quarta-feira, 29 de agosto de 2012
A Outra Margem (Gagma Napiri)
"A Outra Margem" (2009) dirigido pelo georgiano George Ovashvili, nos conta uma emocionante e comovente história. Tedo e sua mãe são refugiados da Abecásia, região da Geórgia, escapando da chamada "limpeza étnica". Doente, o pai de Tedo foi obrigado a ficar para trás. Agora, mãe e filho vivem numa cabana abandonada no subúrbio de Tbilisi, a capital georgiana. Tedo é aprendiz de mecânico e sua mãe trabalha como balconista. Muitos anos se passaram desde a mudança deles, mas Tedo ainda não consegue se adaptar ao novo ambiente. Ele se culpa por não conseguir contribuir financeiramente para melhorar a situação deles e tem sérias dificuldades em aceitar a vida que sua mãe leva. Ver sua mãe com um amante foi a gota d'água e ele decide voltar para casa atrás de seu pai. Ele espera que isso irá resolver todos os seus problemas e trazer seus sonhos de volta.
Na sua jornada, ele passa por diversas aventuras e cruza com variadas pessoas que o fazem entender mais sobre a vida. Tedo encontra muitas pessoas pelo caminho e por vezes não é bem recebido pelo fato de ser refugiado, ele sofre duros golpes, e quando acha que já viu de tudo, ao chegar no lugar onde pensa encontrar seu pai, percebe que era tudo fruto de sua imaginação, seu pai constituiu outra família para poder ficar no lugar onde se encontra, e Tedo se vê sozinho e abalado pelos acontecimentos.
Às vezes é melhor ficar onde estamos, porque podemos encontrar coisas que não queremos, desenterrar um passado pode custar caro, a Tedo custou a sua ilusão e um futuro incerto. Pouco sabemos sobre a guerra civil na Geórgia e seus sistemas separatistas. É um assunto atual, porém pouco explorado. Tedo faz parte dessa história e nos mostra o quão difícil é viver nesse meio. Na verdade pouco importa a guerra para Tedo, ele só quer encontrar o pai, um caminho do qual é pior que qualquer guerra, a sensação da esperança sendo arrancada de forma brusca é a mesma.
Esse é um tipo de cinema que vale muito a pena conferir. "A Outra Margem" ganhou mais de 27 prêmios ao redor do mundo. Isso se deve a atuação do garoto e de sua expressão física e emocional. Nos arrebata de maneira suave e natural. No início o vemos tentando ganhar dinheiro, assistente de um mecânico, depois furtando junto com outro menino, tudo para ajudar sua mãe, mas nervoso por ela estar saindo com outro homem, decide sair sozinho em busca de um pai que nem sabe se está vivo. Percorre trechos perigosos, se depara com pessoas estranhas, algumas o recebem e o ajudam, outras o agride moralmente e fisicamente, ele está literalmente jogado no mundo, a mercê dos perigos da guerra.
Ao chegar no lugar desejado percebe que tudo foi ilusão, mas nessa jornada aprendeu muitas coisas com as pessoas que encontrou, algo que levará para vida inteira. O final é bonito e inevitável não se emocionar.
"A Outra Margem" é um longa diferente de um país esquecido, cheio de poesia e humanidade conta a linda história de uma criança descobrindo a vida em tempos difíceis.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Inocência (Innocence)
Baseado na história do escritor alemão Frank Wedekind, o filme se passa num mundo imaginário, onde garotas são educadas separadas da família e o ensino se baseia na dança, na educação física e na biologia. Depois de conhecer sua nova escola, isolada no meio de uma floresta, a menina Iris, de seis anos, logo percebe a regra primordial a ser seguida: a obediência. Mas quando descobre que uma das alunas mais velhas deixa a escola todas as noites para uma reunião secreta, ela arrisca seu futuro para tentar desvendar o mistério. Frágil é o tempo da inocência, sempre à espera de quebrar no nascimento das primeiras perguntas, que insistem em romper a visão pura e despreocupada de um mundo mais simples e belo. A chegada de Iris inicia um novo ciclo, as fitas coloridas colocadas no cabelo são trocadas anunciando uma nova ordem, e Bianca, a mais velha, prepara-se para abandonar o bosque, anunciando a partida para um mundo exterior.
Mademoiselle Edith (Marion Cotillard) é a professora primária, coxa. Mademoiselle Eve (Hélène de Fougerolles) é a professora de balé que molda as meninas segundo uma educação rígida, na qual ensina que a única e possível metamorfose da beleza é delicada e aplaude-se com asas. E toda a menina que voa para além do seu casulo num corpo ainda de menina tem o seu destino traçado a sangue.
Não se sabe de onde vieram, quem são os pais, nem quem as traz para este lugar, trazidas dentro de um caixão elas vivem estrategicamente distribuídas por cinco casas no meio de uma estranha floresta. "Inocência" tem um clima de conto de fadas, mas diferente dos convencionais ele contém angústias e um desejo de descoberta insaciável.
A fotografia é inebriante, rodeada por um verde hipnotizante, a natureza e o chilrear dos pássaros, as meninas pulam corda, afastadas do mundo externo vivem conforme são conduzidas, mas o desejo de sair dali aparece em algum momento e decisões tem que ser tomadas, se cruzarem a linha e aventurarem-se ao desconhecido consequências serão atribuídas,
As dúvidas do amadurecimento, as incertezas que corroem traz a fragilidade em cada uma das personagens. As repostas não são dadas, o final aberto nos dá o poder de decifrá-las, são metáforas e simbolismos sobre o estágio mais difícil e bonito da vida. É delicado e misterioso, são múltiplas sensações sentidas.
O que vemos é o caminho de descoberta individual que se chama crescimento, e tudo é envolvido em enigmáticos quadros de deslumbramento visual. "Inocência" é uma espécie de fábula sobre a preservação desta, sobre a passagem da infância para a fase adulta, é um filme cheio de sentimento e poesia, tudo se encaixa perfeitamente: interpretação, ambiente, cenário, figurino, e o clima nos dá a possibilidade de sentir coisas que talvez já esquecemos, ou até nunca tínhamos sentido antes.
"Inocência" é um filme do qual não é possível ver tudo com nitidez, é como um véu aderido ao corpo, vê-se, mas apenas seus relevos, assim nos dá a chance de reconstruir tudo o que acontece.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar da Esquina (Svetat e Golyam i Spasenie Debne Otvsyakade)
Dirigido pelo búlgaro Stephan Komandarev, este longa magnífico nos conta a bela história de Aleksander Georgiev, apelidado de Sashko (Carlo Ljubek). O garoto veio ao mundo no dia 15 de setembro de 1975, em algum lugar dos Balcãs, "onde a Europa termina, mas nunca começa", a gentil e suave Yana (Ana Papadopulu) dá a luz a Sashko, a mulher grita de dor e seu marido Vasil (Hristo Mutafchiev), conhecido como "Vasko", espera ansioso por notícias no corredor do hospital. Enquanto isso, a avó de Sashko (Lyudmila Cheshmedzhieva) sai à caça de açúcar para preparar quitutes para celebrar o nascimento do neto, e o avô do garoto prestes a nascer, chamado por todos de Bai Dan (Miki Manojlovic), confronta um adversário para se tornar o novo rei do gamão local. Em um corte rápido, a história de Sashko pula para o momento em que ele viaja com os pais por uma estrada de acesso à cidades da Alemanha. Eles sofrem um acidente e Sashko perde a memória. Com a ajuda de Bai Dan, ele faz uma viagem de encontro a sua própria identidade e aos valores de sua família.
Esta maravilha prima por cada detalhe, nada está fora do lugar. O personagem de Miki Manojlovic é o mais cativante, um avô que faz de tudo para que seu neto consiga recuperar a memória, e ele o faz da maneira mais linda do mundo. Com uma bicicleta tandem (bicicleta de dois lugares), viaja e passa por lugares a fim de poder reacender algo na mente do seu neto. São paisagens estonteantes, uma fotografia impactante, inevitável não escorrer lágrimas de nossos olhos. Há um tom de esperança latente, algo libertador e energizante. Um nascer de novo. O avô mostra que a vida é parecida com o jogo de gamão. Repleta de escolhas, e se observar atentamente sempre vamos encontrar uma saída. O jogo e a vida, carregados de estratégias, derrotas e vitórias. É admirável observar a relação de amor entre avô e neto, e um tabuleiro de gamão.
