem que nenhuma das partes esteja plenamente consciente, elas vão se ajudando.
Ao contrário do que se possa e imaginar, "Monsieur Lazhar" não é mais um daqueles filmes que mostram um professor aparentemente durão, que sendo aceito no princípio pela turma, consegue por meio de método diferente, inovador e infalível, mudar o rumo de toda a turma de alunos malcriados e violentos. A trama deste filme gira, na verdade, muito mais em torno de questões como morte, luto, culpa, abandono, compreensão e perdão do que em torno de metodologias de ensino. Há também um certo olhar atento para o choque cultural entre as maneiras de ensinar, mas certamente não é este o tema central. O filme de Philippe Falardeau não é uma obra de esteriótipos, de papéis bem delineados e rígidos, mas de personagens plausíveis de realidade, com suas qualidades, defeitos, fortalezas e fraquezas, nos sendo expostas plano a plano. "Monsieur Lazhar" é um filme que fala do ser humano como ele é: capaz de mentir, de sofrer, de se indignar, de amar, de perdoar, de perder, e mesmo assim tendo a capacidade de continuar.
A interpretação das crianças é magnífica, há uma cena em que Simon (Émilien Néron) desabafa sobre o suicídio de sua professora e diz que se sente culpado, seu choro é muito convincente, é impressionante e impossível não ficar com os olhos marejados. Alice (Sophie Nélisse) é uma garota solitária, inteligente e que mostra bastante maturidade para sua idade, e ela lida com o suicídio de sua professora de maneira muito particular. Já o Sr. Lazhar é um homem sofrido que entra em choque com a cultura, é um ser humano que busca uma forma de viver melhor, que sofre pelo seu passado, mas que transmite todo o carinho que sente pelas crianças, sua feição é de um homem sério, porém seus olhos emanam doçura, é um personagem muito bem construído em todas as suas nuances.

Há uma crítica muito suave sobre não poder ter contato com os alunos, seja em um abraço, ou em um mero tapa, que irá educar e não machucar, mas fica claro que não se pode ter nenhum contato de carinho ou de repreensão. Daria uma boa discussão, mas é só um fiapo nessa trama que envolve mais sentimentos do que conceitos.
É um filme bonito, comovente e como já disse, é daqueles em que se assiste com os olhos marejados.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A Árvore (The Tree)

"A Árvore" (2010) dirigido por Julie Bertolucci é a adaptação do livro "Our Father Who Art in the Tree", da escritora australiana Judy Pascoe.
Simone é uma garotinha que acredita que o espírito do pai esteja na árvore do jardim de sua casa. Observamos tudo, inclusive os pensamentos e anseios dos personagens. Dessa forma, o filme que já trata de um tema complicado e truncado por natureza, flui melhor. Não é uma obra fácil de assistir, o ritmo é lento, o tema é difícil. Uma família que se recusa a seguir com a vida depois de perder de forma inesperada e trágica o patriarca. Uma mulher que sofre o luto pelo único amor de sua vida. Filhos que precisam cuidar de si mesmos. Uma garota jovem demais para absorver o que é perder um pai. Charlotte Gainsbourg é Dawn, a mulher que precisa enfrentar o mundo e a dor da perda, ela está visceral, sem maquiagem, expressiva, melancólica, como a personagem demanda. A tristeza, a dor e a vontade de seguir em frente apesar de tudo, são sentimentos retratados por ela no filme, que acaba por representar um desafio com o qual todos nós temos de lidar um dia: seguir em frente mesmo depois de perder quem amamos.
Merece destaque também a atuação da jovem Morgana Davies que interpreta Simone, ela chega a nos irritar com sua persistência quase doentia em acreditar que o espírito do pai se encontra na árvore do jardim, quando a mãe inicia um relacionamento com George (Marton Csokas), um encanador com quem trabalha na cidade que viera para verificar até que ponto as raízes constituem ameaça para a segurança dela e de seus filhos, as coisas se complicam, pois George constata a necessidade de que a figueira seja prontamente abatida, a começar pelas ramas mais altas. O conflito se estabelece pela resistência de Simone. É admirável a forma como Gainsbourg interpreta uma mãe que consegue respeitar os sentimentos da filha e a força da relação que esta mantinha com o pai, chegando a duvidar de suas próprias convicções ante a fé inabalável da garotinha.
Muito triste, mas poético, "A Árvore" não deixa de ser uma grande metáfora da vida. Mesmo que nos recusemos, sempre somos forçados a recomeçar. Quando se perde alguém importante da família, como no caso da história, um homem trabalhador, pai de família amoroso e dedicado, não é fácil, perde-se a vontade de viver também, difícil olhar para um novo horizonte e ter expectativas que algo bom possa acontecer, afinal o ritmo da vida muda, responsabilidades aumentam, é complicado ter que se adaptar a um novo cotidiano sem a presença da pessoa amada, e isto se intensifica quando é uma mulher com quatro filhos.

