sexta-feira, 3 de abril de 2015
14 Estações de Maria (Kreuzweg)
"14 Estações de Maria" (2014) dirigido por Dietrich Brüggemann é um longa alemão sobre o dogmatismo, o fervor e o fanatismo religioso, sem dúvidas uma crítica precisa e eficaz. Composto de 14 planos, o longa mostra as etapas vividas pela personagem Maria que correspondem a Via Crúcis de Jesus Cristo, ela se dedica a uma vida de privações e se sacrifica na esperança que seu irmão menor possa se curar da incapacidade de falar. Maria encontra-se presa entre dois mundos. Na escola, a jovem de 14 anos tem todos os interesses típicos da adolescência, mas quando está em casa com sua família, ela segue os ensinamentos da Fraternidade São Pio XII e sua interpretação tradicionalista do catolicismo. Tudo o que Maria pensa e faz deve ser examinado diante de Deus. E já que o Senhor é um pastor rigoroso, ela vive em constante medo de cometer alguma má conduta. Enquanto a mãe de Maria segue uma linha dura e obriga sua filha a ficar no caminho da justiça, o seu pai é muitas vezes reticente e se afasta em momentos críticos. Os conflitos tornam-se intensos. Desesperada para agradar a todos, Maria logo se vê num fogo cruzado. Como ela pode conciliar seus sentimentos por um colega de classe com o seu voto de manter a pureza do coração em seu amor por Deus? Será que o Senhor exige um sacrifício enorme para que seu irmão possa ser curado de sua doença?
No início do filme acompanhamos um padre ensinando adolescentes que logo receberão a crisma a ensinamentos básicos, é uma cena de aproximadamente 15 min em câmera estática, a conversa é uma lavagem cerebral e é impossível não se sentir desconfortável. Maria e seus colegas estão na fase das descobertas e o caminho ao reino de Deus pode ser desviado a qualquer instante, pensamentos pecaminosos irão surgir e é preciso estar atento, até a música é capaz de desvirtuá-los, ritmos como jazz, rock e afins são considerados demoníacos. Maria é uma menina tímida que vive num forte meio religioso, condena as igrejas modernas e suas missas, ela se fecha nesse mundo e evita diversões e convívio com os colegas da escola. Um dia na biblioteca conversa com Christian e se interessa em ir no coral da igreja que o garoto frequenta, mas ao contar para mãe e esta a reprimir volta a se sentir como uma pecadora e indigna de Deus, principalmente por ter mentido que era uma amiga que a tinha chamado e não um menino. É perturbador vê-la confessar ao padre seus "deslizes", coisas comuns a um adolescente com tanto a descobrir.
O interessante é que o diretor não faz julgamentos, ele não nos diz: "isso é errado", a história é simplesmente contada e a decisão fica por conta do espectador, serve como uma reflexão individual, cada um tem a liberdade de avaliá-lo como quiser.
Viver numa bolha não faz bem a ninguém, a mãe de Maria toda vez que aparece em cena a repreende por algo e a menina é sempre quieta, não faz absolutamente nada, tudo é pecado e o medo de não ir ao paraíso a amedronta em níveis absurdos. Preocupada em agradar a todos, Maria não consegue conciliar seus desejos com os votos de pureza e a única saída que vê é se afastar e se sacrificar para que Deus a receba. A cena em que ela vai parar no hospital após desmaiar retrata o como a mãe não olhava para sua filha, a menina já não comia mais, estava muito magra e pálida. A perfeita imagem de um mártir.
A fotografia é uma grande aliada já que reforça o aspecto austero, cada capítulo foi gravado em uma única tomada, exceto algumas cenas, como a final. Observamos o doloroso percurso de Maria e a sua sacrificação. A atuação de Lea van Acken é sublime e nos faz ter pena e raiva ao mesmo tempo.
Cada um decide no que acreditar, mas o fato é que crer demasiadamente acaba cegando o indivíduo o levando à ignorância, e assim prejudicando quem está ao seu lado. É uma obra primorosa que deve ser vista por todos, para nos tirar da zona de conforto e questionar a crença cega em uma religião, que na verdade nada tem a ver com Deus.
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