Em paralelo a toda essa história somos levados a infância de Sashko com seus pais, que viveram durante anos como emigrantes na Itália num campo de exilados vítimas do comunismo, e onde sofreram enquanto expatriados. O avô Bai Dan no início diz: "O mundo é grande e a salvação espreita ao virar da esquina", frase que dá título ao filme. Por mais complicada que seja uma realidade, o mundo é muito grande e nele estão todas as oportunidades e possibilidades. Em uma cena demonstra como a incrível chegada de açúcar vinda de Cuba, tão distante da pequena Bulgária, pode ter salvado a festa de nascimento de seu primeiro neto. Uma poesia simples cheia de sentimento e otimismo, é um filme que nos acaricia, que nos proporciona sentir algumas coisas esquecidas, liberdade de espírito, amor puro sem influências externas, pois Sashko no hospital não reconheceu seu avô, mas o amou desde o início.
Merecedor de todos os elogios possíveis, "O Mundo é Grande e a Salvação Espreita ao Virar da Esquina" é uma joia rara. Às vezes nos esquecemos que o mundo é grande e que podemos encontrar possibilidades diversas, ficamos estagnados a apenas um único caminho, uma única memória, a uma única vida. Descobrir o que somos e o que nos cerca, e o que vai além disso tudo é a maior aventura e alegria que o ser humano pode sentir. Desbravar novos mundos dentro de si e fora também. Sempre vão haver saídas, basta saber olhar e ter a mente mais aberta. Assim aconteceu com Sashko, recuperou a memória depois de uma tragédia, e percebeu que a vida poderia oferecer várias coisas para ele, tanto boas quanto más, porém ele escolheu a alternativa certa, foi em busca de seus sonhos e ouviu que o seu coração pedia.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Uma Amizade sem Fronteiras (Monsieur Ibrahim et les Fleurs du Coran)
Adaptação do livro "Senhor Ibrahim e as Flores do Corão", de Éric-Emmanuel Schmitt. O filme mostra a amizade de um garoto judeu, Moisés, e um pequeno comerciante turco muçulmano, Monsieur Ibrahim, em um bairro muito pobre de Paris. O menino Moisés (Pierre Boulanger), apelidado de Momo, mora com seu pai em um prédio do outro lado da rua do Sr. Ibrahim (Omar Sharif). O pai de Moisés (Gilbert Melki) possui poucos recursos e se comporta de maneira super rude com o filho, fazendo o garoto cozinhar e se virar para trazer comida para casa. Momo então começa a efetuar pequenos furtos na loja do Sr. Ibrahim, que saca a malandragem do garoto, mas deixa quieto. Longe de brigar ou repreender o menino, o pequeno comerciante oferece pequenos mimos para Momo buscando uma aproximação. Monsieur Ibrahim dá amor paterno e ensina o conhecimento do Alcorão para ele, recebendo em troca o amor e o respeito. Uma das coisas que Momo aprende com Sr. Ibrahim é que sorrir não é um luxo só para ricos, como pensava; é a chave para abrir o coração das pessoas.
No decorrer da trama Moisés acaba por perder o pai e fica totalmente só, e quem lhe dá todo o apoio que precisa é Ibrahim, algumas vezes subjugado até mesmo pelo garoto. Moisés passa pelas dificuldades da perda, as incompreensões da adolescência e até mesmo pelo seu primeiro amor. O filme se passa na década de 60, portanto a trilha sonora é algo a parte e dá uma alegria a mais, o rock twist predomina. Momo ainda muito jovem tenta um encontro com as messalinas da rua azul, e a música que toca é um clássico de Timmy Thomas, um soul que fala sobre o sonho da união entre os povos usando frases impactantes.
É uma história que nos convida a conhecer uma amizade da qual supera qualquer estigmatização, um amor de dois seres solitários que precisam de carinho e cuidados, um entendendo o problema do outro sem se preocupar com suas crenças e tradições. Momo sentia falta de um pai que lhe ensinasse o que fazer e o que dizer, em fase de crescimento ele insistia em paquerar algumas prostitutas, na maioria das vezes se saia bem, o que dá um tom bem divertido ao filme.
São personagens que juntos vão reconstruindo uma vida, se amparando e assim suprindo suas necessidades. Uma bela atuação de Omar Sharif, mostrando toda a sua sabedoria e calma diante a uma explosão de hormônios em que vive Momo. Ibrahim repete suas máximas, filosofias e regras, e diz ao menino o que está escrito no Corão. No final a gente entende como essa ligação entre eles supera tão facilmente as distâncias culturais. É revigorante assistir algo assim, exibir um amor paterno criado pelo carinho dado de maneira simples e natural, um entendimento maior sobre o outro e a espontaneidade com que se absorve cada detalhe.
Ibrahim adota Momo que se mostra radiante por se tornar seu filho, os dois embarcam numa viagem rumo a Turquia em busca das origens de Ibrahim. Nesse ponto, o filme se torna melancólico e nos dá uma grande lição.
"Uma Amizade sem Fronteiras" traz reflexões filosóficas e espirituais de modo que não pareça sermão, é usada uma linguagem sensível que mostra a religião na forma de esperança em que as pessoas possam conviver em paz independente do que acreditam.
De ritmo leve e envolvente nos conta uma história comovente, mas também divertida, nos faz repensar atitudes e o quanto vale a pena fazer alguém feliz.
"O coração de um homem é como um pássaro enjaulado. Quando você dança, seu coração canta... e então sobre aos céus."
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Um Herói do Nosso Tempo (Va, Vis et Deviens)
Em 1984 milhares de judeus etíopes foram levados para Israel com a finalidade de escaparem da fome e miséria que abundava em seu país. Salomon é enviado pela sua mãe católica a uma viagem que salvará sua vida, a única maneira do seu filho sobreviver. Uma difícil decisão, mas que deu a ele a chance de ter uma vida mais digna. Sua mãe sabia o que estava fazendo ao entregar Salomon para que ele pudesse sair daquele flagelo que assolava milhões na Etiópia. A Operação Moisés era a oportunidade de um futuro. A mulher que o acompanhou fazendo o papel de sua mãe era da tribo dos Falashas, judeus etíopes que são da linhagem da Rainha de Sabá e, consequentemente, tinham lugar garantido em Israel. E foi justamente nas mãos dos judeus, que tem todo um histórico de perseguição, que ele aprendeu o que é o preconceito. Chegando em Israel, Salomon finge ser judeu para que possa ficar no país, assim seu nome passa a ser Schlomo e é adotado por uma família de esquerda que desconhece a sua verdadeira religião e a existência da sua mãe. Ao longo do seu crescimento, Schlomo vive atormentado com o seu passado triste, com a mãe que deixou pra trás e com o racismo do qual acaba por ser vítima. A única esperança deste jovem é um dia poder voltar a sua terra e ver a sua verdadeira mãe.
Schlomo mesmo diante a tanta fartura de alimentos, recusa-se a comer, a cena do seu primeiro banho de chuveiro, e seu empenho em não deixar a água escorrer pelo ralo é uma das mais comoventes. Sua família o coloca para estudar o Torá acreditando que é judeu e sua mãe adotiva luta para que o respeitem, pois o preconceito religioso e o da cor da sua pele será uma batalha que ambos irão enfrentar dali para frente.
Em sua trajetória de vida, dois homens contribuíram muito em sua formação, um patriarca de sua terra natal e o avô da família que o adotou. Ambos ensinaram os verdadeiros valores, as verdadeiras bagagens que se deve levar ao longo da vida.