A única coisa que resta é nos apegar a algo, como a menina fez, ela acredita piamente que o pai falava através daquela figueira majestosa, com raízes fincadas no terreno da família. Ela não demora a se convencer de que ali está a alma de seu pai. São pequenas amostras das maneiras de lidar com as etapas que as pessoas precisam percorrer com intenção de tocar a vida pra frente, e também com a fé que precisamos depositar em acontecimentos que vão além de nossa realidade, como a natureza, que exerce um poder inexplicável sobre nós. É uma metáfora muito profunda, um modo de dizer que a natureza é mais forte do que a gente.
O filme tem uma linguagem simples, é direta e comovente. O luto é um tema difícil dentro do cinema, ao se fincar muito na tristeza e nos questionamentos de como seguir em frente pode soar piegas, mas neste longa é feito com muito brilhantismo.

Charlotte Gainsbourg deu o tom perfeito a sua personagem, ela mostra que sentimentos não morrem, apesar da perda de uma pessoa querida continua-se a querer sentir carinho e atenção, e mesmo estando sorrindo não significa que se esquece  a pessoa que se foi. É como no final do filme, depois de uma tempestade, o dia clareia e tudo volta ao normal, recomeçar faz parte do ser humano e temos que entender de uma vez por todas que é uma etapa que, inevitavelmente, cedo ou mais tarde vivenciaremos. 

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Caçador de Troll (Trolljegeren)

A história é centrada em um grupo de universitários que viajam a uma região rural para investigar estranhos acontecimentos, que para o azar do grupo, trata-se de um bando de criaturas da mitologia local, que chegam a tamanhos, digamos, aterrorizantes, além de sua bela capacidade de caçar sentindo o cheiro de sangue cristão.
"O Caçador de Troll" é um filme norueguês, que segue a linha de documentário falso, lembrando o estilo de "Cloverfield" - 2008. O grupo de estudantes parte para o norte da Noruega com a missão de revelar uma conspiração do governo que tenta esconder do público a existência de trolls. Um rabugento caçador de trolls, o único existente, resolve abrir o bico e contar em detalhes o que acontece para os documentaristas.
Brincando com o mito nórdico, o diretor André Ovredal até que fez um filme competente, com alguns efeitos interessantes, ainda que todos os monstros sejam para lá de risíveis. Apesar de uma caçada inicial que tenta ir para o lado do terror, logo uma pegada humorística é dada ao filme, criando as mais absurdas situações que são absorvidas pelos jovens rapidamente, como se fossem as coisas mais comuns do mundo. Hans, o caçador, é tratado como uma figura mais mitológica do que os seres que caça, sendo ele também o responsável pelas melhores tiradas, especialmente quando se refere a aparente incompatibilidade de trolls com católicos.
O filme é interessante para quem curte a mitologia nórdica e conhece alguns de seus aspectos. Os trolls são criaturas antropomórficas do folclore escandinavo. Poderiam ser tanto como gigantes horrendos, como ogros, ou como pequenas criaturas semelhantes a goblins, que viviam em cavernas ou grutas subterrâneas. Na literatura nórdica, aparecem com várias formas, e uma das mais famosas teria orelhas e nariz enormes. Nesses contos também lhes foram atribuídas várias características, como a transformação destes em pedra, quando expostas à luz solar.
Utilizando a técnica Found Footage (filme se passando por documentário filmado com uma simples câmera), o visual é bonito, com as florestas, as cavernas, as montanhas. O humor acaba tomando o filme por completo e o clima de suspense se perde. Nos créditos finais alegam que nenhum troll foi ferido durante as filmagens, Hans - o caçador é interpretado pelo ator cômico mais famoso da Noruega, ele com certeza é o melhor da trama, já os estudantes, praticamente torcemos para que os trolls os esmaguem. Hans segue a linha dos heróis antigos, em que mata com honra e glória, apesar que nunca será vangloriado, pois evita que a população descubra a existência destes seres. Um herói próprio de mitologia que luta com gigantes e sai vencendo.

O interessante é que a produção custou o equivalente a apenas 3,5 milhões de dólares, ou seja um trabalho espetacular da equipe de efeitos visuais, que encarou o desafio e construiu inúmeras cenas com uma perfeição capaz de concorrer com os efeitos multimilionários hollywoodianos. O filme cumpriu com o prometido e mostrou diversas vezes os trolls, ao contrário de muitos filmes de monstros que os escondem. Não se pode negar que entre todos os "mockumentarys" (falso documentário), este é sem dúvida muito criativo!