Não querendo comprar guerra, até por imposição do pai adotivo, que o queria lutando, ele vai estudar medicina em Paris. Ao se formar, acaba embarcando numa guerra que não era dele. E nela se vê impedido de atender alguém, e por ambos os lados numa guerra estúpida, se descuida e termina ferido, mas se recupera e volta para casa com Sarah, que o esperou por dez anos, porém havia muito o que contar a ela sobre sua vida, e a mentira que segurou por todos esses anos. É impossível não se compadecer com a história desse garoto, ela o perdoa e o incentiva a voltar para sua terra natal e encontrar sua mãe novamente.
"Va, Vis et Deviens" é algo como "Vá, Viva e Transforme-se". A questão da tradução do título para "Um Herói do Nosso Tempo" não incomoda, Schlomo de fato é um herói, ainda menino num país estranho, tendo que mentir para ser aceito, enfrentando diversos preconceitos, conseguiu o amor de uma família, casou-se, tornou-se médico e retornou ao seu país em busca de sua mãe, que por sinal é uma das cenas mais impactantes.
Esse filme serve para que vejamos que o preconceito é algo absolutamente ridículo, inútil e degradante para o ser humano. O roteiro combina conflitos étnicos e religiosos com a determinação de uma criança em atingir seu sonho, representando a busca por uma identidade, mostra como uma pessoa pode ultrapassar todas as dificuldades da vida, mesmo quando todos parecem querer derrubar-lhe. Schlomo, conseguindo conciliar sua formação cristã com os novos conhecimentos judaicos, luta contra todo o tipo de preconceito e perdoa quem o ofende, pois acredita que há algo melhor na vida.
Os conflitos atuais no mundo vêm da questão da identidade e da aceitação do outro. O fanatismo mundial, seja muçulmano, cristão ou judaico vem do fato de que não aceitamos o outro, a diferença. A partir do momento que entendermos que somos diferentes uns dos outros e que isso independe de crença, religião ou da cor da pele, que somos indivíduos com características únicas, com capacidades e dificuldades, acho que talvez algo possa ser mudado no mundo. É uma lição de compaixão, de solidariedade para com o outro, valores dos quais estamos esquecendo dia após dia com uma vida cada vez mais egoísta.
Um retrato poético da busca de uma identidade e de uma vida que possa ser vivida de sua própria maneira.
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Terra Firme (Terraferma)
"Terra Firme" é uma espécie de alegoria sobre a política italiana em relação à entrada de refugiados no país, cada vez mais restritiva. É ambientado em uma ilha fictícia, onde os códigos que regem a vida dos pescadores da região, principalmente aquele que diz que nunca se deve abandonar alguém no mar, chocam-se com as novas leis impostas pelo governo do continente. Na história, as convicções de uma modesta família de pescadores da Sicília é posta em xeque quando uma leva de imigrantes africanos começa a surgir na praia. A trama, dirigida por Emanuele Crialese é narrada sob o ponto de vista do filho de um dos pescadores. Nino (Giuseppe Fiorello), um jovem alienado das trepidações políticas e sociais de seu país, que costuma acompanhar o avô, (Mimmo Cuticchio) em seu trabalho no mar. Em uma dessas pescarias, o patriarca recolhe alguns náufragos de uma embarcação em perigo, contrariando as ordens da guarda costeira. Entre eles está uma mulher grávida e seu filho pequeno. Além de lhe custar o barco, único ganha-pão, apreendido pela polícia, o ato de humanidade do ancião provoca reações contraditórias dentro da própria família. Complexo, o roteiro de "Terra Firme" estende a questão para fora do núcleo protagonista numa tentativa de explorar os diversos pontos de vista dos italianos sobre a problemática: parte dos habitantes, particularmente os da gerações mais novas, temem que a invasão de refugiados possa atrapalhar os planos daqueles que querem fazer do lugar um destino turístico. A ilha parece funcionar como um microcosmo de uma versão paralela da Itália, que parece não saber lidar com o seu próprio passado.
Os refugiados africanos fazem uma verdadeira jornada até chegar a Itália, onde impera uma lei governamental que proíbe que as pessoas os ajudem, então quando os pescadores vão ao mar e se deparam com eles, simplesmente fingem não vê-los e voltam para trás, deixando-os no mar com o perigo de se afogarem, ou ligam para a polícia que os mandam de volta de onde vieram. Só que muitos pescadores carregam códigos de éticas em que jamais em hipótese alguma se abandona alguém no mar, isso é contra as leis do ser humano. Em um diálogo belíssimo acompanhamos os pensamentos daqueles homens, cuja vida é tão simples, nos fazem pensar o quanto as leis que imperam são repulsivas. Enquanto isso os turistas se esbaldam nos passeios ao fundo do mar, só que correm enorme risco de se depararem com muito mais do que apenas peixes.
"Terra Firme" é um misto muito interessante, tem os nativos, os refugiados e os turistas num cenário de solidariedade e indiferença. Com uma fotografia de encher os olhos e um roteiro sutil, o filme surge com um assunto do qual é muito discutido: a xenofobia.
Todos têm direito a vida e de um lugar para viver. A terra deveria ser compartilhada, deveríamos acolher quem sai de seu país para viver no nosso? A lei da simplicidade deveria reger o mundo, causaria menos danos, pois certas leis existem só para complicar ao invés de ajudar.
O diretor Emanuele Crialese decidiu fazer o filme depois de ler a história de uma africana que foi um dos cinco sobreviventes em um barco lotado que passou 21 dias à deriva no mar sem ajuda antes de chegar a Lampedusa. O diretor disse: "Para mim, a resposta do Estado é totalmente inadequada. Deixar as pessoas morrerem no mar é um sinal de uma grande falta de civilização, para um país que se diz civilizado."
Trazendo à tona um assunto importante de maneira singular e delicada, "Terra Firme" gera discussões, e ao final nos parece que soluções estão longe de acontecer, infelizmente.
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Coração de Tinta, de Cornelia Funke
"Alguns livros devem ser degustados, outros são devorados, mas poucos são mastigados, e digeridos totalmente."
A escritora Cornelia Funke nos mostra a história de um pai dedicado e de sua filha numa jornada através de diversos mundos, reais e imaginários. Mortimer "Mo" Folchart e sua filha Meggie, de 12 anos, compartilham uma imensa paixão por livros e suas histórias. Entretanto, ser leitor ávido não é a única característica peculiar de Mo, ele guarda um segredo, um talento fabuloso. Embora Meggie não saiba, seu pai é capaz de dar vida a qualquer personagem dos livros que ele lê em voz alta, trazendo-os para o nosso mundo. Mo restaura livros, dá vida e brilho aos livros já gastos, para que eles possam contar suas histórias por muitas e muitas vezes, daí vem a paixão e o carinho que Meggie nutre pelos livros. Mo nunca lê em voz alta, mas o seu segredo começa a ser revelado a partir de uma visita inesperada. Dedo Empoeirado aparece subitamente na casa de Mo, Meggie o ouve conversar sobre um tal Capricórnio, um cara perigoso que está atrás dele e de um livro. Na manhã seguinte, Mo foge com Meggie sem dar maiores explicações, e é a partir daí que a aventura começa.
Neste momento tem início uma jornada arrepiante, não só pelas narrativas do interior dos livros, mas pela própria história da criação literária. A autora tece de tal forma a trajetória dos personagens, que às vezes fica difícil estabelecer uma fronteira entre o que é real e o que pertence ao universo de ficção. O destino dos habitantes dos livros é debatido como se eles fossem criaturas reais. É a Mo que cabe levar ou não Dedo Empoeirado (que em sua fé no poder do contador de histórias o chama de Língua Encantada), de volta para o seu mundo, mesmo sabendo qual será o desfecho de sua participação na trama. O engolidor de fogo desconhece seu destino, como o próprio ser humano, que ignora o que o aguarda no final de sua jornada.
"Coração de Tinta" é uma série de três livros intitulada "O Mundo de Tinta", sendo o segundo "Sangue de Tinta" e o terceiro "Morte de Tinta", escritos pela alemã Cornelia Funke. "Coração de Tinta" também deu origem a um filme, com Brendan Fraser e Paul Bettany no elenco.
A autora presta uma linda homenagem aos livros, e inclusive utiliza citações bastante conhecidas do público para abir cada capítulo. Em um destes há um trecho de "O Senhor dos Anéis", de J.R.R Tolkien. Todo leitor em algum momento já imaginou se encontrar com o seu personagem favorito, neste livro isso é possível, "Coração de Tinta" proporciona uma viagem ao fantástico, ao lúdico de maneira inteligente e perspicaz, fazendo que a história seja repleta de suspense e reviravoltas.
Os personagens deste livro conversam conosco, fazem parte de nosso mundo, e dificilmente serão esquecidos após o término da leitura. É incrível o poder que alguns escritores têm em criar, de fato é admirável. Diferente das trilogias insossas que existem por aí, esta deve com certeza estar na prateleira dos amantes literários, é um universo do qual vale a pena viajar, aliás o ritual ou hábito da leitura é algo fantástico, a sensação é de que os livros nos possuem, e sem dúvida, "Coração de Tinta" tem essa característica.
"Existe algo mais belo neste mundo do que as letras? Sinais mágicos, vozes dos mortos, peças de mundos maravilhosos. Elas consolam e espantam a solidão. São guardiãs de segredos, arautos da verdade..."
Neste momento tem início uma jornada arrepiante, não só pelas narrativas do interior dos livros, mas pela própria história da criação literária. A autora tece de tal forma a trajetória dos personagens, que às vezes fica difícil estabelecer uma fronteira entre o que é real e o que pertence ao universo de ficção. O destino dos habitantes dos livros é debatido como se eles fossem criaturas reais. É a Mo que cabe levar ou não Dedo Empoeirado (que em sua fé no poder do contador de histórias o chama de Língua Encantada), de volta para o seu mundo, mesmo sabendo qual será o desfecho de sua participação na trama. O engolidor de fogo desconhece seu destino, como o próprio ser humano, que ignora o que o aguarda no final de sua jornada.
"Coração de Tinta" é uma série de três livros intitulada "O Mundo de Tinta", sendo o segundo "Sangue de Tinta" e o terceiro "Morte de Tinta", escritos pela alemã Cornelia Funke. "Coração de Tinta" também deu origem a um filme, com Brendan Fraser e Paul Bettany no elenco.
A autora presta uma linda homenagem aos livros, e inclusive utiliza citações bastante conhecidas do público para abir cada capítulo. Em um destes há um trecho de "O Senhor dos Anéis", de J.R.R Tolkien. Todo leitor em algum momento já imaginou se encontrar com o seu personagem favorito, neste livro isso é possível, "Coração de Tinta" proporciona uma viagem ao fantástico, ao lúdico de maneira inteligente e perspicaz, fazendo que a história seja repleta de suspense e reviravoltas.
"Existe algo mais belo neste mundo do que as letras? Sinais mágicos, vozes dos mortos, peças de mundos maravilhosos. Elas consolam e espantam a solidão. São guardiãs de segredos, arautos da verdade..."
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Além da Liberdade (The Lady)
Aung San Suu Kyi é a filha do moderno fundador da Birmânia, Aung San, que foi assassinado pouco antes da independência do país. Casada com um estrangeiro e mãe de dois filhos Suu Kyi deixou sua vida em Londres para cuidar da mãe doente em Rangoon, que passava por um conflito sangrento em protesto da ditadura militar. Aung San Suu Kyi foi persuadida por partidários para permanecer em Rangoon e fundar a Liga Nacional pela Democracia. Essa decisão custou o afastamento de seu marido Michael Aris e seus filhos Alexander e Kim, que tiveram o visto de permanência negado pela Birmânia.
Dirigido por Luc Besson, o filme é baseado na resistência birmanesa, liderada por Suu Kyi, e nos mostra o dramático retorno de uma mulher a sua terra natal. Localizado próximo a Índia, Laos e a China, o atual Myanmar (também chamado de Birmânia) é cenário desta história contemporânea de luta, paz, coragem e amor. O filme mostra os acontecimentos na vida de Suu Kyi e o amor pelo seu país. O conflito é narrado de maneira superficial, talvez devido a falta de atenção da mídia ocidental em não retratar muito o assunto nos é um pouco estranho, mas o sofrimento de Suu Kyi é explícito, o sacrifício de colocar a terra natal a frente de sua família e lutar pela democracia de seu povo, toda luta pela liberdade é muito bem colocada, mas faltou um pouco de emoção as circunstâncias, o roteiro condensado, talvez, seja o responsável por isso, mas não deixa de ser interessante. Um exemplo é a prisão domiciliar, o grande período foi mostrado de forma brusca, sendo que esse devia ser um momento sensível e agonizante, já que ela não tinha contato com sua família ou com qualquer notícia de fora. Deve-se ao fato de ser uma personagem importante e grandiosa, e a dificuldade é evidente em trazer fatos e emoções tudo junto em uma história tão densa e complicada. Michelle Yeoh foi a escolha perfeita, natural e simples em seus gestos, a imagem de uma mulher forte, porém delicada e sensível. David Thewlis interpreta o compreensível marido de Suu Kyi, o personagem é diagnosticado com câncer terminal e enfrenta a terrível restrição de um regime totalitário em que sua mulher luta de frente, ele opta por não contar seu dilema pessoal, é carinhoso e faz de tudo para ajudar sua mulher.
Afastada de seu marido durante 15 anos, Suu Kyi não poderia imaginar a proporção que esta batalha política poderia alcançar. Ganhadora do Prêmio Nobel da Paz na década de 1990, ela liderou a oposição contra o exército de Myanmar, sofrendo inúmeras ameaças. Seu marido Michael Aris, um homem que mesmo com a sua saúde debilitada defendeu os interesses de sua amada, foi um importante coadjuvante nessa luta.
A liberdade é vista de várias formas, mesmo quando Suu Kyi foi solta de sua prisão domiciliar, e logo que seu marido falece, ela não pôde sair de seu país, pois tudo seria anulado, ela não seria mais uma cidadã birmanesa, então que tipo de liberdade é essa? Essencialmente o filme é educacional e de maneira tocante retrata o sofrimento que Suu Kyi teve que se submeter. Evidencia uma amor sublime entre ela e seu marido que se sacrificaram em prol de uma causa maior, o que levanta várias questões sobre a ausência dos motivos pelos quais Suu Kyi decidiu colocar a sua nação a frente de sua família.
Coragem, resistência, sacrifício e uma generosa dose de amor a pátria traduz o "Além da Liberdade", título que soube dar o teor exato, pois não basta conquistar a tal liberdade, é preciso mudar as coisas, os pensamentos das pessoas, e isso requer tempo e amadurecimento.
Dirigido por Luc Besson, o filme é baseado na resistência birmanesa, liderada por Suu Kyi, e nos mostra o dramático retorno de uma mulher a sua terra natal. Localizado próximo a Índia, Laos e a China, o atual Myanmar (também chamado de Birmânia) é cenário desta história contemporânea de luta, paz, coragem e amor. O filme mostra os acontecimentos na vida de Suu Kyi e o amor pelo seu país. O conflito é narrado de maneira superficial, talvez devido a falta de atenção da mídia ocidental em não retratar muito o assunto nos é um pouco estranho, mas o sofrimento de Suu Kyi é explícito, o sacrifício de colocar a terra natal a frente de sua família e lutar pela democracia de seu povo, toda luta pela liberdade é muito bem colocada, mas faltou um pouco de emoção as circunstâncias, o roteiro condensado, talvez, seja o responsável por isso, mas não deixa de ser interessante. Um exemplo é a prisão domiciliar, o grande período foi mostrado de forma brusca, sendo que esse devia ser um momento sensível e agonizante, já que ela não tinha contato com sua família ou com qualquer notícia de fora. Deve-se ao fato de ser uma personagem importante e grandiosa, e a dificuldade é evidente em trazer fatos e emoções tudo junto em uma história tão densa e complicada. Michelle Yeoh foi a escolha perfeita, natural e simples em seus gestos, a imagem de uma mulher forte, porém delicada e sensível. David Thewlis interpreta o compreensível marido de Suu Kyi, o personagem é diagnosticado com câncer terminal e enfrenta a terrível restrição de um regime totalitário em que sua mulher luta de frente, ele opta por não contar seu dilema pessoal, é carinhoso e faz de tudo para ajudar sua mulher.
Afastada de seu marido durante 15 anos, Suu Kyi não poderia imaginar a proporção que esta batalha política poderia alcançar. Ganhadora do Prêmio Nobel da Paz na década de 1990, ela liderou a oposição contra o exército de Myanmar, sofrendo inúmeras ameaças. Seu marido Michael Aris, um homem que mesmo com a sua saúde debilitada defendeu os interesses de sua amada, foi um importante coadjuvante nessa luta.
A liberdade é vista de várias formas, mesmo quando Suu Kyi foi solta de sua prisão domiciliar, e logo que seu marido falece, ela não pôde sair de seu país, pois tudo seria anulado, ela não seria mais uma cidadã birmanesa, então que tipo de liberdade é essa? Essencialmente o filme é educacional e de maneira tocante retrata o sofrimento que Suu Kyi teve que se submeter. Evidencia uma amor sublime entre ela e seu marido que se sacrificaram em prol de uma causa maior, o que levanta várias questões sobre a ausência dos motivos pelos quais Suu Kyi decidiu colocar a sua nação a frente de sua família.
Coragem, resistência, sacrifício e uma generosa dose de amor a pátria traduz o "Além da Liberdade", título que soube dar o teor exato, pois não basta conquistar a tal liberdade, é preciso mudar as coisas, os pensamentos das pessoas, e isso requer tempo e amadurecimento.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Temple Grandin
O filme conta a história de Temple Grandin, uma mulher autista que se tornou PH.D e uma cientista de renome, além de dar palestras pelo mundo todo, explicando e ajudando pais e educadores a entender o autismo. Mais de 50% dos matadouros e criadores de gado americanos, incluindo o McDonald's, utilizam os métodos e designs que ela criou. A cinebiografia de Temple Grandin, mostra como ela, um dos casos mais famosos de autismo do mundo, conseguiu driblar os preconceitos da doença e mostrar que era possível ser muito bem-sucedida profissionalmente, desde que houvesse um tratamento adequado para pessoas que portam o autismo.
"Temple Grandin" é um filme feito pela HBO. A protagonista enxerga o mundo diferente por causa do autismo, enxerga tudo em imagens na mente dela, conecta-as de forma incrível, por exemplo, quando é mostrado algum objeto, ela assimila este a algum fato já ocorrido, seja ele real ou apenas imaginário, e ela lembra praticamente de todos os objetos iguais a este. A mente dela é brilhante, segue uma lógica muito particular, mas é difícil lidar com ela, pois não aceita contato com outras pessoas, é agressiva. A única forma de Temple se acalmar é com um abraço bem apertado, ela produziu um equipamento capaz de apertá-la e assim tranquilizá-la e livrá-la de suas tensões. Sua mente tem uma habilidade espetacular em reproduzir imagens. Ela adaptou uma espécie de brete, um aparelho usado no manejo de gado, um aparelho rústico que, apertado ao corpo do animal, mantinha-o calmo antes do abate. Dessa forma reproduziu sua máquina de abraço. A partir daí, com o apoio de um professor no colégio rural em que estudava, Temple dedicou-se ao estudo do bem-estar animal, e também ao seu próprio. Anos mais tarde, após vários cursos superiores, tornou-se uma das maiores especialistas em abate humanitário, e também uma grande entendedora do autismo. "Paradoxalmente, era no matadouro que eu estava aprendendo a dar afeto", diz Temple em sua autobiografia: "Uma Menina Estranha".
Claire Danes encarnou Temple Grandin de maneira espetacular, o tom de voz sempre alto e agressivo, seus gestos diretos e seguros, seus olhares curiosos, a forma de andar, tudo perfeitamente exagerado fazendo jus a Temple verdadeira.
O esforço que Temple fez para impor um pouco de respeito àqueles animais é encantador, mesmo sendo um assunto chocante e que gera discussões, soa leve e despretensioso. Temple diz: "É preciso um pouco de respeito por esses animais", "A natureza é cruel, mas isso não significa que nós temos que ser". As cenas no matadouro sem dúvida são memoráveis e questionáveis, as maneiras de se levar o gado sem assustá-lo. Ela trabalhava nesse procedimento com o olhar do gado, o que ele enxergava no caminho, e daí projetava matadouros mais "decentes".
Muito interessante conhecer uma personalidade como a de Temple, bom ver que existem pessoas especiais, no sentido de ir atrás, trabalhar por algo que acredita e que mesmo tendo o autismo, algo desprezado por muitas pessoas, ultrapassar tudo isso e se tornar símbolo. Deixar seus pensamentos, deixar alguma coisa que possamos lembrar, pois como ela disse: "Depois que morrermos, o que ficará são apenas lembranças do que fizemos, porque do resto não sabemos nada".
O mundo se abre a partir do momento em que aceitamos as nossas diferenças e aceitamos a ajuda de outras pessoas, Temple entendeu que não precisava ficar só, começou a se desbloquear perante os outros, e assim tudo foi tomando forma. Como a mãe de Temple dizia: "Diferente, mas não menor". Tudo evolui a partir do instante que começamos a aceitar a diferença, e quando aprendemos a ouvir opiniões diferentes da nossa.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Fome (Hunger)
"Fome" (2008) é um filme completo saído das entranhas, não há outro adjetivo para classificá-lo senão visceral. A história explora a famosa greve de fome irlandesa de 1981. Prisioneiros do IRA, mantidos na prisão conhecida como Long Kesh, iniciaram seus protestos sujos no intuito de adquirirem status de presos políticos. Estes protestos se baseavam em não usar roupas, não se lavar e nem cortar cabelos e barbas, também consistia em esfregar as fezes nas paredes das celas. No ano de 1981 boa parte dos líderes encarcerados reivindicavam melhores condições para os presos oriundos do IRA, que eram vistos como terroristas impiedosos e assim tratados em condições sub-humanas. O filme mostra um lado mais humano da história e deixa a política um pouco de lado, focando nos pontos de vista e atitudes dos guardas, dos presos e dos familiares. Bobby Sands, um voluntário de bom grado e membro do parlamento britânico, liderou uma greve de fome, sendo sua morte um ponto icônico que influenciou um maciço recrutamento para a organização, e um aumento significativo de suas atividades.
No início acompanhamos um guarda e sua rotina mecânica, humanizar um homem daquela espécie é um tanto quanto difícil, logo um novo preso chega e se depara com um cubículo coberto de merda, comida podre, e é jogado apenas com uma toalha. Lá vê o amigo de cela, cujo rosto é quase impossível de definir, por conta do cabelo e a barba comprida. Repulsa e claustrofobia é o sentimento causado ao observar as cenas dentro daquele lugar imundo e desumano. Após a apresentação dos limites humanos no cárcere, temos a discussão em torno da moralidade do ato heroico e o repúdio ao suicídio. Em uma cena de 22 minutos, sem cortes, o personagem Bobby Sands tem uma conversa franca com um padre católico irlandês, expondo e debatendo o valor do que estava sendo realizado ali. Ao mesmo tempo, o religioso cumpre sua função de tentar valorizar a vida humana acima de tudo, o fazendo pensar em seu filho e na importância do futuro. As palavras vão andando entre a política, a religião e a condição ética humana. Bobby queria ser um herói, um mártir, e não apenas isso, ele acreditava em sua mensagem, pois era fruto desse meio e não tinha ideia de como não ser assim. E aí vem o final, a definhação de Bobby, uma entrega de Michael Fassbender importante e merecedora de respeito. Seu corpo é exibido em pele e osso, feridas, sangue, vômitos, convulsões. São imagens cruas e silenciosas. Em busca de uma liberdade, talvez utópica, inocente, mas que era preciso ser feita, uma necessidade que estava dentro dele e que vemos sendo transpassada através de seu corpo.
A ideia que os líderes do IRA queriam trazer para a população era elucidar uma espécie de comoção nacional ou mesmo mundial que voltasse os olhos para os fatos daquela Irlanda segregada.
Um homem com uma ideologia inabalável que se entrega de maneira absurda por uma causa que acredita, é admirável sua perseverança. As cenas finais se aproximam de um lirismo, quando Bobby debilitado se funde em uma imagem com pássaros voando. É violento, triste, utópico, chocante, porém deslumbrante, um grande roteiro em cima de um tema polêmico, e claro, a entrega dos atores chega a ser desesperadora.
Dirigido por Steve McQueen, a história foi baseada em fatos reais e a voz que se ouve várias vezes no filme é de Margaret Tatcher.
No início acompanhamos um guarda e sua rotina mecânica, humanizar um homem daquela espécie é um tanto quanto difícil, logo um novo preso chega e se depara com um cubículo coberto de merda, comida podre, e é jogado apenas com uma toalha. Lá vê o amigo de cela, cujo rosto é quase impossível de definir, por conta do cabelo e a barba comprida. Repulsa e claustrofobia é o sentimento causado ao observar as cenas dentro daquele lugar imundo e desumano. Após a apresentação dos limites humanos no cárcere, temos a discussão em torno da moralidade do ato heroico e o repúdio ao suicídio. Em uma cena de 22 minutos, sem cortes, o personagem Bobby Sands tem uma conversa franca com um padre católico irlandês, expondo e debatendo o valor do que estava sendo realizado ali. Ao mesmo tempo, o religioso cumpre sua função de tentar valorizar a vida humana acima de tudo, o fazendo pensar em seu filho e na importância do futuro. As palavras vão andando entre a política, a religião e a condição ética humana. Bobby queria ser um herói, um mártir, e não apenas isso, ele acreditava em sua mensagem, pois era fruto desse meio e não tinha ideia de como não ser assim. E aí vem o final, a definhação de Bobby, uma entrega de Michael Fassbender importante e merecedora de respeito. Seu corpo é exibido em pele e osso, feridas, sangue, vômitos, convulsões. São imagens cruas e silenciosas. Em busca de uma liberdade, talvez utópica, inocente, mas que era preciso ser feita, uma necessidade que estava dentro dele e que vemos sendo transpassada através de seu corpo.
A ideia que os líderes do IRA queriam trazer para a população era elucidar uma espécie de comoção nacional ou mesmo mundial que voltasse os olhos para os fatos daquela Irlanda segregada.
Um homem com uma ideologia inabalável que se entrega de maneira absurda por uma causa que acredita, é admirável sua perseverança. As cenas finais se aproximam de um lirismo, quando Bobby debilitado se funde em uma imagem com pássaros voando. É violento, triste, utópico, chocante, porém deslumbrante, um grande roteiro em cima de um tema polêmico, e claro, a entrega dos atores chega a ser desesperadora.
Dirigido por Steve McQueen, a história foi baseada em fatos reais e a voz que se ouve várias vezes no filme é de Margaret Tatcher.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
Atravessando a Ponte - O Som de Istambul (Crossing the Bridge: The Sound of Istanbul)
"Para se entender a cultura de um país você precisa ouvir a música que é feita ali... A música sempre conta tudo sobre um lugar."
Depois de terminar seu último filme, "Contra a Parede" - 2004, o diretor alemão de ascendência turca, Fatih Akin, e o músico Alexander Hacke passaram a se interessar cada vez mais pela música de Istambul e resolveram explorar isto em um documentário. A cidade, de mais de 10 milhões de habitantes, fica exatamente entre o ocidente e o oriente, o que causa tal diversidade cultural. Em "Atravessando a Ponte: O Som de Istambul", Akin acompanha Hacke em caminhadas em busca de sons que vão do rock ao hip-hop, mas sem esquecer a tradição local. Para montar 90 minutos do filme, Fatih Akin filmou cerca de 150 horas de material levando cerca de sete meses para editar todas as cenas. Uma das principais cantoras de Istambul, Sezen Aksu, não aceitou ser entrevistada para o filme a princípio, mas acabou se tornando amiga do diretor e fez questão de gravar a trilha sonora do documentário.
O estreito de Bósforo, fronteira da Eurásia, divisor de águas entre ocidente e oriente. O filme passeia pela cena musical da megalópole turca (capital de antigos impérios como o Bizantino e o Otomano). Abordando a música matizada pela influência européia/americana à música de raiz/arábica. Baba Zula, a primeira banda com que se depara no filme, de estilo psicodélico underground ou neo-psicodélico, mescla influências de jazz, rock e sons orientais. Como prefácio dessa jornada musical, Hacke se encontra com a banda no estreito de Bósforo, sem sair nem chegar a lugar nenhum, sem pertencer a nenhum dos dois ao mesmo tempo. Logo depois, ele parte em busca da cena musical do bairro de Beyaglu, no qual, propositalmente, hospeda-se no Büyük Londra Oteli (Grande Hotel de Londres), o mesmo utilizado por Fatih Akin em "Contra a Parede". Beyaglu é considerado um dos cantos mais europeus da Turquia e lá é possível encontrar muito do rock que acontece em Istambul. Ele encontra os músicos de rua Siyasiyabend (nome de um herói nacional mesopotâmico) enquanto cantam e anunciam: "Eles não enxergam nada porque não querem ver (...) e o mundo pertence a eles"; "A música é um dos instrumentos que podem mudar o mundo", "A rua também é um lugar de privação. Você precisa lutar contra isso. Concreto é concreto, sabe?". E, partindo da deixa dos desterritorializados e nômades, ouve-se a música curda. Aynur canta num estilo conhecido como dengbeje formado por influências arábicas, mesopotâmicas e mesmo judias; com histórias que basicamente exprimem a dor e a tragédia do seu povo de origem.
A música tocada numa sauna turca, produz um efeito quase hipnótico sobre o espectador que é levado minutos depois a conhecer Orhan Gencebay e Sezen Aksu, ícones da música popular turca. Passando pela música tradicional turca, pelo rap, rock, heavy metal, música clássica e por todos os sons produzidos por uma grande cidade milenar, Fatih Akin realça a relação entre a música e o espaço geográfico urbano. Ele nos mostra as músicas feitas nas praças, nos bairros, no centro, em casas de shows e em pequenos estúdios. Cada música ou gênero está intimamente ligado com o espaço.
O diretor percorre todo o labirinto urbano de Istambul na tentativa de desvendar, de compreender a música feita por seus habitantes. Pelo fato de ser um documentário, o espectador vai junto, tem a mesma visão da fantástica cidade, juntamente com seus sons. O espectador tem, desta forma, a oportunidade de conhecer a bela cidade e a sua excelente música. E claro, nossos ouvidos agradecem!
A Turquia é um mistério constante, difícil decifrá-la, há contrastes, diversidades, repleta de influências e marcada por sua tradição. É um documentário instigante que abre as portas para um país culturalmente rico em sua essência.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
A Bela Junie (La Belle Personne)
Junie (Léa Seydoux) se muda a Paris para viver com seus tios, após a morte de sua mãe, assim ela passa a frequentar a mesma escola que seu primo Mathias, logo sendo disputada entre os garotos, ela acaba ficando com Otto, um rapaz quieto e diferente do restante da turma, mas o relacionamento é imprevisível, assim como a sua personalidade, sempre enigmática, nos remetendo a Nouvelle Vague com sua feição tediosa e fria. Ela desperta uma paixão intensa em seu professor de italiano Nemours, vivido por Louis Garrel (sempre charmoso com seus cabelos bagunçados), ele não consegue mais parar de pensar em Junie, e termina o relacionamento com uma aluna e sua namorada também professora.
Nemours consome-se em sua paixão acreditando que a garota nunca o amará, mas esperta Junie percebe a afeição de seu professor por ela, e assim apaixona-se também por ele, mas diferentemente ela não quer se envolver, pois assim como sua personalidade instável, acredita ser aquele amor que seu professor nutre por ela. A dor do amor fere, mata por dentro, o desfecho não é suave e nem clichê, surpreende pela atitude de Junie em não vivenciar o amor de sua juventude, o tão batido romance professor/aluna. Nemours desolado simplesmente caminha, melancólico e pesaroso. Junie é uma incógnita, às vezes parece uma jovem madura, outras vezes inconsistente como a maioria dos jovens, na verdade acredito que ela não queira vivenciar o amor, mas apenas senti-lo. A paixão descrita por Nemours, em que seu estômago arde, suas pernas amolecem e suas mãos suam, aquela sensação de o coração querer sair pela boca, apenas por vislumbrar o rosto da amada, essa é a essência, depois de consumada, o que resta disso tudo? Até quando durará? Até ele encontrar uma jovem mais interessante e mais bonita? Essas questões passeiam pela mente de Junie, mas é impossível decifrá-la.
Aí fica a pergunta: Vivenciar uma paixão ou resisti-la? Acredito que por mais volúvel que seja uma paixão, ela nos dá sustentação mais tarde, serve de experiência no decorrer da vida. E se restringir a isso é permanecer com uma dúvida constante se daria certo ou não.
Louis Garrel queridinho do diretor Christophe Honoré faz de seu personagem belo e charmoso, nos trazendo um sentimento próximo daqueles romances tirados dos clássicos da literatura em que o amor é mostrado através de olhares, e esses olhares são tão significativos. Léa Seydoux interpreta de maneira melancólica e se encaixa perfeitamente ao cenário de uma Paris fria e cinzenta.
O amor é algo constante na trama, seu primo mantém dois relacionamentos, mas a verdade é mantida em segredo, a liberdade sexual da juventude é tratada com naturalidade, porém sempre se esquivando. É uma história de amores arrebatadores, regado a dores e momentos de reflexão.
Uma perspectiva diferente sobre o amor, nada convencional e nem um pouco açucarada; um filme tipicamente francês!
segunda-feira, 6 de agosto de 2012
O Cheiro do Ralo
Dirigido por Heitor Dhalia e adaptado da obra homônima de Lourenço Mutarelli, este longa decisivamente tem uma aura fétida. Selton Mello interpreta Lourenço, um homem repugnante, solitário, que trabalha na compra e venda de objetos nada úteis, ele utiliza o método de barganha com as pessoas, acredita que tudo tem um preço, inclusive a bunda de uma garçonete de quinta, ele simplesmente fica obcecado pela mulher, mas unicamente por aquela bunda. O personagem de Selton Mello é sarcástico, ele humilha as pessoas, utiliza seu poder para coisificar tudo ao seu redor, a aspereza do personagem é engraçada, porém o filme não é nada agradável. A principal provocação é em torno do vício, a busca insaciável pelo poder em torno do dinheiro.
O cheiro que vem do ralo do banheirinho do lugar onde trabalha a princípio o incomodava, sempre alertando que o fedor vinha de lá, e às vezes a pessoa nem estava sentindo, ou não estava preocupada com o cheiro, mas toda vez ele repetia isso às pessoas. Até que um cliente humilhado por Lourenço, respondeu que o cheiro de merda não vinha do banheiro, e sim de Lourenço, pois quem o usava era somente ele, então ele fedia. Isso o atordoou e o fez ficar mais neurótico. Lourenço se sentia poderoso, porque aquelas pessoas sempre precisavam de dinheiro, levavam objetos cada vez mais sem sentido, principalmente uma viciada, que tem papel fundamental no desfecho do filme. Ela é humilhada, usada, tudo porque necessita de dinheiro para saciar seu vício.
O filme tem um roteiro super inteligente, e contém cenas incríveis, como a que Lourenço senta no sofá com o segurança que trabalha para ele e começa a falar sobre o conforto, que o ser humano criou coisas maravilhosas e tal, mas aí o segurança rebate e diz que o homem também fez e faz coisas ruins, o lixo, por exemplo. Mas Lourenço responde que o lixo é o troco, para ocupar um bando que não está nem aí pro conforto. Lourenço é um ser humano totalmente neurótico, e fica obcecado por um olho de vidro que comprou, e através dele inventa histórias sobre um pai que morreu na guerra. Na verdade, o personagem é um coitado e não tem poder nenhum. Ele mora em um cubículo todo desarrumado, não consegue criar laços e nunca gostou de ninguém de verdade, resumo de uma vida triste e enfadonha.
O ralo é uma analogia perfeita para a vida nojenta de Lourenço, desde os objetos sem função que compra e vende, as pessoas que o rodeia, e o sentido de sua vida. É um filme frio, que retrata um ser humano sem escrúpulos e repleto de vícios. Lourenço não consegue se desfazer daquele fedor, pois a vida dele fede, ou seja, o cheiro do ralo que vem do banheirinho faz parte dele, é ele, como o personagem que queria vender o violino disse no começo do filme.
Com uma boa dose de humor negro e um universo de podridão que o permeia, faz ser um filme único e digno. Esse é um exemplo de filme nacional muito bem elaborado, inteligente mas sem soar intelectual.
Há muitas pessoas que não tem um gato para puxar pelo rabo, como diz o velho ditado, e ainda assim querem diminuir o próximo achando que é grande coisa.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
A Outra Terra (Another Earth)
"A Outra Terra" (2011) embora seja um filme de ficção-científica, apresenta apenas alguns conceitos sobre o tema, na verdade, funciona mais como um drama filosófico, tudo não passa de uma bela metáfora.
A jovem Rhoda, recém-saída da escola, acaba de ser aprovada para o programa de astrofísica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. John é um compositor cuja carreira está em plena ascensão. Na mesma noite em que o mundo testemunha a descoberta de um segundo planeta Terra no universo, os destinos dos dois se cruzam em um trágico acidente, onde Rhoda mata a mulher e o filho de John. Anos depois, sem que ele saiba quem é Rhoda, eles voltam a se encontrar e dão início a um romance. Mas a relação será assombrada pelos fantasmas do acidente.
No começo somos apresentados ao acidente que conduz a trama, ele é causado porque a protagonista fica vários minutos observando a suposta réplica da Terra (no momento ainda um minúsculo pontinho no céu), sem perceber que estava perdendo a direção. Algumas cenas mostram Rhoda presa, sempre distante e melancólica. Após ser liberta, ela vai em busca de um emprego, e logo a vemos trabalhando como servente nos corredores de um colégio. A limpeza, a faxina é a atividade que ocupa as mãos de Rhoda como metáfora, só que não adianta querer limpar, tirar uma mancha difícil, ou fazer desaparecer a pichação, pois tudo precisará ser refeito, sempre. Afinal, os erros do passado não se apagam com um simples pedido de desculpas, algo que Rhoda não consegue fazer quando fica frente a frente com o homem que sofreu a tragédia.
A maior força do filme se encontra nos momentos dramáticos, quando os personagens principais estão juntos. Sentimos as suas dores e passamos a torcer para que de alguma forma eles encontrem paz. Rhoda (Brit Marling) transpira arrependimento e sua apatia diante a vida só tende a crescer, enquanto John (William Mapother) ao descobrir que perdeu a mulher e o filho, se entrega ao completo sofrimento, evidenciado pela sua casa grosseiramente desarrumada.
A presença da outra Terra apresenta alguns conceitos interessantes, os roteiristas fogem ao máximo de explicações racionais para o fenômeno, ignorando qualquer reação física que deveria acontecer entre corpos tão grandes e tão próximos, deixando bem claro o propósito mais espiritual e reflexivo do acontecimento.
"Nas nossas vidas, temos nos maravilhado. Os biólogos têm investigado coisas cada vez menores. E os astrônomos, coisas cada vez mais distantes. Nas sombras do céu noturno, voltando no tempo e no espaço. Mas talvez, o mais misterioso de tudo não é o menor nem o grande. Somos nós, bem aqui. Poderíamos nos reconhecer? E se reconhecêssemos, conheceríamos a nós mesmos? O que diríamos? O que aprenderíamos com nós? O que realmente gostaríamos de ver se pudéssemos ficar diante de nós e olhar para nós mesmos?"
Desta forma, o filme abre espaço para questionamentos e dúvidas muito interessantes à respeito da existência e do funcionamento da "Terra 2", que aos poucos vamos preenchendo com nossas próprias teorias e esperanças. Alguns questionamentos são levantados, por exemplo, e se você tivesse a oportunidade de falar com outro você, o que diria a si mesmo? Como se livrar da culpa de ter destruído a vida de uma pessoa?.
O clima do filme é todo em cima de uma forma de esperança, de descoberta e de recomeço. Rhoda tem a oportunidade de ir para "Terra 2", mas será que ela de fato precisa ir para recomeçar a viver? A outra Terra não passa de um espelho da Terra original. Talvez os seus arrependimentos, toda a sua vida poderia ser resolvida ali naquele planeta, mas aí surge uma teoria, e a decisão que ela toma faz John ter esperanças de encontrar a sua família novamente, só que o final aberto não nos traz conclusões, e sim uma reflexão de que temos que enfrentar a nós mesmos antes de qualquer coisa.
O diretor Mike Cahill explora a depressão de ambos os personagens através de analogias com a outra Terra, e ainda faz questão de uma narração em off que se relaciona perfeitamente com os sentimentos da protagonista.
"A Outra Terra" é um filme belo e interessante, cuja proposta é curiosa garantindo boas reflexões.
A jovem Rhoda, recém-saída da escola, acaba de ser aprovada para o programa de astrofísica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. John é um compositor cuja carreira está em plena ascensão. Na mesma noite em que o mundo testemunha a descoberta de um segundo planeta Terra no universo, os destinos dos dois se cruzam em um trágico acidente, onde Rhoda mata a mulher e o filho de John. Anos depois, sem que ele saiba quem é Rhoda, eles voltam a se encontrar e dão início a um romance. Mas a relação será assombrada pelos fantasmas do acidente.
No começo somos apresentados ao acidente que conduz a trama, ele é causado porque a protagonista fica vários minutos observando a suposta réplica da Terra (no momento ainda um minúsculo pontinho no céu), sem perceber que estava perdendo a direção. Algumas cenas mostram Rhoda presa, sempre distante e melancólica. Após ser liberta, ela vai em busca de um emprego, e logo a vemos trabalhando como servente nos corredores de um colégio. A limpeza, a faxina é a atividade que ocupa as mãos de Rhoda como metáfora, só que não adianta querer limpar, tirar uma mancha difícil, ou fazer desaparecer a pichação, pois tudo precisará ser refeito, sempre. Afinal, os erros do passado não se apagam com um simples pedido de desculpas, algo que Rhoda não consegue fazer quando fica frente a frente com o homem que sofreu a tragédia.
A maior força do filme se encontra nos momentos dramáticos, quando os personagens principais estão juntos. Sentimos as suas dores e passamos a torcer para que de alguma forma eles encontrem paz. Rhoda (Brit Marling) transpira arrependimento e sua apatia diante a vida só tende a crescer, enquanto John (William Mapother) ao descobrir que perdeu a mulher e o filho, se entrega ao completo sofrimento, evidenciado pela sua casa grosseiramente desarrumada.
A presença da outra Terra apresenta alguns conceitos interessantes, os roteiristas fogem ao máximo de explicações racionais para o fenômeno, ignorando qualquer reação física que deveria acontecer entre corpos tão grandes e tão próximos, deixando bem claro o propósito mais espiritual e reflexivo do acontecimento.
"Nas nossas vidas, temos nos maravilhado. Os biólogos têm investigado coisas cada vez menores. E os astrônomos, coisas cada vez mais distantes. Nas sombras do céu noturno, voltando no tempo e no espaço. Mas talvez, o mais misterioso de tudo não é o menor nem o grande. Somos nós, bem aqui. Poderíamos nos reconhecer? E se reconhecêssemos, conheceríamos a nós mesmos? O que diríamos? O que aprenderíamos com nós? O que realmente gostaríamos de ver se pudéssemos ficar diante de nós e olhar para nós mesmos?"
Desta forma, o filme abre espaço para questionamentos e dúvidas muito interessantes à respeito da existência e do funcionamento da "Terra 2", que aos poucos vamos preenchendo com nossas próprias teorias e esperanças. Alguns questionamentos são levantados, por exemplo, e se você tivesse a oportunidade de falar com outro você, o que diria a si mesmo? Como se livrar da culpa de ter destruído a vida de uma pessoa?.
O clima do filme é todo em cima de uma forma de esperança, de descoberta e de recomeço. Rhoda tem a oportunidade de ir para "Terra 2", mas será que ela de fato precisa ir para recomeçar a viver? A outra Terra não passa de um espelho da Terra original. Talvez os seus arrependimentos, toda a sua vida poderia ser resolvida ali naquele planeta, mas aí surge uma teoria, e a decisão que ela toma faz John ter esperanças de encontrar a sua família novamente, só que o final aberto não nos traz conclusões, e sim uma reflexão de que temos que enfrentar a nós mesmos antes de qualquer coisa.
O diretor Mike Cahill explora a depressão de ambos os personagens através de analogias com a outra Terra, e ainda faz questão de uma narração em off que se relaciona perfeitamente com os sentimentos da protagonista.
"A Outra Terra" é um filme belo e interessante, cuja proposta é curiosa garantindo boas reflexões.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Gigante
"Gigante" (2009) é um filme simples e realista, de pessoas comuns que precisam sair de situações cotidianas, Jara enfrenta, como tantas outras pessoas, a timidez. Ele é vigia noturno de um supermercado e se apaixona por uma das faxineiras através das câmeras de segurança que ele acompanha pela madrugada. Solitário, de rotina vazia, de poucas palavras e amigos, Jara tem uma grande dificuldade em se aproximar de sua pretendente e prefere vigiá-la fora e dentro do supermercado, como um voyeur. Somos testemunhas de sua timidez aguda. São poucos os diálogos no filme e a direção é muito eficiente em expressar os sentimentos e sensações de Jara. Horacio Camandule confere enorme consistência a seu personagem, um sofredor apaixonado, e o reveste de complexidade, usando de sua expressão. É o tipo de filme em que o pouco é o bastante.
"Gigante", de Adrián Biniez cativa por ser uma história normal, o protagonista trabalha vigiando os outros, mas também há cenas das quais ele é vigiado, sem querer o diretor expressou o sistema atual em que vivemos, somos vigiados 24hs por dia, em qualquer lugar. A crítica surge de forma natural e mostra o quão pouco de privacidade temos. São vidas pequenas sendo agigantadas, o cotidiano tomando forma, nos aproximando de pessoas comuns. Seres humanos praticamente invisíveis, mas necessários para o movimento, no caso de Jara, o supermercado.
O romantismo masculino predominante no filme é demonstrado sutilmente, ele simplesmente a vigia fora e dentro do trabalho, não chega perto. A personalidade do protagonista é interessante, apesar de enfadonha, um grandalhão que escuta rock pesado. A parte em que ele descobre que Júlia, sua amada, também gosta de rock é das mais legais, parece que ele enxerga uma luz no fim do túnel e, talvez, um começo.
"Gigante" foge completamente dos esteriótipos, mostra como algo tão comum pode render uma bela história, e que lugares inusitados também podem despertar a descoberta de um amor e o fascínio por alguém. É um filme criativo, preciso e o diferencial o torna especial, promovendo um olhar mais detalhado sobre a vida cotidiana.
O filme tem uma ótima sacada sobre a vigilância, o big brother da vida real, a câmera que faz parte do dia a dia de muitas cidades, e que servem tanto para aproximar, como distanciar uns dos outros, inteligentemente sem debater o assunto o diretor coloca isso em questão.
A simplicidade na maioria das vezes é a que nos conta as melhores histórias.
Assinar:
Postagens (Atom)